sexta-feira, dezembro 09, 2016

O Casal, a Crise e os absolutos Preto/Branco


Eis um tema que surge com frequência nas consultas, e uma leve reflexão sobre ele:


Por vezes surgem tempestades e/ou testes a uma união entre duas pessoas que vivem uma historia de amor. Por vezes, a prematuridade com que surgem e respetiva intensidade podem deitar tudo a perder.

Porém, vínculos afetivos bem tecidos oferecem mais probabilidade para atravessar a dita tempestade ou teste. Mas o que dizer sobre estes vínculos?

Bom, estes são vínculos tecidos pela experiência conjunta, amadurecida e consolidada ao longo do tempo, da confiança (sobretudo!), da partilha, da cumplicidade, da intimidade, da sexualidade, da tolerância às diferenças, dos interesses conjuntos e daqueles criados a dois, dos momentos bons e da transformação dos menos bons, e de tudo aquilo mais que fizer sentido no encontro entre duas pessoas com suas respetivas individualidades. E isto… leva tempo, paciência e trabalho! Mas não garante imunidade, infelizmente.

Porém, quando estas experiências conjuntas, que subjazem à qualidade do vínculo, não são bem vividas e consolidadas, e logo logo surge uma crise, uma tempestade, exterior à união ou oriunda dos fantasmas de algum (ou ambos) dos companheiros, adequa-se a metáfora de uma união que tem de correr uma maratona sem realmente ter treinado o suficiente... ou mesmo, com um joelho lesionado… E o resultado não é difícil de prever. Outras vezes, é também verdade que o “fantasma” (vivências internalizadas patológicas ligadas às relações mais significativas de alguém e/ou partes dissociadas da própria personalidade) engendra crises que quase parecem independentes de qualquer força, palavra, atitude ou comportamento que o possam conter, por mais esforço que se faça.

Para um vínculo fortalecido há que viver. Há que fazer experiência a dois, consolida-la, amadurece-la. Há fundamentalmente que entender quais as experiências que para cada um dos parceiros fazem mais sentido e que são mais importantes serem vividas, ainda que essa ordem de importância possa ser mutável ao longo do tempo - porque somos seres humanos e não robôs programados rigidamente, e porque todos nós temos a experiência de deixar de ter sede quando bebemos. Há que estar lá a paciência e o diálogo, que por vezes se eclipsa perante a reatividade e a crítica/intolerância. Mas sem paciência e diálogo, como se constrói o amor?...

No jogo dinâmico da negociação de experiências conjuntas, existem duas realidades  perigosas… Passar por cima daquilo que o outro sente que são as suas experiências mais desejadas e necessárias, e, desconsiderar as próprias ou permitir que o outro parceiro o faça.
Por “experiências” podemos entender aqui os modelos internalizados individuais daquilo que se quer ou deseja viver a dois, que originam o desejo e a esperança de o viver e a possibilidade de se alcançar a felicidade ou a plenitude a dois. Entendam-se também as experiências que geram novos modelos ou transformam os anteriores. Aqui estão fundamentos vitais para o vinculo duradouro e coeso.

Há pelo menos três caminhos (certamente muitos mais!) para quando surge um impasse de dicotomia preto/branco… Cada um para seu lado; hoje preto, amanhã branco; e o cinzento. O branco não pode anular o preto, e vice versa, nem nenhuma das duas cores pode apagar-se perante a outra, pois perderiam a identidade e respetiva existência.

Por vezes, por algum motivo, o preto não se entende mesmo com o branco (e/ou vice-versa). Mais ainda, nem com o cinzento, ou com o rosa, ou com o vermelho, ou com cor alguma. Aí… resta apenas aceitar as diferenças e muitas vezes aceitar também que se fez tudo o possível no sentido da conciliação. Sempre com respeito e ponderação, sem censura do preto por ser preto ou do branco por ser branco.

Por vezes as diferenças psicológicas, de desejos e vivências podem mesmo ser inconciliáveis entre duas pessoas, para além dos esforços ou sacrifícios, mas torna-se falta de respeito e de consideração condenar ou acusar pejorativamente o outro por ser ou (estar em) “preto” ou “branco” em determinado momento. A percepção polarizada de realidades absolutas é particularmente destrutiva pois não permite vislumbrar contextos intermédios realistas, que não são todos pretos ou todos brancos, todos bons ou todos maus, mas que são sim cinzentos (por vezes mais pretos, por vezes mais brancos) e imperfeitos (contém aspetos bons e maus). È antagónica à maturidade e serenidade que se alicerça na compreensão em complexidade de nós mesmos e dos outros (que nós temos coisas confusas, contraditórias e por vezes menos boas em nós, não sendo apenas os outros que as têm, sendo importante nomear essas “partes” pessoais, para não se tornarem pontos cegos com potencial destrutivo para as nossas relações)

Este é um tema sensível, mais ainda pois numa relação as necessidades de cada um dos companheiros são interdependentes. Quando elas não são satisfeitas e bem negociadas à partida, podem gerar experiências de casal que não têm espaço para amadurecer, ou ficam castradas, suprimidas ou abafadas antes até de nascer. Em resultado, a força do vínculo (e do amor) não será tão robusta, e fica em risco de sucumbir se testado antes da devida conciliação e amadurecimento de experiências conjuntas, do que está ainda para nascer e ser vivido.

Quando alguém se esforça para ser atento ao companheiro ou companheira, sendo porém criticado em determinados momentos por não ser alguém atento de forma geral, ou sendo alvo de exigências irritadas ou impacientes devido à desatenção momentânea num determinado momento em que tal pessoa está mais preocupado ou preocupada com algo importante ou difícil, então há que repensar que talvez algo não esteja bem com algum dos membros do casal, ou com o casal em si. Daqui brotam muitas criticas “Ele só pensa nele”, “Ela só quer o meu cartão de crédito”, “Ela só está comigo por interesse”, etc. Por vezes estas premissas são verdadeiras, mas na maior parte das vezes o ser humano é tão mais complexo que isso. Como também o são os fantasmas que se infiltram nas lentes percetivas de cada um. Por vezes, deixa-se de ver tudo de bom que o outro têm e também a responsabilidade pessoal para os problemas em mão.



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