quarta-feira, julho 26, 2006

Teoria do trauma

“Modelo I – Teoria do trauma

O significado psicanalítico da palavra “trauma” refere-se a um fato – realmente acontecido – de que tenha tido alguma importante repercussão no psiquismo do sujeito. No inicio da sua obra, Freud partiu da concepção de que o conflito psíquico era resultante das “repressões” impostas pelos traumas de uma sedução real, de fundo sexual, que suas jovens pacientes histéricas teriam sofrido quando meninas por parte do pai. Freud enfatizava que essas repressões depositadas no inconsciente retornavam ao consciente sob a forma de sintomas. Daí ele postulou que “os neuróticos sofrem de reminiscências” e que a cura consistiria em “lembrar o que estava esquecido”.”
In Zimerman, D. (2005) Psicanálise em perguntas e respostas – verdades, mitos e tabus. pp. 130. Porto Alegre: Artmed

A teoria do trauma está datada no que refere ao seu sentido mais geral. Mas em contexto específico continua a ser válida e bastante importante.

Quando houve, de facto, uma sedução prematura por parte de um adulto ou criança mais velha (não necessariamente o pai), a probabilidade da criança ter sido traumatizada pela experiência é bastante elevada e a resposta do psiquismo a um acontecimento traumático é muitas vezes (mas não sempre) a activação da repressão como mecanismo de defesa principal. Quanto mais grave foi o trauma infligido e/ou vivido, mais intensa será a força da repressão. A substituição lenta e progressiva da repressão por outro(s) mecanismo(s) de defesa mais adequado permite a emergência para níveis pré-conscientes e/ou conscientes da vivência traumática e esse maior acesso à consciência facilita a elaboração e metabolização dos afectos e memórias anteriormente reprimidos e escondidos.

A inferência generalista de que “os neuróticos sofrem de reminiscências” não é considerada válida pela psicanálise actual. A psicanálise também já não tem por objectivo “lembrar o que estava esquecido”, se bem que em alguns momentos do processo analítico isso pode ser importante ou até mesmo fundamental.

segunda-feira, julho 24, 2006

Modelos e princípios da psicanálise

No livro que tenho estado a ler e do qual vos falei no meu último post, Zimerman apresenta muito resumidamente os 5 modelos da mente desenvolvidos por Freud ao longo da sua obra e os 9 principais princípios da psicanálise.

Os 5 modelos:

Modelo I – Teoria do trauma
Modelo II – Teoria topográfica: consciente, pré-consciente e inconsciente
Modelo III – Teoria estrutural: id, ego e superego
Modelo IV – Teoria do narcisismo
Modelo V – Teoria da dissociação do ego

Os 9 principios:

I - Princípio da existência do inconsciente
II – Princípio da existência das pulsões instintivas
III – Princípio do determinismo psíquico
IV – Princípio do prazer-desprazer e princípio da realidade
V – Princípio da constância
VI – Ponto de vista económico do psiquismo
VII – Princípio da compulsão à repetição
VIII – Princípio da negatividade
IX – Princípio da incerteza

Acho esta organização muito interessante e nos meus próximos posts irei apresentar cada um destes tópicos, tal como Zimerman os apresenta, e fazer um pequeno comentário pessoal.

sábado, julho 22, 2006

“Siddhartha” de Herman Hesse

Neste Livro de livro de Herman Hesse somos transportados a uma vida motivada por uma busca interior.
A certa altura deparei-me com o seguinte dialogo:
“… O que sabes fazer?” Ao que o que Siddhartha responde:
“ Sei pensar. Sei esperar. Sei jejuar.”

Dei por mim a pensar o quanto estas qualidades são importantes para um psicoterapeuta. De como pensar é a base do nosso ofício, de como esperar pelo tempo do cliente é uma arte nem sempre fácil de dominar, e de como conseguir jejuar quando as sessões são aparentemente desprovidas de alimento emocional para a relação gera ansiedade…
Mais uma vez, o pensar é importante, porque em terapia tudo tem significado e mensagem. Mais uma vez, é preciso esperar pelo momento mais oportuno para lançar o desafio ao cliente, e mais uma vez, o jejuar de emoções enquanto digere mais um pedaço da sua vida poderá surgir.

Enfim… pensar, esperar e jejuar, artes a cultivar por todos nós!
Pedro Correia Santos

Cara metade...

“Não ter pode significar desejar, mas a falta de algo dá lugar a um conceito aparentado: a noção de diferença.
Diferença não é igual a falta, simplesmente é diferença, dá lugar à ideia de limite, que inclui frustração, mas também alteridade.
Sempre haverá uma falta na diferença.
Não existe a cara-metade, há duas laranjas, também há suco de laranjas e sementes.
Mas há uma incompletude irremediável.”

Ferschtut

quarta-feira, julho 19, 2006

Contra-ego


Tenho estado a ler um dos livros de David Zimerman, Psicanálise em Perguntas e Respostas – Verdades, mitos e tabus.

Quanto mais leio Zimerman, mais o aprecio e recomendo vivamente. Este psicanalista Brasileiro tem uma escrita muito agradável e um estilo comunicacional muito tranquilo e acessível. Com ele a Psicanálise parece fácil e intuitiva.

Zimerman desenvolveu um conceito que me parece de altíssimo valor clínico, o Contra-Ego. No livro que referi anteriormente ele descreve o contra-ego da seguinte forma:

“Contra-ego. Nunca ouvi essa expressão. O que significa? [Como o livro está organizado em perguntas e respostas, esta foi a pergunta que lhe permitiu descrever o conceito de contra-ego.]

Embora essa expressão não exista na literatura psicanalítica, creio que ela se justifica porque alude a uma situação muito frequente e importante na prática analítica, qual seja, a de que o próprio ego sabota e impede o crescimento do restante da personalidade do sujeito. São distintas as formas de como essa organização patológica, incrustada no seio do ego do sujeito, impede que ele possa ultrapassar um certo grau de melhoria de sua qualidade de vida. Unicamente para exemplificar, cabe citar as seguintes possibilidades da presença e acção nefasta do contra-ego.

1. A existência de uma gangue narcisista, ou seja, um conjunto de objectos que, sob a forma de ameaças e falsas promessas, qual uma máfia, obstaculiza que o paciente reconheça e assuma um lado seu, de criança frágil, mas que, movida pela pulsão de vida, pugna por se libertar dessa organização que é regida pelo principio de nunca renunciar às ilusões próprias do mundo narcisista.

2. Outra possibilidade de como o contra-ego pode boicotar o crescimento de uma pessoa é o caso de uma obediência do sujeito a determinado papel conferido ao sujeito pelos seus pais (por exemplo, o de ser um eterno companheiro da mãe...) em que ocorre um protesto de seu próprio ego quando ele quer se emancipar. Isso acontece em algumas reacções terapêuticas negativas diante de um êxito analítico.”

O conceito de contra-ego é muito próximo do conceito de Herbert Rosenfeld de narcisismo de morte sob a forma “gangue mafioso”, mas, na minha opinião, a ideia de contra-ego engloba a ideia de Rosenfeld e vai para além dela, sendo mais intuitiva e mais fácil de enquadrar na teoria e na clínica. O conceito de contra-ego tem sido extremamente útil no meu exercício de clínica.

terça-feira, julho 18, 2006

Benvindos à Holanda

Durante a componente curricular do meu mestrado, e numa aula sobre perturbações do desenvolvimento, uma pediatra leu um texto que retratava a vivência dos pais quanto à deficiência mental. Este ano, e após uma formação, foi-me relembrado este mesmo texto e como sabia que o tinha adquirido, decidi partilhá-lo convosco para que, em conjunto, possamos pensar na mensagem.

O texto inicia-se assim:
Pedem-me muitas vezes que descreva como é a experiência de criar um filho com uma incapacidade. Para tentar ajudar as pessoas que não sabem o que essa experiência única significa, para poder imaginar o que se sente, deixem-me dizer-lhes algo parecido com o seguinte...

Quando vamos ter um bebé é como planear uma fabulosa viagem - a Itália. Compra-se logo uma boa quantidade de livros de viagem e fazem-se os planos maravilhosos: o Coliseu, o Miguel Ângelo, as gôndolas em Veneza, e até se pode aprender algumas frases úteis em italiano. É tudo muito excitante.

Depois de meses de expectativa, chega finalmente o dia. Fazem-se as malas e lá se vai para o aeroporto, horas mais tarde o avião aterra e a hospedeira chega perto e anuncia, Benvindos à Holanda.

Holanda? pergunta você, o que é isso de Holanda? o meu voo era para a Itália, eu deveria estar em Itália, toda a minha vida sonhei ir a Itália. Mas houve uma mudança de voo e o avião aterrou na Holanda e tem que ficar ali.

O mais importante é que eles não a levaram para um lugar horrível, desagradável e sujo, cheio de pestilência, fome e doenças. É só um lugar diferente. Vai precisar de aprender uma linguagem completamente nova, e conhecer um novo grupo de pessoas que nunca teria encontrado.

É só um lugar diferente, com um ritmo de vida mais lento do que Itália, menos buliçoso e aparatoso, mas depois de lá permanecer mais um bocado de tempo, logo que tenha passado a agitação, vai olhar em seu redor e começa a dar-se conta que a Holanda tem os moinhos de vento, tem as tulipas, e que a Holanda até tem os Rembrandts.

Mas todas as pessoas que conhece vão e vêm de Itália e todas se gabam das maravilhosas férias que lá passaram, e para o resto da sua vida vai pensar "Sim, era ali para onde deveria ter ido. Era isso que tinha planeado".

E essa dor nunca, nunca, nunca mais passará porque a perda desse sonho é uma perda muito significativa.

Mas... se passar a vida a lamentar-se com o facto de não ter ido a Itália, nunca mais terá o espírito livre para disfrutar as coisas especiais, as coisas maravilhosas da Holanda.

sábado, julho 15, 2006

Inconscientes



O filme recomendado pelo Pedro Correia Santos

“Coisas Novas e Coisas Boas”

A uns (poucos) meses da defesa da minha dissertação de mestrado tenho-me lembrado de uma história anedótica que ainda hoje se conta aos estudantes da faculdade de direito da Universidade de Lisboa.

Marcello Caetano, que, segundo consta, era um ilustre Professor de Direito, ter-se-á dirigido em tom sarcástico na arguência da tese de doutoramento do seu aluno Pedro Soares Martínez (e actualmente um importante vulto daquela academia): “O Sr. Dr. fez um bom trabalho. Tem aqui muitas coisas boas e muitas coisas novas, só que as coisas boas não são novas, e as coisas novas não são boas!”.

Não imagino o que me espera na discussão do meu trabalho, sei sim que até lá me servirei desta história para, projectando os mesmos laivos superegóicos aos membros do júri, continuar a melhorar o texto até à data da entrega!

quinta-feira, julho 13, 2006

Dano psíquico - o caso do Bullying

No passado mês escrevi, em colaboração, um leve artigo sobre o Bullying para a revista Psicologia actual ressaltando alguns aspectos de detecção do fenómeno. Nalgumas conversas que fui mantendo percebi que a maioria dos indivíduos desconhece o significado deste conceito e suas consequências, pelo que, decidi focar alguns aspectos a ter em conta em relação a este fenómeno e suas implicações.

Bullying é um termo criado por Dan Olweus para designar todo o tipo de mal-estar psíquico que o aluno é alvo durante o seu percurso escolar, estando sujeito a uma forte pressão social. Esta pressão é exercida por alguns alunos, em alunos mais vulneráveis, provocando dor e sofrimento psíquico, estando o agredido, subordinado a exigências e mal tratos psíquicos continuados e repetidos, e ao mesmo tempo, subjugado a um silêncio na tentativa de evitar novas retaliações. Esta forma de violência psíquica perpetua-se através de insultos, piadas, gozações, apelidos cruéis e ridicularizações.

A criação deste termo está associada a uma pesquisa que o autor (Dan Olweus) fazia sobre tendências suicidas nos adolescentes, tendo constatado que a maioria dos jovens que cometiam estes actos tinham sofrido algum tipo de ameaça desta índole.

Vejamos então a pressão que é exercida nestes alunos e as consequências nefastas para o psiquismo. Estejamos atentos ao aparecimento das fobias escolares, à diminuição do rendimento escolar, às depressões e à sintomatologia psicossomática, perturbações associadas a este fenómeno.

Prestemos atenção quer ao abusado, quer ao perpetrador do abuso, porque ambos são vulneráveis do ponto de vista emocional, seja pela susceptibilidade ao abuso, seja pela necessidade de abusar, mas cada uma das situações manifesta perturbações emocionais.

terça-feira, julho 11, 2006

Have a nice... concert

Espectáculos a não perder! Deixo-vos duas sugestões para este mês.

Lila Downs
19/07/06 - Aula Magna (Quarta 22h)
www.liladonws.com


Lizz Wright
23/07/06 - Pequeno Auditório CCB (Domingo 21h)
www.lizzwright.net

Have a nice... concert

“Estou! Onde é que estás?“

Quantas vezes não teremos ouvido ou reproduzido este diálogo numa conversa ao telemóvel? Há uns tempos enquanto falava com um amigo alemão, ouvia-o em tom de lamento dizer que a ideia de todas as pessoas terem um telemóvel acentuava um dos defeitos dos portugueses – a famigerada falta de pontualidade. Continuava assim: “quantas vezes não tenho reuniões marcadas com pessoas que, mesmo em cima da hora me avisam que afinal houve um contratempo e que chegarão atrasadas”. Acabei por concordar com a crítica, na qual eu próprio ocasionalmente me revejo.

Acabada a conversa fiquei a pensar que as censuras ao dito aparelho não se ficavam por aqui. Sem imputar a nenhuma nacionalidade em particular aquilo que referirei em seguida, outros aspectos há a considerar. Frases como a que podemos ler no título são disso, em meu entender, bom exemplo. Esta pergunta tão banal com a qual começamos a maioria das nossas conversas telefónicas encerra algo que o telemóvel viabiliza, a saber, a possibilidade do Outro, a qualquer momento, poder indagar acerca do nosso paradeiro. Não posso fechar os olhos à utilidade desta pergunta em alguns contextos, mas comparemos com o que se passava aqui há uns anos – o tempo que mediava aquele momento em que estávamos contactáveis através do telefone do emprego e a chegada a casa, onde estávamos novamente alcançáveis através de um telefonema... O que se passava entre um momento e o outro abria um espaço que hoje infelizmente se perdeu, e para o qual me parece importante chamar a atenção: Um espaço passível de ser ocupado por inúmeras fantasias (mais ou menos ajustadas à realidade) da parte de quem espera, dos habituais interlocutores que nos “apanham” entre um sítio e outro.

Acaba, a meu ver, esta inevitabilidade dos tempos de hoje, por favorecer alguma pobreza fantasmática – a mesma que grassa numa sociedade pouco apta a tolerar aquele tempo de latência, com tudo o que de organizador isso podia ter para o nosso mundo interno. Mas esta “ubiquidade virtual” é apenas um exemplo da quantidade enorme de aspectos que poderíamos elencar... Então e as chamadas de números não identificados e a possibilidade de se exercer uma forma de controlo sobre o Outro? A quantidade de tempo que deixamos de estar com alguém só porque, achando que podemos falar com todos os nossos amigos à distância de umas “digitadelas” de telemóvel, nos ficamos por um sms?

segunda-feira, julho 10, 2006

As palavras mais pesquisadas no Sapo

Às vezes por curiosidade vou ver as palavras mais pesquisadas no sapo.
As de hoje são:

1. Filme;
2. Portugal;
3. Amor;
4. Jogos;
5. Hotel;
6. Apartamentos;
7. Hotel
8. Algarve;
9. Jornal;
10. Férias;
11. Lisboa.

Não é só calor, o espírito já é mesmo de férias!

domingo, julho 09, 2006

Os Inconscientes

É raro ter um filme que sirva como espelho da nossa profissão, tal como este.
Não é a época em que decorre a história, não é a importância histórica das personagens, que dá na minha opinião importância ao filme.

O cerne da questão está no envolvimento de um dos terapeutas na vida dos seus clientes e como ele se torna um cliente virtual de si próprio. Ou seja, será um sinal de aviso quando desejamos viver alguns aspectos da vida dos nossos clientes? Será isso, um indicador que algo está errado na nossa?
Creio que sim!
Afinal sempre que deixamos de viver o aqui e agora, para viver o passado e futuro dos outros estaremos numa rota certa para a insanidade!

Dentro deste filme encontramos retratos, ou arquétipos, da sociedade actual, estes tem um traço próprio que nos faz rir. Aliás todo o filme é bastante leve e por vezes muito divertido.

Vale a pena ver o filme! E acima de tudo vale a pena reflectir se na verdade gostaríamos de viver outra vida que seja a nossa própria!
Pedro Correia Santos

Foi dito...

"O ideal está em ti; o obstáculo para a sua realização também está dentro de ti."

Thomas Carlyle
(1795-1881)

sexta-feira, julho 07, 2006

quarta-feira, julho 05, 2006

A sinceridade para connosco próprios e para com os outros

Uma das linhas de reflexão que emergiu da troca de comentários anteriores foi a ideia de que é importante sermos sinceros connosco próprios em primeiro lugar para sermos capazes de ser sinceros com os outros.

Tendo em vista a ideia inicial de “criar” uma ética da relação amorosa, poderíamos afirmar que um dos pontos desse “regulamento” ético seria:

1. Para que a relação amorosa funcione bem é necessário que cada um dos intervenientes seja em primeiro lugar sincero consigo próprio.

Agir em conformidade com esta afirmação é extraordinariamente difícil. Sermos sinceros connosco próprios é uma tarefa para a vida e impossível de cumprir em rigor. As dinâmicas internas estão cheias de “armadilhas” e auto-enganos, alguns deles até bastante úteis e ao serviço do crescimento emocional. Proponho que se reestruture o primeiro ponto:

1. Para que a relação amorosa funcione bem é necessário que cada um dos intervenientes faça um esforço activo no sentido de não ocultar as suas emoções e pensamentos face a si próprio.

O que vos parece?

sexta-feira, junho 30, 2006

A importância da sinceridade e da honestidade nas relações amorosas

Dentro da lógica que apresentei no post anterior, gostaria de lançar o debate sobre a importância da sinceridade e da honestidade nas relações e conquistas amorosas.

Quando penso numa ética das relações amorosas, uma das primeiras ideias que me ocorre é a importância da sinceridade das pessoas consigo próprias e face ao companheiro(a).

A sinceridade e a honestidade são conceitos muito amplos e difíceis de definir e enquadrar. Um dos meus autores preferidos, Wilfred Bion, diz num dos seus livros. “Verdade sem amor é crueldade e amor sem verdade é hipocrisia”.

Quais são os limites da sinceridade e da honestidade?

A máxima “verdade a qualquer preço” poderá ser aplicada com rigor nas relações amorosas? Dizer à namorada “hoje estás horrível!” só porque é verdade ou pelo menos é a verdade que se percepciona nesse momento, é bom? É bom para quem? Para a pessoa que ouve? Para a pessoa que diz? Para a relação? Nesta situação, dever-se-ia mentir? Dever-se-ia omitir?

quinta-feira, junho 29, 2006

Para uma teoria da ética nas relações amorosas

Como facilmente compreenderão, na minha profissão deparo-me frequentemente com questões muito complexas relacionadas com as relações amorosas. As relações amorosas (ou a ausência delas) são geradoras de enorme prazer e/ou sofrimento. Cada caso é um caso, dado que cada situação particular tem as suas especificidades. Pensar e investigar as relações amorosas e compreender a sua psicopatologia é uma tarefa muitíssimo complicada porque é difícil encontrar um padrão ou estabelecer um conjunto de critérios que nos assegure estarmos perante o que é bom ou normal.

Há inúmeras perguntas em torno deste tema que inevitavelmente ficam sem resposta. Porque é que as pessoas se apaixonam? Porque é que “escolhem” esta ou aquela pessoa? Porque é que certas relações duram imenso e outras se extinguem muito rapidamente? Porque há pessoas que se apaixonam por várias ao mesmo tempo? Porque desaparece o amor? etc., etc.

A psicologia das relações amorosas é uma área de investigação ainda muito recente e cheia de contradições (diferentes correntes têm opiniões diversas e por vezes contraditórias).

Proponho que se pense numa ética das relações amorosas. Por ética das relações amorosas entendo a especulação de qual seria o comportamento (ou conjunto de comportamentos) que potencialmente facilitaria a instalação e a manutenção de uma relação amorosa “boa”. Na wikipédia lê-se: “o objectivo de uma teoria da ética é determinar o que é bom, tanto para o indivíduo como para a sociedade como um todo”. Num certo sentido a ética estipula determinados preceitos de conduta. Neste caso, seriam condutas (comportamentos ou posturas mentais) que visariam a manutenção da relação amorosa com um nível de satisfação adequado.

Convido-vos a participarem dando a vossa opinião e, entretanto, eu própria vou escrevendo as minhas ideias sobre o assunto.

sábado, junho 24, 2006

A duração da psicoterapia psicanalítica

Muitos dos meus pacientes sentem-se desiludidos no início das suas psicoterapias e, por vezes, até aborrecidos pela longa duração do tratamento. A maioria das psicoterapias implica um trabalho continuado, com uma ou duas sessões por semana, durante vários anos (habitualmente entre 3 a 5 anos). As psicoterapias psicanalíticas são “tratamentos” que visam a modificação da personalidade em profundidade e isso não se consegue em meia dúzia de sessões nem existem palavras mágicas que possamos ensinar aos nossos pacientes, para que eles rapidamente fiquem bem. Fazer uma psicoterapia psicanalítica em profundidade é um trabalho duro que implica um compromisso sério durante muito tempo.

A velocidade da vida actual torna muito difícil compreender a necessidade de uma relação tão longa e intensa. Muitos dos meus pacientes dizem-me que sou a pessoa que melhor os conhece. Por vezes a psicoterapia dura mais do que o casamento deles e, muito frequentemente, observo o início e o fim de várias relações amorosas.
Estar em psicoterapia é sabermos que temos alguém que nos escuta e que, num certo sentido, vive connosco a nossa vida. É sentirmos que aquilo que somos constitui uma descoberta permanente e que as transformações que sofremos são subtis e que em cada mudança nos aproximamos mais daquilo que verdadeiramente somos. O psicoterapeuta não pretende “moldar” o paciente ou fazê-lo ficar desta ou daquela maneira. Simplesmente está lá, para ouvir, apoiar, estimular o questionamento e ajudar a pessoa a perceber aquilo que ela própria não consegue entender sozinha.

A personalidade muda e a psicopatologia fica atenuada ou desaparece porque esta “nova relação” funciona como um outro olhar que a pessoa tem sobre si própria, um olhar desprovido de censuras, desejos e preconceitos. Lentamente a pessoa abre-se e restaura-se, sarando as suas feridas e procurando novos pontos de apoio para edificar uma “nova” personalidade.

O grau de confiança e, num certo sentido, de intimidade que se gera entre um psicoterapeuta e o seu paciente só pode ser conquistado com tempo e paciência. Para sermos capazes de comunicar o que há de mais privado e profundo em nós temos que confiar muitíssimo no outro, o que demora muito e muito tempo. Precisamos de ter a garantia de que o psicoterapeuta não vai “mesmo” censurar-nos, diminuir-nos, explorar-nos, humilharmo-nos, etc. Só depois de um bom tempo em psicoterapia é que nos “instalamos” verdadeiramente nela.

quinta-feira, junho 22, 2006

A cultura do narcisismo

A sociedade actual estimula a cultura do narcisismo. Cada vez mais competimos de forma acirrada por um “lugar ao sol” num mundo em que impera a lei do mais capaz e do sucesso ou da aparência dele.

As exigências de sucesso provocam um enorme desgaste. As pessoas sentem-se obrigadas a atingir metas idealizadas e a ultrapassarem a qualquer custo as suas limitações. Instala-se um conflito entre o “eu idealizado” e o “eu real” que nos leva a desenvolvermos a crença de que valemos mais pelo que temos ou aparentamos ser do que pelo que realmente somos.

A ânsia de reconhecimento faz com que a aparência tenha um enorme valor; quando somos confrontados com a diferença entre aquilo que pretendemos ser e aquilo que somos verdadeiramente a nossa auto-estima sofre, e esta diminuição da auto-estima torna-nos vulneráveis à depressão.