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quinta-feira, janeiro 02, 2014

Dinâmicas Patológicas na Relação Amorosa: Conflito e Instabilidade


Para quem almeja uma relação amorosa profunda e duradoura, a compreensão em profundidade sobre a complexidade de si próprio(a) e do outro é vital.

Uma dificuldade, incapacidade ou resistência acentuada na compreensão em profundidade e empática de nós mesmos e dos demais significa, entre outras coisas, que existem aspetos intolerados na nossa personalidade que rejeitamos e expulsamos da nossa consciência. Estes aspetos são tendencialmente evacuados para os outros por mecanismos psicológico tanto mais ativo quanto os níveis de ansiedade de uma pessoa e/ou a sua intolerância a determinados conteúdos psíquicos, ou dificuldade de pensar sobre eles.

A psicanálise mostra-nos como podem existir em nós fortes tendências psicológicas para expulsar para os outros, induzir e consequentemente recear e/ou controlar neles, desejos, impulsos, ideias ou aspetos pessoais rejeitados em nós mesmos. Por outras palavras, algo intolerável, aversivo ou muito ansiogénico em nós próprios pode ser facilmente transformado em “É o outro (e não eu) quem é, sente, pensa ou se comporta desta ou daquela maneira.” Seguem-se respostas de medo ou indignação face a esse outro, podendo surgir mesmo o ataque a esse outro, ou tentativas de o manter debaixo de controle.

Aquando deste funcionamento psicológico (identificação projetiva) perde-se a exatidão da percepção real do outro, substituída agora por uma percepção distorcida, colorida por aquilo que é atribuído ao outro (projetado sobre este). Um companheiro ou uma companheira infiéis ou com um forte desejo ou impulso para a infidelidade podem facilmente começar a acusar o parceiro de infidelidade, procurar controla-lo e ás suas atividades, etc.. O que é procurado no fundo não é a tranquilização de que não existe traição mas a sim a legitimação da desconfiança persistente, a confirmação de que esses aspetos infiéis pertencem ao outro e não ao próprio. Lamentavelmente muitas vezes essas acusações e esse controlo acabam por levar o outro ao desgaste e a tornar-se aberto a outras relações, o que acaba por concretizar a fantasia de infidelidade.

A intolerância ao reconhecimento de aspetos mais desagradáveis ou vulneráveis da nossa psicologia pode criar problemas significativos para a estabilidade e para a maturação do casal. Esses aspetos podem ser responsáveis por problemas importantes na relação amorosa, contudo a confrontação direta pode igualmente ser de tal forma problemática e intolerável que resulta em crises de atribuição ou projeção de culpa. Por outras palavras, a situação e os papéis invertem-se subitamente e naquele momento – emerge um sentimento de se estar a ser vítima de um outro sentido agora como fundamentalmente cruel, insensível, intolerante, culpabilizante, e logo, merecedor de ser agredido.

A confrontação abrupta com partes intoleradas da personalidade tendencialmente não promove insight ou ganhos de compreensão, mas um reforço das tendências projetivas,  entre outras, que neste caso acabam por atribuir ao outro a própria parte cruel, insensível e intolerante da personalidade.

A perda da aliança na relação amorosa

Sob o efeito dos mecanismos projetivos, e consoante uma maior atividade dos mesmos e também de um maior grau de fragilidade constitucional de uma dada personalidade, perde-se momentaneamente e parcialmente o contacto com a lógica racional. Dissipa-se, em maior ou menor grau, o contacto com as partes boas do outro, com as boas recordações que guardamos sobre ele ou ela, com as boas intenções e o desejo de amor dele ou dela por nós. Tudo isto desaparece, de uma forma aparentemente mais subtil ou mais radical, mais momentânea ou mais duradoura (ou mesmo irreversível, nos casos que resultam em rotura permanente da relação). 

A perda de contacto com as partes boas do outro impossibilita formar ou manter o contacto com um sentimento de aliança com esse outro – uma aliança securizante, que procura acolher e trabalhar questões individuais e conjuntas que atormentam a relação. Ao fim ao cabo a maioria de nós consegue aliar-se ao que e a quem gosta e com quem se consegue identificar. Esta aliança é a base para a possibilidade de transformação dos conflitos do casal e do acesso a novas vivências e novos equilíbrios na relação amorosa.

As fragilidades constitucionais da personalidade podem de facto ser tais que não há tolerância ao reconhecimento de vulnerabilidades pessoais. Fica então comprometida a capacidade de responsabilização pessoal aquando dos problemas na relação de casal, bem como a capacidade de ser formada essa aliança com o outro, com as partes boas do outro – as partes generosas, pacientes, compreensivas, gratificantes, tolerantes, apoiantes.

O conflito ou a instabilidade prevalecentes conduzem à insatisfação crónica, à estagnação e ao fim da relação amorosa. Ou então a um prolongar e a um suportar masoquistas da mesma, alicerçados muitas vezes na eterna esperança de uma mudança.

A relação psicoterapêutica na psicoterapia psicanalítica estimula na pessoa as suas vivências e padrões relacionais habituais, oferecendo uma oportunidade única para que, num contexto e numa aliança seguros e securizantes, possam ser trabalhadas e resolvidas questões em torno de, por exemplo, conflitos específicos e instabilidade nas relações afetivas da vida da pessoa.

Por Diogo Gonçalves
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Psicoterapia Psicanalítica: A cura na relação, pela relação


“O que é uma relação psicoterapêutica?”, “Como saberei se a tenho ou já a tive na minha vida?”, “Porque preciso dela?”. São estas as questões que organizam a nossa presente comunicação.

Relações há muitas. Relações mais íntimas ou mais superficiais, mais gratificantes ou mais frustrantes, mais sanígenas ou mais patogénicas, mais livres ou mais inescapáveis.

Aquela que verdadeiramente nos interessa aqui é a relação sanígena, que alberga em si verdadeiro potencial psicoterapêutico. É a relação com capacidade reparadora, desbloqueadora e promotora do desenvolvimento (inter-)pessoal e da criatividade. Relação   suficientemente boa, vivida plena e atempadamente para alguns, mas não para outros. Para alguns a realidade é a de falha desta relação, a de uma relação desajustada, insuficientemente vivida e precocemente perdida. Ou mesmo, o desconhecimento total desta relação.

Muitos de nós enquanto adolescentes e adultos continuamos (consciente ou inconscientemente) em busca desta relação, de forma mais intermitente ou mais incessante, na fantasia e na prática, de forma mais concreta ou mais abstrata. É frequente confundi-la, mistura-la com, ou procura-la em, outros tipos de relações,  as quais com alguma frequência se transformam sistematicamente em relações insatisfatórias, conflituais e inscritas num ciclo repetitivo de más relações que mais parecem ilustrar a crueldade do destino ou o tormento de um mau karma.

Compreensão e apoio emocional. Estes são dois dos mais vitais “nutrientes emocionais” que enquanto seres humanos procuramos nas nossas relações – dado que em certos casos psicopatológicos tanto a procura daquilo que o outro nos pode dar como a vivencia da dependência na relação com o outro são aspetos fortemente repudiados, de tal forma aterradores que fortíssimas resistências psicológicas (presentes por vezes durante toda uma vida) se colocam ao mero reconhecimento desta necessidade de depender do outro, de se poder ser e desejar ser cuidado.

A compreensão e apoio emocional, inscritos numa relação de verdadeira receptividade, envolvimento e preocupação empática, isenta de critica ou juízos de valor – que pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento da personalidade – permite a experiência profundamente sanígena de nos sentirmos compreendidos no nosso sofrimento e em todos os subsequentes desenvolvimentos. Por sua vez, a experiência da compreensão em profundidade da nossa complexidade e contradição moral, comportamental e emocional permite-nos o acesso à serenidade e à maturidade psicológica, bem como à capacidade de compreensão em profundidade do outro, e logo, à capacidade de estabelecermos relações mais profundas, genuínas e plenas.

Em condições ótimas a relação aqui descrita é apanágio das interações entre uma criança e os seus cuidadores principais durante a infância. Ela ajuda a organizar toda a experiência emocional do bebé e da criança, o que irá mais tarde influenciar a atitude do adolescente ou do adulto para consigo mesmo, para com o mundo e para com as relações, bem como o seu comportamento e a sua capacidade de pensar.

O apoio nesta organização emocional é bastante importante aquando das etapas maturativas da infância e dos conflitos emocionais que lhes subjazem. Consoante a maior ou menor elaboração destes problemas maturacionais em cada um de nós enquanto adultos, o significado inconsciente das ansiedades e dos problemas emocionais que nos afligem varia bastante de pessoa para pessoa, o que significa que a experiência desses stressores é diferente de pessoa para pessoa.

É também por este motivo que muitas vezes o conselho de um amigo ou amiga, ou mesmo de um cônjuge, não surtem esse efeito psicoterapêutico pois frequentemente, ainda que bem intencionados, esses conselhos não estão verdadeiramente dirigidos nem consideram a forma peculiar da outra pessoa sentir e organizar a sua experiência emocional. Ainda que os nossos amigos sejam sagrados, por vezes é preciso ir e procurar mais além.

É ao fim ao cabo esta a relação e a transformação oferecida pela psicoterapia psicanalítica. Mais que a cura pela palavra, a psicoterapia psicanalítica é também a cura pela relação.

Diogo Gonçalves
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

sexta-feira, outubro 18, 2013

Comportamentos Obsessivos – Animação genial


Uma das causa profunda da neurose obsessiva é o medo da morte.

Esta animação escrita, dirigida e animada por Laura Neovonen mostra de uma forma, a meu ver, genial a força da atracção do abismo e a luta titânica que a personalidade obsessiva empreende para dominar o impulso.




terça-feira, maio 10, 2011

Despiste precoce do autismo


O autismo é uma doença grave do desenvolvimento da criança que afecta aproximadamente 1 em 200 crianças. Frequentemente fala-se do "espectro do autismo" por ser uma categoria que, quando considerada no sentido lato, abrange uma variedade heterogénea de casos com maior ou menor gravidade e mais ou menos perturbados em várias dimensões psicológicas.

Os principais sintomas refletem-se a vários níveis: a nível social (evidentes défices sociais, evitamento do contacto ocular, falha empática básica...), a nível da linguagem (ausência de uma linguagem funcional na maioria dos casos, falar sobre o próprio na terceira pessoa, etc.), a nível cognitivo (a maioria apresenta um atrasa mental de moderado a grave) e, por fim, a nível de interesses restritos e repetitivos.

Infelizmente, esta doença é muitas vezes diagnosticada apenas por volta dos 6 anos de idade, altura em que os pais se apercebem mais claramente dos sintomas. É pois fundamental poder diagnosticar esta perturbação mais precocemente por forma a intervir no sentido de melhorar o desenvolvimento e aprendizagem da criança.

A equipa investigadora do Centro de Autismo da Universidade da Califórnia acabou de dar um excelente contributo precisamente nesta área: desenvolveu um pequeno questionário composto por 24 perguntas simples que permite despistar com grande fiabilidade perturbações graves do desenvolvimento (autismo, sobretudo) até aos 12 meses de idade! O estudo foi publicado no "Journal of Pediatrics".

Este questionário foi aplicado aos pais de mais de 10 000 bebés seguidos em Pediatria, pondo questões simples como "Quando o seu filho brinca, procura saber se está a olhar para ele?" ou "O seu filho sorri a olhar para si?". Os resultados foram os esperados de acordo com as estatísticas de incidência do autismo e permitiu a intervenção precoce e eficaz em todas as crianças que chumbaram neste teste.

A grande eficácia e simplicidade deste instrumento levou a que 96% dos pediatras envolvidos neste estudo (137 ao todo) continuasse a utiliza-lo como ferreamenta de triagem.