quarta-feira, fevereiro 14, 2007

O Casamento tal como é e tal como poderia ser


Gulotta, psicólogo e advogado de direito penal e criminologia classifica os vários tipos de casamento, tarefa nada fácil pois existem tantas categorias como casais.

O autor inicia a classificação tendo em conta a história do casal, que consiste em assinalar o casamento com as letras A,H,O,S,V,X,Y e I.
O casamento A é o que se iniciou com alguma distância entre os cônjuges porque, por exemplo, foi motivado pelo interesse ou imposto pelas famílias. Pouco a pouco levou a uma aproximação entre marido e mulher pela formação de um vínculo comum, como um filho, trabalharem juntos, fazerem um desporto a dois, etc. No casamento H, a situação inicial é como a do casamento A, mas o vínculo comum não resultou numa aproximação, as suas vidas permanecem paralelas, mesmo com o nascimento dos filhos.
No casamento O marido e a mulher “correm” atrás um do outro, girando num vazio, sem nunca se encontrarem. No casamento S, o casal procura uma boa adaptação mas raramente conseguem melhorar a sua situação inicial. O casamento V é aquele que se inicia feliz mas vai sempre piorando. No casamento Y o início satisfatório dura mais tempo do que o V mas a união termina da mesma forma. Estas últimas duas categorias de casamento testemunham que o amor só é eterno enquanto dura. O casamento X corresponde ao A mas, depois de um período de acordo, cada um dos elementos do casal segue o seu caminho.
No casamento I tudo vai bem do princípio ao fim.

Um outro tipo de classificação, considera a estabilidade da relação e o facto de os cônjuges a considerarem como mais ou menos satisfatórias.
A pior das combinações é a do casamento estável-insatisfatório: estando insatisfeitos, mantêm estável esse nível de insatisfação, que o autor classifica como “prisão matrimonial”, em que podem trocar declarações de amor dissimulando uma profunda hostilidade. Na prática, não podem nem permanecer juntos, nem separarem-se. Raramente discutem e sentem-se fechados numa gaiola, utilizando-se reciprocamente para se manterem à distância. As mensagens entre eles são geralmente mal transmitidas e mal recebidas, não existindo esforço de esclarecimento recíproco. Só excepcionalmente recorrem ao psicoterapeuta uma vez que, “aos seus olhos”, os seus problemas permanecem sem gravidade.
O casamento instável-insatisfatório agrupa a maior parte dos clientes dos advogados ligados a divórcios e dos psicólogos. A história destes casais termina, regra geral, em separação e divórcio. Reconhecem o insucesso da sua relação mas não fazem nada para a mudar, acusam-se de forma contínua, desencadeando hostilidade recíproca, que serve para deslocar o conflito. Neste tipo de união, o conflito não aparece à primeira vista, por vezes encontra-se mascarado, e as expressões de agressividade subjacente manifestam-se no sarcasmo, na frigidez, na impotência, no alcoolismo… Neste casos, o elemento do casal que é objecto da hostilidade, apesar de compreender que os sintomas são manifestação de insatisfação, envia o “doente” em questão para o médico, psiquiatra ou psicólogo. O que, frequentemente, concede unidade a estes casais é o desejo infantil de resgatar num futuro próximo as frustrações do passado, que ao longo do tempo, conduz apenas a um aumento de insatisfação.
A união instável-satisfatória é a que se encontra, frequentemente, em casais unidos há mais de dez anos, e que, de acordo com o autor, é pouco conhecida visto que estes casais, pela natureza da sua relação, dificilmente recorrem a especialistas para resolver os seus problemas. A instabilidade revela-se em disputas frequentes a propósito tanto de questões insignificantes como de maior importância. A satisfação manifesta-se no facto de, para além da agressividade nas disputas, cada cônjuge não ser adversário do outro, mas sim um aliado, um companheiro de experiências, aceitando os altos e baixos do casamento. A instabilidade pode surgir da necessidade de apaziguar a incerteza afectiva, de um ou de ambos os cônjuges, ao sentimento de segurança que a relação cria para um ou para os dois.
A última classificação, a mais perfeita e, por isso, raramente atingida, é a união estável-satisfatória. Encontra-se em casamentos de longa data, e raramente em casais em que ainda partilhem a responsabilidade da educação dos seus filhos. Estes casais alcançam uma relação que exclui a mínima competitividade, as mensagens são claras, congruentes e compreendidas conduzindo a uma colaboração recíproca. Quando discordam, aceitam a diferença como um dado humano inevitável, do qual se pode extrair um ensinamento, e não como uma prova de hostilidade, o que lhes permite tomarem decisões comuns, reservando parte de autonomia pessoal. Discutem e mostram-se agressivos mas nunca ultrapassam o limiar da vulnerabilidade do outro. Nesta união a sua relação é vivida como puramente voluntária: estão juntos porque assim o desejam.

Penso que estas classificações, como quase todas, nos limitam e nos levam a grandes discussões, mas também promovem ensinamentos e reflexões pois a possibilidade de não estarmos de acordo é elevada. Deixo aqui o desafio aos leitores que poderão descobrir em que categoria se encontram os vossos casamentos de acordo com o autor, a reflectirem e a darem a vossa opinião sobre esta classificação.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Referendo

Finalmente os resultados do referendo que tanto exaltou a opinião publica.
Sem prejuizo da importância de se debater este assunto, digo finalmente porque me pareceu excessiva a campanha, sobretudo a campanha do Não, de tão intrusiva e violenta. A mim pareceu-me em certos momentos que se perdeu a noção do bom senso, e a capacidade de argumentação.
Por outro lado, finalmente, porque esta questão parece começar a resolver-se. Talvez daqui a 10 anos tenhamos um sistema de saúde capaz de acolher estas alterações, mas se em 1998 já se tivessem começado a introduzir estas alterações, hoje alguma coisa já teria mudado.

Agora, quanto aos resultados, o que mais me espantou foi a abstenção!!!
O que explica que mais de 50 % dos eleitores não tenha manifestado a sua opinião num assunto como este??
Ontem pensei que, campanhas tão morais (no sentido em que se apoiaram fortemente nos valores do bem e do mal), culpabilizantes e intrusivas, tenham levado as pessoas a optar pela abstenção(se calhar é uma teoria tendenciosa).
Maior parte das explicações assentam nas condições climatéricas, mas eu prefiro continuar a pensar que não pode ter sido esse o motivo pelo qual metade dos portugueses não foi votar.

domingo, fevereiro 04, 2007

Mulheres que valem mais mortas do que vivas

Tenho andado com problemas na net e dificuldades de aceder ao nosso blog. Mas hoje fiquei contente por ver que, a propósito do microcrédito, se levantaram questões muito importante para nós, como indivíduos, como seja a da identidade nacional (ver os comentários que lá estão, muito interessantes).
Mas para já queria falar de uma outra coisa, que por acaso também se liga à identidade (até pensava que já tinha postado este texto, mas pelo visto não. Vejam como anda o meu computador (ou será a minha cabeça?). É o seguinte:
Li há dias no jornal Times que tinha sido descoberto pela polícia chinesa um gang que assassinava raparigas com o objectivo de vender os seus corpos para “casamentos no além”. Parece que existe na China uma superstição de que se um homem morre solteiro será infeliz na outra vida. Para acautelar essa fatalidade, os pais compram cadáveres de mulheres para enterrar juntamente com os filhos. Preço de cadáver morto para o efeito e em bom estado: £1,050, o que dá mais ou menos 1500 euros.
Sabendo nós que há mais homens que mulheres na China, como resultado da usual preferência dos pais por filhos do sexo masculino, aqui está uma forma de a mulher numa sociedade patriarcal como a China aumentar o seu “valor”.
O Dr. Freud fartou-se de escrever sobre a necessidade que a humanidade tem de alimentar superstições e ilusões, como consolo perante a morte e outros males. Continua tudo na mesma, no século XXI, e neste caso no país que se prepara para ser a maior potência económica dentro de vinte anos!

terça-feira, janeiro 30, 2007

ABORTO SIM OU NÃO...SERÁ SÓ ESTA A QUESTÃO?

Ontem assistiu-se a mais um longo debate de ideias e ideais sobre a polémica e pertinente questão do aborto (programa Prós e Contras, RTP1).
Para além da questão central do referendo, "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?", outras questões surgem. Uma delas de amplo interesse para este Blog, a questão das repercussões psicológicas que eventualmente poderão estar associadas a uma situação de interrupção da gravidez (neste caso voluntária).
Sem apontar caminhos e lançar respostas, ou hipóteses de resposta, deixo em aberto este espaço para que, profissionais de saúde mental, e todos aqueles que pretendam reflectir sobre esta matéria, possam aqui fazê-lo voluntariamente.

Pânico e Fobia


Definições e Reflexões!

Ao consultar um antigo dicionário de psicologia encontrei a seguinte definição de Pânico: ”Medo terrível, quase sempre acompanhado de comportamento irreflectido ou desatinado.” Não aprofunda muito pois não?

Mas vamos ver no mesmo dicionário a definição de Fobia: “Medo forte, persistente e irracional provocado por um estimulo ou situação especifica.” Começa-me a parecer que a raiz destes conceitos é o medo… vamos investigar:

“Medo, Uma reacção emocional forte envolvendo sensações subjectivas de desagrado, agitação e desejo de fugir ou de se esconder, acompanhado por um aumento de actividade do sistema simpático. O medo é uma reacção a um perigo específico presente; a ansiedade a um perigo antecipado; a fobia é um medo irracional persistente.”

As definições presentes são mais abrangentes e focam mais as questões das limitações à nossa vida quotidiana. Ou seja, ter fobia a ratos, pode não levar um sujeito a procurar ajuda, visto que não se vê confrontado com a situação muitas vezes, no entanto, um sujeito que sente um forte desconforto em locais fechados e sem ventilação mais rapidamente irá procurar ajuda.

Mas no fundo, o medo não é da situação em si, o medo é de perder o controlo, de enlouquecer, de desmaiar ou de morrer na situação. Posso dizer que a preocupação com a morte é desnecessária visto que, pode acontecer a qualquer momento sem qualquer aviso e vai acontecer de certeza. Também posso dizer, se vivermos o tempo suficiente também corremos o risco de entrar num processo de demência, portanto a loucura apesar de não ser uma certeza é uma forte possibilidade.

Resta saber se perdemos o controlo assim com tanta facilidade… numa situação fóbica não perdemos o nosso controlo… o que acontece é na maioria das vezes saímos da situação antes que de ter as boas notícias de a ter superado sem morrer, enlouquecer ou perder o controlo. É por este motivo que as técnicas comportamentalistas de imersão acabavam por funcionar, mas o sofrimento causado aos pacientes era demasiado e colocava questões éticas sérias. E como tal, já não se usa!

Em jeito de resumo segue o meu conselho a quem começa a desenvolver uma fobia: “fique para ver o que acontece, e racionalize, vai ver que sobrevive!”

Se não conseguir ficar, procure ajuda.
Se por acaso morreu… não se envergonhe, todos nós iremos passar por isso!

sábado, janeiro 27, 2007

Ora ajudem-me lá a pensar

Tenho andado aqui a pensar porque é que um tema como a felicidade motiva tantos comentários e uma questão como a do microcrédito, não. Lembram-se desse meu post? Tinha a ver com a criatividade, a capacidade de iniciativa, a construção da autonomia, até a construção da identidade. O facto dá tanto mais que pensar quanto depois de ter ido à tal conferência falei com algumas pessoas amigas e conhecidas, que estão em situação de inactividade ou mesmo de desemprego, e reparei que a reacção era de aparente desinteresse ou mesmo de fuga à questão. Ou seja, nem queriam ouvir falar do assunto. Chego à conclusão de que a possibilidade de construirmos algo de raiz, com o esforço que isso obriga, é um assunto desagradável e que nos obriga a confrontar com uma série de questões penosas. E fico a interrogar-me sobre o aparente “conforto” de se ser desgraçadinho… Bem, o Freud já tinha falado disso. Até lhe chamou benefício secundário.
Será que isto é, por outro lado, uma questão muito portuguesa? Sociedades latinas, falta de iniciativa individual, etc. Será? Deixo aqui a pergunta.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Solidários com a solidão

“Ninguém cometeu maior erro do que aquele que não fez nada só porque podia fazer muito pouco.” Edmund Burke.

É com esta notável citação que começa o livro “Solidão” editado pela Associação Coração Amarelo.A associação Coração Amarelo é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, foi criada no ano de 2000 e assenta a sua actividade no trabalho de Voluntários com o objectivo principal de apoiar pessoas em situação de solidão e/ou dependência, preferencialmente as mais idosas.
O objectivo do lançamento do livro é angariar receitas para levar a cabo as várias actividades de ajuda aos mais solitários.
Consulte-se www.coracaoamarelo.org

Não será a citação de Edmund Burke extensível a muitas e variadas áreas da nossa vida, até mesmo a nós, psiólogos, no âmbito do exercício da nossa profissão (psicologia/psicoterapia) no dia a dia nos nossos consultórios?

Deixo o mote para reflexão…

segunda-feira, janeiro 22, 2007

“As Pontes da Vida – Do Sofrimento Nasce Poesia”


Nas palavras de Vítor:

O Magnífico Computador

“À medida que a doença me foi aprisionando o corpo, a lucidez tornou-se, simultaneamente, a minha maior alegria e o meu maior sofrimento. Para quem como eu, sempre amou as palavras e o laborioso uso que delas se pode fazer, não poder escrever era abrir caminho à demência. Mais do que uma forma de comunicação, a escrita é sobretudo, uma terapia mental onde tento criar uma qualquer lógica apaziguadora. Poder juntar letras, criar palavras, construir frases, dar-lhes um sentido, desenvolver um raciocínio claro sobre o que me rodeia e mais profundamente me toca, desenvolveu ao meu ego um bem-estar roubado pela doença. É por tudo isto (e muito mais) que resolvi escrever este texto: uma humilde forma de agradecimento por me sentir vivo”.

Nas palavras de Alfredina:

Os Meus Poemas

“Os poemas que escrevi
foram só recordações
Palavras que
muita gente esconde nos corações
São sinceras e leais
com verdades escondidas
São poemas liberais
de alegrias vividas
Esperança que ainda
existe nos restos de uma ilusão
Pedaços amargurados
de uma vida com paixão
Os meus poemas o que são?
São tanta coisa guardada
entre lágrimas e sorrisos
De tristeza desprezada
a sentimentos escondidos”.

“As Pontes da Vida” é o título de um livro de Vítor Gomes e Alfredina Ribeiro (editado pela Bertrand), ambos aprisionados num corpo que, no entanto, não lhes levou a alma e onde encontraram o equilíbrio escrevendo poemas, viajando pelas palavras e lugares (des)conhecidos.
Vale a pena ler! Obrigado Vítor e Alfredina, por partilharem connosco os vossos poemas!

sábado, janeiro 20, 2007

ACERCA DA FELICIDADE

Acompanhei há duas ou três semanas atrás no programa "Câmara Clara" (a propósito, num panorama televisivo lamentável, este programa é dos poucos que se consegue ver com interesse) um debate sobre a felicidade.
Ora aqui está um tema intrigante e há que agradecer à Paula Moura Pinheiro tê-lo chamado à colação. Não vou aqui resumir o que se disse no programa, não há espaço para isso. Mas seria bom que o tema fosse mais vezes discutido porque poucos conceitos haverá que possam ser mais enganadores.
Para começar, e só para provocar a discussão, alguém me sabe dizer o que é a felicidade? É subjectivo, dir-me-ão. Isto da subjectividade é como o caramelo, agarra-se aos dentes, neste caso à língua das pessoas, e aparece a propósito de tudo e de nada. Ou seja, ficamos na mesma.
Durante o tal debate a Paula Moura Pinheiro leu o notável documento fundador dos Estados Unidos da América, a Declaração de Independência, onde, em 1776 ficou consagrado o direito à BUSCA da felicidade. Ao contrário do que muita gente diz, parece que no espírito dos pais fundadores, estava mais a busca do que a felicidade propriamente dita, que provavelmente lhes soava a utopia. O que lá está escrito é: (…) unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.
Ora isto da felicidade a mim também me soa a utopia. E a vocês?
Nas últimas décadas tem sido óbvia a ênfase, propalada em livros, revistas, jornais e media em geral, na quase obrigação de se ser feliz.
Tem de se ser bonito, jovem, inteligente, atraente, com sucesso.
Se não, é-se infeliz. Está-se condenado à infelicidade.
Que mentes pós-modernas terão decretado isto? Como é que chegámos aqui? Não admira que tanta gente se sinta infeliz sob o diktat da "felicidade ao alcance de todos". E nós, psis, sabemos isto melhor do que ninguém. É-nos tão familiar esta queixa.
Está aberta a discussão.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

II Fórum Internacional de Psicologia Clínica


Nos próximos dias 9 e 10 de Fevereiro de 2007 a Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica vai realizar, no Anfiteatro da Biblioteca Nacional de Lisboa, o II Fórum Internacional de Psicologia Clínica subordinado ao tema Psicologia Clínica e Psicoterapia Dinâmica: Desafios Actuais. Os interessados poderão inscrever-se no site da sociedade.
www.sppc-pt.com

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Sonho - essa ferramenta

"Por que deixar uma ferramenta como os sonhos enferrujada?
Por que deixar a caixa fechada, quando é um presente que nos foi dado?
Um presente com poderes que podem alterar nossas vidas."

Richard Bach

Desde a Antiguidade vemos o interesse pelos sonhos, na Sociedade Egípcia, na Grécia Antiga, de Platão, a Aristóteles até Artemidoro que colocou um carácter interpretativo e relacional nos sonhos, remetendo para uma concepção algo inovadora, apesar de os relacionar muito com o mítico e o profano.
Mas é com o pai da Psicanálise que os sonhos ganham uma relavância extrema. Freud, em seu livro, A Interpretação dos Sonhos esquematiza os sonhos por temas, relaciona-os com a vigília e o conteúdo do sonho, e atribui-lhes a possibilidade dum método científico.
A teoria dos sonhos, como Freud a postulou foi sofrendo alterações, quer pelo próprio, quer por diversos autores, mas o seu contributo foi tão valiosos que é sempre tomado como ponto de partida.
Todo o sonho tem o seu conteúdo, manifesto e latente (aquilo que é relatado, e o seu significado oculto) os mecanismos de trabalho do sonho (deslocamento, condensação...) e mecanismos de defesa.
Os sonhos relacionam-se com a vida do sonhador enredando situações com fortes cargas emocionais, e quando analisados, quando compreendidos, podem enriquecer muito a vida do sonhador, pois oferecem-nos a possibilidade de conhecer as problemáticas actuais de cada indivíduo.
Como nos diz Coimbra de Matos, o sonho assume capacidade diagnóstica e prognóstica, sendo que, por vezes, um sinal de melhoria aparece num sonho, em indivíduos em terapia.

De facto as caminhadas oníricas são sombrias, obscurecidas por diversos elementos, mas, quando rumo à luz, à claridade, põem em acção saberes, recalques de uma vida outrora esquecida, ou tentada a esquecer, aquecendo a nossa alma, fazendo-nos viver e reviver.

domingo, janeiro 14, 2007

Há muito que não sonha..? parte II

Esta parte II surge duma questão pertinente duma nossa leitora.
Quando terminei o post anterior, referi que o facto de sonharmos muito numa noite e nada sonharmos noutra, tinha que ver com o ciclo do sono e a fase em que acordávamos.
Ora, ao longo de uma noite de sono passamos pelos diferentes estádios do sono, e se atendermos que por volta dos 100 minutos de sono entramos no último estádio do sono, o REM, verificamos que este ciclo se repete entre 4 a 5 vezes por noite. Portanto, temos acesso à fase REM várias vezes numa noite.
Como pode acontecer que ao acordar não nos lembremos dessa noite de sonhos?
Não sonhei de facto?
Ou apenas não me recordo dos sonhos?

O que acontece é que não nos recordamos dos nossos sonhos. Quando um indivíduo não sonha, ou seja, não atinge a plenitude do seu ciclo de sono, é porque sofre de distúrbios do sono. Este é interrompido várias vezes e não se completa, daí uma redução da fase REM. Este sim, é um factor que faz influênciar a redução da quantidade de sonhos dos indivíduos e produzir dificuldades de concentração, de atenção...

Numa noite de sono regular existe uma produção onírica "razoável", mas a sua recordação depende do momento do despertar. Se acordarmos logo após a fase REM temos uma plena recordação do nosso sonho, mas se acordarmos numa fase posterior já temos mais dificuldades em recordar. Isto acontece porque as imagens a que temos acesso no sonho remetem para a memória a curto prazo, dissipando-se facilmente.

Post de Ricardo Miguel Pina

Ricardo Miguel Pina escreveu sobre o Diagnóstico Psicológico aqui. Aconselho vivamente a leitura deste post a todos os interessados neste assunto.

O colega chama a atenção dos leitores para um ponto que também me parece fundamental e que raramente é falado abertamente. De acordo com RMP o diagnóstico pode ser útil para o paciente, referindo “Existem muitas pessoas que sofrem acrescidamente pela ignorância daquilo que os afecta. Sentem necessidade de saber. Esse saber confere-lhes, em alguns casos, uma sensação de domínio sobre si mesmos e o que os afecta, o que é de inolvidável valor terapêutico. Assim sendo, se o clínico julgar a priori benéfico para o paciente dar-lhe conhecimento do nome daquilo que o afecta, ele deve fazê-lo.”. Concordo com esta posição. Penso que existe da parte dos clínicos alguma tendência para verem os seus clientes/pacientes como pessoas que têm que ser protegidas do conhecimento do seu diagnóstico. Considero que na maioria das vezes esta atitude promove a infantilização do paciente e é sustentada pelo desejo inconsciente do psicólogo/psicoterapeuta se superiorizar face ao paciente.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Há muito que não sonha...?


É frequente dizermos que há muito que não sonhamos, ou que durante uma altura sonhamos muito, mas que depois existe outra em que nada sonhamos.
Mas será mesmo que sonhamos muito nuns dias e muito pouco nos outros?
Mediante estudo polissonográfico podemos definir o padrão do sono e perceber que este oscila entre ondas lentas, rápidas, alfa e teta, oscilando entre várias fases que vão desde o estado de vigília até ao sono profundo. Estas fases dividem-se em quatro que correspondem à fase NREM (no rapid eyes movements) que vai desde o estado de vigilia ( fase 1 e 2) até ao sono profundo (fase 3 e 4) mais o sono paradoxal que corresponde à fase REM (rapid eyes movements), onde sonhamos por excelência.
Nesta fase são activados uma série de circuitos, assim como uma torrente de emoções, todos ao serviço dos sonhos. Existe ainda uma "limpeza" da informação que deixou de ser importante, bem como a passagem da memória a curto prazo, para a memória a longo prazo. Aqui o limiar do despertar é extremamente alto.
Existe uma diminuição do tónus muscular assim como a presença de movimentos oculares rápidos (REM), correspondendo à fase em que o corpo está paralizado, mas a mente activa.
Poder-se-á dizer que no estádio 3 e 4 do sono o indivíduo encontra-se numa fase de reparação física, cabendo ao sono paradoxal a recuperação mental e psicológica.
Todos estes estádios estão presentes ao longo do sono, repetindo-se num ciclo que dura entre 90 a 120 minutos. O sono paradoxal ocorre cerca de 100 minutos após o adormecimento, tendo uma ocorrência total, no ciclo do sono, de 29%.
O facto de sonharmos muito numa noite e nada sonharmos em noites seguintes, tem que ver com este ciclo do sono e com a fase em que acordamos.

O despertar

Abro os olhos lentamente e olho na direcção da janela. A persiana fechada não me deixa ver se é tarde ou cedo na manhã. Pouco importa. Levanto-me dorida do sofá da sala onde já durmo há mais de 6 meses. Deixei o quarto e a cama para o Álvaro. Prefiro as dores no corpo à insónia a que condenava o seu ressono. Depois, é aqui que ele passa os dias desde que se reformou: sentado a ler. De uma forma estranha sinto-me mais próxima dele aqui do que se dormisse ao seu lado na cama. Houve um tempo em que eu também gostava de ler, mas esse gosto amargou quando me apercebi que, sem dar por isso, tinha perdido o meu marido para os livros. A rotina é sempre a mesma: sai de casa cedo, pé ante pé para não me acordar, e regressa por volta das 11h trazendo debaixo do braço o Público e, dia sim dia não, um saco de uma livraria que, geralmente é a Bertrand. Uma vez por outra passa no Pingo Doce a caminho de casa e traz-me uma ou outra coisa que se apercebeu que faltava, mas é raro. A maior parte das vezes a paragem no supermercado serve apenas de desculpa para comprar aquele queijo especial de que ele tanto gosta, a garrafa de Porto ou de vinho tinto e mais uma ou outra guloseima que eu, por sistema, me abstenho de comprar. Depois, senta-se aqui neste mesmo sofá. Vai cá ficar o dia todo, mas assim que aproxima dos olhos o livro aberto é como se voltasse a sair. Para mim, que fico de fora, é como se desaparecesse para dentro de um mundo onde eu não existo, nunca existi. Do seu rasto neste mundo onde somos casados há 43 anos ficam apenas os livros que ele já leu e que se acumulam pelos cantos da casa depois de terem preenchido por completo as estantes de parede. Ajeito as almofadas do sofá. Um carro apita lá fora. Dobro cuidadosamente a manta que uso para me cobrir durante a noite. A casa está completamente envolta na penumbra e cheira ainda a sono e sonhos. Percorro lentamente o corredor até ao quarto. À porta, chamo baixinho pelo seu nome: "Álvaro?". Silêncio. Acendo a luz e consulto o relógio na mesinha-de-cabeceira: 10h. Já saiu por certo há um bom bocado. Pouco importa.

Voluntariado

A revista Xis de sábado, dia 6 de Janeiro de 2007 traz um artigo de autoria de Inês Menezes sobre o voluntariado que julgo pertinente fazer referência e que recomendo vivamente a leitura.

É enaltecido o valor do voluntariado, não só pela importância da solidariedade para com os mais desfavorecidos como também pela previsível falência do Estado-Providência e as necessidades daí decorrentes de uma série de problemas terem que ser resolvidos pela sociedade civil, a denominada cidadania activa. Aliados a estes factos são referidos ainda o prazer do encontro com o outro, as relações afectivas, a atenção ao outro, a ocupação dos tempos livres (necessidade eventualmente sentida pela antecipação da idade da reforma), o sentimento de que todos somos responsáveis pelo mundo em que vivemos e de que nem todos temos as mesmas oportunidades.

É frisada a ideia de que os valores ligados ao altruísmo e à solidariedade são passíveis de serem transmitidos no seio da família e de se perpetuarem através das sucessivas gerações, ou seja a necessidade de educar para os valores da partilha, da solidariedade e da responsabilidade .

A caridade não deverá ser dissociada do afecto e do carinho, pois estes podem ter um papel determinante na ajuda às pessoas para mudarem de vida, para acreditarem em si mesmas, para terem auto-estima suficiente para lutar contra as adversidades.

A necessidade de humanizar mais o mundo consumista em que vivemos é premente, destacando-se que o importante não é ter mas ser.

Elza Chambel, presidente do Conselho Nacional para a Prevenção do Voluntariado refere o voluntariado como um dever de honra. As actuais necessidades aliadas ao aumento da esperança de vida e aos consequentes aumento da doença e do isolamento atestam a importância que o voluntariado têm vindo a adquirir para o colmatar dessas mesmas. Contudo é relevante frisar que nem todas as pessoas podem ser voluntárias, pois uma das condições essenciais é o compromisso real, ou seja a boa vontade não é per si suficiente, um esforço sério, sem falhas, é requerido, sendo que profissionalização e formação adequada são absolutamente essenciais. Esta missão é assegurada pelos bancos locais de voluntariado, para mais informações consulte http://www.voluntariado.pt/ .

No dia 10 de Outubro (2006) foi criada pela Entreajuda –Apoio a Instituições de Solidariedade Social, a Bolsa de Voluntariado, cujo objectivo é estabelecer a ponte entre quem quer dar e quem quer receber ou seja conciliar o interesse de potenciais voluntários com as necessidades existentes, minimizando deste modo aquilo que Isabel Jonet, autora do projecto, designa por “desperdícios de pessoas”. Destaquem-se a bolsa de talentos e o banco de utilidades ambos inseridos neste projecto. A primeira permite não só a oferta de trabalho especializado segundo talentos específicos bem como que voluntários com qualificações específicas possam ser uma ajuda preciosa para as instituições com poucos recursos, explica Jonet. Quanto à segunda permite que material em bom estado (brinquedos, mobiliário, material informático, equipamento de escritório, vestuário, entre outros) que as pessoas tenham e que não saibam a quem dar seja recolhido e distribuído por instituições dele carenciadas. Para informação detalhada consulte-se http://www.bolsadovoluntariado.pt/ .

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Efeito de Werther















Antoine Wiertz, O Suicídio (1854)

O romance Die Leiden des Jungen, de Goethe, que termina com o suicídio do seu protagonista, provocou igualmente uma onda de suicídios após a sua primeira publicação em 1774. Referindo-se a este acontecimento Phillips (1974) designou-o como "efeito de Werther".

Estudos recentes confirmam actualmente o efeito de Werther em suicídios. Estes estudos apontam para um efeito de imitação efectuado de forma especifica em relação a subgrupos da população - adolescentes, instituições, grupos étnicos - ou a alguns métodos de suicídio.

A explicação desta teoria encontra-se limitada, devido à escassa informação das vitimas. Porém a informação existente remete para a hipótese de existir uma desinibição das tendências suicidas. Entende-se por desinibição, o fortalecimento do comportamento apreendido levado a cabo devido a restrições comportamentais, por influência de um modelo.

Neste sentido, os indivíduos que decidem suicidar-se consideram essa possibilidade durante algum tempo, mas evitam avançar, devido à reprovação deste acto. Porém os suicidas que recebem atenção pública podem despoletar suicídios por imitação entre potenciais suicidas, aumentando-lhes a expectativa de que o seu suicídio poderá gerar uma atenção póstuma, sentimento de pena ou aumentar o seu estatuto social.

A descoberta de que existem aumento de suicídios após o suicídio de uma celebridade está de acordo com a hipótese de desinibição.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

As três etapas ou estádios diferentes ao longo da Infecção por VIH


Este post surge da necessidade de esclarecer algumas confusões quando se fala da Síndrome de Imunodeficência Adquirida (SIDA), visíveis nalguns discursos de técnicos de saúde.
Contrair a infecção por VIH não significa contrair SIDA. A pessoa infectada pode permanecer em média 15 a 20 anos sem sintomas (razão pela qual pode desconhecer que tem a doença), mas pode transmitir o VIH por via sexual (sem preservativo), por via parentérica (que resulta da inoculação ou injecção directa de sangue infectado) e por transmissão vertical (da mulher grávida infectada para o recém-nascido). Esta última suscita ainda algumas confusões graves, pois existem obstetras que, ou a desconhecem (tenho algumas dúvidas) ou que estão carregados de crenças e medos, mas que pela extensão do tema discutirei num outro post.
Retomando o tema, nas situações por VIH, 5 a 8% das pessoas infectadas poderão não evoluir para o estádio de SIDA.
O VIH quando entra no organismo humano desenvolve-se, após o período de incubação (intervalo de 3 semanas a 3 meses – no máximo 6 meses – que medeia entre o contacto com o VIH e o desenvolvimento dos primeiros sinais e sintomas), em três etapas diferentes ao longo do tempo:

1. Infecção primária, designada também por infecção aguda;
2. Período de infecção assintomática (infecção sem sintomas importantes);
3. Período sintomático que se subdivide em:
- período sintomático com sintomas e sinais constitucionais;
- Síndroma da Imunodeficiência Adquirida (SIDA).

Em cada um destes estádios, os efeitos e os sintomas que o VIH provoca no organismo são diferentes.

1. Infecção primária ou aguda por VIH
Findo o período de 3 semanas a 3 meses (máximo 6 meses) após o contacto com o VIH, a pessoa desenvolve, um conjunto de sinais e sintomas, não específicos, que só serão suspeitos de infecção por VIH se a pessoa referir uma possível exposição àquele vírus. Os sintomas mais referidos são: febre, dores musculares, erupção na pele, suores nocturnos, dores nas articulações, dores de garganta, aumento do tamanho dos gânglios linfáticos, úlceras na boca. Geralmente, os sinais e sintomas duram, em média, cerca de duas semanas e desaparecem sem deixar qualquer tipo de consequência. Estes sintomas desenvolvem-se porque se conclui o ciclo de multiplicação de VIH nos gânglios linfáticos, lançando para o sangue periférico cerca de 100 milhões de partículas de vírus por dia, que se dispersam pelo corpo, e porque o organismo produz anticorpos e outras substâncias para combater esta intensa actividade de multiplicação de VIH, o que explica o altíssimo risco de transmissão.

2. Período de infecção assintomática
Este período sem sintomas gera alguma confusão nas pessoas, sobretudo quando o relacionam com o tempo necessário para se efectuar o diagnóstico desta infecção.
O diagnóstico de infecção por VIH é efectuado 3 semanas a 3 meses (no máximo 6 meses) após exposição ao vírus, mesmo quando não apresenta sintomas.
O período assintomático desenvolve-se depois da infecção aguda e o doente pode permanecer sem qualquer sintoma, em média, durante 15 a 20 anos, necessitando de ser regularmente acompanhado pelo médico assistente. Durante este acompanhamento avalia-se os efeitos que o VIH exerce sobre as células que são responsáveis pelas defesas no organismo, entre as quais os linfócitos CD4 (que têm como função regular e defender o nosso organismo contra a invasão de agentes causadores de doenças) e avaliar a intensidade com que o VIH se multiplica, através da quantidade de carga vírica. Da conjugação dos valores obtidos com a situação clínica e com a sua capacidade para iniciar tratamento, define-se em equipa multidisciplinar, quando ela existe (médico infecciologista, psicólogo, enfermeiro, assistente social), o melhor momento para se começar a terapêutica anti-retrovírica.

3. Período sintomático
Com o passar do tempo, as células CD4 vão diminuindo em número ou a sua função poderá ficar perturbada, e o doente começa a desenvolver sintomas como febre prolongada, aumento dos gânglios linfáticos (pequenos “caroços”) no pescoço, nas axilas e nas virilhas, suores nocturnos, perda de peso sem motivo aparente, cansaço, diarreia arrastada, em que alguns sintomas são chamados de constitucionais. Este período sintomático inicial é, por isso, chamado de período sintomático com sintomas e sinais constitucionais.
O estádio mais avançado da infecção por VIH é designado por SIDA, que se caracteriza pelo aparecimento de um conjunto de infecções ou tumores oportunistas, que aproveitam o facto das defesas estarem enfraquecidas para se desenvolverem em vários órgãos ou sistemas. São exemplo de infecções oportunistas a tuberculose pulmonar ou localizada noutro órgão que não o pulmão, a pneumonia por um agente chamado Pneumocystis carinni (actualmente Pneumocystis jiroveci) e infecções provocadas por algumas espécies de fungos, como Cândida, que provocam lesões formadas por pequenas placas esbranquiçadas aderentes na língua, bochechas, gengivas, véu do paladar, candidose oral, e esófago, candidose esofágica. O sistema nervoso central também pode ser atingido por infecções e tumores oportunistas, sendo a mais frequente a toxoplasmose cerebral (reactivação de uma infecção adormecida no cérebro, provocada por um agente que a maior parte das pessoas terá contraído na infância e que reaparece porque a capacidade de defesa está diminuída pela agressão causada por VIH) e a meningite criptocócica, provocada por um fungo designado Cryptococcus neoformans. Os tumores oportunistas mais frequentemente referidos são o Sarcoma de Kaposi (quando se localiza na pele, manifesta-se através de nódulos salientes de cor violácea, em áreas visíveis do corpo, como o dorso do nariz, fronte, pálpebras, ou em qualquer outra parte do corpo como boca, tubo digestivo, pulmões e órgãos sexuais), os linfomas, mais no sistema nervoso central e, nas mulheres, o cancro do colo do útero, pelo que é fundamental efectuar, regularmente avaliação ginecológica.
Nas situações de imunodeficiência avançada, os doentes podem desenvolver lesões nos olhos, provocados por um agente designado citomegalovírus, que se não tratado a tempo, poderá provocar cegueira e dispersar-se por várias áreas do corpo, entre as quais o cérebro, causando encefalite. O VIH pode atacar as células do sistema nervoso central, provocando um complexo demencial associado à SIDA, que é responsável por queixas como esquecimento, apatia, perturbações do comportamento, dificuldades de tomar decisões, problemas de coordenação dos movimentos, entre outros.
Daí que qualquer profissional de saúde que trabalhe nesta área tenha conhecimento aprofundado sobre todas as possíveis alterações, de forma a acompanhar o paciente em todas as mudanças físicas e/o psicológicas decorrentes do VIH.
O post vai bem extenso, mas penso que ficaria incompleto se não descrevesse todos os estádios desta infecção. O impacto psicológico terá que ficar para depois, mas deixo aqui o desafio de irem pensando sobre esta doença que continua a ser uma epidemia que alastra por todo o mundo.

domingo, janeiro 07, 2007

BABEL

Há que ir ver Babel, o filme de Alejandro González Iñarritù. Um estúpido, mas grave, incidente em Marrocos, que envolve dois miúdos, articula-se com o caos em Tóquio e na fronteira entre o México e os USA. A globalização está aí, com os lados bons e maus que sempre acompanham as coisas da vida. E depois, é o irracional, a violência, por vezes o pânico, a incapacidade de comunicação que comanda o jogo. Não há nem bons nem maus, só imprevidentes. Que somos todos nós. A miúda em Tóquio está, à sua maneira, tão desamparada como o rapazito marroquino que quer ser homem e atira a matar. Há também lugar à generosidade, à compaixão. Ou à mais absoluta indiferença. Enfim, é a nossa história e a nossa condição. O desamparo da espécie humana diante das agruras da vida. E como prevê-las? Alguém sabe? Como estar preparados para o pior, sem cair na paranóia? Como estar vigilante sem cair na obsessão? Enfim, é sempre a mesma pergunta que o Homem se coloca há milhares de anos: como viver?
PS:
O filme foi premiado no Festival de Cannes (o que nem sempre é garantia, mas desta vez acertaram). Conta com os desempenhos de Brad Pitt e Cate Blanchett. Está em exibição em vários cinemas do país.

POEMA

No post sobre o microcrédito, que só uma pessoa comentou (obrigada, Pedro! Mas já desconfiava que o assunto não era agradável), tinha prometido divulgar um poema do Henley. Aqui vai. Se por caso alguém tiver dificuldade no inglês, terei muito gosto em ajudar. Em poesia, que vive sobretudo da metáfora, se não se percebe uma palavra, às vezes não se consegue apreciar devidamente o conjunto. Mas também existem os dicionários, claro. E há alguns óptimos na net.

INVICTUS
By William Ernest Henley. 1849–1903

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

É lindo, não é?
Agora vêm as más notícias. Este era o poema preferido de um homem chamado Timothy James McVeigh, de que talvez se lembrem. Era o bombista de Oaklahoma (nesse atentado, em 1995, morreram 168 pessoas). Foi executado em 2001.
Pois é, também o comandante de Auschwitz, Höss, era um melómano e Hitler era louco por Wagner. A alma humana (no sentido de psyche) é abissal.
Desculpem lá o balde água fria.

Caixa para guardar o vazio.


Vai realizar-se, a partir de 3 de Fevereiro e através do CENTRO DE PEDAGOGIA E ANIMAÇÃO do Centro Cultural de Lisboa (CCB) um conjunto de três oficinas diferentes, a partir da escultura performativa, criada pela artista plástica Fernanda Fragateiro.

As oficinas destinam-se a um público infantil, embora uma das oficinas possibilite a participação de toda a família.

Só pelo nome, mereceu toda a minha atenção!
Oficina CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO!

Mais informações em http://www.ccb.pt/ccb/

quarta-feira, janeiro 03, 2007



Aproveitando o tema do post anterior: Ano Novo, Vida Nova!

Este ano, talvez mais do que nunca, tive a percepção do quanto é organizador finalizar um ano e iniciar outro.

Começamos pelos desejos, o que nos renova as esperanças de que este ano é que vai ser!!!!! Reorganizamos as agendas, inscrevemo-nos nas aulas de dança, compramos um novo livro, tentamos deixar de fumar, etc etc.
A mudança de ano oferece-nos a possibilidade de recomeçar qualquer coisa, abandonar o que correu menos bem no ano anterior e limpar a casinha para novas vivências.
Antes de dia 31, fazemos uma retrospectiva do que foi o ano anterior, aproveitamos para fazer alguns lutos, para reter algumas aprendizagens e no fundo seleccionamos o que queremos virtualmente levar connosco para este novo ciclo.

E afinal, em apenas um minuto: Fecha-se um ciclo e abre-se um novo!

Um feliz ano para todos!!!

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Ano Novo Vida Nova!



Esta é uma frase que ouvimos com frequência nesta altura do ano. Mas que significado poderá ter na nossa vida?

Poderíamos dizer simplesmente que não vamos cometer os mesmos erros do passado, afinal há tantos erros novos para cometer, porque não inovar?

Será que no passado procuramos as causas dos nossos erros, ou seja, fizemos um trabalho de consciencialização dos nossos actos? Se o fizemos, parabéns! Temos fortes hipóteses de mudar alguma coisa na nossa vida. Se não, temos pena mas a nossa vida será mais ou menos a mesma coisa em 2007.

Será que na sofreguidão de comer as 12 passas e pedir os 12 desejos tivemos tempo de fazer uma análise, por muito breve que seja, do ano de 2006?
Creio que a maioria de nós se centrou nos desejos… eu por mim só pedi um e coloquei todas as passas na boca só de uma vez!

Se tivessem que escolher apenas um desejo, qual escolheriam?

P.S.) Não vale pedir mais 1000 desejos!!!

quinta-feira, dezembro 28, 2006

8 Factores de burnout no casamento.




Segundo Pines (1996) existem oito factores chave para o desenvolver do burnout conjugal. Passarei a enumera-los:

1- As pessoas que acreditam no amor romântico esperam do compromisso da sua vida, um sentido muito significativo.
2- Há uma relação directa entre o amor romântico e o burnout. Estar apaixonado é o estado inicial e o pré-requisito para o processo de burnout.
3- Apesar da singularidade da experiência de estar apaixonado, o “como” e o “porquê” da experiência são universais.
4- Existe uma interacção entre os parceiros e o ambiente. Não é a maneira de ser do parceiro que causa o burnout, mas antes a destruição de um ideal romântico frente a stressores situacionais que são erradamente atribuídos ao companheiro.
5- O ambiente não é a totalidade da realidade objectiva externa. Cada um de nós experiência uma percepção subjectiva representativa do mundo.
6- A esperança que o amor romântico resulte, é marcada pelos valores culturais, vem das expectativas pessoais e faz parte do sistema de crenças. As expectativas são activadas quando as pessoas se apaixonam e assumem a sua maior expressão quando é assumido um compromisso. Esta esperança exerce um efeito poderoso na relação, particularmente quando inconsciente e não abertamente verbalizado. A força deste efeito é sobretudo, pela sua forte associação à essência da vida.
7- A frustração das expectativas românticas causa amargura, desapontamento e com isso a erosão no amor e no casamento. De qualquer maneira, a realização de expectativas não é por si só uma garantia contra o burnout. As ideias românticas podem ser frustradas com a pessoa, no entanto, podendo ainda manter um sentido à essência da vida.
8- A interacção entre o casal e o ambiente percebido, pode ser positiva ou negativa, para a relação amorosa. No melhor dos casos, existe um equilíbrio entre segurança e desenvolvimento, traduzindo-se numa relação amorosa em crescimento, daí provem vida com sentido e significado. Na pior das circunstâncias advém a morte do amor, o burnout conjugal.

Este post já vai extenso e como tal comentarei apenas o primeiro ponto.
A expectativa criada à volta de um relacionamento pode ser a corda que o vai estrangular a longo prazo. Ou seja, se não estivermos cientes que o nosso bem-estar psicológico depende unicamente de nós, estamos a atribuir ao outro a responsabilidade mágica da nossa felicidade.
E isso é uma responsabilidade do tamanho do mundo!

Portanto, a vida não é apenas a relação conjugal… é muito mais que isso. E pode nem ter uma relação conjugal, que continua a ser uma vida com alegria e significado para o sujeito.

terça-feira, dezembro 26, 2006

"Silentiu"


Ao pensar no valor do silêncio, no lugar que o silêncio ocupa na relação terapêutica, o que surge de imediato à memória?

Se para uns, tal é sentido como um desconforto, para outros, certamente que não o é.

Será que o silêncio ocupa o lugar da palavra ou sobrepõem-se ao lugar do próprio silêncio?

Parece-nos que existem muitos "silêncios". O silêncio daquele que pensa falar mas não fala por opção, daquele que não consegue falar e daquele que simplesmente não quer falar. Também poderá haver o silêncio daquele que não lembra "a palavra". E ainda, aquele silêncio que surge nas reticências das palavras ditas.

Actualmente, no contexto e ritmo das ditas sociedades ocidentais, "civilizadas", urbanas, etc e tais, onde se encontra o silêncio? Que significado se atribui?

Deixemos as palavras de quem escreve sobre o silêncio:

"...o silêncio deixa de afirmar, escuta, demora-se npos objectos insignificantes, não em arcas e armários, em bibelots, cofrezinhos, não somos a gente a ouvi-lo, é ele a ouvir-nos a nós, esconde-se na mão que se fecha, numa dobra d etecido, na gaveta onde nada cabe salvo alfinetes, botões, pensamos ' vou tirar o silêncio dali'...

António Lobo Antunes
"Ontem não te vi em Babilónia"

sexta-feira, dezembro 22, 2006

O MICROCRÉDITO E O CRÉDITO QUE DAMOS A NÓS PRÓPRIOS

Alguém sabe o que é o microcrédito? Eu tinha lido umas (poucas) coisas sobre isso há uns meses atrás quando o prémio Nobel da Paz foi atribuído a um economista, o Prof. Yunus. Como me apeteceu saber mais, fui assistir há alguns dias a uma conferência, aberta a qualquer pessoa, sobre o assunto.
Então, o que fez este professor de economia para merecer o Nobel da Paz? Tudo começou há cerca de trinta anos, no Bangladesh. Impressionado com a pobreza à volta da universidade onde dava aulas (não era preciso ir mais longe), ele inventou formas de dar às pessoas possibilidade de se organizarem e conseguirem montar os seus próprios pequenos negócios, saindo de uma situação de pobreza extrema. Um dos problemas dos pobres, raciocinou o Prof. Yunus, é não conseguirem obter empréstimos bancários dos bancos tradicionais. Porque, como se sabe, esses bancos só emprestam a quem pode dar “garantias” (se for uma hipoteca, ainda melhor). O Banco Gremeen, criado por Yunus, concede hoje empréstimos a 7 milhões de pobres ou ex-pobres, muitos dos quais são seus mutuários. De forma acumulada, o Banco Gremeen já concedeu até hoje empréstimos no total de 6 biliões de dólares e tem uma taxa de reembolso de 99%! (Isto é, 99% dos empréstimos são pagos. É uma taxa muito boa). É financeiramente auto-suficiente – não recebe donativos desde 1995. E atribui 30.000 bolsas de estudo por ano.
E que têm o Prof. Yunus, o microcrédito e os pobres do Bangladesh a ver com psicologia, perguntar-se-á. Têm tudo.
O Professor Yunus não se pôs a pensar em termos de caridade ou de subsídios do estado como resposta para a pobreza (embora também não se fizesse rogado a ajudas e subsídios). É um bocado como aquela história da diferença entre dar o peixe ou ensinar a pescar o peixe. O Prof. Yunus tinha, e tem, a convicção de que as próprias pessoas se tinham de organizar para desenvolverem uma actividade ou um pequeno negócio. E isso às vezes é mais complicado do que se pode pensar. Tem a ver com a vontade de prosseguir um objectivo, de trabalhar para isso, de assumir as responsabilidades pelas decisões tomadas, de conseguir ultrapassar as inevitáveis frustrações, de ter a humildade de reconhecer um problema e corrigir o rumo, de saber aceitar a ajuda de quem eventualmente saiba mais. Em termos de psicologia de organizações, chamamos também a isto “empowerment”. Não é só ter poder. É mais do que isso. É saber usar o poder, principalmente o poder sobre si próprio. O poder de sermos nós próprios, com as nossa fraquezas e as nossas forças. O poder de criar alguma coisa, de fazer aquilo que sonhámos. O poder de se ser capaz de pagar o preço por uma decisão errada e recomeçar tudo de novo. Ninguém disse que era fácil. Mas o exemplo das pessoas que trabalham neste projecto mostra que é possível.
Conhecem o poema do W. E. Henley com o título “Invictus”? Para a semana reproduzi-lo-ei, porque agora este post já vai longo. E, entretanto, se quiserem saber mais sobre o “milagre” do microcrédito, que não é milagre nenhum – ou talvez sim, talvez seja um milagre de criatividade do Prof. Yunus e dos 7 milhões de mutuários– vão ao site da Planet http://www.planetfinance-portugal.org ou ao da Associação Nacional de Direito ao Crédito, www.microcredito.com.pt.
Também há microcrédito em Portugal. Para quem tiver um projecto…

domingo, dezembro 17, 2006

Burnout no Casamento.



È interessante verificar que as questões do Amor e dos relacionamentos estão cada vez mais a ser objecto de estudo. Está a tornar-se cada vez mais raro serem os poetas e os filósofos a debater e escrever acerca deste tema apaixonante que são as relações a dois!

Assim cabe-me comentar um texto de um investigador, em vez de me deleitar com a beleza das descrições românticas de um poeta.

Para Pines (1996) o “burnout conjugal apresenta-se em três componentes: exaustão física, exaustão emocional e exaustão mental.
A exaustão física caracteriza-se por um cansaço crónico cuja reposição fisiológica pelo sono não é suficiente. Tipicamente as pessoas vitimas de burnout acordam exaustas à segunda-feira, muitas vezes de pois de passar o final de semana quase na totalidade na cama.
O sono é perturbado por pesadelos e por dificuldades em adormecer. O cansaço físico é acompanhado de alguma irrequietude e agitação. Algumas pessoas chegam a ficar violentamente agitadas e quando se lembram das palavras grosseiras ou de actos irreflectidos proferidos pelo parceiro.
Alguns tem que tomar medicação para dormir, outros optam pelo consumo de bebidas alcoólicas, o que se traduz em muitas circunstâncias de soluções parciais visto que na manhã seguinte vão acordar ressacados, ainda mais cansados e com cefaleias!”

Não me irei alargar agora para as outras componentes do burnout conjugal, visto que esta pequena descrição nos serve reflectir acerca da escolha e manutenção dos parceiros de relação.

Ainda segundo Pines, o amor romântico tem uma probabilidade maior de sofrer de burnout conjugal, que aqueles que se juntam de um modo mais racional.
Animador não é?

Ou seja, por um lado temos uma sociedade de consumo em o amor romântico é vendido como objectivo ultimo a atingir, baseado na compra dos últimos acessórios de moda claro! Por outro lado temos a investigação a salientar que quem vai para uma relação à espera de encontrar sempre o parceiro impecável, bem disposto, e a corresponder ás nossas expectativas vai passar um mau bocado!

Por isso neste natal temos que pensar qual é a prenda que vamos pedir ao senhor das barbas brancas. “O par ideal… ou um companheiro real!”


Eu por mim peço sempre alguém realmente ideal!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

OS BONS E OS MAUS ALUNOS

Li há dias num jornal diário uma notícia a propósito de uma jovem de 18 anos, do norte do país, que tinha tido média de 20 valores no secundário e de 19,4 no acesso ao ensino superior. Chamou-me a atenção o facto de o artigo referir que a Ana Catarina (assim se chama esta brilhante aluna) era “insatisfeita por natureza”e “perfeccionista”. E mais adiante a Ana Catarina diz: “gosto de aprender e pouco de marrar”. E tanto deve gostar que, além de estudante de medicina, é membro da tuna da universidade, frequenta um curso livre de piano, estuda canto, pratica natação, não passa um dia sem ir à internet ainda tem tempo para ir ao cinema e sair com os amigos. Não vê televisão. “É um tempo que não gasto”, explica.

Fiquei a pensar nisto. Porque é que há pessoas que parecem ter tempo para tudo, até para aprender coisas novas, e outras que se queixam (como frequentemente ouço) de que não conseguem fazer nada? Será de facto uma questão de tempo? Não estou a pensar obviamente numa mãe assoberbada com filhos pequenos e que gasta horas na camionete par ir e vir do trabalho. Estava a pensar nas raparigas e nos rapazes com mais ou menos a idade da Ana Catarina que, como eles próprios confessam, passam horas a olhar apaticamente para a televisão ou a fazer zapping. E depois sentem que não conseguiram fazer nada todo o dia, sentem-se culpabilizados com isso e deprimidos com o que consideram ser uma incapacidade. Julgo que a principal razão para este tipo de queixa pode ter a ver com a desmotivação. Mas o que é a desmotivação?

A desmotivação tem a ver com a falta de interesse pelo mundo (tanto interior como exterior), com uma falta de curiosidade e de vontade de querer saber mais, que muitas vezes surge ligada a uma condição depressiva ou mesmo a uma depressão. Nestas situações, a criatividade fica também empobrecida, não apetece fazer nada, não há gosto por nada.

Trata-se de uma condição bastante frequente no final da adolescência e no início da idade adulta, embora possa aparecer em qualquer altura. As causas podem ser variadas, sendo necessário por vezes algum tempo até o terapeuta e a própria pessoa perceberem a que poderá estar ligada. É bom que haja a coragem, em qualquer idade, para reconhecer e enfrentar esta situação e tentar recorrer a uma ajuda profissional. É que às vezes o estado depressivo é tão avassalador que nem permite à pessoa interrogar-se e tentar descobrir o que poderá fazer por si própria.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

O Lugar da Psicologia

A amostra não é seguramente representativa daquilo que é o entendimento da maioria dos “académicos da filosofia”, mas talvez não se tratasse de uma coincidência... Estou a referir-me à mesma opinião que retive de dois (respeitáveis) catedráticos daquela área num intervalo de tempo relativamente curto. Irados, referiam-se à psicologia como uma disciplina pouco ou nada científica, e ao carácter pernicioso da uniformização de comportamentos pela distrinça entre o “normal” e o “patológico”, só para dar alguns exemplos…

Duas vetustas individualidades da filosofia (que aqui compreensivelmente não identificarei), de duas faculdades de filosofia e uma só opinião. As questões levantadas não são nada em que alguns autores da psicologia não se tenham já detido, mas onde radica esta aversão quase visceral? Enquanto pensava nisto ocorreu-me a parábola do filho pródigo. Porquê? Concorde-se ou não, apesar da sua curta história, a psicologia foi “pródiga” em valer-se de um vasto património herdado do saber filosófico, mas ao contrário do que acontece com a conhecida parábola, esta parece ser uma ciência, heterogénea é certo, mas muito determinada nos objectivos que persegue. Terá a psicologia operacionalizado (melhor ou pior) conceitos milenarmente associados à filosofia ou, como a opinião dos ilustres investigadores nos leva a crer, tê-los-á delapidado? Está aberta a discussão!

domingo, dezembro 10, 2006

Bion diz "Sem memória" e não "Sem recordação"

Recomendo vivamente a leitura do livro Bion e o futuro da psicanálise de Antonio Muniz de Rezende (Papirus Editora).

No capítulo 9 intitulado sem memória e sem desejo, o autor faz uma abordagem minunciosa e explicativa de uma entre tantas outras "verdades" de Bion.

A etimologia da palavra re-cor-dar é "Re", que significa repetição; "Cor" é coração; e dar. Assim, a recordação é uma memória muito especial, que "dá de novo ao coração" ou que "torna presente o que esteve guardado no coração".
A recordação não é um simples armazenamento de dados sensoriais, mas caracteriza-se pela permanência do vínculo afectivo; sendo que, a grande mudança que ocorre durante uma psicoterapia, é a transformação-por meio do processo de simbolização- da memória de dados sensoriais em "recordação" (na medida em que passa pelo coração) .

Vejam como Rubem Alves, nos diz isto de forma poética...

Os meus desejos, não é preciso que ninguém me lembre deles. Não precisam ser escritos. Sei-os (isto mesmo, SEIOS!) de cor. De cor, quer dizer no "coração". Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

A mudança, essa grande desconhecida

Se há palavras que todos nós, independentemente da profissão, ouvimos todos os dias são estas duas: stress e mudança. É o escritório que vai mudar de instalações para um local mais barato fora de Lisboa (e agora que vou ter de levar o carro, onde é que arranjo lugar quando voltar ao fim do dia? Vão ser as intermináveis voltas ao quarteirão…). É a empresa que foi comprada pelos espanhóis (e consta que vão despedir pessoas, porque alguns serviços continuam em Madrid). É a filha que não acerta no curso (agora quer ir estudar cinema! E onde é que ela depois vai arranjar emprego?). É o marido a quem fizeram uma proposta de rescisão de contrato de trabalho (tem 48 anos, o que ele é ele vai fazer em casa?). É a mulher que sente chegar a menopausa e os horríveis afrontamentos (o meu corpo está a mudar, já não o entendo. E estou a engordar. Tenho de ir para o ginásio). É o homem na casa dos cinquenta que se inquieta com algumas dificuldades na erecção (e agora? E eu que estava a pensar fazer uma aproximação aquela rapariga das relações públicas, que é gira que se farta. E se depois não me aguento? Já me falaram no Viagra…). É a mulher a quem o marido subitamente anuncia a decisão de se divorciar (depois de vinte anos de casados, assim de repente? Agora que já estou a ficar velha para arranjar outro… Ele diz que temos feitios incompatíveis, interesses diferentes, mas só agora é que descobriu? Já me disseram que há outra, embora ele negue, claro). É o executivo bem sucedido que de repente se vê confrontado com a “escolha” – que não pode recusar – de ter de ir trabalhar para um país estrangeiro (e que faço eu aos miúdos? E a Luísa? Agora que foi promovida, não vai com certeza querer ir). É o engenheiro que marca passo na empresa (dizem que eu sou conflituoso e que não me quero adaptar às novas tecnologias. Mas onde é que eu vou arranjar tempo para estudar se passo a minha vida a evitar que me façam a cama lá no emprego? E também já não tenho cabeça para aprender coisas novas. Ainda por cima está sempre tudo a mudar…). É a mulher cuja mãe, viúva e com oitenta anos, começa a ter dificuldades de locomoção (e agora? Como é que a levo lá para casa? O Rui nunca se deu bem com ela. Ia ser um inferno. Mas não posso deixá-la morrer sozinha. Ainda acabo divorciada à pala disto). É a mulher de cinquenta anos, com sucessivas depressões, que vê os filhos saírem de casa (e agora, que faço eu? O Manel diz que eu devia trabalhar, para me entreter. Mas fazer o quê? Nunca trabalhei, a não ser durante uns meses como secretária antes de me casar. Ele nunca quis que eu trabalhasse. Que vou eu fazer da minha vida? Ninguém quer saber de mim. Muito menos o Manel, que só pensa no trabalho).

Estes são apenas exemplos das nossas perplexidades como homens e mulheres. No fundo, tudo gira à volta da incerteza e da dificuldade que temos em lidar com ela. A incerteza é sempre geradora de ansiedade, quando não mesmo de dor psíquica. O ser humano prefere em geral o familiar, o conhecido, mesmo que não se sinta satisfeito com a vida que leva. Até há quem diga que o stress mata. Ou que engorda. Ou que emagrece. Ou que envelhece, faz rugas, dá um ar pesado. Centenas, milhares de artigos se escrevem todas as semanas sobre o assunto, por esse mundo fora.

No fundo, todos nós gostaríamos de ter mais controlo sobre as nossas vidas. Mas como consegui-lo se, precisamente, as coisas surgem quando menos esperamos?

A psicoterapia não é uma panaceia para os males da alma, ansiedade incluída. Mas que ajuda, ajuda. Pode, se for bem sucedida, tornar o sofrimento mais tolerável, permitir encontrar pequenos (ou grandes) prazeres, ajudar a percebermos melhor a nós próprios e aos outros, aumentar a nossa iniciativa e autonomia e a nossa capacidade de tomar um pouco mais a nossa vida nas nossas mãos.

(Nota: qualquer semelhança entre os exemplos descritos e a realidade é pura coincidência)

domingo, dezembro 03, 2006

Relação Conjugal e Intimidade

“É das nossas experiências relacionais que aprendemos sobre nós próprios e sobre o mundo, e é à luz destas experiências que podemos rever o nosso mundo interior.
Cada elemento tem um padrão de intimidade e de vinculação desenvolvido ao longo da sua vida que vai actualizar, consolidar e, simultaneamente co-construir. Por sua vez, esta co-construção depende da forma como cada um consegue ser e estar na relação, e como a dinâmica entre o ser e o estar acontecem na relação” (Costa, 2005).

A intimidade tem o seu início na infância. A criança, no seio da sua família e, mais tarde, noutros elementos de referência, vai construindo uma imagem de casal, tal como uma imagem de si própria e de si na relação com os outros, que vai reformulando ao longo do seu desenvolvimento.
São várias as investigações nesta área cujos resultados sugerem que a imagem que a criança tem das relações dos pais quer como casal, quer como pais, parece ter uma função preditiva das relações futuras com os outros e consigo própria. Parece ainda existir uma associação significativa e positiva entre a percepção de satisfação conjugal dos pais e a qualidade do laço emocional, e negativa com a inibição da exploração (Oliveira & Costa, 2002).

Sabemos que amar e ser amado parece ser condição indispensável para a construção do self ao longo do ciclo de vida e para a capacidade de estabelecer relações de intimidade.
Quando diferentes circunstâncias impedem este processo, o indivíduo responde com mecanismos de auto-protecção que representam em cada momento as respostas possíveis, que, contudo, podem interferir no processo de construção do self e na capacidade de ver os outros como fontes de apoio, segurança e auto-regulação. Se estiver carregado de experiências negativas, serão estas que tenderão a ocorrer, consciente ou inconscientemente, na forma como o indivíduo se situa perante a intimidade. Neste sentido, as relações de intimidade ocorrem em sistemas existentes, que realçam, contrapõem ou chocam com outros pré-existentes.

Os problemas relacionais ocorrem, frequentemente, quando em momentos de crise, o casal tende a utilizar padrões de funcionamento interiorizados de que não está consciente e que colidem com os do outro. Isto é, o sistema de vinculação é activado e a resposta da figura de vinculação não satisfaz as necessidades (Costa, 2005).

Parafraseando Virgílio Ferreira, o importante não é o que acontece, mas o que acontece em nós desse acontecer. Trabalhar a relação de casal envolve procurar entender o que acontece em cada elemento do casal, de todo o acontecer de uma vivência de relações significativas ao longo do processo de desenvolvimento, permitindo-nos aceder aos meta-significados. Facilitando, assim, o auto-conhecimento individual e relacional criando condições para que cada elemento do casal possa desempenhar um papel mais activo na construção de mudanças para o desenvolvimento da intimidade, e na reconstrução dos modelos do self e do outro, e do self com o outro.

Idiossincrasia? Narcisismo? Egoísmo? ou simplesmente Ódio Necessário?

"Estavam alguns homens debaixo de uma grande árvore. E um dos homens tinha olhos para ver. E ele viu: no cimo da árvore havia um pássaro, magnífico na sua beleza essencial. Os outros não o viam. mas o homem foi assaltado por um violento desejo de conseguir chegar até junto do pássaro para o apanhar; não conseguia ir-se embora dali sem o pássaro. Todavia, como a árvore era alta, ele não podia lá chegar, e não tinha escada. mas sendo tão poderoso o seu desejo, a sua alma encontrou uma maneira. Ele puxou os homens que ali se encontravam e pô-los uns sobre os outros, cada um deles sobre os ombros de um companheiro. Ele pôs-se lá no alto, por cima deles todos, de tal modo que conseguiu chegar até junto do pássaro e o agarrou. Os outros, tendo embora ajudado aquele homem, não sabiam nada acerca do pássaro e não o viam. Mas ele, que sabia que o pássaro estava ali, e que o via, não teria podido chegar até ele sem os outros. Se aquele que estava na base da torre tivesse abandonado o seu lugar, o que se encontrava lá em cima teria necessáriamente caído."

Ódio Necessário de Nicole Jeammet

"(...) aquele que ama, não começa por amar ocupando-se dos outros, mas sim ao realizar ele próprio a obra para o qual se descobriu destinado, numa aparente indiferença para com aqueles que o rodeiam. Ocupar-se dos outros serve demasiadas vezes para escondermos a nós mesmos que não nos amamos, e que nos recusamos a ocupar o lugar que é o nosso; é precisamente nisto que consiste o princípio de todas as manipulações. O essencial que acontece entre os seres acontece, não pelo contacto entre eles, mas pela acção que cada um realiza isoladamente.."

Ibidem

"Poderá o amor apagar o sofrimento, o masoquismo e o egocentrismo inscritos na pessoa?"

quinta-feira, novembro 30, 2006

Commitee on Woman and Psychoanalysis


Entre os dias 26 e 28 de Janeiro de 2007 vai realizar-se em Lisboa o “3rd Cowap European Conference on Incest and Paedophilia”. Os interessados poderão obter mais informações em www.ipa.org.uk

quarta-feira, novembro 29, 2006

Os Signos e os Símbolos

O pensamento simbólico é a marca distintiva mais específica da condição humana e resulta de uma transformação que se insere no processo de hominização. Aristóteles já afirmava que não se pensa sem imagens… Zusman (2005) refere que a transformação do signo em símbolo é parte essencial do processo de pensar. Segundo o autor o conceito de rêverie de Bion exemplifica um dos aspectos da transformação do signo em símbolo pois só quando a criança introjecta a capacidade de rêverie da mãe é que adquire capacidade de produção simbólica. Ora a capacidade de transformar o pensamento sígnico em pensamento simbólico depende da conjuntura dos processos conflituais da personalidade e da intensidade emocional das vivências.

Também Bruner (1990) pretende mostrar que para além dos recursos físicos e psíquicos, a condição humana é reflexo da cultura e da história, e só tem sentido se for interpretada à luz do mundo simbólico que constitui a cultura humana. Segundo o autor, a construção do eu é o resultado de um núcleo de consciência cujo significado se encontra “interpessoalmente distribuído” e que se encontra enraizado em circunstâncias históricas e culturais, fazendo da psicologia cultural uma psicologia interpretativa.

Jung (1989) refere que os símbolos são fruto do inconsciente e aponta para a estreita relação dos símbolos mitológicos com os símbolos dos sonhos assinalando a forte probabilidade de grande parte dos símbolos históricos provir directamente dos sonhos ou por eles ter sido estimulada. Já Freud (1901; 1916) refere que o simbolismo dos sonhos não pertence propriamente ao sonho, mas às representações inconscientes do povo, surgindo numa forma mais perfeita nos mitos, lendas e ditos espirituosos.

Larsen (1991) parece concordar com Freud ao afirmar que a mitologia cultural se fragmentou quando a ciência e tecnologia ofereceram formas confiáveis de compreender e controlar a natureza, tendo perdurado a profunda necessidade humana pelos símbolos. A este respeito o autor faz referência à mitologia pessoal uma vez que defende que a experiência humana sem o mito é insatisfatória e ignorante e que parte desses mitos pessoais vêm à tona nos sonhos, devaneios, sensações corporais, jogos, paixões, lapsos verbais, rituais, música, dança, escrita, desenho e pintura espontânea.

O pensamento de Larsen (1991) evoca uma espécie de perpetuação do simbolismo dos contos infantis ao defender o conceito das personagens interiores (“um teatro mágico que está sempre em funcionamento dentro de nós e que é ao mesmo tempo humano e divino p. 201). Figuras significativas como os guardiães, o senhor do abismo, heróis, vilões, velhos sábios, palhaços ou bruxas representam um sector de actividade criativa exemplificativo das características de personalidade que influenciam a consciência e têm tanto de colectivo como de individual.

Desde o dia 24 de Novembro que está patente no edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, mais uma edição da Festa dos Livros. Vale a pena passar por lá para encontrar a preços muito (mesmo muito!) acessíveis, um conjunto de livros com a chancela da Gulbenkian. Clássicos da Filosofia, Psicologia, Dissertações de Mestrado e Doutoramento... há de tudo!

Não há é desculpas para quem se queixa da falta de tempo porque o horário de funcionamento é lato o suficiente para ir ao encontro de todas as agendas (Domingo a quinta-feira: 12.00h às 22.00h; Sexta-feira/sábado e feriados: 12.00h às 24.00h).

Um conselho adicional: segundo pude apurar no domingo passado, os livros que estão à venda vão mudando de semana para semana, pelo que vale a pena fazer mais que uma visita!

terça-feira, novembro 28, 2006

BION diz que...

Um psicanalista em pleno exercício das suas funções deverá ser:

  1. Um cientista em busca da verdade
  2. Um místico em permanente estado de fusão com a verdade incognoscível
  3. Um artista para captar o sentido estético das comunicações, sabendo-as comunicar eficazmente

Acho simplesmente genial a forma poética, estética e autêntica como Bion nos fala do que é para ele ser psicanalista....

O amor à verdade que Bion nos fala ao longo da sua obra, é um instrumento terapêutico muito importante, ; verdade essa que pode ser transmitida através das interpretações que o psicanalista faz, no entanto ele diz-nos Amor sem verdade não é mais do que uma paixão; e verdade sem amor não passa de uma crueldade.

cit. in Zimerman, 2001. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise

segunda-feira, novembro 27, 2006

Recapitulando o I Forum de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária

A propósito do último post que coloquei, em que dei a conhecer o I Forum de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária, venho agora fazer a síntese desses três dias, onde contámos com a participação de vários conferencistas de renome: Daniel Sampaio para o tema da sexualidade, João Goulão para a área da toxicodependência, entre outros, e umas dezenas de comunicações, entre a quais a minha.
Todas as comunicações incidiram sobre os pontos chave da prevenção e promoção de estilos de vida saudáveis nas áreas da alimentação saudável, da sexualidade responsável, do consumo de substâncias, da prática desportiva assim como na formação e boas práticas em promoção de estilos de vida saudáveis.
Ao longo destes 3 dias ficámos a conhecer projectos locais de intervenção nas diversas áreas, assim como o modus operandi de alguns.
Estes pressupostos são assumidos pelo Programa Nacional de Saúde Escolar, sendo uma das metas chave, devendo as escolas adoptar metodologias activas na prevenção e promoção, chegando desta forma, ao conceito de escolas promotoras da saúde.
É ainda de realçar que a saúde mental é uma das metas importantíssimas traçadas por este programa.
A prevenção é uma das apostas fortes da saúde, quer física, quer mental e é preciso que todos unam esforços para conseguir transformar os problemas em projecto e assim criar boas práticas em educação para a saúde.
Este forum promete voltar daqui a 2 anos.

Angustia e Ansiedade. Qual é qual em termos de diagnóstico?



Com alguma frequência somos confrontados com a utilização de termos e conceitos por parte da população que confundem e baralham as nossas avaliações.

Como exemplo disto, temos os termos e conceitos de angústia e ansiedade. Não vamos pensar, que apenas os nossos clientes se confundem e têm dúvidas acerca da sua definição. Os gregos chamavam-lhe agkô ou angchö que significa apertar ou estrangular e que em latim produziu dois verbos ango, apertar fisicamente (aperto \ opressão) ou angustia (originou também angor e angina) e anxio ou anxius, que significa atormentar (tormento \ inquietação) ou ansiedade.

Claro que o paragrafo acima, ilumina um pouco a discussão mas não fecha o assunto de modo a não causar dúvidas. Para isso vários psicólogos deram a sua contribuição para esclarecer esta questão.

Em 1844 Kierkegaard com a noção “angustia perante o nada” e mais tarde Jaspers (1913) “o medo é dirigido para algo e a angustia não tem objecto” colocaram o enquadramento de classificação psicopatológica que se tem mantido até hoje.

Podemos portanto utilizar o termo ansiedade num sentido “racional”, prospectivo, cinético e conotada com uma inquietação esperançosa, enquanto que a angustia é mais corporalizada, retrospectiva e inibitória.

Claro está que esta discussão está longe de estar acabada com várias ”achegas” de investigadores actuais a completarem da melhor maneira a separação entre os dois termos.

Agora o que importa é saber quais os conceitos e definições do nosso interlocutor para que possamos ajustar a nossa linguagem à dele.
Por falar nisso, o que é para si angustia e ansiedade?

sábado, novembro 18, 2006

Relatórios de observação/avaliação Psicológica

Na quinta-feira passada estive a apresentar uma comunicação nas I Jornadas Ibéricas da Doença de Alzheimer que decorreu em Almeirim organizada pela APFADA. No intervalo em conversa com um colega abordamos a questão complexa dos Relatórios de observação psicológica. O colega é da opinião que devemos reduzir ao mínimo a elaboração de relatórios escritos e privilegiar a transmissão da nossa opinião técnica em entrevista. E quando somos “forçados” a elaborar um relatório, ele deve ser o mais vago possível. Esta posição é fundamentada no risco de os nossos relatórios serem muitas vezes utilizados contra o paciente, principalmente, quando se trata de crianças. O relatório fica anexado ao processo da criança e ela passa a “carregar” aquele peso e poderá ser penalizada ou alvo de marginalização pela exposição desnecessária da sua vida privada e das suas dificuldades pessoais.

Compreendo os argumentos do colega e concordo que, infelizmente, os relatórios de observação/avaliação psicológica são muitas vezes utilizados de forma “perversa”; contudo parece-me que a resolução do problema não pode passar pela escusa do psicólogo a desempenhar uma função para a qual deverá estar devidamente habilitado. A produção de relatórios com informação vaga e ambigua, na minha opinião, não resolve o problema e favorece a opinião publica de que os psicólogos são técnicos demasiado subjectivos e que os seus relatórios “não acrescentam nada”.

Acho que devemos trabalhar no sentido de alertar os nossos pacientes/clientes para o facto de um relatório psicológico ser um documento confidencial e que apenas deverá ser permitida a leitura do mesmo por técnicos da área da saúde mental ou por outros profissionais obrigados ao sigilo. Acho que devemos chamar a atenção para os pais de que é da responsabilidade deles preservarem aquela informação como confidencial e não permitirem a sua anexação aos processos dos alunos.

Parece-me que também é fundamental divulgarmos a ideia de que uma observação psicológica tem uma validade limitada à data em que foi realizado o exame. A utilização de testes e instrumentos de avaliação aumenta a fiabilidade e o rigor da observação e análise, mas é preciso ter presente que toda a observação é condicionada e por isso apenas descreve as características de uma determinada pessoa num momento preciso da sua vida. A personalidade, as competências cognitivas, os traços psicopatológicos, os sintomas e os conflitos são mutáveis e transformam-se com o amadurecimento e a experiência de vida.

Doença de Alzheimer




Veja os 10 sinais de alerta para a doença de Alzheimer

domingo, novembro 12, 2006

Psicoterapia Existencial

A psicoterapia existencial não se baseia numa teoria do aparelho psíquico ou da personalidade. Fundamenta-se na filosofia da existência e tem como método de investigação a fenomenologia. Tem como objectivo a análise da existência e o seu objecto de estudo é o ser-no-mundo.

Não há uma única e unificada perspectiva da psicoterapia existencial. Tal como não há um entendimento uno da psicanálise, como diria o Prof. António Coimbra de Matos, existem sim, um conjunto de investigações psicanalíticas. O mesmo acontece com a psicoterapia existencial. As contribuições da fenomenologia de Edmund Husserl e da filosofia da existência, onde se incluem autores como, Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, influenciaram decisivamente a cultura contemporânea, as ciências sociais e humanas, em particular, a psicologia e a psicoterapia. Nesta última, deram origem as diferentes sensibilidades terapêuticas, inicialmente desenvolvidas por Ludwing Binswanger e Medard Boss, posteriormente diversificadas em diferentes escolas terapêuticas, de que são exemplo a Daseinsanálise, a Escola Humanista-Existencial Norte-Americana, a Psicoterapia Existencial desenvolvida por Ronald Laing e, mais recentemente, a Escola Britânica de Análise Existencial.

Importa sublinhar igualmente, todo um corpo teórico e de investigação que tem vindo a ser desenvolvido a nível internacional, desde o início do século XX, pela psicologia fenomenológica, criando assim um espaço epistemológico fundamental entre filosofia, psicologia e psicoterapia.

Propomo-nos apresentar, muito sucintamente, aqueles que nos parecem ser os princípios unificadores da psicoterapia existencial, se quisermos, pressupostos epistemológicos que terão, naturalmente, implicações na intervenção terapêutica.

Espaço Inter-relacional

As relações que a pessoa estabelece reflectem e expressam a forma única e particular que cada um de nós tem de ex-sistir no mundo. Só é possível fazer sentido da vivência humana no e pelo seu contexto relacional. Esta perspectiva coloca ênfase numa visão inter-psíquica do homem em contraponto a um olhar intra-psíquico.

Intencionalidade

O que define um acto de consciência? A fenomenologia salienta o carácter intencional da consciência. Toda a consciência é consciência de algo. A intencionalidade salienta que os actos de consciência não existem por si mesmos, estão sempre direccionados a algo. A consciência não actua fechada sobre si mesma. A plasticidade do sentido é igualmente realçada. Sujeito e objecto, são co-constituídos, interdependentes um do outro, influenciando-se mútua e permanentemente. A interrogação da intencionalidade é sobre o sentido. Somos seres em permanente criação de sentido.

Visão do Mundo (World View)

O self é pois construído relacionalmente. A existência permanece aberta, em constante flutuação. Passamos pelas etapas de crescimento que a psicologia do desenvolvimento salienta. No entanto, vamos criando e sedimentando uma visão do mundo. Formamos significados sobre a nossa forma de estar, de como nos posicionamos em relação aos outros, como nos colocamos no espaço social. A visão do mundo – o world view é a construção psicológica incarnada que temos de nós próprios. Os nossos pressupostos têm origem na necessidade que temos de dar sentido à nossa vivência. O sentido da existência é formado pela consciência intencional, criando a nosso world view.

Angústia Existencial

A visão do mundo coabita em paradoxo. A sua plasticidade possibilita transformações. Por outro lado, constitui-se como edifício sedimentado, que permite orientar-nos e se torna, por vezes, inquestionável. São regras adquiridas. Formam a nossa identidade, os nossos limites e horizontes de acção. Se todo o sentido da nossa vivência é construído no espaço inter-relacional, então, este não depende apenas de mim, precisamente, é sempre co-constituído com um Outro. Experiencia-se, neste sentido, o abismo de uma incerteza que nos envolve. A noção de conflito é importante nesta perspectiva, conflito provocado pela própria responsabilidade da liberdade que nos assiste, ao ter de escolher a nossa existência, sempre em contexto de uma facticidade própria e singular.

Psicoterapia Existencial

O psicoterapeuta existencial irá procurar mapear a tensões existenciais que as pessoas vivem. Os dados da existência, i.e., as noções de angústia, sentido ou falta de significado, responsabilidade e liberdade de escolha, do limite temporal da nossa existência, da autenticidade ou inautenticidade perante si e os outros, a solidão que pode ser experienciada ainda que vivenciada num mundo relacional, a consciência de temporalidade, de espacialidade e corporalidade, bem como forma como vivemos o sonho, o devaneio, são aspectos cruciais para se promover uma análise do pro-jecto existencial.

O objectivo do psicoterapeuta é estabelecer uma relação de confiança, promovendo um espaço seguro e adequado para se realizar uma investigação, uma exploração da maneira como a pessoa está no mundo. Clarificar e descrever, em primeiro lugar, o modo como a pessoa é em e na relação. A preocupação central, deste modo, não é o alívio do sintoma, alterar esquemas cognitivos ou provocar a mudança. Estes poderão ocorrer, provavelmente a próprias pessoas que procuram uma psicoterapia assim o desejem, no entanto, a ênfase teórico-prática desta abordagem não passa inicialmente por uma perspectiva de cura. Como se investiga o ser-no-mundo?

Serão necessários seguir alguns princípios. São princípios orientadores não deverão ser entendido como esquemas estanques ou rígidos.

O primeiro movimento do terapeuta existencial, passa por um despojamento do seu saber, acção que assenta na redução fenomenológica. Colocar, por momentos, entre parêntesis os conhecimentos teóricos, evitando a pressa de aplicar grelhas explicativas à existência singular que se apresenta perante nós. Num primeiro momento descreve-se, não se interpreta.

Paralelamente, o terapeuta tem uma postura de not-knowing, (noção inicialmente introduzida por Karl Jaspers), i.e, partirmos do princípio que não conhecemos verdadeiramente a experiência do outro e, que os nossos quadros teóricos não têm necessariamente uma explicação válida, para os fenómenos que nos surgem, tal como surgem.

Significa assim haver uma aceitação do outro tal como ele é. Manter e ficar com a experiência do outro tal como ela se nos apresenta. Parecendo um ideia óbvia, diríamos que, mais frequentemente do que por vezes nos apercebemos, o terapeuta afasta-se desse outro que o procura, refugiando-se nos seu saber teórico, espaço de aparente segurança.

Com o desenvolvimento do processo terapêutico, estabelecida uma boa aliança, o terapeuta existencial, poderá então utilizar a principal ferramenta de investigação: a relação que estabeleceu com a pessoa que o procurou. A relação terapêutica, sem caminhos previamente estabelecidos, constitui-se assim como espaço de construção entre sujeitos que se colocam numa posição propícia para perspectivar o horizonte de possibilidades do ser-aí se interpretar. Um interpretar que é feito a partir de uma co-narrativa, com uma dinâmica interna e que se projecta nesse espaço intersubjectivo relacional, como mundo outro. Um outro de si-mesmo.

O espaço terapêutico existencial, lugar de encontro entre alteridades, tem como objectivo promover o confronto com as possibilidades e as limitações de transformação pessoal e de responsabilização pela construção da existência singular de cada um de nós.

Daniel Sousa
Sociedade Portuguesa Psicoterapia Existencial
Psicoterapeuta Existencial (Society For Existential Analysis, London e UKCP - United Kingdom Council for Psychotherapy, London)

Auto-conhecimento e saber viver

1 - Faça pausas de dez minutos a cada duas horas de trabalho, no máximo. Repita essas pausas na vida diária e pense em si, analisando as suas atitudes.
2 - Aprenda a dizer não sem se sentir culpado ou achar que magoou. Querer agradar a todos é um desgaste enorme.
3 - Planeie o seu dia, sim, mas deixe sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de si.
4 - Concentre-se numa coisa de cada vez. Por mais ágeis que sejam os seus processos mentais, poderá cansar-se excessivamente.
5 - Esqueça, de uma vez por todas, que é imprescindível. No trabalho, em casa, no grupo habitual. Por mais que isso lhe desagrade, tudo anda sem si, a não ser, você mesmo...
6 - Abra mão de ser o responsável pelo prazer de todos. Não é você a fonte dos desejos, o eterno mestre de cerimónias...
7 - Peça ajuda sempre que necessário, tendo o bom senso de pedir às pessoas certas.
8 - Diferencie problemas reais de problemas imaginários e elimine os imaginários, porque são pura perda de tempo e ocupam um espaço mental precioso para coisas mais importantes.
9 - Tente descobrir o prazer de factos quotidianos como dormir, comer e tomar banho, sem também achar que é o máximo a se conseguir na vida.
10 - Evite envolver-se na ansiedade e tensão alheias enquanto ansiedade e tensão. Espere um pouco e depois retome o diálogo, a acção.
11 - Família não é a sua pessoa. Está junto a si, compõe o seu mundo, mas não é a sua própria identidade.
12 - Entenda que princípios e convicções fechadas podem ser um grande peso.
13 - É preciso ter sempre alguém em que se possa confiar e falar abertamente ao menos num raio de cem quilómetros. Não adianta estar mais longe.
14 - Saiba a hora certa de sair de cena, de retirar-se do palco, de deixar a roda. Nunca perca o sentido da importância subtil de uma saída discreta.
15 - Não queira saber se falaram mal de si e nem se atormente com esse lixo mental; escute os que falaram bem, com reserva analítica, sem qualquer convencimento.
16 - Competir no lazer, no trabalho, na vida a dois, é óptimo... para quem quer ficar esgotado e perder o melhor.
17 - A rigidez é boa na pedra não no homem. A ele cabe firmeza, o que é muito diferente.
18 - Uma hora de intenso prazer substitui com folga 3 horas de sono perdido. O prazer recompõe mais que o sono. Logo, não perca uma oportunidade de divertir-se.
19 - Não abandone as suas três grandes e inabaláveis amigas: a intuição, a inocência e a fé.
20 - Entenda de uma vez por todas, definitiva e conclusivamente: Você é o que fizer.

Conselhos dados por Guerdjef e publicados pelo Instituto Francês de Ansiedade e Stress. A tradução é brasileira pelo que nem sempre faz uso de um português correcto.
Genericamente estes conselhos são bastante interessantes, mas elencar em 20 itens, os princípios orientadores de auto-conhecimento e saber viver é sempre, na minha opinião, uma falácia.
Auto-conhecimento e saber viver são descobertas pessoais que implicam percorrer um caminho individual e não a adesão a princípios pré-estabelecidos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O Mestre e o escorpião

“Um Mestre Oriental viu um escorpião que se estava afogando, decidiu tirá-lo da água mas quando o fez, o escorpião picou-o.

Como reacção à dor, o Mestre soltou-o e o animal caiu à água e de novo estava a afogar-se.
O Mestre tentou tirá-lo outra vez, e novamente o escorpião picou-o.
Alguém que tinha observado tudo, aproximou-se do Mestre e disse:

- Perdão, você é teimoso? Não entende que de cada vez que tentar tirá-lo da água ele o picará??!
O Mestre respondeu:
- A natureza do escorpião é picar e isso não muda a minha natureza, que é ajudar.

Então, com a ajuda de um ramo, o Mestre retirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida.
Não mudes a tua natureza se alguém te magoar. Apenas toma precauções.”


Na prática terapêutica muitas vezes somos confrontados com pessoas que não conseguem mudar a sua “natureza”, cabe-nos ser criativos como o mestre e encontrar meios de contornar os “ataques” dos clientes dando-lhes significado e valor existencial.
Ou seja, mostrar ao escorpião que a sua defesa está a impedi-lo de ser ajudado. Mas primeiro, o escorpião tem que confiar em quem o quer ajudar. Nós, por outro lado, não podemos mudar a natureza de ajudar!

Ficamos a pensar… como e porquê este sujeito aprendeu este modo de relacionamento?

sexta-feira, novembro 03, 2006

Notícias mais a Sul

Nos dias 16, 17 e 18 de Novembro realizar-se-á, em Faro, no Grande Auditório do Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, o I Fórum do Algarve de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária.

sites associados:
www.apf.pt ; www.arsalgarve.min-saude.pt ; www.drealg.min-edu.pt