sexta-feira, dezembro 21, 2012

Solidão e o Aborrecimento

Depois da entrevista muito interessante da Dra. Ana Almeida, aproveito para referir uma investigação que foi feita (e que continua) sobre um conceito próximo da solidão, que é o aborrecimento. Aliás, fazendo também a ponte com o, também muito interessante e pertinente, artigo da Alexandra Barros, sobre a preguiça, pode-se dizer que o aborrecimento tem também algo de desmotivaçao ou desânimo, muitas vezes confundidas com preguiça. 

Os 3 conceitos têm algum grau de sobreposição e são também frequentemente usados no senso comum. Tentar compreender e aprofundar o que significam e o que está por trás destas noções é o objetivo de uma abordagem mais clinico-científica como as que aqui se têm esboçado. 

Recentrando o assunto mais especificamente no conceito de aborrecimento, foi publicado recentemente na revista Psychological Science um estudo que procurou definir mais rigorosa e objetivamente este construto. Definiram-no como "um estado aversivo no qual a pessoa quer, mas não pode envolver-se numa atividade satisfatória". Deste modo, chegaram à conclusão que uma pessoa se aborrece quando:

  • tem dificuldades em prestar atenção às informações internas (pensamentos, sentimentos...) ou às informações externas (os estímulos ambientais) necessárias para a participação numa atividade satisfatória.
  • está consciente da sua dificuldade em prestar atenção
  • acredita que o meio ambiente é responsável do seu estado aversivo (por ex.: "esta tarefa é aborrecida", "não há nada para fazer").
O aborrecimento, assim como, a solidão não é per se patológico. No entanto, na sua expressão mais intensa e recorrente traduz-se muitas vezes numa angústia de tipo existencial em que a atualidade da vida de uma pessoa deixa de fazer sentido (ou faz pouco sentido). A este nível pode pensar-se como a sociedade atual contribui patologicamente para este tipo de sentimentos como o aborrecimento, o vazio ou a insatisfação crónica. A partir do momento onde toda a organização e dinâmica social está preponderantemente estruturada à volta do princípio do "ter" e menos do "ser", onde o consumo, a posse e o gozo são tidos como objetivos de vida e por isso, como respostas existenciais ao sentido da vida, toda a sociedade se passou a organizar em torno da "distração". Distração do âmago da vida, da liberdade, da autonomia, responsabilidade, com todo sentir real e frustrante que uma educação menos conseguida nos legou. 

Quando as distrações do entretenimento, do gozo, da alienação escasseiam... surge muitas vezes o "aborrecimento".  Numa sociedade de ideais de poder,  "o que é" é quase sempre chato e aborrecido, sem graça nem encanto. "O que poderia ser", o que alguém (outro!) é ou tem, é que satisfaz plenamente. Ou seja, é tão fácil sentirmo-nos mal e confundirmos esse mal-estar, essa "falta", como tendo proveniência no exterior, nas nossas condições de vida.