sexta-feira, junho 29, 2007

Hiperactividade - Desordem Neurológica?


No último número da revista Psicologia Actual é dado um destaque particular à entrevista com Russell Barkley (Psicólogo clínico Americano). Este colega defende de forma muito clara e peremptória a organicidade da Hiperactividade.

Diz ele: "Não existe absolutamente nenhuma controvérsia entre os cientistas acerca do papel dos genes no PDAH, uma vez que a evidência é esmagadora (...) Os genes que contribuem para o PDAH estão a agora a ser identificados. Então o assunto da contribuição genética não é controverso. Uma revisão recente indica que 65-75% de PDAH é devido à genética e o remanescente 25-35% resulta de complicações de parto, problemas mentais, ou lesões neurológicas sofridas após o parto. (...) Não possuímos qualquer evidência que um factor social, tal como parentalidade, televisão, ou videojogos ou escolas pobres possam criar PDAH numa criança previamente normal".

Para mim existe uma interacção entre o biológico (neurológico) e o psíquico que é muito complexa e que dificilmente se reduz a uma posição tão simplista.

Gostava de saber a vossa opinião sobre este assunto.

13 comentários:

Astride Almeida disse...

Concordo com a Dra. Ana, parece-me extremamente simplista a posição deste colega, pois acho abusivo destituir o biológico da interacção do psíquico.
Astride Almeida

NAM disse...

Os resultados destes estudos já não nos surpreendem.
É com alguma pena que vejo anos de progresso científico serem deitados à rua por investigadores americanos que, numa atitude desculpabilizante para a sociedade e para os pais, justificam vários "quadros" sempre com a mesma resposta, a importância dos genes.
Enfim...

ali_se disse...

Olá Ana!
Perante este tema da hiperactividade não resisto a perguntar-lhe, mas só se me conseguir responder a não considerar a hiperactividade de desordem neurológica, em que primeiro, o que é uma criança previamente normal para si aos olhos desse autor e segundo a mesma pergunta mas na sua visão complexa ou não ainda e sempre inserida nesta mesma área profissional?
Muito obrigada

Anónimo disse...

A "ciência", na procura da exactidão científica, tende assim a relativizar a importância de aspectos que, não tendo um carácter estritamente comprovativo, não farão parte daquilo que assim se quer comprovar...mesmo que haja todo um trabalho realizado, no âmbito do psicológico, social, ambiental, etc...

Sam Cyrous disse...

Não creio que o Dr. Barkley tenha querido dizer que tudo depende dos genes. Apenas o que pretendia esclarecer era que os genes têm uma influencia e que não os podemos excluir da etiologia da perturbação.

Avança, ainda mais, em resposta à pergunta que não existe um único estudo que admita a luta entre factores biológicos contra factores comportamentais.

PS: Exactamente por ser um espaço sério de debate e divulgação da Psicologia, optei por linkar o blog! Continuem!

maria inês disse...

Existem doenças neurológicas geneticamente determinadas. Se é o caso da hiperactividade ou não, reconheço a minha ignorância face ao assunto em questão. A contribuição que posso dar (e servirá apenas para relembrar) e que não é nenhuma novidade, é que, por exemplo para o aparecimento da esquizofrenia, para além da importância extrema do ambiente (existe até o conceito das mães esquizofrenizantes) é imprescindivel a parte genética.
Esta questão da genética vs ambiente faz-me lembrar a eterna questão acerca da personalidade...
Não obstante, posições extremistas a meu ver, não passam de posições reducionistas. Claro está, até me demonstrarem o contrário.:)

Teresa disse...

Neste caso da hiperactividade infantil parece-me que a excessiva culpabilização dos pais, do meio ambiente, da escola, pode ser, em alguns casos, demasiado injusto para estes. Há crianças que crescem em ambientes que lhes asseguram o “Holding”, com pais que dão o seu melhor em termos de amor e educação, frequentam escolas razoáveis, e não se conseguem controlar apesar do ambiente favorável que as rodeia. Existem outras que não têm nada disto e são uns “anjinhos” desde que nasceram! Não consigo acreditar que a genética não tenha quase nada a ver com isto!!!

Podia-me alongar mas vou ficar por aqui. E desculpem o DESABAFO!

CLeone disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Adriana Curado disse...

O que mais me espanta é que o senhor em causa é psicólogo e não neurologista. Perspectivar a hiperactividade de uma forma tão unilateral e destituí-la de toda a controvérsia, leva-me a fantasiar que este senhor ou está de olhos fechados na clínica ou simplesmente não está. Ah e isto não tem nada a ver com culpabilizar ou desculpabilizar.

Miguel J. T. V. disse...

Considerando pertinente o que vou referir, mas sem querer generalizar porque cada caso é um caso, o que vou verificando (com experiência gradual na área) é que não me recordo de ter apanhado alguma criança hiperactiva/agitada com ou sem DA declarado que não registasse falta de acompanhamento em casa, desordem/desestruturação familiar, etc. Ou seja corroboro a tal relação entre o sujeito e o meio.

Nota: Parabéns pelo vosso blog!
Tenho também um, onde vou escrevendo sempre que posso e me apetece! E com aquele sentimento que me passaram da psicologia não ser um SER mas um ESTAR! Lool!!!

Cumprimentos a todos!

Ana Almeida disse...

Olá a todos.
Lamento ter demorado tanto tempo a responder, mas a minha vida anda a atravessar uma fase complicada. Pode não parecer, mas nós, os psicólogos, também temos os nossos desaires e problemas.

Começo por tentar responder à Alice que coloca sempre perguntas de resposta tão difícil. Bom, Alice, na verdade eu não tenho uma resposta. Colocada perante a pergunta o que é uma criança normal, não tenho nenhuma resposta que me pareça suficientemente capaz. Se pensarmos em termos estatísticos penso que a resposta poderá ser mais fácil, mas eu, pessoalmente, não considero adequado que se defina a normalidade por critérios estatísticos. Num outro dia, numa comunicação que apresentei escrevi: “Talvez a saúde mental possa ser vista como a capacidade para viver e usufruir as qualidades e as condições da realidade. Não há definições perfeitas de saúde mental - pelo menos que eu conheça -, todas elas sofrem de um estreitamento, de um reducionismo constrangedor e muitas ainda transportam uma carga moral que as envenena. Mas há uma realidade qualquer que todos nós intuímos como correspondendo a saúde mental. Há uma alegria de viver, uma capacidade de usufruir o que nos chega à mente e aos sentidos que, todos nós identificamos com saúde mental.”. Acho que não lhe consigo responder de uma forma mais específica ou científica do que esta.
Para o autor acho que a normalidade é a não deformação ou adulteração do tecido cerebral e das funções neurobioquimicas a ele associadas. Dentro desta definição a sintomatologia e a patologia traduzem-se em patologia orgânica.

Sam disse que considerava que o Dr. Barkley não teria querido dizer que tudo depende dos genes. Concordo, acho que ele efectivamente não pretendeu dizer isso, mas o ênfase colocado na carga genética foi enorme, dando ao meio e aos processos psíquicos um valor periférico ou até mesmo residual. Considero que o biológico (e obviamente o genético) tem uma importância decisiva na constituição da nossa vida psíquica, até porque em primeiro lugar condicionam a nossa percepção das experiencias; mas parece-me que o ser humano, na medida em que é um animal por excelência cultural, se auto-condiciona na forma como se sente, pensa e vive a si próprio. Parece-me que muitas das dificuldades apresentadas pelas crianças e identificadas como hiperactividade correspondem muito mais a uma vivência de profundo mal-estar e inquietação que se expressa sobre a forma de uma agitação agida e de impossibilidade a ficar calmo e tranquilo consigo próprio.

Agradeço ao Miguel V. a referencia ao seu blog. Passarei a ser uma leitora assídua dele e vou incluí-lo nos preferidos do Salpicos

Vera L. Barroso, PsyD disse...

Boa tarde, caros colegas.
Antes de mais Parabéns pelo vosso blog, é sempre um prazer para mim ver iniciativa da nossa classe profissional.
No que diz respeito a este post em concreto e à posição do Dr. Barkley, penso que existe alguma confusão ainda entre os psicólogos nesta questão do biológico e do psíquico.. é que isto do psíquico até baralha as pessoas que estão fora da Psicologia! Parece que estamos a falar de uma espécie de alma que habita nem sabemos bem onde. Na realidade tudo é biológico e quando falamos em psíquico, queremos dizer cerebral. Porque tudo acontece no cérebro, independentemente da causa ser biológica ou psicológica. Aqui reside a grande diferença.. na causa e não na manifestação. Concerteza que a hiperactividade é uma desordem neurológica.. mas com variadas causas (biológicas, psicológicas, sociais/culturais).
Por vezes é o discurso dos próprios psicólogos que mistifica a nossa ciência! Temos que aprender a transmitir aos outros, aquilo que verdadeiramente fazemos, mas não sabemos exlicar.

Vera Lisa Barroso

HBrandão disse...

Independente da sua etiologia, não podemos dissociar o mal estar do sintoma da subjetividade daquele que o porta. Como bem nos lembra Untoiglich (Correio da Appoa, 2006), por trás das dificuldades escolares, da falta de organização, da hiperatividade, da desatenção e da impulsividade há um criança que sofre, uma família que padece e uma instituição escolar que não encontra o modo de responder às demandas que dele se exigem.
Então, é preciso oferecer à criança, tomada na sua subjetividade, um espaço clínico em que sua angústia seja escutada e encontre escoamento pela via da palavra.