Os filhos que saem aos pais...
A construção da identidade nas crianças
Não é preciso trabalhar com crianças e com
pais para reflectir sobre a construção da identidade, basta lembrarmo-nos da
nossa infância ou adolescência e com facilidade encontraremos expressões que,
inevitavelmente, influenciaram a construção da nossa identidade.
Desde já faço a ressalva que não discutirei
aqui a inegável importância da genética na construção da identidade, uma
identidade biológica. Defendo, por outro lado, que restringir a identidade a
este aspecto, não só conduziria a uma leitura pobre e limitada, como implicaria
não reconhecer a importância fundamental das experiências emocionais vividas e
da própria criatividade individual.
Para melhor compreender o processo da construção
da identidade sugiro partir do modelo proposto pelo professor António Coimbra
de Matos. Este modelo sustenta que a construção de identidade dá-se a três
níveis de relação com o outro. O primeiro nível de identificação,
imagóico-imagético, é aquele que se constrói através das atribuições da mãe/pai
ou do mundo, isto é, a forma como o bebé se vê a si próprio é resultado das
expectativas do outro, em particular, da mãe. O bebé assimila a imago e a
imagem que a mãe atribui, sendo que imago é aquilo que é menos consciente e
imagem é aquilo que é mais consciente. Este nível pode prolongar-se pela vida,
existindo mesmo indivíduos cuja identidade é quase só construída através deste
processo. Ora a frase que dá título a este artigo pode ser um excelente exemplo
como esta assimilação acontece. Note-se que o desejo da mãe ou do pai pode ser
tão categórico, ou ainda o desejo de suprimir os desejos do filho tão
determinante, que o filho, tenha, ou não, determinadas aptidões ou
características, está destinado ao fracasso ou à glória, resultado de ditaduras
sentenciais que podem apenas corresponder ao desejo materno ou paterno. Veja-se
então, um pai ao dizer repetidamente a um filho “o meu filho é igualzinho ao
pai, não tem jeito nenhum para isto ou para aquilo”, mesmo que, neste filho, a
falta de aptidão não fosse assim tão evidente, a partir do momento de assunção
do pai há uma atribuição à criança que pode ser assimilada, impedindo-a de
outras explorações e descobertas.
Outro processo de identificação, o mais comum
classicamente na psicologia, será o de identificação de modelos (xenomórfica),
a criança identifica-se com os modelos; com o pai; com a mãe; com a tia; com o
avô, com os professores... Constrói a identidade através dessa identificação:
os filhos que querem ser médicos como os pais; ou outro exemplo mais
ilustrativo: as crianças que querem jogar futebol como o Cristiano Ronaldo.
Quantas e quantas vezes já vimos entrevistas a crianças com estas
representações presentes
Por último, o processo de identificação mais
importante e consistente é a identificação ideomórfica. A criança identifica-se
com o que é, com o que sente e com o que deseja ser, através dos próprios
atributos morfológicos e do seu sentir. Esta última identificação acontece mais
tarde nas crianças, é preciso passar pelos outros dois níveis de identificação.
A criança aqui tem espaço para a criatividade, para a descoberta, para a
exploração e parece ser o processo mais completo, que causa maior satisfação.
Pensar a construção de identidade ajuda os
pais a facilitarem este último nível, em que a criança deseja ser diferente dos
pais, a criança descobre novas respostas e retira satisfação desses encontros.
Um papel importante dos pais neste processo será ajudar os filhos a desvendar
os seus próprios desejos. Diria ainda, que essa também é uma função importante
do psicoterapeuta.
É também importante compreender que estes
processos não são estáticos e desenvolvem-se ao longo da vida, sendo por vezes
uns mais relevantes do que outros em alguns momentos.
Madalena Motta Veiga
Psicoterapeuta Psicanalítica
Psicóloga Clínica no Departamento de Infância