segunda-feira, agosto 03, 2015

Como Apaziguar uma Zanga de Casal (I)



Projeção mútua de ansiedade e falha da contenção
Todos nós já vivemos ou presenciámos em algum momento das nossas vidas episódios em que a dado momento duas pessoas numa relação de casal não só deixam de se entender como parecem enveredar num "jogo" de acusações lesivas de parte a parte. Estes momentos são muitas vezes intensos, difíceis de quebrar, pouco propensos a serem encontradas soluções e resoluções satisfatórias, e tendem muitas vezes a caracterizar-se por um gradual escalar de intensidade.

Em termos "psicoanatómicos" (funcionamento psíquico subjacente aos conteúdos verbalizados durante a discussão) há um estado intenso de ansiedade que a própria pessoa não está a ser capaz de conter dentro dela e de transformar sozinha. Ou seja, o aparelho psíquico naquele momento (ou em relação a determinado assunto) está fragilizado e não está a ser capaz de tolerar a ansiedade, de pensar ponderadamente e de criar um discurso assertivo. O resultado é a expulsão (dissociação interna e projeção) da ansiedade para cima da outra pessoa, sob forma de acusações, responsabilizações críticas, culpabilizações ou outro tipo de ataques. Quando o outro lado se encontra no mesmo mental, ou este estado mental é induzido via das projeções/ataques contínuos, instala-se então a discussão zangada, em que muito dificilmente se conseguem fazer reparações genuínas e se atingirem resoluções satisfatórias.

Uma das correntes teóricas da psicanálise procura reconstruir o mundo interno do bebé, nomeadamente ao nível da fantasia. Este trabalho foi conseguido com base no trabalho clínico com pacientes muito perturbados (que se diziam e dizem ter um funcionamento mental equiparado ao do bebé de poucos meses) e com crianças muito pequenas. Nesta corrente psicanalítica o bebé concebe inicialmente duas mães (tanto quanto é possível a um bebé perceber a mãe, ou partes da mãe), a mãe boa, que gratifica, onde é projetado tudo de bom que o bebé tem, e a mãe má, que privava cruelmente de cuidados, na qual é projetada sobretudo a agressividade do bebé. Uma é amada e procurada, a outra é temida e odiada. Mais tarde o bebé amadurece psicofisiologicamente e percebe que ambas são uma e a mesma pessoa. Passa a recear ter destruído a mãe boa mediante ataques (na fantasia) outrora contra a parte má. Surge uma culpabilidade aflitiva, um medo de ter destruído a mãe de que tanto precisa e uma tendência à reparação. Nos primeiros meses o bebé oscila entre movimentos de clivagem e de integração da representação interna da mãe. Diríamos, entre por um lado, um sentimento de vitimização e ataque ao agressor, e, por outro lado, uma culpa por ter danificado a figura principal de vinculação, que se faz acompanhar por esforços de reparação (reais ou na fantasia).
Enquanto nota, tudo o que projetamos (dissociamos de nós mesmos e expulsamos para o exterior) adquire um efeito persecutório contra nós - as angústias persecutórias. Como se o movimento de expulsão psicológica (da ilusão da expulsão, pois o aparelho psíquico cria apenas a ilusão da expulsão, e por vezes uma ilusão realmente poderosa) imbuísse os conteúdos expulsos de uma espécie de intencionalidade de retorno vingativo sobre nós mesmos pelo facto de os termos tentado atirar para fora de nós. Aquilo que alguns de nós sentimos por vezes quando de noite, ao tentar adormecer, sentimos "presenças" persecutórias perto de nós ou na nossa casa. Tratam-se de conteúdos e ansiedades muito difíceis que não conseguimos integrar ou pensar, que procuramos expulsar para fora de nós.

De qualquer dos modos, no trabalho com os nossos pacientes e nas relações de casal, nomeadamente nos momentos mais intensos dos conflitos e discussões, vamos observando estas mesmas oscilações. Ainda que enquanto adultos o ideal se prenda com sentirmo-nos culpados quando cometemos alguma transgressão contra aqueles que amamos e procuremos fazer reparações, por vezes acabamos por estar debaixo de tal carga de stress que resvalamos temporariamente para um estado mental em que acabamos por perceber aqueles mais próximos de nós enquanto perpetradores cruéis (coloridos muitas vezes pela própria projeção da nossa agressividade) que são posteriormente alvos dos nossos ataques mais cruéis (a nossa agressividade), isentos de remorso.

Eis alguns quadros psicológicos ligados com a propensão à perda de contacto com a benevolência da outra pessoa, com a realidade de quem ela é (e também com o nosso sentido de responsabilidade adulta perante as nossas atitudes e ações):

- Fragilidade da estrutura de personalidade, forte vulnerabilidade à frustração e às separações; Relações de amor/ódio (próprio da patologia borderline)
- Relações passadas traumáticas transferidas inconscientemente para o companheiro em certas situações ou quando debaixo de stress (por ex. figuras rejeitantes e desconsiderativas)
- Atribuição ao companheiro de aspetos intolerados da própria personalidade (por ex. impulso à infidelidade; a agressividade)
- Situações pontuais de grande stress que provocam clivagens temporárias na nossa representação interna da outra pessoa

Existem outras situações também importantes, mas que se afastam do âmbito desta exposição, nomeadamente quando um companheiro tem uma personalidade expulsiva (sem muita capacidade para a tolerância à ansiedade e para a responsabilização) e o outro apresenta uma personalidade que tende a receber essas ansiedades projetadas e a interioriza-las (culpabiliza-se), desculpando a primeira. Não existe uma verdadeira comunicação de casal, mas antes uma dinâmica de imposição-submissão (ou autoanulação), ou sadomasoquista, onde os conflitos são persistentes e o amor, o entendimento e a cumplicidade não têm espaço para desabrochar.

Na segunda parte deste artigo abordaremos alguns sinais internos de entrada em estados emocionais/mentais de propensão ao conflito destrutivo e o que nunca fazer durante uma zanga de casal.

sábado, agosto 01, 2015

||Perturbações de Personalidade|| - Personalidade Psicopata (Antissocial)


Muitas pessoas que apresentam uma estrutura de personalidade psicopata não são necessariamente antissociais, isto é, não estão em conflito observável com as normas sociais. Da mesma forma, algumas pessoas que preenchem os critérios clínicos do DSM ou do ICD para a perturbação antissocial não são caracterologicamente psicopatas. 

A verdade é que algumas pessoas com uma perturbação de personalidade psicopata são capazes de seguir os seus interesses e motivações num contexto de aprovação social e mesmo de admiração (por exemplo quando a pessoa psicopata é agente dos serviços secretos). Existem algumas profissões onde o comportamento psicopata é recompensado.

Na nossa sociedade existem mais psicopatas que aqueles que imaginamos. Na grande maioria das vezes a própria pessoa psicopata não sabe que o é. Atraídos pelo poder, podemos encontrar uma massa significativa de psicopatas por exemplo nas grandes empresas, onde aspiram a cargos de chefia ou ocupam já os respetivos cargos, conseguidos a partir de uma atitude de "vale tudo" que acaba muitas vezes por ser recompensada nestes meios. Ainda que muitos psicopatas se deparem com problemas com as figuras de autoridade, alguns são realmente eficazes no evitar da responsabilidade sobre danos cometidos a outras pessoas.

A psicologia psicopata organiza-se em torno da expressão do poder e da fuga à responsabilidade. São indivíduos que sentem prazer em enganar os demais e sujeita-los a manipulações. Existem dois tipos de psicopatas, um mais agressivo e outro mais passivo e parasita. Ambos se recorrem de estratégias diferentes para alcançar os fins de exploração das outras pessoas. O psicopata mais agressivo pode advir de uma identificação com um cuidador de infância violento ou abusivo.

As pessoas com uma estrutura de personalidade psicopata sentem ansiedade com muito menor frequência e intensidade que as restantes pessoas. Existem muitas evidências empíricas que demonstram que estas pessoas têm dificuldade em se sentir estimuladas da mesma forma que as restantes pessoas, pelo que tendem a procurar estímulos intensos de forma aditiva.

O sentido de moralidade é fraco ou deteriorado, o que faz com que, ao contrário das outras pessoas, as pessoas com personalidade psicopata não consigam regular as aspirações ao poder e dirigi-las para fins socialmente valiosos.

Podem ser pessoas encantadoras e até carismáticas, e podem ler os estados emocionais das outras pessoas com grande precisão, mas as suas vidas emocionais tendem a ser pobres, sendo a expressão afetiva frequentemente falsa e dirigida a fins de manipulação.

A ligação emocional aos demais é mínima. Tipicamente perdem o interesse nas pessoas quando as sentem sem utilidade pessoal. Têm dificuldade em descrever as suas próprias reações emocionais com profundidade ou nuances e tendem frequentemente a somatizar.

A perturbação grave dos vínculos com os cuidadores no início de vida é provavelmente a raiz da indiferença aos sentimentos e necessidades das outras pessoas, bem como a característica ausência de remoroso após prejuízos infligidos outras pessoas. A negligência parental, o abuso, as drogas, e/ou cuidadores caoticamente pouco sintónicos, empáticos e securizantes poderão ter tornado impossível uma vinculação segura. Ou, por outro lado, um desajuste profundo entre o temperamento da criança e o temperamento dos cuidadores responsáveis.

  
Preocupação/tensão central: Manipular/Ser Manipulado
Afetos centrais: Raiva, Inveja
Crença patogénica característica sobre si próprio(a): Posso fazer qualquer coisa acontecer
Crença patogénica sobre os outros: Todas as pessoas são egoístas, manipulativas e desonestas 
Subtipos:  

Passivo/Parasita
Mais dependente, menos agressivo, um manipulador relativamente não-violento; O tipo de personalidade que engendra e envereda por burlas

Agressivo
Mais explosivo ou ativamente predatório e frequentemente transgressor violento

segunda-feira, julho 27, 2015

Ivan Aivanovksy

Descobri este pintor do século XIX, armênio-russo, chamado Ivan Aivanovsky. Vale a pena ver na net as outra pinturas dele sobre mar e tempestades, são lindíssimas


Afastar a consciência do sofrimento e a recusa de ajuda


Por vezes há problemas dos quais nem sempre temos consciência, mas que acabam por surgir em determinadas situações, como por exemplo sob stress ou nas relações amorosas.
 
Desenvolvemos algumas vezes grandes capacidades de autossuficiência em torno desses problemas e acreditamos que podemos perfeitamente tomar cuidar de nós e prescindir de um outro exterior que desempenhe esse papel para connosco.

Apesar de sermos muito capazes de lidar com as responsabilidades do dia-a-dia, e mesmo de atingir o
sucesso, o mal estar está lá... Como se não conseguíssemos descansar verdadeiramente.

Lado a lado com a autossuficiência e competência, e independentemente de a grande rede de amizades que possamos ter ou pensar ter, temos por vezes muito pouca experiência de nos entregarmos verdadeiramente aos outros. Assim, fica também interdita a experiência da verdadeira intimidade e cumplicidade, que nos preenchem genuinamente.

Assim, permanecemos sós, trancados em nós mesmos, sem conseguirmos esse tão almejado descanso. Porque é apenas na entrega genuína que conseguimos crescer, integrar-nos e amadurecer.

Podemos ainda procurar ajuda e conselhos de amigos, mas sentimos que de nada servem, e ás vezes acabamos mesmo por sentir que estamos a incomodar ou que os outros se frustram e perdem a paciência connosco.

Por vezes procuramos a ajuda do psicólogo para nos apoiarmos nele e reforçar um "Eu-prótese", autossuficiente, precisamente para não fazermos um processo de verdadeira entrega. Como por exemplo a procura do psicólogo no intuito de receber soluções ou respostas "faça você mesmo". Muitas vezes a resposta é mesmo a psicoterapia, mas num primeiro momento falta a capacidade de entrega, e o sentimento que surge na pessoa é o de não estar a conseguir (receber) nada da psicoterapia. Porque na verdade, o paciente não pode (não consegue) ainda receber... Não pode ainda entregar-se. Ainda que precise e o queira desesperadamente.

Por vezes a dor e o sofrimento emocional e mental está profundamente inacessível, por debaixo de um "Eu-de-cobertura" que precisa num primeiro momento ser devidamente consciencializado e trabalhado. Lá por detrás está muitas vezes um "Eu" profundamente fragilizado, repleto de sentimentos de incapacidade, inutilidade e incompetência, que precisa ser entendido, cuidado, reparado e ajudado a desenvolver-se.

sábado, julho 25, 2015

||Perturbações de Personalidade|| - Personalidade Paranóide



perturbação paranóide de personalidade pode ser considerada das mais graves perturbações de personalidade. Podem existir pessoas com personalidades paranóides que apresentem um alto nível de funcionamento social, contudo raramente procuram ajuda devido ao enorme problema em torno da capacidade de confiar.

A psicologia paranóide caracteriza-se por afetos, impulsos e ideias internamente intoleráveis, sujeitos a dissociação e atribuídos às outras pessoas, cuja presença ou imagem passa então a suscitar sentimentos de medo e/ou de indignação.

Quando a hostilidade é projetada, a fantasia paranóide é a de se ser perseguido(a) por outros hostis. No caso da dependência projetada, a fantasia será a de alguém ter deliberadamente tornado a própria pessoa dependente, de forma humilhante. No caso da projeção da atração, surge a convicção paranóide de que outros têm intenções sexuais em relação à própria pessoa (erotomania) ou em relação às pessoas a quem a própria pessoa está vinculada (delírio de ciúmes). Outros afetos dolorosos podem também ser projetados, tais como o ódio, a inveja, a vergonha, o desprezo, o nojo, ou o medo.

As histórias de vida das pessoas que sofrem de perturbações paranóides de personalidade estão marcadas por sentimentos de vergonha e situações de humilhação. Assim, a expetativa social destas pessoas é a de serem humilhadas pelos demais, pelo que podem elas mesmo passar ao ataque sem qualquer provocação aparente, de modo a se livrarem da agonia da espera pelo ataque inevitável do exterior. Esta mesma expetativa é responsável pelas atitudes de suspeita e hipervigilância que caracterizam as perturbações paranóides. Infelizmente a atitude tende também a evocar as tão receadas respostas de humilhação. 

O poder, nomeadamente o poder persecutório dos demais ou o poder megalómano do próprio, é o tema que motiva toda a organização defensiva da personalidade paranóide. Alguns relatórios clínicos sugerem também que as pessoas que sofrem de personalidade paranóide ao longo dos anos formativos sentiram um dos progenitores enquanto sedutor ou manipulativo. Assim, estas permanencem ao longo da vida alerta para o perigo de serem exploradas de formas sedutoras pelo terapeuta ou por outras pessoas.

Há portanto um conflito interno intenso nas personalidades paranóides, nomeadamente entre o pânico quando estão sozinhas - o medo de serem feridas por um ataque inesperado e/ou o medo de que as suas fantasias destrutivas firam ou já tenham ferido os demais) - e a ansiedade quando em relações - o medo de serem usados e destruídos pelas intenções ocultas dos outros.

As pessoas com perturbações paranóides tendem a ter problema em perceber a diferença entre os seus pensamentos e as suas ações, um problema possivelmente reforçado durante os primeiros anos de vida aquando de atitudes de crítica ou humilhação dirigidas nomeadamente às atitudes da criança em vez de dirigidas aos comportamentos.

Preocupação/tensão central: Atacar/ser atacado por outros que procuram humilhar
Afetos centrais: Medo, raiva, vergonha, desprezo
Crença patogénica característica sobre si próprio(a): O ódio, a agressão e a dependência são perigosos
Crença patogénica sobre os outros: O mundo está cheio de potenciais agressores e de pessoas que usam os demais