domingo, fevereiro 24, 2013

O drama do desemprego Parte II

De acordo com números divulgados recentemente, Portugal é o país europeu da OCDE, onde se trabalha mais horas por dia: em média, nove! Este facto, já de si alarmante no que isto significa em dificuldades de logística familiar, não tem, infelizmente, tradução na produtividade. A nossa produtividade foi, na última década, 60% da média europeia. A Grécia e a Espanha, por exemplo, têm índices de cerca do dobro do nosso.

Trabalhamos muitas horas, mas de forma pouco produtiva. A produtividade tem a ver com os factores de produção utilizados: capital, tecnologias, mão-de-obra, matérias-primas, etc. Quanto vai elevado for o quociente entre aquilo que é produzido e o factor de produção utilizado, maior o índice de produtividade.

Quanto maior a produtividade, melhor a competitividade. Produzindo-se mais bens com menos recursos, concorre-se mais facilmente nos mercados. Em termos de país, isso significa que se poderá exportar mais.

Por outro lado, o país europeu com maior produtividade é o Luxemburgo, onde mais de metade da população é portuguesa. Estranho, não é? Terá a ver com a capacidade dos gestores, com a motivação, com o clima, com a geografia, com quê?

A ligação da produtividade ao emprego é mais fácil de entender nos sectores exportadores: quanto mais competitivos, mais exportamos, mais investimento estrangeiro atraímos, mais emprego se cria.

Tenho para mim que o principal drama que vivemos é o do desemprego, que provavelmente atingirá os 20% este ano. Pelo menos uma em cada 5 pessoas em idade de trabalhar estará desempregada. A este número somam-se os tais que o INE designa por "inactivos desencorajados", os que já desistiram de procurar emprego, cujo subsídio de emprego já se esgotou, e os que nunca trabalharam. Depois há os precários e os biscates.

O país está fracturado entre os que não têm emprego, ou o têm muito precário, e os empregados, os tais que trabalham muito tempo, mas mal, e que recebem na sua maioria ao fim do mês (ainda há os chamados recibos verdes, desde sempre desprotegidos).

O drama do desemprego é social e psicológico. É uma importantíssima causa de stress e depressão, mas também uma fonte de tensão social. De ódios, raiva, medo, xenofobia.

Para criar emprego, é preciso que haja empresas a crescer. Que haja investimento, que a produtividade aumente, que se produzam mais bens e serviços. Que os patrões arrisquem, que a justiça funcione. Que as pessoas se qualifiquem, aumentem as suas competências (iniciativa, motivação, foco, determinação, capacidade de aprendizagem). Nunca é demais repeti-lo: não é o estado que deve criar empregos, são as empresas. A nossa tradicional dependência do estado terá de, a bem ou a mal, acabar.

 

 

 

 

Estatíticas para todos os gostos

O Portal da Opinião Publica, uma iniciativa conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Instituto de Ciências Sociais já pode ser consultado em www.pop.pt.

Muito user friendly (bastante mais do que o da Pordata), o portal apresenta gráficos interessantíssimos e interactivos que comparam vários indicadores em 29 países europeus: o indivíduo, a família, os grupos sociais, a religião, a imigração, a política, o trabalho, a economia.

Hoje interessou-me, dentro do tema "o indivíduo", a "percepção do controlo sobre a própria vida", que em Portugal regista uma média baixa. Não é surpreendente. Muito menos é o facto de os países nórdicos apresentarem os valores mais altos. O que surpreendeu foi a clara inflexão, no sentido da redução, que a generalidade dos países apresenta a partir de 2000/2001. Se pensarmos que o stress está sobretudo ligado à sensação da falta de controlo sobre a própria vida, temos aqui um quadro bem negro de uma situação económico-psicológica. Vê-se bem que a Europa está em recessão - e em depressão.

 

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Reflexões filosofico-psicoterapeuticas do dia



Entre o determinismo e o livre arbítrio, o Homem poderá sentir-se confuso e até aprisionado. Será um será outro, será livre, será totalmente condicionado... Poderá também ser as duas coisas? Determinado e livre?

Sartre foi um dos "filósofos da liberdade" que, apesar desse rótulo, condensou e integrou de forma muito interessante estes dois aspetos da existência humana. 

Quando diz "O homem está condenado a ser livre", brinca com, e perverte o conceito de determinismo impregnando-o de liberdade. Apesar de haver uma articulação entre os dois conceitos, impera a liberdade radical.

Mas tem também outra frase (entre muitas...) onde refere que: 

"Liberdade é o que se faz com o que nos foi feito". 

Parece-me muito interessante porque, não negando um certo grau de determinismo, abre caminho para a liberdade do sujeito enquanto agente (ativo) na sua vida. 


segunda-feira, fevereiro 18, 2013

FILICÍDIO (II): FATORES DE RISCO


Como pode uma mãe ou um pai matar o próprio filho? É a que estão que nos surge sempre que é noticiado este crime. Como já foi referido no post anterior sobre o tema, existe sempre um elevado grau de psicopatologia associado e, como tal, encontram-se alguns fatores de risco.

O 1º ano de vida da criança parece ser o mais vulnerável à ocorrência do filicídio. Por um lado, a gravidez e o parto provocam alterações hormonais significativas, que estão na base de perturbações do humor nas primeiras semanas. Em algumas mulheres, esta perturbação prolonga-se, instalando-se um quadro de depressão pós-parto, com ideação suicida e pensamentos recorrentes de morte, tristeza intensa, ansiedade e desespero, que colocam mãe e filho em risco. A progesterona parece desempenhar um papel central nestas alterações. Para além das questões biológicas, o cansaço, o receio de falhar e todas as dificuldades habituais inerentes ao nascimento de um filho, podem tornar-se avassaladores, sobretudo em mulheres com fragilidades emocionais ou perturbação da personalidade já anteriores ao parto, aumentando o risco. Neste primeiro ano, não é só na mãe que aumenta a vulnerabilidade destes fatores. Também o pai, que muitas vezes se sente excluído ou preterido, pode encarar o bebé como um obstáculo ou um rival, aumentando também o risco se houver perturbação da saúde mental.

O filicídio parece ser mais frequente na mulher. Na maior parte dos casos, existe história de depressão grave, sendo os anti-depressivos outro fator de risco associado. Os anti-depressivos atuam numa primeira fase ao nível da ação e do comportamento, e só depois têm efeito ao nível do humor. Este aspeto parece aumentar, em larga escala, a possibilidade de passagem ao ato quando existe ideação suicida ou homicida, o que exige avaliação e vigilância rigorosas. Outro quadro frequente, na maior parte das vezes só diagnosticado mais tarde, é a perturbação de personalidade border-line, em que existe uma marcada dificuldade no controlo dos impulsos, bem como uma forte instabilidade nas relações, caracterizada pela passagem brusca da admiração à raiva (não só nas relações familiares, amorosas, sociais e profissionais, mas também com os filhos)

Este crime acontece com mais frequência em famílias com maiores dificuldades sócio-económicas, maior destruturação familiar e menor acesso a tratamentos. A violência doméstica está também frequentemente associada a estes casos. O suporte social e familiar, bem como um adequado seguimento médico e psicológico são, portanto, fatores protetores.

A personalidade e a capacidade de resiliência são desenvolvidas ao longo da vida, com base nas relações e vivências que a pessoa vai experienciando desde que nasce. Quanto mais frágeis forem os recursos emocionais, maior a probabilidade de consequências mais graves na relação consigo próprio e com os outros.

Apesar do juízo social, o filicídio tem na sua base um sofrimento insuportável, em que existe uma incapacidade do progenitor se distanciar da sua angústia para se focar na criança. A psicóloga forense Paula Bruce refere que para estas mães (ou pais) “livrar-se dos filhos é apenas livrar-se da sua própria dor, sem pensar na criança como alguém separado de si.”   

domingo, fevereiro 17, 2013

O drama do desemprego

De acordo com o jornal Expresso, é assim que o Instituto Nacional de Estatística chama às cerca de 120.000 pessoas que estiveram inscritas nos Centros de Emprego, e já não estão. A estes, somam-se outros 260.000 que nunca procuraram emprego. São (só!) quase 400.000 "desencorajados".

Estes eufemismos, por bem intencionados que sejam, acabam por ser chocantes. Como se se pretendesse humanizar, hipocritamente, aquilo que corresponde a uma situação crua e gritante.

Tínhamos, em final de 2012, 1.200.000 desempregados. Destes, 300.000 recebem (ainda) subsídio de desemprego (calculo que sejam considerados "inactivos encorajados").

Em 2012 houve 10.646 ofertas de trabalho para 710.652 desempregados inscritos e encorajados. Que entretanto desencorajam e vão, mês a mês, passando a desencorajados.

Os números são perigosos e existe uma frase que se ouve muito: "as pessoas não são numeros". Mas estas tentativas de os humanizar com adjectivos psicologizantes é patética. Não é só o emprego e os meios de subsistência que faltam. Até já o pudor começa a escassear.

 

 

 

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Lindo nome para uma estrela

(foto: NASA)

LL Ori é o nome de uma jovem estrela, na nebulosa de Orion, que sopra um vento estelar muito mais forte do que o do nosso sol. Pode ver-se na fotografia no quadrante em baixo à esquerda.
A nebulosa pode ser vista a olho nú, em noites sem nuvens. Mas é bem melhor vê-la com um telescópio.
Quando eu era miúda o meu pai deu-me um telescópio, com o qual passei muitas noites de verão. Do que eu mais gostava era dos anéis de Saturno, uma maravilha não da ficção científica, mas da realidade. Tão longe e tão perto.
Hoje as nossas crianças já não precisam de estar curvadas sobre o telescópio, podem ver estas maravilhosas fotografias da NASA num computador. Mas aperceber-se-ão que a nebulosa está ali, à distância do olhar?
Quem quiser saber mais pode ir a:
http://www.nasa.gov/multimedia/imagegallery/image_feature_2442.html

domingo, fevereiro 10, 2013

FILICÍDIO (I): Quando afinal os pais não cuidam dos filhos


O filicídio é o homicídio de uma ou mais crianças por parte de um ou ambos os pais. Não é tão raro como gostaríamos de pensar e os meios de comunicação têm ajudado a demonstrar a elevada frequência deste crime chocante. As notícias invadem-nos a sala, a qualquer hora do dia, sem aviso e sem tempo para impedir que as crianças, que devem acreditar que os pais lutam pela sua vida, ouçam o que aconteceu.

Na maioria das espécies, incluindo na humana, existe uma predisposição para o cuidado e proteção da cria, pelo que se gera de imediato um sentimento de incredibilidade, choque e revolta naqueles que assistem ao relato destes acontecimentos. O que falha, então, quando uma mãe ou um pai mata o próprio filho?

O psiquiatra Phillip Resnick identificou cinco circunstâncias em que ocorre o filicídio:

  • Altruísta: é a circunstância mais frequente em que a mãe, gravemente deprimida, planeia suicidar-se e acredita que os seus filhos ficarão mais protegidos “com” ela.
  • Psicótico: situação em que o pai ou a mãe, em estado delirante e paranoide, acredita que algo persegue os filhos e mata para proteger. Outra situação, enquadrada nesta circunstância, é o delírio paranoide de que a criança agride e ataca o progenitor, pelo que este matará em auto-defesa.
  • Espancamento Fatal: casos em que a punição física é de extrema violência e descontrolo, conduzindo à morte do filho.
  • Filho indesejado: situações em que, por vários motivos, o filho é indesejado ou sentido como um obstáculo.
  • Vingança conjugal: casos em que um dos pais mata o filho para magoar o parceiro, habitualmente depois de uma situação de infidelidade. Acontece também no âmbito da disputa das responsabilidades parentais, em que um dos pais, não aceitando a guarda atribuída ao outro progenitor, tira a vida ao filho para que o outro não ganhe a batalha.
Obviamente, qualquer uma das circunstâncias envolve um elevado grau de psicopatologia. A investigação sugere que são principalmente as mulheres a cometer filicídio, sendo as situações de homicídio por raiva ou vingança mais frequentes nos homens. 

Quando surge este tema e abordo estas questões do ponto de vista da compreensão psicopatológica, a reação habitual é a ideia de que procuramos desculpabilizar o crime, obviamente porque o filicídio, mais do que qualquer outro crime, comporta uma inevitável carga emocional pela dificuldade em compreender o inexplicável. Mesmo nós, profissionais da saúde mental que conhecemos os processos que estão por trás de tamanha atrocidade, ficamos perturbados e temos dificuldade em desculpar um pai ou uma mãe que mata os seus filhos.

O nosso papel será, talvez, alertar para o que pode ser feito pelos vizinhos, amigos e familiares e o que devia ser feito pelos serviços de saúde para procurar evitar que episódios destes se repitam.

Sabia que, na maior parte dos casos, o filicida dá alguns sinais antes de cometer o crime?

Continuaremos a desenvolver este tema nas próximas semanas.


sexta-feira, fevereiro 08, 2013

MEDO e PÂNICO - diferenças qualitativas?


Investigação da Universidade de Iowa abre caminho para tratamento de distúrbios de ansiedade


O pânico é induzido a partir de algum sítio externo às amígdalas cerebelosas
O pânico é induzido a partir de algum sítio externo às amígdalas cerebelosas


Investigadores da Universidade de Iowa (EUA) descobriram que o cérebro humano tem regiões que sentem o medo de formas diferentes. A descoberta aconteceu no seguimento de experiências com três mulheres que tinham danos significativos na amígdala cerebelosa – que regista o medo vindo de perigos externos.
A equipa fiz uma experiência com uma mulher – identificada como SM – que sofria de Urbach-Wiethe, uma doença cerebral rara que provoca danos na amígdala. Quem sofre da doença não sente medo. No entanto, através da inalação de um gás com dióxido de carbono, normalmente utilizado em laboratório para induzir a sensação de pânico, a paciente deixou-se dominar por ele.

No artigo publicado na «Nature Neuroscience», a equipa de cientistas prova que a amígdala cerebelosa não é o único “guardião” do medo na mente humana. Outras regiões como o tronco encefálico, o diencéfalo ou o córtex insular podem detectar os sinais mais primários de perigo quando a sobrevivência está ameaçada.
A investigação diz que o pânico ou o medo intenso é induzido a partir de algum sítio externo à amígdala”, diz John Wemmie, professor de psiquiatria da Universidade de Iowa e um dos autores do artigo, acrescentando que este dado pode ser “fundamental para se explicarem os ataques de pânico”.

Se se confirmarem estes resultados, os caminhos agora descobertos podem tornar-se alvos para tratamento de ataques de pânico, síndrome de stress pós-traumático e outros estados relacionados com a ansiedade.
Os estudos podem “ajudar a esclarecer como uma resposta normal pode levar a um distúrbio; podem também ajudar a promover o desenvolvimento de mecanismos de tratamento”, diz Daniel Tranel, professor de neurologia e psicologia na mesma universidade e co-autor do estudo.

Décadas de investigação têm mostrado que as amígdalas desempenham um papel central na criação do medo em resposta a ameaças externas. A equipa trabalhou durante anos com SM e relatou a sua ausência de medo quando confrontada com cobras, aranhas, filmes de terror, casas assombradas e mesmo durante um incidente em que lhe foi apontada uma faca. Mas a sua resposta a ameaças internas não tinha ainda sido explorada.
A equipa decidiu, assim, testar SM bem como outras duas pessoas com as amígdalas danificadas com uma ameaça interna. Pediram às três participantes para inalarem um gás que continha 35 por cento de dióxido de carbono (um método usual quando se quer induzir um curto estado do pânico, entre 30 segundos a um minuto. Todas elas se engasgaram com o ar, tiveram o batimento cardíaco aumentado, ficaram angustiadas e tentaram tirar a máscara. Depois, afirmaram que as sensações tinham sido completamente novas, descrevendo-as como sendo de “pânico”.

Wemmie tem estudado como os ratos respondem ao medo, mostrando já que a amígdala cerebelosa pode detectar directamente o dióxido de carbono para produzirem medo. Pensou que ia encontrar o mesmo padrão nos humanos.“Ficamos muito surpreendidos quando tiveram o ataque”, afirma.
Dos 12 voluntários saudáveis que entraram na experiência, apenas três entraram em pânico, uma taxa semelhante à de adultos sem histórico deste tipo de ataques. Nenhum dos três pacientes com danos nas amígdalas tem um historial de ataques de pânico. A taxa mais elevada de dióxido de carbono induzida sugere que uma amígdala intacta pode normalmente inibir o pânico.

Os participantes com das amígdalas danificadas não demonstraram medo nos momentos que antecederam o teste, ao contrários dos saudáveis, que começaram a suar e aumentaram os batimentos cardíacos. Este facto é consistente com a noção de que a amígdala detecta o perigo no ambiente externo e fisiologicamente prepara o organismo para se confrontar com a ameaça.

A informação do mundo exterior é filtrada através da amígdala com a finalidade de gerar medo”, diz Feinstein. Sinais de medo provenientes do interior do corpo podem provocar uma forma de medo muito primária, mesmo na ausência de uma amígdala funcional.



domingo, fevereiro 03, 2013

Frase transformativa do dia



You can only be free of something when you fully understand it.



Muitas vezes existe a percepção de que se sabe qual é o problema mas que, ainda assim, não se consegue mudá-lo. Outras vezes pensamos que compreendemos algo mas não o conseguimos explicar. Einstein diria e disse: 

“If you can't explain it to a six year old, you don't understand it yourself.” 

Às vezes compreender realmente algo não é fácil e não é tanto uma questão qualitativa mas antes quantitativa (quão bem e de forma simples e precisa é que eu compreendo o que se passa?)...