domingo, outubro 22, 2006

Palavras...


Ao pensar nas palavras para a composição do presente post, dou por mim a reflectir no valor e lugar que ocupam as palavras. As palavras que pensamos, ecoamos, dizemos, ... O valor das palavras no contexto da relação terapêutica. Já Freud, no seu artigo intitulado " A Questão da Análise Leiga" punha na voz da pessoa imparcial, inspirado em Hamlet, "Nada mais do que isto? Palavras, palavras, palavras, ...", sublinhando que as palavras são um instrumento poderoso na nossa prática clínica.
Mas, se as palavras assumem a sua qualidade na cosntrução literária, por exemplo, é no seu pronunciar, pela voz humana, que ganham seu mais íntrinseco significado. É quando ganham corpo no sentir de quem as profere que também em nós impelem seu valor semântico (?!), nem sempre correspondente ao significado real de quem as enuncia mas interiorizadas pelo sentido singular de quem as ouve..
Pensando mais uma vez no que se tece no espaço e tempo de uma relação terapêutica, as palavras por si só não revelam seu total valor mas o significado emocional que contêem, e o pensar sobre esse mesmo siginicado, num lugar onde reina a intersubjectividade é que elas talvez possam revelar mais de si. Pensar com alguém, na presença então de um outro que co-pensa. O poder das palavras eventualmente assume-se no aqui e agora, onde passado, presente e futuro (con)fundem-se. O acto de pensar as palavras no enlace relacional, numa Outra relação, numa nova relação, como diria Coimbra de Matos, ou como diria Widlocher, o co-pensamento que permite a prática associativa no contexto da relação terapêutico, embebe as palavras do que em si sustentam de mais profundo dos seres que as evocam e entoam...
Enfim, palavras soltas...

sábado, outubro 21, 2006

Filosofia Clínica

Na revista Sábado desta semana vem uma entrevista com o filosofo Lou Marinoff. Este filósofo é considerado o pai do aconselhamento filosófico ou filosofia clínica e autor "Mais Platão, Menos Prozac!".

Encontrei também num quiosque de revistas à venda o primeiro número de uma nova revista de Filosofia (brasileira) que também dá um enorme destaque à Filosofia Clínica. Parece ser uma modalidade de ajuda psíquica que começa a ter alguma aceitação e que na minha opinião poderá estimular algumas reflexões.

A Psicologia e a Filosofia são parentes próximos. A Filosofia é a mãe de todas as ciências, mas nos últimos anos tem vindo a perder, infelizmente, a sua condição de disciplina base na constituição da educação. A psicologia e a grande maioria das psicoterapias são “filhas” da filosofia, no entanto devemos questionar-nos sobre qual poderá ser o efeito de colocar filósofos a fazer o trabalho de psicoterapeutas. Ao ler os artigos que anteriormente referi fiquei “espantada” com a proximidade à psicoterapia existencial, de apoio e também, de forma mais superficial, à psicoterapia psicanalítica.

Poderá o aconselhamento filosófico ser suficiente para resolver os problemas psíquicos? Enquanto psicoterapeuta com mais de uma década de prática clínica, parece-me difícil que o aconselhamento filosófico seja capaz de ajudar pessoas com níveis de angústia muito elevados, mas acho genericamente a ideia interessante. Parece-me que é necessário que as pessoas se interessem mais por reflectir e pensar sobre si próprias e sobre a vida que têm. Se entendi bem, os recursos técnicos da filosófica clínica passam principalmente pelo aconselhamento da leitura de obras filosóficas e posterior analise das mesmas em conjunto com o cliente e a articulação dessas filosofias com a vida pessoal e concreta da pessoa que se sente angustiada. Esta abordagem técnica parece-me ter à partida uma limitação porque a maioria das pessoas não é capaz (leia-se não tem interesse suficiente, ou nalguns casos, a capacidade de abstracção suficientemente desenvolvida) de ler um romance, sendo pois improvável que o façam com uma obra filosófica.

No artigo da revista Filosofia a prática da filosofia clínica aproxima-se bastante do trabalho realizado em psicoterapia psicanalítica influenciado pelo pensamento de Wilfred Bion, mas num nível que me parece ainda bastante superficial e banhado por um optimismo ingénuo. Estará, contudo, a filosofia a fazer uma aproximação à psicologia/psicanalise?

Algumas ideias da Filosofia Clínica:

“As pessoas devem deixar as muletas e arranjar recursos interiores para enfrentar os problemas”;

“Considerando a Filosofia como uma atitude de construção de conceitos a partir de um problema de uma realidade singular, a Filosofia Clínica coloca-se como uma terapêutica centrada na pessoa e no respeito à sua singularidade, dispondo-se a pensar sobre o problema apresentado pela pessoa, a partir do plano da realidade singular dessa mesma pessoa”;

“O filósofo assume a função de cuidador, investido do conhecimento produzido em toda a história da filosofia”.

“Quando um partilhante procura um filosofo clínico, em geral o faz porque algo o incomoda. Em conversa inicial, filosofo clínico e partilhante estabelecem o primeiro momento da cínica: a intersecção, a qualidade da relação entre ambos. Após a conversa, o partilhante preenche uma ficha clínica com dados pessoais, termo de esclarecimento e consentimento para o trabalho clínico. Partindo do principio que nos construímos a partir da história de nossas vivencias, o próximo passo consiste em colher o histórico de vida do partilhante, contado por ele mesmo, cronologicamente e em detalhes. Esse histórico servirá de fonte para a obtenção de dados sobre os três eixos fundamentais: Exames categoriais, Estrutura do pensamento e Submodos.

Enquanto o partilhante conta a sua história, o filósofo clínico limita-se a interferências mínimas, apenas para permitir a intersecção, pedindo continuidade, levando a pessoa a retomar o curso da sua história em caso de este se perder.
O filósofo clínico entende que o partilhante poderá, inicialmente, omitir dados, distorcê-los, mentir, inventar, entre outras coisas. Ainda assim, os dados distorcidos o são a partir de referenciais do partilhante. Sua Estrutura de pensamento desvenda-se ainda que o histórico contenha distorções.

No procedimento seguinte, Divisão, a história do partilhante é recontada, agora com delimitação de períodos, para que sejam feitas correcções e aquisição de mais dados, pois ao contar a história, o partilhante poderá optar por uma linha de raciocínio, contando, por exemplo a sua história familiar, escolar, de trabalho, ou afectiva, deixando de lado muitos outros elementos vividos. O procedimento divisório é repetido inúmeras vezes até que não surjam dados novos.

Terminada a divisão é o momento dos Enraizamentos. Trata-se de um processo epistemológico para pesquisar o conteúdo de termos e estabelecer relações e testar hipóteses clínicas”.
In Filosofia, (1) Ano I, 2006, Ediora Escala. pp. 70-81

Penso que a filosofia clínica é uma corrente com potencial, se bem que ainda esteja numa fase bastante inicial. Será algo a acompanhar com interesse.

terça-feira, outubro 17, 2006

O amplo feminino...

“…enquanto mulher interrogo-me e procuro argumentos para a desqualificação e o silenciamento que marcam algumas visões e discursos sobre o género feminino, visões e discursos segundo os quais algo na mulher seria/ teria uma segunda natureza, natureza essa que teria de ser domada ou dominada, o que também significa silenciada e excluída.”

Maria Emília Marques, "Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio",
Revista Portuguesa de Psicanálise, nº 23, 55-74

quinta-feira, outubro 12, 2006

As Armaduras e o Destino: Um Conto Sistémico

“Era uma vez dois jovens que, interessando-se um pelo outro, decidem fundar uma família. Provinham ambos de famílias de longas tradições, mas essas tradições eram muito diferentes pelo seu conteúdo.
As indicações que essas tradições davam pareciam sobretudo dizer respeito ao comportamento que se esperava dos homens, o que na época não era raro.
Na família do rapaz, eram descritos como fortes, impulsivos, de temperamento quente, mas também briguentos e irritáveis. Pelo contrário, na família da rapariga, eram vistos como estáveis, tranquilos e justos. Acima de tudo, o rapaz não queria transmitir a herança da sua linhagem. Sofria ainda com frequentes conflitos provocados pelo pai.
Os dois jovens casaram e, no mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho. Ela tinha 20 anos e ele 25. Cinco anos depois, têm, novamente, um filho do sexo masculino e, dez anos depois, uma menina.
O jovem, que agora se tornou pai, preocupava-se em proteger os seus filhos dos problemas e dos perigos do mundo, cada vez em maior número, que via aumentar sem interrupção. Para cada um dos filhos fabricou uma armadura que deveria assegurar-lhes alguma protecção. A mãe tinha dificuldade em compreender a necessidade das armaduras mas, por outro lado, não queria opor-se ao que o marido fizesse para o bem dos filhos.
Enquanto eram pequenos, os filhos satisfaziam-se muito com essas armaduras. À medida que foram crescendo, começaram a tornar-se incómodas e constrangedoras. Tornaram-se muito apertadas e sufocantes. As armaduras eram agora mais um constrangimento do que uma protecção mas, estranhamente, os filhos tinham dificuldade em as despir e guardar.
As angústias dos pais foram então tristemente confirmadas. O filho mais velho caiu do cavalo. A pesada armadura não o ajudou e ficou gravemente ferido. Os pais trataram-no o melhor que puderam, mas ficou com algumas perturbações.
No interior da sua armadura, o filho mais novo sentiu dificuldade em respirar e angústia. Contudo, recusou deixar a armadura. Preferiu morrer.
Quanto à rapariga, a armadura impediu-a de ter contacto com o próprio corpo. Os seios e as ancas pareciam-lhe estranhos porque não tinham lugar no envelope de metal. Experimentou deixar de comer para poder aguentar-se na armadura. Os pais tentaram fazê-la sair da armadura mas parecia que ela não conseguia acreditar nas palavras que eles pronunciavam. Queria guardar para si a armadura, embora todo o crescimento constituísse um sofrimento terrível. Chegou mesmo a acontecer assustar-se com a ideia de assimilar não apenas o alimento mas também o saber. Porque o saber podia também contribuir para a fazer crescer e aumentar, assim, o esmagamento no interior da armadura; daí, sem dúvida, o facto de afirmar ser muito estúpida para aprender o que quer que fosse, tentando, deste modo, proteger-se do conhecimento”(cit. in Caillé, P.; Rey, Y., 2003, pp. 87).

O conto sistémico é uma técnica psicoterapêutica que permite aos elementos da família “verem-se ao espelho”, transportando-os para uma família imaginária, que é, e ao mesmo tempo não o é, visto ser a família consultada. O trabalho é feito sobre o modelo fundador da família, fazendo sobressair o “Absoluto Familiar da sua posição de paradigma dominante e inconsciente, triangulando-o como objecto de relação entre a família e o terapeuta. Através dessa narração-mensagem, este último propõe uma representação metafórica que veicula uma alternativa entre as finalidades de pertença (lealdades familiares) e as finalidades de inserção na sociedade (individuação)”(cit.in Caillé, p.92). O conto provoca o aparecer das contradições entre a necessidade de preservar o Absoluto Familiar, segurança da identidade familiar, e a necessidade de inserção na comunidade, indício de autonomia.
Como vemos no conto descrito, a família é confrontada com o seu modelo próprio num contexto simbólico dado pela armadura, introduzindo dessa forma o aspecto rígido e defensivo do seu funcionamento.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Édipo - Tragédia Grega

Num dos anteriores posts foi feita uma alusão ao mito de Édipo, pelo que, aqui fica a tragédia grega de Sófocles.

Laio, Rei de Tebas e marido de Jocasta, vivia amargurado por não ter filhos, pelo que, decidiu consultar o Oráculo, tendo-lhe, este, advertido que filho que gerasse havia de o assassinar. Apesar das advertências, Jocasta engravida e Laio, quando o bebé nasceu, ordenou a um servo que o pendurasse pelos pés numa árvore, para que este morresse. Daí o nome Édipo (que significa pés inchados).

O servo de Laio, desrespeitando as ordens, acabou por colocar a criança num cesto e jogou-a ao rio, acabando este, por ser resgatado por um rei duma terra distante, que o elegeu como seu filho. Este, já homem, também consultou o Oráculo, o qual o aconselhou a evitar a sua pátria, pois iria ser o assassino de seu pai e marido de sua mãe. Desconhecendo as suas origens e pensando-se filho de Pôlibo e Mérope, reis de Corinto, Édipo decidiu partir rumo a Tebas. Durante o seu percurso, e no meio de uma encruzilhada, deparou-se com um velho com o qual manteve uma acérrima discussão acabando por matá-lo.

Chegado a Tebas decifrou o enigma da Esfinge (monstro com cabeça de mulher e corpo de leão), que impossibilitava a entrada na cidade, e como nunca ninguém o havia decifrado, a Esfinge jogou-se ao mar, tendo Édipo libertado a cidade da sua maldição. Creonte, irmão de Jocasta, havia prometido a mão desta a quem libertasse a cidade da Esfinge, ganhando assim, Édipo, o direito a casar com Jocasta, agora viúva.

Casaram, Édipo foi proclamado Rei e tiveram dois filhos e duas filhas, reinando sem grandes dificuldades, até ao dia em que se instala a peste na cidade e Édipo decide consultar o Oráculo, que lhe refere que a peste cessaria quando fosse expulso o assassino de Laio. Édipo dispôs-se a encontrá-lo, mas quando se apercebeu que ele próprio fora o assassino de Laio, seu pai, e o esposo de sua mãe, e vendo que apesar de fugir contra a profecia esta acabou por se realizar, arrancou os olhos e deixou a sua pátria.

domingo, outubro 08, 2006

Um artigo sobre Repetição e Estilo em Almodôvar

A-propósito do filme de Almodôvar – Voltar, encontrei um artigo muito interessante sobre a Repetição e o estilo de Almodôvar.

Vale a pena ler, este é o resumo:

"A trajetória teórica de Freud o leva a considerar a repetição como um elemento estrutural do sujeito. Sendo a repetição inevitável, porque constituinte do ser humano, interessa-nos entender como esse fenômeno pode ser identificado e interpretado através de uma produção artística. A nossa tentativa, portanto, é de buscar o sujeito dentro do discurso do texto cinematográfico. Para tanto, analisaremos três filmes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, identificando o que se repete dentro de cada obra e de uma obra para outra. A partir desse levantamento, acreditamos poder identificar o que se constitui no estilo do autor, conforme essa noção é entendida por Foucault. As obras analisadas serão Matador (1985), De Salto Alto (1991) e A Flor do meu Segredo (1995)."

Volver de Almodôvar

Uma das nossas leitoras, há já algum tempo, chamou-me a atenção para o novo filme de Almodôvar e disse que gostaria de ler um comentário nosso sobre ele. Finalmente fui vê-lo.

Acho que o filme fala, entre outras coisas, da transgeracionalidade da psicopatologia e, obviamente, do incesto. É um filme que excluí o masculino. Os homens que aparecem são secundários e representam de alguma forma, o mau. São os homens que violam, que abusam, que são desrespeitosos e insensíveis. Na minha opinião, o filme contém um ataque ao masculino.

É um filme catalogado como surrealista mas, na minha opinião, é até muito realista em muitas das coisas que retrata, nomeadamente no dia-a-dia da vida e realidade espanhola.

Para quem não viu o filme vou tentar resumi-lo em meia dúzia de palavras. Fala de uma família (mãe, pai, tia e duas irmãs) que cresceram numa pequena povoação. Uma das irmãs (Raimunda) foi abusada sexual pelo pai e engravidou dele com completo e absoluto desconhecimento da mãe. Após a gravidez, Raimunda não revela o nome do pai da sua filha e sai de casa, ressentida e magoada com a mãe por esta não a ter protegido do abuso de que foi alvo. O pai, incapaz de lidar com as consequências dos seus actos, emigra temporariamente e quando regressa continua infiel à mulher (Carmen Maura), mantendo relações extraconjugais, inclusivamente com a vizinha da frente.

A bebé fruto da relação incestuosa nasce e quando tem 14 anos vê-se em circunstâncias semelhantes à da sua própria mãe, isto é, o companheiro da mãe que ela pensava ser o seu pai, tenta abusar sexualmente dela. A diferença é que a adolescente (Yohana Cobo) mata o pai para evitar o abuso e a mãe protege-a, cuidando para que o homicídio não seja descoberto. Dez anos depois da concepção incestuosa, a mãe de Raimunda mata o marido quando ele dormia a sesta com a amante e mata-o porque ficou a saber do incesto. Nenhum dos homicídios é condenado no filme, ambos aparecem como justificados e ninguém é punido por neles, nem sequer é perceptível o sentimento de culpa ou o remorso.

Volver fala da transgeracionalidade da psicopatologia na medida em que vemos a reprodução em duas gerações diferentes de uma mesma situação. A filha abusada sexualmente pelo pai e grávida deste, escolhe para seu companheiro um homem que vai tentar abusar da sua filha quando ela tem uma idade próxima há que ela própria tinha na altura em que foi abusada pelo seu pai. Diríamos que inconscientemente, Raimunda (Penélope Cruz) aceitou a filha fruto da relação incestuosa, mas não foi capaz de “resolver” a zanga e ódio com que ficou em relação aos seus pais, principalmente ao seu pai, o agressor. Este ódio não resolvido passou inconscientemente como legado transgeracional e foi “depositado” na filha que perante uma situação semelhante àquela que a sua mãe tinha vivido age o ódio materno, matando o pai. Raimunda revive a situação de que foi vitima 14 anos antes e contrariamente à sua própria mãe, coloca-se do lado da filha e enterra o marido. A nova situação de incesto ajuda a resolver o “trauma” que tinha ficado bloqueado. A nova aproximação entre mãe e filha (Raimunda e a sua mãe) acontece à custa da morte do pai (morto num incêndio causado deliberadamente pela mulher), como se tivesse sido reposta a justiça. A pressão para que a verdade sobre o 1º incesto se saiba é exercida pela filha da vizinha (Agustina/ Blanca Portillo) que insiste em saber o que aconteceu à sua mãe.

Num certo sentido, poderíamos dizer que este filme é uma aproximação ao mito de Édipo, há um elemento que pressiona para que a verdade seja investigada (como a esfinge em Édipo); há uma relação incestuosa (como Édipo e Jeocasta) e há a necessidade de voltar ao passado para resolver ódios e rancores não digeridos. A grande diferença está no facto de em Volver (que significa voltar em português) o masculino é aniquilado e os “maus” estão apenas num dos lados; não há densidade psicológica matizada pela ambivalência do desejo. Os homens são agressores e as mulheres são vítimas. As mulheres tornam-se agressoras para repor a justiça depois de terem sido vitima. Na minha opinião o filme peca por ser sexista, mas mostra a crença (inconsciente) provavelmente fortemente instalado em muitas pessoas, de que os homens são potencialmente agressores e as mulheres vitimas; mas que o dia da vingança acabará por chegar.

É precisamente na aniquilação do masculino que me parece que o filme perde o seu grande potencial. A transgeracionalidade mostra a importância de “recordar, repetir e elaborar”, isto é, mostra como para aprendermos a lidar com um determinado episódio traumático temos que o recordar e por vezes repeti-lo experiencialmente para que o possamos elaborar definitivamente. O próprio processo psicanalítico é, num certo sentido, uma forma de criar condições apropriadas para que a pessoa possa recordar, repetir e elaborar. Contudo no filme, a parte do elaborar não é suficientemente trabalhada, não há uma verdadeira elaboração da experiencia traumática de ter sido abusada sexualmente pelo pai, há sim, o agir de uma vingança e a aniquilação do agressor. Matar o pai não é solução na medida em que esse mesmo acto é gerador de um outro trauma, como dizia a adolescente para Raimunda “pensas que é fácil ter de lidar com o facto de sabermos que matámos o nosso próprio pai?” (citação reproduzida de memória). No filme a adolescente não mata verdadeiramente o pai, porque o seu verdadeiro pai era o seu avô. Portanto, na verdade, no filme, nenhuma filha mata o seu próprio pai; mas a fantasia é a de que a filha mata o pai.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Blogs interessantes

Três blogs interessantes:

Sobre Banda Desenhada: Cara de BD
Sobre Enfermagem Pediátrica: Criancices
Sobre Filosofia, Cultura e Política: Odisseus

domingo, outubro 01, 2006

Bruxismo - O que é isso?

Hoje decidi falar acerca do Bruxismo e sua definição etimológica, isto porque, outro dia, no meu local de trabalho, fui abordada por uma professora que me queria colocar uma questão acerca do ranger dos dentes durante o sono e se este acto se poderia associar a causas psicológicas.
Após ouvi-la, referi que se tratava de um distúrbio do sono e que se designava por Bruxismo, ao que me respondeu, "O que é isso?" provocando até, um gargalhar entre nós, causado pela sua designação ciêntífica, que, à primeira impressão, nos conduz para uma associação com fenómenos da ordem do profano.
Bruxismo provém da palavra grega Brychein que significa constrição/apertar - que se reflecte na actividade de ranger os dentes. Esta actividade está presente em muitas crianças, assumindo carácter patológico quando se desenvolve diáriamente.
Este distúrbio do sono insere-se nas Parassónias, que são perturbações caracterizadas por comportamentos anormais ou acontecimentos fisiológicos que ocorrem em associação com o sono e implicam a activação do sistema nervoso autonómico (DSM-IV).
Daí que, por vezes, uma das causas referidas para este acontecimento tenha que ver com alterações neurológicas, mas na maioria dos casos, são situações stressantes e ansiogénicas que estão na origem deste distúrbio.
No que concerne a tratamento, estas situações são, muitas vezes, apenas observadas em Odontologia, com a aplicação de uma placa que promove a estabilidade mandibular e reduz a actividade tensional, mas e o estado emocional stressante e ansioso que está na origem destes espasmos? É preciso não esquecer que o Bruxismo comporta, na sua etiologia, factores como a agressão contida, a tensão emocional e a frustração, o que se associa, indelévelmente, com a perturbação da ansiedade e com a gestão do impulso agressivo.
Para além de todos os tipos de tratamento que se possam efectuar, é necessário não descurar a componente psicológica devendo-se trabalhá-la em psicoterapia, por forma a actuar ao nível da redução da tensão emocional, da agressão reprimida, da ansiedade, da raiva e do medo.

Dia Mundial do Idoso

O envelhecimento continua a ser visto como uma condição de profunda degradação. Os idosos são infantilizados e desvalorizados como se fossem excluídos sociais.

Cabe-nos a todos, e particularmente a nós psicólogos, contribuir para a construção de uma nova imagem associada ao envelhecimento. À medida que a pirâmide do envelhecimento se transforma num rectângulo devemos compreender que a faixa etária dos 65 aos 80 engloba um número cada vez maior de pessoas cujas qualidades e competências se mantêm suficientemente activas para serem cidadãos tão válidos como quaisquer outros.

Os cuidados de saúde mental nesta faixa etária são extremamente negligenciados. De acordo com as estatísticas os idosos sofrem menos perturbações psiquiátricas do que os outros adultos; contudo empiricamente é possível perceber que as estatísticas não correspondem à realidade. Esta discrepância assenta, na minha opinião, em dois factores fundamentais: por um lado, são efectivamente diagnosticadas menos as doenças psiquiátricas graves a eclodirem em idades avançadas e por outro, as perturbações psicológicas são genericamente consideradas “normais” e consequentes aos efeitos do envelhecimento.

Há, na minha opinião, dois problemas fundamentais. O primeiro prende-se com a inexistência de critérios de diagnóstico devidamente aferidos para as pessoas de idade avançada. O segundo está relacionado com a ignorância e a reduzida informação sobre os efeitos do envelhecimento generalizados, gerando confusões frequentes entre o efeito da idade e as perturbações psíquicas. É frequente diagnosticarem-se patologias cerebrais orgânicas deficitárias, em vez de se compreender a complexidade das dinâmicas conflituais. Esta situação ocorre, no meu entender, demasiado frequentemente, e impede uma intervenção adequada, tendo consequentemente um impacto negativo sobre a qualidade de vida dos mais velhos.

sábado, setembro 30, 2006

Um breve Olhar sobre a Terapia de Casal

“A terapia de casal é a modalidade de terapia familiar mais difícil de fazer. Trabalhar racionalmente sentimentos que são profundamente irracionais é complexo. A construção de uma relação marital começa pelo sentimento de amor inexplicável. Ninguém sabe porque ama e, quando tenta saber, estraga tudo” (cit. in Gameiro, 1994, pp.38).

Cada cônjuge traz consigo uma história, uma família, cujas heranças familiares são transportadas para a relação, com todos os mitos, regras, valores, lealdades, em que a relação que cada um tem com a sua família de origem, poderá originar conflitos interaccionais.
Para além desta compreensão individual de cada elemento da díade e padrões relacionais, a perspectiva sistémica em terapia de casal, assenta num olhar sobre a relação conjugal, cujo conflito não é resultado de problemas de um ou outro elemento do par, mas sim em que todo o sistema está envolvido, tendo em conta o seu ciclo vital. O objectivo é que a relação se torne mais satisfatória para o casal, numa aceitação de que, como refere Gameiro, “não é possível mudar o outro, o melhor que se consegue é que o outro mude qualquer coisa na relação”, quebrando mitos impossíveis e desgastantes e promovendo a mudança, nunca privando a liberdade de escolha do casal relativamente ao futuro da relação.

“Soneto do amor total”

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Poema de Vinicius de Morais (Livro de Sonetos, 1951), retrata um tema tão falado e discutido, tantas vezes escrito e pronunciado, tantas vezes sofrido e desejado.

Desde as histórias infantis, dos príncipes e princesas, desde os poetas que aprendemos até aos livros que nos despertam a atenção pelos títulos curiosos, desde Eros e Psique, simbólico do percurso doloroso da procura da unificação entre o Amor e a Alma... desde as nossas relações afectivas e das nossas histórias, que procuramos o “soneto de amor” na nossa vida.

Deixo então aqui a reflexão: Mas afinal o que é o Amor?

segunda-feira, setembro 25, 2006

Limpa Chaminés

"-Por favor, limpe a chaminé sobre a paixão e a vida - incitou Nietzsche.
- Uma das minhas pacientes é uma parteira - prosseguiu Breuer. - Está velha, encarquilhada, sozinha. Sofre de problemas cardíacos. Mesmo assim, está apaixonada pela vida. Certa vez, perguntei-lhe a fonte da sua paixão. Respondeu-me, então, que era o momento entre erguer um recém-nascido silente e o dar-lhe a palmada da vida. Ela renovava-se, assim dizia, pela imersão naquele momento de mistério, aquele momento entre a existência e o esquecimento.
- E consigo, Josef? O que se passa?
- Sou como a tal parteira! Quero estar próximo do mistério. A minha paixão por Bertha não é natural; é sobrenatural, sei disso, mas preciso de magia. Não consigo viver a preto e branco.
- Todos precisamos de paixão, Josef - interrompeu Niestzsche. - A paixão dionísica é vida. Mas a paixão tem que ser mágica e aviltante? Não haverá uma forma de dominar a paixão? Deixe-me falar de um monge budista que conheci o ano passado em Engadine. Vive uma vida frugal. Medita durante metade das suas horas de vigília e passa semanas sem trocar uma palavra com ninguém. A sua dieta é simples: uma única refeição por dia, aquilo que conseguir que lhe dêem, talvez uma maçã. Mas medita sobre a maçã até que esta prenhe de vermilhidão, de suculência e de vivacidade. Ao fim do dia, apaixonadamente, antecipa a sua refeição. A conclusão é, Josef: não precisamos de renunciar à paixão, mas temos que mudar as nossas condições para a paixão.
Breuer concordou, com um movimento da cabeça."


Quando Nietzsche chorou de Irvin D. Yalom

domingo, setembro 24, 2006

Aniversário da morte de Freud

Freud morreu a 23 de Setembro de 1939

Apesar de já ter morrido há 67 anos Freud continua a ser o único nome que a maioria das pessoas associa à Psicanálise.

Freud construiu as fundações de uma forma especial de olhar, intervir e pensar a vida mental. A Psicanálise deve a Freud a sua existência, assim como todos devemos a Edison a lâmpada eléctrica. No entanto, prendermo-nos demasiado a Freud pode induzir-nos no erro de pensarmos que a Psicanálise se reduz há vasta obra que Freud produziu.

Nos últimos 60 anos a Psicanálise sofreu modificações profundas, tendo inclusivamente gerado um número muito significativo de escolas que se desenvolveram em ramos específicos de intervenção, nomeadamente na psicologia dos bebés e dos recém-nascidos.

A Psicanálise é uma corrente viva e aberta à integração dos avanços que a sociedade vai adquirindo, e não um saber estático e cristalizado no princípio do século passado. Independentemente da influência e actualidade que as ideias de Freud inegavelmente tenham, é importante reconhecer a Psicanálise como corrente em constante evolução.

Abundam os preconceitos e as ideias feitas sobre a Psicanálise. Um dos objectivos deste blog é oferecer um espaço para que esses preconceitos possam ser desfeitos e contribuir para a divulgação da Psicanálise actual, sem no entanto esquecer as suas origens e influências.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Identificação ao agressor

No número de Setembro da revista Psicologia Actual vem um artigo sobre a síndrome de Estocolmo e o caso de Natascha Kampusch. O caso foi muito falado em Agosto pelo que não me irei detalhar nele.

Nesse artigo (não assinado) vem referido o mecanismo de identificação ao agressor como sendo um dos “responsáveis” pela simpatia que as vitimas têm em relação aos seus agressores. Na caixa 1 o autor tenta explicar o mecanismo de identificação ao agressor, mas na minha opinião, falá-lo de forma incorrecta. Na identificação inconsciente ao agressor não se desenvolve uma simpatia para com o agressor, mas uma espécie de assimilação da identidade do agressor, a vítima torna-se ela própria agressora. No caso de Natascha tratar-se-ia de identificação ao agressor se ela própria raptasse uma criança e fizesse com essa criança algo aproximado ao que lhe fizeram a ela.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Burnout e Depressão

Segundo Schaufeli e Enzmann (1998) “Burnout e sintomatologia depressiva não são simplesmente dois termos para iguais estados disfóricos. Sabemos que compartilham apreciável variância, especialmente quando a exaustão emocional está envolvida, mas os resultados não indicam completo isomorfismo. Nós concluímos que o burnout e a sintomatologia depressiva não são conceitos redundantes.”

Talvez a questão a colocar será “ Até que ponto, a classe médica não estará a banalizar o burnout, como um mal da sociedade, sem dar ao trabalho de fazer um diagnóstico completo da personalidade do sujeito?”

Afinal não são os acontecimentos que nos perturbam, é o modo com encaramos os acontecimentos que nos pode perturbar!

Mas esta é apenas a minha opinião…

Agora gostava de saber qual é a vossa?

domingo, setembro 17, 2006

Psicoterapias na Idade Avançada

No próximo dia 7 de Outubro vamos dar um curso introdutório sobre Psicoterapias na Idade Avançada no Instituto Superior Miguel Torga em Coimbra.

Tem havido, na minha opinião, até há relativamente pouco tempo uma grande negligência por parte dos psicólogos no apoio psicológico e psicoterapêutico à faixa etária que não se enquadra nos grandes idosos (acima dos 80 anos), mas que também já não corresponde inteiramente à psicologia mais banal do adulto. Refiro-me a todas as pessoas que se encontram entre os 60 e os 80.

Estas pessoas estão numa situação especial, ainda não se têm que defrontar com os grandes problemas de saúde que atingem os grandes idosos, mas sentem de uma forma muito clara que uma parte substancial da vida já foi vivida.

Frequentemente as pessoas deste grupo etário tendem a deprimir e a desinteressarem-se por elas próprias, mas raramente recorrem a um psicoterapeuta que as possa ajudar.

Se nós enquanto profissionais passarmos a estar mais atentos às necessidades específicas das pessoas deste grupo etário, então, muito provavelmente as pessoas também passarão a estar mais atentas a si próprias e a sentirem-se capazes de recorrer à nossa ajuda.

terça-feira, setembro 12, 2006

Necessidade de domínio

Há algum tempo atrás um dos meus pacientes enviou-me um e-mail com um poema que nos faz reflectir sobre a questão da posse e da necessidade de domínio sobre o outro. A forma como nós tendemos a pensar nos outros e, mais concretamente, nos nossos filhos como “propriedade” nossa é profundamente prejudicial porque não permite que a criança cresça para ser quem é.

É muito difícil mas muito importante respeitar o outro na sua individualidade.

Os Filhos

Os vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da Vida que anseia por si mesma.
Eles vêm através de vós mas não de vós.
E embora estejam convosco não vos pertencem.
Podeis dar-lhes o vosso amor mas não os vossos pensamentos, pois eles têm os seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar os seus corpos mas não as suas almas.
Pois as suas almas vivem na casa do amanhã, que vós não podereis visitar, nem em sonhos.
Podereis tentar ser como eles, mas não tenteis torná-los como vós.
Pois a vida não anda para trás nem se detém no ontem.
Vós sois os arcos de onde os vossos filhos, quais flechas vivas, serão lançados.
O arqueiro vê o sinal no caminho do infinito e Ele com o Seu poder faz com que as Suas flechas partam rápidas e cheguem longe.
Que a vossa inflexão na mão do Arqueiro seja para a alegria; Pois assim como Ele ama a flecha que voa,
Também ama o arco que se mantém estável.

Khalil Gibran

domingo, setembro 10, 2006

Definições de Burnout.

Este termo cada vez mais está a entrar no nosso vocabulário profissional. Por vezes é usado abusivamente, sendo um saco largo e profundo onde se pode colocar tudo o que está ligado ao cansaço e insatisfação profissional.

Como tal, é importante aceder ás definições dos investigadores na área para conseguir usar o termo com maior rigor.

Para Pines, Aronson (1988), burnout é o “estado de exaustão física, emocional e mental causado por um grande período de envolvimento em situações emocionalmente exigentes”, e “ envolvimento repetido em situações que requerem recursos emocionais”.

Outros autores referem o burnout como um processo e não uma afecção que ocorra num curto espaço de tempo, muito pelo contrário é um desgaste que se instala progressivamente.
Assim, Fawzi, e tal (1981) referenciam este processo em 3 fases:
1ª Fase – Perda de satisfação em termos sociais.
2ª Fase – Rápida deterioração física e mental, alterações no sono, perda de energia, alterações no peso e indiferença.
3ª Fase – Quebra física ou psicológica, podendo surgir ataques cardíacos, úlceras, doença mental.

Para nossa reflexão: “Estarei eu num processo de burnout?”


Se sim, consulte um psicólogo.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Porque falamos tanto de psicanálise...

Há uns dias atrás, um leitor e futuro colega (aluno do 2º ano de psicologia) escreveu-nos um e-mail a dizer que seguia com interesse o nosso blog, mas que tínhamos a tendência para escrevermos muito sobre teoria e técnica psicanalítica e muito pouco sobre outras correntes mais actuais. Dizia ainda que nem sequer tinha em grande conta a psicanálise e que portanto lhe parecia um desperdiço de tempo e recursos.

Este e-mail, o qual agradeço, teve como consequência fazer-me reflectir sobre a imagem da psicanálise junto dos psicólogos e achar oportuno dar-vos uma pequena explicação sobre porque falamos tanto de psicanálise.

Na verdade, falamos tanto de psicanalise porque a maior parte de nós tem formação complementar em Psicoterapia Psicanalítica e eu própria em Psicanálise.

A escolha de uma escola dominante na estruturação da nossa identidade enquanto psicólogos e da nossa prática clínica é, na maioria das vezes, circunstancial. A universidade, faculdade ou instituto onde fazemos a licenciatura é determinante nessa escolha. É nos primeiros anos de contacto com a psicologia que interiorizamos a ideia do que é bom ou mau, do que é melhor ou pior. Nesse julgamento seguimos, habitualmente, a opinião dos nossos professores e a linha que a própria escola adoptou para si.

Connosco não foi diferente. A maior parte de nós formamo-nos no ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada) em Lisboa, onde a linha dominante dentro da área da Clínica é a psicanalise, provavelmente porque o seu director, o Prof. Dr. Frederico Pereira, é psicanalista (ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicanálise).

Para além desta primeira adesão circunstancial que acabei de explicar, mais tarde cada um de nós individualmente fez um percurso pessoal que nos “convenceu” de que a psicanálise é um corpo teórico/clínico de elevada densidade e que está muito longe de se restringir aos escritos de Freud como por vezes se pensa.

A psicanalise actual aproxima-se da psicologia cognitiva, isto é, ambas as correntes parecem estar a convergir para uma área comum, a qual ainda não é inteiramente visível para ninguém. A psicanálise tem sido muito atacada ao longo da sua história e não me é possível neste post apresentar uma defesa fundamentada e suficientemente estruturada sobre as suas vantagens face a outras correntes. Por isso, deixo este assunto para uma outra oportunidade

Obrigada Rui Costa pela sua chamada de atenção. Vamos tentar diversificar mais.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Psicologia das Emoções e Psiconeuroimunofisiologia

Um dos interesses da psicologia das emoções é o estudo do ajuste emocional à doença física. Um outro é tentar compreender que tipo de estratégias emocionais para lidar com a doença é que são facilitadoras de uma qualidade de vida superior.

A psiconeuroimunofisiologia estuda as ligações entre o cérebro, o comportamento e o sistema imunológico. Procura entender a capacidade do corpo se adequar e adaptar aos reveses ambientais (imunocompetência), e articulá-los com os estados emocionais, o tipo e intensidade de stress que a pessoa está a enfrentar, as características de personalidade a qualidade das relações sociais.

Foi-me enviado por e-mail um trabalho académico realizado por 4 estudantes de psicologia na faculdade de psicologia da Universidade do Minho que aborda de forma sucinta, mas clara a importância do ajuste emocional ao cancro. Nesse trabalho Marta Dias, Patrícia Ferreira, Rui Costa e Sandra Cardoso destacam alguns pontos essenciais:

  • Embora os avanços da medicina, tenham possibilitado a descoberta de formas de tratamento mais eficazes da doença do foro oncológico, o cancro continua a ser uma das doenças mais temidas do nosso tempo.
  • O elemento fundamental de uma campanha contra todas as formas de cancro é a total e pormenorizada compreensão da doença.
  • O cancro da mama é o terceiro tipo de cancro mais comum a nível mundial, após o cancro de pulmão e do estômago, e o seu impacto é especialmente notado uma vez que ocorre maioritariamente nas mulheres, ameaçando um órgão que se encontra intimamente relacionado com a auto-estima, a sexualidade, a feminilidade, os papéis sociais e a própria vida. (Fernandes & Mclntyre, pg354). É pelo enorme impacto que a doença tem que se torna pertinente o estudo do ajustamento emocional. (Baptista, Moura, Rodrigues & Rosa 2000,pg61) <
  • No ajustamento emocional intervêm factores como: processos de coping, índices de esperança, receptividade social, adaptação psicológica e o estado de saúde dos pacientes.
  • Os processos de coping são estratégias de conforto utilizadas pelos sujeitos para lidar face a uma nova situação, ou seja, é a melhor forma que os pacientes encontram para lidarem com a sua doença, neste caso com o cancro, visando o aumento da auto-estima e daauto-eficácia.
  • Os índices de esperança, são muito importantes no ajustamento emocional, isto porque de acordo com a literatura, os sujeitos com índices elevados de esperança, tem uma melhor adaptação à doença.
  • O suporte social funciona como um "recurso de coping", actuando essencialmente na diminuição das exigências da situação stressante. Nesta perspectiva, o suporte social é visualizado como um processo transaccional em que o indivíduo interage continuamente como meio sempre em mudança, influenciando-o e sendo por ele influenciado.
  • Os referenciais teóricos indicam a fase de pós-diagnóstico, como uma fase de crise em que as pessoas necessitam de grande suporte, em especial de tipo emocional, para poderem enfrentar esta situação ameaçadora, tornando-a menos lesiva para o seu bem-estar e identidade pessoal. (Samarel et al., 1998; Santos et al., 1994; Ward et al., 1991 in Lopes, Ribeiro & Santos 2003,pg200)
  • A adaptação psicológica relaciona-se com o estado afectivo e o estado funcional dos pacientes ao longo da doença. Este factor está muito relacionado com a personalidade da pessoa.
  • Indivíduos com estratégias de coping positivas, elevados índices de esperança e contextos sociais receptivos, aumentam a sua adaptação psicológica em relação à doença, aumentando a probabilidade do seu estado de saúde melhorar, provando que o ajustamento emocional é benéfico em experiências stressantes como o cancro.
  • O modo como o indivíduo percepciona cognitivamente a sua doença influencia o seu comportamento perante a doença

Os meus agradecimentos aos 4 autores que gentilmente nos deram a ideia e o material para este post.

domingo, setembro 03, 2006

Tempo

Tempo

O tempo passa por nós
Desfocado sem se ver
E a única maneira de o agarrar
É continuar a viver

Será que ele abranda?
Não me parece
Pois sem ele
Nada acontece

Continua, não pares
Faz o que tens a fazer
Aproveita-o bem
Ele não se vai render

Paulo Jorge Machado de Campos

Este simples poema vai de encontro a uma queixa recorrente dos nossos clientes. Não tem tempo para gastar numa psicoterapia que pode durar anos… é o que por vezes dizem. Mas afinal e o tempo que se passou até chegarem ao ponto actual, como foi gasto?
Será que que uma hora por semana, das 168 que ela tem, é tão dificil de encontrar?

Parece útil referir que o tempo não para com a psicoterapia. E que a vida do cliente continua… e continua cada vez melhor! Então se o tempo passa sempre, porque não passa-lo cada vez melhor?

Deixo esta provocação… sem perder mais tempo!

O BlogDay

No passado dia 31 de Agosto comemorou-se o dia do Blog. O objectivo desta comemoração é facilitar a divulgação dos blogs na blogosfera.

O Salpico foi escolhido e recomendado pelo lâmpada azul como sendo um dos seus 5 preferidos. Explorem as outras recomendações de João Craveiro:

Cooking for Engineers
Dr’s e Engenheiros
Linhas de Prazer
Rascunhos

quarta-feira, agosto 30, 2006

O Mito da Hipnose!

Algumas coisas se tem escrito sobre hipnose, mas muito mais se tem falado. O que se ouve em conversas de café ou mesmo nalguns círculos de técnicos de saúde é que a hipnose é que não serve para nada ou então acaba por ser remédio para todos os males. No entanto, não é bem assim.

Aquilo que é definido por estado hipnótico não é mais que um estado modificado de consciência em que a nossa atenção está totalmente focada num só ponto sem se ter noção de tudo o resto.
Parece simples dito desta maneira. Nada tem a ver com os espectáculos em que as pessoas imitam galinhas e fazem coisas estranhas. Esse tipo de espectáculos foi proibido em alguns países da Europa e nada tem a com a hipnose terapêutica.
Outro facto a salientar é que na verdade toda a hipnose é auto hipnose, ou seja, nós não entramos num estado hipnótico senão o desejarmos. O terapeuta serve de guia para entrar nesse estado de consciência.

No fundo o que mais fascina na hipnose é o rápido acesso a memórias de factos muito antigos que de outra maneira apenas estariam acessíveis após vários anos de terapia.
Utilizando uma metáfora de Hellmut Karle hipnoterapeuta autor de alguns livros, “ A hipnose é como uma seringa que permite injectar no local os componentes para a cura.”
Assim podemos ver que a hipnose se trata de uma ferramenta e que mais uma vez o papel do terapeuta é de grande importância para a cura do paciente. Ou seja, se os materiais acedidos não forem bem trabalhados de pouco servirá ao cliente ter-se recordado de certos acontecimentos. Apenas servirá para relativizar a experiência sem que seja analisado o impacto na vida actual do cliente.

Mas esta é apenas uma das abordagens possíveis, a hipnose é utilizada por médicos no tratamento da dor crónica e em lesões de queimaduras. Nestas últimas, é induzido primeiro um estado de relaxamento e depois a concentração em sensações agradáveis de frescura em que o tecido queimado é visualizado a recuperar a antiga forma.

O assunto da hipnose não esgota nestas linhas e como tal voltarei a aborda-lo no futuro. Por agora fica a provocação… O que gostariam de recordar se fossem hipnotizados?

segunda-feira, agosto 28, 2006

Técnica Psicanalítica

Nos últimos dias tenho estado a ler “Técnica Psicanalítica – sua fundamentação prática” de Victor Raggio, psicanalista no Uruguai. É um livro muito interessante que faz a defesa da técnica e da teoria Kleiniana actual.

Na minha opinião, persistem algumas dificuldades com este tipo de abordagem, na medida em que assenta numa lógica a meu ver reducionista, enfatizando até ao limite a forma determinante da qualidade e especificidade da vida emocional dos primeiros meses de vida.

Para este autor, a parte psicótica da personalidade (termo cunhado por W. Bion) corresponde à vivencia de sentimentos muito regredidos dominantes em fases da vida muito precoces (conflitos e angustias infantis paranóides e depressivas que persistem na mente muito para além da altura em que foram gerados). E, também na sua opinião, todo e qualquer processo psicanalítico deve visar em primeiro lugar a análise e correspondente modificação desta parte psicótica da personalidade.

De acordo com esta linha de pensamento, toda a psicopatologia emerge como organização defensiva perante angústias psicóticas primitivas.

Tendo por base esta premissa, a ideia de psicose fica inevitavelmente associada à psicopatologia, enquanto que a ideia de neurose fica associada à de saúde mental. Diz o autor, e não é o único, que numa perturbação neurótica ainda é a parte psicótica da personalidade a “verdadeira responsável” pela patologia. Diz ainda que a força motriz subjacente à parte psicótica da personalidade é a inveja patologia (isto é, destrutiva) e que o grande conflito se processa em torno da angústia de separação, ou seja, entre o desejo de permanecer numa posição de simbiose com o objecto e a necessidade de autonomia e de identidade diferenciada.

Na minha opinião, há um certo esvaziamento da riqueza dos modelos psicopatológicos com a adopção deste posicionamento teórico-prático. A noção de estrutura perde sentido e o psicanalista fica muito preso à dinâmica psicótica.

Associação Psicanalítica do Uruguai

quinta-feira, agosto 24, 2006

Poesia e psicologia

Descrever um estado emocional ou a essência de uma vivência é, muitas vezes, bastante mais fácil e exacto através da poesia do que do discurso científico. É difícil descrever cientificamente a saúde mental, mas Fernando Pessoa fá-lo magnificamente neste pequeno excerto de um dos seus poemas.


“Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo... ”

Poesia de Fernando Pessoa

A possibilidade de podermos aprender com as diferentes experiências que vamos tendo ao longo da nossa vida, boas e más, é uma das componentes principais da saúde mental. Ser capaz de construir uma identidade própria, segura e diferenciada é uma das aquisições mais importantes do processo psicoterapêutico. Uma outra é aumentar significativamente a nossa capacidade para tolerarmos a frustração e o sofrimento inerente à própria vida. Não significa ficarmos tolerantes com o sofrimento, mas sermos capazes de lidar com ele transformando-o em algo que aumenta a nossa resistência e a nossa capacidade para sermos felizes, como diz Fernando Pessoa.

Este excerto foi-me encaminhado por e-mail por uma ex-aluna, à qual agradeço a lembrança. Obrigado Marta.

Explore estes links sobre a poesia de Fernando Pessoa:

Vidas Lusofonas
Jornal de Poesia
Poemas de Pessoa
As tormentas
Instituto Camões

sábado, agosto 19, 2006

Relacionamentos amorosos

A psicóloga americana Judith S. Wallerstein publicou em 1996 um livro sobre os factores que levam um casal a sentir-se feliz no casamento, “The Good Marriage: How and Why Love Lasts”. Wallerstein estudou 50 casais que diziam ser felizes ao fim de sete anos de casamento e com base nessa investigação concluiu que existem alguns factores que favorecem a preservação de uma relação conjugal com qualidade e satisfação. Apesar de o livro já ter sido publicado há algum tempo, as sugestões parecem-me ainda muito pertinentes e encontram-se em destaque no site da APA.

Uma das coisas que ela identifica como sendo bastante importante é que cada um dos parceiros seja capaz de se separar emocionalmente da família em que cresceu. Isto não significa que a pessoa deva cortar relações com os seus pais e irmãos, mas sim que é importante que cada membro do casal conquiste uma identidade própria, completamente diferenciada deles.

Um outro factor que ela considera importante é que o casal seja capaz de construir um sentimento de união baseado na intimidade, cumplicidade e na partilha de valores, mantendo sempre um espaço para a autonomia individual. Proteger a sexualidade é também muito importante. Frequentemente, devido à pressão profissional e às obrigações familiares e sociais fica pouco tempo livre e disponibilidade emocional para usufruir de uma vida sexual rica. Com o nascimento dos filhos, também acontece, muitas vezes, o casal perder a sua privacidade. Não deixe que isto aconteça. É importante continuar a funcionar como casal. Não tem que incluir sempre os seus filhos.

As situações de crise são inevitáveis, por isso, devemos preparar-nos para elas e ser capazes de as enfrentar. Como aspecto positivo, frequentemente as situações de crise permitem o reforço da coesão do laço marital. Dada a grande intimidade e confiança que se gera numa relação de casal, é importante que os parceiros possam expressar as suas diferenças, zangas e conflitos um com um outro sem um excessivo receio de contra-ataques ou retaliações.

A boa disposição geral e a capacidade de utilizar o humor são boas ferramentas para construir uma relação estável e gratificante. Ainda de acordo com Wallerstein é importante que uma dose do romantismo inicial perdure, mas também é importante que a par do romantismo exista uma capacidade de encarar de forma realista as mudanças que a relação vai inevitavelmente sofrendo ao longo do tempo.

Por último, todos nós temos necessidade de construir relações de dependência. Aceite isto e permita-se depender do seu companheiro(a) e cuide dele porque ele também depende de si.

The Good Marriage: How and Why Love Lasts de Judith S. Wallerstein e Sandra Blakeslee

quarta-feira, agosto 16, 2006

Psicologia Clínica

Definir de forma clara o âmbito e as especificidades da psicologia clínica não é fácil.

A Psicologia Clínica é uma especialidade da Psicologia Geral relativamente recente, só em 1947 é que foi constituída uma comissão da APA com o intuito de pensar a psicologia clínica como uma área autónoma. (American Psychological Association).

Sob o termo “psicologia clínica” escondem-se vários sentidos distintos. É, por um lado, uma actividade prática com um método próprio (o método clínico e o estudo de caso) e, por outro, um conjunto de conhecimentos (um corpus teórico) próprios, mas intimamente dependente de outros ramos da psicologia, como sejam a Psicologia Cognitiva, a Psicanálise, a Psicopatologia, etc.

A psicologia clínica e os outros ramos da psicologia entrecruzam-se, apesar de serem claramente distintos entre si. A psicologia clínica faz uso da psicopatologia, da psicanálise, da psicologia cognitiva, da psicologia experimental entre outras, e com o uso particular que faz desses conhecimentos, contribui para que essas diferentes modalidades cresçam enquanto corpus de conhecimento separados. Contudo, a psicologia clínica não se restringe a nenhum destes campos, ela investiga o normal e o patológico, o consciente e o inconsciente, faz uso de técnicas subjectivas e objectivas.

Psicologia Clínica define-se pela especificidade do seu domínio e método, que é clínico. Por método clínico entende-se o conjunto de técnicas utilizadas no quadro da prática dos clínicos, que visam produzir informação concreta sobre a pessoa ou situação que põe um problema e/ou revela a existência de sofrimento. O trabalho do psicólogo clínico tem como objecto o indivíduo, o seu psiquismo, pelo que o estudo de caso é um método privilegiado.

Jean-louis Pedinielli
no seu livro Introdução à psicologia Clínica define da seguinte forma o método clínico:

“O método clínico insere-se numa actividade prática que visa o reconhecimento e a nominação de certos estados, aptidões e comportamentos, com a finalidade de propor uma terapêutica (psicoterapia, por exemplo), uma medida de ordem social ou educativa, ou uma forma de conselho que permita uma modificação positiva do indivíduo. Ela procura criar uma situação, com um fraco grau de constrangimento, tendo em vista a recolha de informações que ela deseja que seja a mais ampla e o menos artificial possível, deixando ao sujeito a possibilidade de expressão. A especificidade deste método reside no facto de recusar isolar estas informações e tentar agrupá-las, inserindo-as na dinâmica individual.”

Parece-me uma definição bastante interessante.

domingo, agosto 13, 2006

Teoria da dissociação do ego

“Modelo V – Teoria da dissociação do ego

Nos últimos anos da sua obra, Freud escreveu importantes trabalhos em que concebeu que o psiquismo não funcionava unicamente pela interacção e conflitos entre sistemas, como as pulsões do id contra as proibições do superego, etc. Assim, a essa teoria “intersistemica” ele acrescentou que também há conflitos “intra-sistemicos”, isto é, dentro de uma mesma instância psíquica podem existir conflitos, como é o exemplo de, dentro do ego, um mecanismo de defesa que pode se opor ao outro, etc. Dessa forma, Freud lançou as primeiras sementes que possibilitaram aos pósteros autores desenvolverem uma concepção inovadora dos conflitos intrapsíquicos, o que pode ser exemplificado com os trabalhos de Bion – notável psicanalista britânico – que descreveu a existência concomitante em qualquer pessoa da “parte psicótica e da parte não psicótica da personalidade”, bem como da parte infantil agindo simultaneamente com a parte adulta do sujeito, etc. Creio que duas metáforas podem ilustrar melhor esse conceito de alta relevância na prática analítica contemporânea. 1. Podemos comparar o mundo do psiquismo interior com o mapa geográfico do mundo, em que as regiões são completamente distintas (zonas geladas dos pólos junto com zonas tórridas do Equador, ou temperadas de outros continentes, etc.), cada região com a sua característica especificas. Assim, quem conhece unicamente o pólo Norte, certamente terá uma ideia equivocada do que, de facto, é o globo terrestre. De forma análoga, qualquer sujeito não pode ser julgado por um único aspecto da sua personalidade; pelo contrário, na situação analítica, é indispensável que o analista propicie ao paciente a visualização de todas as suas distintas partes e de como elas interagem entre si. 2. Uma segunda metáfora consiste no modelo do “arco-irirs”, ou seja, no entendimento de que a cor branca (por exemplo, a luz do sol) quando sofre o fenómeno físico da refarão (quando a luz branca do sol atravessa uma nuvem carregada com água da chuva), ela se decompõe nas sete cores típicas do arco-íris. Do mesmo modo, cada pessoa pode ser decomposta em uma série de “partes”, com as cores características de cada uma delas. Um lema que parece apropriado para o objectivo de “cura” analítica seria: “onde estiver uma parte, o todo deve estar e, a partir do todo, reconhecer as partes”.

In Zimerman, D. (2005) Psicanálise em perguntas e respostas – verdades, mitos e tabus. pp. 130. Porto Alegre: Artmed

Concordo em absoluta com a enorme importância para a psicanalise actual dos conceitos de “partes do psiquismo” e com a necessidade de as revelar ao paciente, que passará a ter uma percepção de si próprio enriquecida e, portanto, terá a possibilidade de se aceitar em múltiplos registos e com múltiplas partes que são activadas em determinadas circunstâncias ou que co-existem em aparente paradoxo.

Contudo não me parece que estes conceitos derivem, como diz Zimerman, da dissociação do ego. Acho que o conceito de dissociação do ego foi de facto importante e abriu o caminho para que os conceitos de posição e de partes da personalidade pudessem emergir, mas eles assentam, na minha opinião, numa outra lógica que não a estrutural: assentam na noção da vida mental como um mundo de relações objectais inconscientes. São conceitos emergentes da Teoria das Relações Objectais Internas.

Explore:

Intersubjectividade: conceito e experiencia em psicanalise
Winnicott: Uma psicanálise não-edipiana
A experiência psicanalítica
Object relations theory - Wikipedia
The Object Relations
Object Relations Theory
Object Relations Theory - Key Concepts
Melanie Klein
D. W. Winnicott
Object Relations Theory
What is British Object Relations Anyway?

Imagem de:
Fernando Diniz - 33,9 x 47,5 cm - óleo sobre papel - 1968

quinta-feira, agosto 10, 2006

Teoria do Narcisismo

“Modelo IV – Teoria do narcisismo

Embora não tenham sido formulados como uma teoria, os estudos de Freud sobre o narcisismo, inicialmente metapsicológicos porque se fundamentavam em especulações imaginárias (as pulsões libidinais tomavam o próprio corpo como fonte de gratificações libidinais), com algumas modificações, foram ganhando uma comprovação em situações clínicas, abrindo as portas para a mais profunda compreensão do psiquismo primitivo e constituíram-se como sementes que continuam germinando e propiciando inúmeros vértices de abordagem por parte de autores de todas as correntes psicanalíticas. De acordo com o pensamento mais vigente entre os autores, pode-se dizer que, na actualidade, um importante paradigma da psicanálise actual pode ser formulado como “onde estiver Narciso, Édipo deve estar”.”
In Zimerman, D. (2005) Psicanálise em perguntas e respostas – verdades, mitos e tabus. pp. 130. Porto Alegre: Artmed

Zimerman, seguindo uma posição bastante pessoal, integra a teoria do narcisismo como um dos modelos fundamentais da psicanálise actual e clássica. Estou de acordo com ele na medida em que a teoria do narcisismo se constituiu como determinante para a actual compreensão do psiquismo. Contudo, é de estranhar que ele tenha considerado a teoria do narcisismo como um modelo fundamental e não tenha considerado também a teoria do Édipo.
A teoria edipiana foi, na minha opinião, ainda mais importante que a teoria do narcisismo, se bem que nos últimos anos tenha vindo “a perder importância” face a esta última.

A teoria edipiana foi durante os primeiros 50-60 anos da psicanálise a grande teoria psicanalítica. Quase toda a intervenção terapêutica girava em torno do conflito edipiano, da constelação defensiva que tinha sido erguida contra ele ou por fixação nele, nas emoções edipianas, na frustração/satisfação edipiana, etc. Nos últimos anos, principalmente após o desenvolvimento da corrente da Psicologia do Self, o Narciso destronou Édipo.

É também por tudo isto que a máxima “onde estiver Narciso, Édipo deve estar” acabou por perder alguma actualidade. O mito de Narciso é, actualmente pensado muito para além das questões iniciais (mesmo que nucleares) do narcisismo primário e secundário como Freud o postulou em 1914 no seu famoso artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”.

Actualmente a questão em torno do narcisismo ganhou uma importância superior, na mediada em que muitas correntes, das quais se destaca a Psicologia do Self de Heinz Khout consideram que o narcisismo é um eixo da estrutura psíquica e que haverá um narcisismo normal e/ou patológico; mas não tanto primário e secundário.


Num post de 27 de Dezembro de 2005, Filipe Teixeira Vasconcelos apresenta a lenda de Narciso e a sua relação com o pensamento psicanalítico. Vão lá ver!


Mais alguns textos interessantes sobre o narcisismo:

O mito de Narcisismo na Wikipedia

Psicologia e Narcisismo na Wikipedia

Orígenes y evolución del psiquismo según Heinz Kohut

On Narcissism - Psychological Theories and Therapy

Narcissism

Narcissistic Personality Disorder

sexta-feira, agosto 04, 2006

Teoria estrutural

“Modelo III – Teoria estrutural: id, ego e superego

Na medida em que se aprofundava na dinâmica psíquica, Freud tropeçava com o campo restrito da teoria topográfica, que ele percebeu que era por demais estática, ampliando-a com a concepção de que a mente comportava-se como uma estrutura, em que diversos elementos interagiam entre si, de uma forma bastante dinâmica. Dessa forma, ele concebeu uma estrutura tríplice, composta pelo “Id” (com as respectivas pulsões), pelo “Ego” (com o seu conjunto de funções e representações) e pelo “Superego” (com as ameaças, castigos, etc.). O paradigma técnico da psicanálise foi então formulado como: “onde houver Id (e Superego), o Ego deve estar”.”

In Zimerman, D. (2005) Psicanálise em perguntas e respostas – verdades, mitos e tabus. pp. 130. Porto Alegre: Artmed


Tanto a teoria estrutural como a teoria topográfica mantêm-se perfeitamente actuais. São poucas as teorias psicanalíticas posteriores que dispensam qualquer uma destas teorias.

Estas duas teorias cruzam-se. A teoria topográfica enriquece a teoria estrutural. O Id é uma estrutura que opera fundamentalmente ao nível inconsciente, enquanto que o Ego e o Superego operam quer a nível inconsciente quer pré-consciente ou consciente.

A teoria estrutural foi amplamente aprofundada pela escola da Psicologia do Ego. Esta corrente da Psicanálise centra-se sobretudo sobre os conflitos que se geram entre as diferentes instâncias e a terapêutica passa pelo reforço das competências do ego, para que este possa lidar com maior eficácia com as exigências pulsionais (que advêm do ID) e morais (que advêm do Superego).

Na escola de Melanie Klein (Relações de objecto intrapsíquicas) a teoria estrutural perdeu alguma da sua importância, dado que Klein postula que exige um ego desde o nascimento e que o superego se desenvolve muito precocemente de acordo com uma lógica taliónica, cruel e rígida.

A teoria estrutural sofreu várias modificações desde a sua primeira concepção. Muitos psicanalistas fizeram contributos extremamente importantes a esta teoria. Não me é possível comentar esses desenvolvimentos num pequeno post. Fica para outra altura.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Teoria topográfica

“Modelo II – Teoria topográfica: consciente, pré-consciente e inconsciente

Cedo, Freud deu-se conta de que a teoria do trauma era insuficiente para explicar tudo e que os relatos de suas pacientes histéricas nem sempre provinham de seduções reais, mas de fantasias inconscientes. Daí ele propôs a divisão da mente em três lugares (a palavra “lugar”, em grego, é topos, daí “teoria topográfica”). A esses diferentes lugares ele denominou “consciente, pré-consciente e inconsciente” (na actualidade, são descritas mais outras instâncias psíquicas), sendo que o paradigma técnico que levasse à cura passou a ser “tornar consciente o que estava inconsciente”.”

In Zimerman, D. (2005) Psicanálise em perguntas e respostas – verdades, mitos e tabus. pp. 130. Porto Alegre: Artmed

A teoria topográfica foi um dos desenvolvimentos mais importantes para a psicanálise. Continua extremamente actual e foi absorvida pela cultura geral. Faz parte do senso comum moderno.

A noção de que as fantasias inconscientes são determinantes no desenrolar da vida psíquica só se tornou efectivamente clara com os desenvolvimentos teóricos de Melanie Klein.

Na altura em que Freud concebeu a teoria topográfica, o interesse dos psicanalistas voltou-se para o inconsciente, mas este era pensado em primeiro lugar como o sítio das pulsões, mais especificamente da pulsão sexual. Freud, nessa altura, ainda não se tinha apercebido da enorme complexidade do mundo interno. A repressão da pulsão sexual era a principal, senão a única, causa dos diversos problemas psicológicos.

Mantém-se válida a máxima de “tornar consciente o que estava inconsciente” mas trata-se apenas de levar o paciente a aceitar e responsabilizar-se por aquilo que ele sente e pensa; em última instancia, por aquilo que ele é.

terça-feira, agosto 01, 2006

O que é a diferença?

Já no meu último post dediquei-me a mostrar-vos um relato de um pai acerca do que é deparar-se com um filho diferente. Hoje, e por ter encontrado uma história também ela interessante, capaz de fazer pensar o leitor, decidi partilhá-la convosco, para que mais uma vez, possamos trocar ideias:

É uma história espanhola que fala acerca de uma terra em que seus habitantes um a um, passam a desenvolver caudas. Os primeiros habitantes que passam a desenvolver tal coisa, semelhante à cauda dos macacos, fazem o que podem para escondê-la. Desajeitadamente enfiam as caudas em calças e camisas largas a fim de ocultar sua estranheza. Mas ao descobrirem que todos estão a desenvolver cauda, a história muda de forma drástica. Na verdade, a cauda revela-se de grande utilidade para carregar coisas, para dar maior mobilidade, para abrir portas quando os braços estiverem ocupados. Estilistas de moda começam a criar roupas para acomodar, na verdade, acentuar e libertar as recém-formadas caudas. Logo começam a usar adornos para chamar a atenção a esta novidade. Então, de repente, aqueles que não desenvolveram caudas são vistos como esquisitos e começam freneticamente a procurar formas de esconder tal facto comprando caudas postiças ou retirando-se completamente da sociedade de "cauda". Que vergonha, não ter cauda!

quarta-feira, julho 26, 2006

Teoria do trauma

“Modelo I – Teoria do trauma

O significado psicanalítico da palavra “trauma” refere-se a um fato – realmente acontecido – de que tenha tido alguma importante repercussão no psiquismo do sujeito. No inicio da sua obra, Freud partiu da concepção de que o conflito psíquico era resultante das “repressões” impostas pelos traumas de uma sedução real, de fundo sexual, que suas jovens pacientes histéricas teriam sofrido quando meninas por parte do pai. Freud enfatizava que essas repressões depositadas no inconsciente retornavam ao consciente sob a forma de sintomas. Daí ele postulou que “os neuróticos sofrem de reminiscências” e que a cura consistiria em “lembrar o que estava esquecido”.”
In Zimerman, D. (2005) Psicanálise em perguntas e respostas – verdades, mitos e tabus. pp. 130. Porto Alegre: Artmed

A teoria do trauma está datada no que refere ao seu sentido mais geral. Mas em contexto específico continua a ser válida e bastante importante.

Quando houve, de facto, uma sedução prematura por parte de um adulto ou criança mais velha (não necessariamente o pai), a probabilidade da criança ter sido traumatizada pela experiência é bastante elevada e a resposta do psiquismo a um acontecimento traumático é muitas vezes (mas não sempre) a activação da repressão como mecanismo de defesa principal. Quanto mais grave foi o trauma infligido e/ou vivido, mais intensa será a força da repressão. A substituição lenta e progressiva da repressão por outro(s) mecanismo(s) de defesa mais adequado permite a emergência para níveis pré-conscientes e/ou conscientes da vivência traumática e esse maior acesso à consciência facilita a elaboração e metabolização dos afectos e memórias anteriormente reprimidos e escondidos.

A inferência generalista de que “os neuróticos sofrem de reminiscências” não é considerada válida pela psicanálise actual. A psicanálise também já não tem por objectivo “lembrar o que estava esquecido”, se bem que em alguns momentos do processo analítico isso pode ser importante ou até mesmo fundamental.

segunda-feira, julho 24, 2006

Modelos e princípios da psicanálise

No livro que tenho estado a ler e do qual vos falei no meu último post, Zimerman apresenta muito resumidamente os 5 modelos da mente desenvolvidos por Freud ao longo da sua obra e os 9 principais princípios da psicanálise.

Os 5 modelos:

Modelo I – Teoria do trauma
Modelo II – Teoria topográfica: consciente, pré-consciente e inconsciente
Modelo III – Teoria estrutural: id, ego e superego
Modelo IV – Teoria do narcisismo
Modelo V – Teoria da dissociação do ego

Os 9 principios:

I - Princípio da existência do inconsciente
II – Princípio da existência das pulsões instintivas
III – Princípio do determinismo psíquico
IV – Princípio do prazer-desprazer e princípio da realidade
V – Princípio da constância
VI – Ponto de vista económico do psiquismo
VII – Princípio da compulsão à repetição
VIII – Princípio da negatividade
IX – Princípio da incerteza

Acho esta organização muito interessante e nos meus próximos posts irei apresentar cada um destes tópicos, tal como Zimerman os apresenta, e fazer um pequeno comentário pessoal.

sábado, julho 22, 2006

“Siddhartha” de Herman Hesse

Neste Livro de livro de Herman Hesse somos transportados a uma vida motivada por uma busca interior.
A certa altura deparei-me com o seguinte dialogo:
“… O que sabes fazer?” Ao que o que Siddhartha responde:
“ Sei pensar. Sei esperar. Sei jejuar.”

Dei por mim a pensar o quanto estas qualidades são importantes para um psicoterapeuta. De como pensar é a base do nosso ofício, de como esperar pelo tempo do cliente é uma arte nem sempre fácil de dominar, e de como conseguir jejuar quando as sessões são aparentemente desprovidas de alimento emocional para a relação gera ansiedade…
Mais uma vez, o pensar é importante, porque em terapia tudo tem significado e mensagem. Mais uma vez, é preciso esperar pelo momento mais oportuno para lançar o desafio ao cliente, e mais uma vez, o jejuar de emoções enquanto digere mais um pedaço da sua vida poderá surgir.

Enfim… pensar, esperar e jejuar, artes a cultivar por todos nós!
Pedro Correia Santos

Cara metade...

“Não ter pode significar desejar, mas a falta de algo dá lugar a um conceito aparentado: a noção de diferença.
Diferença não é igual a falta, simplesmente é diferença, dá lugar à ideia de limite, que inclui frustração, mas também alteridade.
Sempre haverá uma falta na diferença.
Não existe a cara-metade, há duas laranjas, também há suco de laranjas e sementes.
Mas há uma incompletude irremediável.”

Ferschtut

quarta-feira, julho 19, 2006

Contra-ego


Tenho estado a ler um dos livros de David Zimerman, Psicanálise em Perguntas e Respostas – Verdades, mitos e tabus.

Quanto mais leio Zimerman, mais o aprecio e recomendo vivamente. Este psicanalista Brasileiro tem uma escrita muito agradável e um estilo comunicacional muito tranquilo e acessível. Com ele a Psicanálise parece fácil e intuitiva.

Zimerman desenvolveu um conceito que me parece de altíssimo valor clínico, o Contra-Ego. No livro que referi anteriormente ele descreve o contra-ego da seguinte forma:

“Contra-ego. Nunca ouvi essa expressão. O que significa? [Como o livro está organizado em perguntas e respostas, esta foi a pergunta que lhe permitiu descrever o conceito de contra-ego.]

Embora essa expressão não exista na literatura psicanalítica, creio que ela se justifica porque alude a uma situação muito frequente e importante na prática analítica, qual seja, a de que o próprio ego sabota e impede o crescimento do restante da personalidade do sujeito. São distintas as formas de como essa organização patológica, incrustada no seio do ego do sujeito, impede que ele possa ultrapassar um certo grau de melhoria de sua qualidade de vida. Unicamente para exemplificar, cabe citar as seguintes possibilidades da presença e acção nefasta do contra-ego.

1. A existência de uma gangue narcisista, ou seja, um conjunto de objectos que, sob a forma de ameaças e falsas promessas, qual uma máfia, obstaculiza que o paciente reconheça e assuma um lado seu, de criança frágil, mas que, movida pela pulsão de vida, pugna por se libertar dessa organização que é regida pelo principio de nunca renunciar às ilusões próprias do mundo narcisista.

2. Outra possibilidade de como o contra-ego pode boicotar o crescimento de uma pessoa é o caso de uma obediência do sujeito a determinado papel conferido ao sujeito pelos seus pais (por exemplo, o de ser um eterno companheiro da mãe...) em que ocorre um protesto de seu próprio ego quando ele quer se emancipar. Isso acontece em algumas reacções terapêuticas negativas diante de um êxito analítico.”

O conceito de contra-ego é muito próximo do conceito de Herbert Rosenfeld de narcisismo de morte sob a forma “gangue mafioso”, mas, na minha opinião, a ideia de contra-ego engloba a ideia de Rosenfeld e vai para além dela, sendo mais intuitiva e mais fácil de enquadrar na teoria e na clínica. O conceito de contra-ego tem sido extremamente útil no meu exercício de clínica.

terça-feira, julho 18, 2006

Benvindos à Holanda

Durante a componente curricular do meu mestrado, e numa aula sobre perturbações do desenvolvimento, uma pediatra leu um texto que retratava a vivência dos pais quanto à deficiência mental. Este ano, e após uma formação, foi-me relembrado este mesmo texto e como sabia que o tinha adquirido, decidi partilhá-lo convosco para que, em conjunto, possamos pensar na mensagem.

O texto inicia-se assim:
Pedem-me muitas vezes que descreva como é a experiência de criar um filho com uma incapacidade. Para tentar ajudar as pessoas que não sabem o que essa experiência única significa, para poder imaginar o que se sente, deixem-me dizer-lhes algo parecido com o seguinte...

Quando vamos ter um bebé é como planear uma fabulosa viagem - a Itália. Compra-se logo uma boa quantidade de livros de viagem e fazem-se os planos maravilhosos: o Coliseu, o Miguel Ângelo, as gôndolas em Veneza, e até se pode aprender algumas frases úteis em italiano. É tudo muito excitante.

Depois de meses de expectativa, chega finalmente o dia. Fazem-se as malas e lá se vai para o aeroporto, horas mais tarde o avião aterra e a hospedeira chega perto e anuncia, Benvindos à Holanda.

Holanda? pergunta você, o que é isso de Holanda? o meu voo era para a Itália, eu deveria estar em Itália, toda a minha vida sonhei ir a Itália. Mas houve uma mudança de voo e o avião aterrou na Holanda e tem que ficar ali.

O mais importante é que eles não a levaram para um lugar horrível, desagradável e sujo, cheio de pestilência, fome e doenças. É só um lugar diferente. Vai precisar de aprender uma linguagem completamente nova, e conhecer um novo grupo de pessoas que nunca teria encontrado.

É só um lugar diferente, com um ritmo de vida mais lento do que Itália, menos buliçoso e aparatoso, mas depois de lá permanecer mais um bocado de tempo, logo que tenha passado a agitação, vai olhar em seu redor e começa a dar-se conta que a Holanda tem os moinhos de vento, tem as tulipas, e que a Holanda até tem os Rembrandts.

Mas todas as pessoas que conhece vão e vêm de Itália e todas se gabam das maravilhosas férias que lá passaram, e para o resto da sua vida vai pensar "Sim, era ali para onde deveria ter ido. Era isso que tinha planeado".

E essa dor nunca, nunca, nunca mais passará porque a perda desse sonho é uma perda muito significativa.

Mas... se passar a vida a lamentar-se com o facto de não ter ido a Itália, nunca mais terá o espírito livre para disfrutar as coisas especiais, as coisas maravilhosas da Holanda.

sábado, julho 15, 2006

Inconscientes



O filme recomendado pelo Pedro Correia Santos

“Coisas Novas e Coisas Boas”

A uns (poucos) meses da defesa da minha dissertação de mestrado tenho-me lembrado de uma história anedótica que ainda hoje se conta aos estudantes da faculdade de direito da Universidade de Lisboa.

Marcello Caetano, que, segundo consta, era um ilustre Professor de Direito, ter-se-á dirigido em tom sarcástico na arguência da tese de doutoramento do seu aluno Pedro Soares Martínez (e actualmente um importante vulto daquela academia): “O Sr. Dr. fez um bom trabalho. Tem aqui muitas coisas boas e muitas coisas novas, só que as coisas boas não são novas, e as coisas novas não são boas!”.

Não imagino o que me espera na discussão do meu trabalho, sei sim que até lá me servirei desta história para, projectando os mesmos laivos superegóicos aos membros do júri, continuar a melhorar o texto até à data da entrega!

quinta-feira, julho 13, 2006

Dano psíquico - o caso do Bullying

No passado mês escrevi, em colaboração, um leve artigo sobre o Bullying para a revista Psicologia actual ressaltando alguns aspectos de detecção do fenómeno. Nalgumas conversas que fui mantendo percebi que a maioria dos indivíduos desconhece o significado deste conceito e suas consequências, pelo que, decidi focar alguns aspectos a ter em conta em relação a este fenómeno e suas implicações.

Bullying é um termo criado por Dan Olweus para designar todo o tipo de mal-estar psíquico que o aluno é alvo durante o seu percurso escolar, estando sujeito a uma forte pressão social. Esta pressão é exercida por alguns alunos, em alunos mais vulneráveis, provocando dor e sofrimento psíquico, estando o agredido, subordinado a exigências e mal tratos psíquicos continuados e repetidos, e ao mesmo tempo, subjugado a um silêncio na tentativa de evitar novas retaliações. Esta forma de violência psíquica perpetua-se através de insultos, piadas, gozações, apelidos cruéis e ridicularizações.

A criação deste termo está associada a uma pesquisa que o autor (Dan Olweus) fazia sobre tendências suicidas nos adolescentes, tendo constatado que a maioria dos jovens que cometiam estes actos tinham sofrido algum tipo de ameaça desta índole.

Vejamos então a pressão que é exercida nestes alunos e as consequências nefastas para o psiquismo. Estejamos atentos ao aparecimento das fobias escolares, à diminuição do rendimento escolar, às depressões e à sintomatologia psicossomática, perturbações associadas a este fenómeno.

Prestemos atenção quer ao abusado, quer ao perpetrador do abuso, porque ambos são vulneráveis do ponto de vista emocional, seja pela susceptibilidade ao abuso, seja pela necessidade de abusar, mas cada uma das situações manifesta perturbações emocionais.

terça-feira, julho 11, 2006

Have a nice... concert

Espectáculos a não perder! Deixo-vos duas sugestões para este mês.

Lila Downs
19/07/06 - Aula Magna (Quarta 22h)
www.liladonws.com


Lizz Wright
23/07/06 - Pequeno Auditório CCB (Domingo 21h)
www.lizzwright.net

Have a nice... concert

“Estou! Onde é que estás?“

Quantas vezes não teremos ouvido ou reproduzido este diálogo numa conversa ao telemóvel? Há uns tempos enquanto falava com um amigo alemão, ouvia-o em tom de lamento dizer que a ideia de todas as pessoas terem um telemóvel acentuava um dos defeitos dos portugueses – a famigerada falta de pontualidade. Continuava assim: “quantas vezes não tenho reuniões marcadas com pessoas que, mesmo em cima da hora me avisam que afinal houve um contratempo e que chegarão atrasadas”. Acabei por concordar com a crítica, na qual eu próprio ocasionalmente me revejo.

Acabada a conversa fiquei a pensar que as censuras ao dito aparelho não se ficavam por aqui. Sem imputar a nenhuma nacionalidade em particular aquilo que referirei em seguida, outros aspectos há a considerar. Frases como a que podemos ler no título são disso, em meu entender, bom exemplo. Esta pergunta tão banal com a qual começamos a maioria das nossas conversas telefónicas encerra algo que o telemóvel viabiliza, a saber, a possibilidade do Outro, a qualquer momento, poder indagar acerca do nosso paradeiro. Não posso fechar os olhos à utilidade desta pergunta em alguns contextos, mas comparemos com o que se passava aqui há uns anos – o tempo que mediava aquele momento em que estávamos contactáveis através do telefone do emprego e a chegada a casa, onde estávamos novamente alcançáveis através de um telefonema... O que se passava entre um momento e o outro abria um espaço que hoje infelizmente se perdeu, e para o qual me parece importante chamar a atenção: Um espaço passível de ser ocupado por inúmeras fantasias (mais ou menos ajustadas à realidade) da parte de quem espera, dos habituais interlocutores que nos “apanham” entre um sítio e outro.

Acaba, a meu ver, esta inevitabilidade dos tempos de hoje, por favorecer alguma pobreza fantasmática – a mesma que grassa numa sociedade pouco apta a tolerar aquele tempo de latência, com tudo o que de organizador isso podia ter para o nosso mundo interno. Mas esta “ubiquidade virtual” é apenas um exemplo da quantidade enorme de aspectos que poderíamos elencar... Então e as chamadas de números não identificados e a possibilidade de se exercer uma forma de controlo sobre o Outro? A quantidade de tempo que deixamos de estar com alguém só porque, achando que podemos falar com todos os nossos amigos à distância de umas “digitadelas” de telemóvel, nos ficamos por um sms?

segunda-feira, julho 10, 2006

As palavras mais pesquisadas no Sapo

Às vezes por curiosidade vou ver as palavras mais pesquisadas no sapo.
As de hoje são:

1. Filme;
2. Portugal;
3. Amor;
4. Jogos;
5. Hotel;
6. Apartamentos;
7. Hotel
8. Algarve;
9. Jornal;
10. Férias;
11. Lisboa.

Não é só calor, o espírito já é mesmo de férias!

domingo, julho 09, 2006

Os Inconscientes

É raro ter um filme que sirva como espelho da nossa profissão, tal como este.
Não é a época em que decorre a história, não é a importância histórica das personagens, que dá na minha opinião importância ao filme.

O cerne da questão está no envolvimento de um dos terapeutas na vida dos seus clientes e como ele se torna um cliente virtual de si próprio. Ou seja, será um sinal de aviso quando desejamos viver alguns aspectos da vida dos nossos clientes? Será isso, um indicador que algo está errado na nossa?
Creio que sim!
Afinal sempre que deixamos de viver o aqui e agora, para viver o passado e futuro dos outros estaremos numa rota certa para a insanidade!

Dentro deste filme encontramos retratos, ou arquétipos, da sociedade actual, estes tem um traço próprio que nos faz rir. Aliás todo o filme é bastante leve e por vezes muito divertido.

Vale a pena ver o filme! E acima de tudo vale a pena reflectir se na verdade gostaríamos de viver outra vida que seja a nossa própria!
Pedro Correia Santos

Foi dito...

"O ideal está em ti; o obstáculo para a sua realização também está dentro de ti."

Thomas Carlyle
(1795-1881)

sexta-feira, julho 07, 2006

quarta-feira, julho 05, 2006

A sinceridade para connosco próprios e para com os outros

Uma das linhas de reflexão que emergiu da troca de comentários anteriores foi a ideia de que é importante sermos sinceros connosco próprios em primeiro lugar para sermos capazes de ser sinceros com os outros.

Tendo em vista a ideia inicial de “criar” uma ética da relação amorosa, poderíamos afirmar que um dos pontos desse “regulamento” ético seria:

1. Para que a relação amorosa funcione bem é necessário que cada um dos intervenientes seja em primeiro lugar sincero consigo próprio.

Agir em conformidade com esta afirmação é extraordinariamente difícil. Sermos sinceros connosco próprios é uma tarefa para a vida e impossível de cumprir em rigor. As dinâmicas internas estão cheias de “armadilhas” e auto-enganos, alguns deles até bastante úteis e ao serviço do crescimento emocional. Proponho que se reestruture o primeiro ponto:

1. Para que a relação amorosa funcione bem é necessário que cada um dos intervenientes faça um esforço activo no sentido de não ocultar as suas emoções e pensamentos face a si próprio.

O que vos parece?