segunda-feira, janeiro 08, 2007

As três etapas ou estádios diferentes ao longo da Infecção por VIH


Este post surge da necessidade de esclarecer algumas confusões quando se fala da Síndrome de Imunodeficência Adquirida (SIDA), visíveis nalguns discursos de técnicos de saúde.
Contrair a infecção por VIH não significa contrair SIDA. A pessoa infectada pode permanecer em média 15 a 20 anos sem sintomas (razão pela qual pode desconhecer que tem a doença), mas pode transmitir o VIH por via sexual (sem preservativo), por via parentérica (que resulta da inoculação ou injecção directa de sangue infectado) e por transmissão vertical (da mulher grávida infectada para o recém-nascido). Esta última suscita ainda algumas confusões graves, pois existem obstetras que, ou a desconhecem (tenho algumas dúvidas) ou que estão carregados de crenças e medos, mas que pela extensão do tema discutirei num outro post.
Retomando o tema, nas situações por VIH, 5 a 8% das pessoas infectadas poderão não evoluir para o estádio de SIDA.
O VIH quando entra no organismo humano desenvolve-se, após o período de incubação (intervalo de 3 semanas a 3 meses – no máximo 6 meses – que medeia entre o contacto com o VIH e o desenvolvimento dos primeiros sinais e sintomas), em três etapas diferentes ao longo do tempo:

1. Infecção primária, designada também por infecção aguda;
2. Período de infecção assintomática (infecção sem sintomas importantes);
3. Período sintomático que se subdivide em:
- período sintomático com sintomas e sinais constitucionais;
- Síndroma da Imunodeficiência Adquirida (SIDA).

Em cada um destes estádios, os efeitos e os sintomas que o VIH provoca no organismo são diferentes.

1. Infecção primária ou aguda por VIH
Findo o período de 3 semanas a 3 meses (máximo 6 meses) após o contacto com o VIH, a pessoa desenvolve, um conjunto de sinais e sintomas, não específicos, que só serão suspeitos de infecção por VIH se a pessoa referir uma possível exposição àquele vírus. Os sintomas mais referidos são: febre, dores musculares, erupção na pele, suores nocturnos, dores nas articulações, dores de garganta, aumento do tamanho dos gânglios linfáticos, úlceras na boca. Geralmente, os sinais e sintomas duram, em média, cerca de duas semanas e desaparecem sem deixar qualquer tipo de consequência. Estes sintomas desenvolvem-se porque se conclui o ciclo de multiplicação de VIH nos gânglios linfáticos, lançando para o sangue periférico cerca de 100 milhões de partículas de vírus por dia, que se dispersam pelo corpo, e porque o organismo produz anticorpos e outras substâncias para combater esta intensa actividade de multiplicação de VIH, o que explica o altíssimo risco de transmissão.

2. Período de infecção assintomática
Este período sem sintomas gera alguma confusão nas pessoas, sobretudo quando o relacionam com o tempo necessário para se efectuar o diagnóstico desta infecção.
O diagnóstico de infecção por VIH é efectuado 3 semanas a 3 meses (no máximo 6 meses) após exposição ao vírus, mesmo quando não apresenta sintomas.
O período assintomático desenvolve-se depois da infecção aguda e o doente pode permanecer sem qualquer sintoma, em média, durante 15 a 20 anos, necessitando de ser regularmente acompanhado pelo médico assistente. Durante este acompanhamento avalia-se os efeitos que o VIH exerce sobre as células que são responsáveis pelas defesas no organismo, entre as quais os linfócitos CD4 (que têm como função regular e defender o nosso organismo contra a invasão de agentes causadores de doenças) e avaliar a intensidade com que o VIH se multiplica, através da quantidade de carga vírica. Da conjugação dos valores obtidos com a situação clínica e com a sua capacidade para iniciar tratamento, define-se em equipa multidisciplinar, quando ela existe (médico infecciologista, psicólogo, enfermeiro, assistente social), o melhor momento para se começar a terapêutica anti-retrovírica.

3. Período sintomático
Com o passar do tempo, as células CD4 vão diminuindo em número ou a sua função poderá ficar perturbada, e o doente começa a desenvolver sintomas como febre prolongada, aumento dos gânglios linfáticos (pequenos “caroços”) no pescoço, nas axilas e nas virilhas, suores nocturnos, perda de peso sem motivo aparente, cansaço, diarreia arrastada, em que alguns sintomas são chamados de constitucionais. Este período sintomático inicial é, por isso, chamado de período sintomático com sintomas e sinais constitucionais.
O estádio mais avançado da infecção por VIH é designado por SIDA, que se caracteriza pelo aparecimento de um conjunto de infecções ou tumores oportunistas, que aproveitam o facto das defesas estarem enfraquecidas para se desenvolverem em vários órgãos ou sistemas. São exemplo de infecções oportunistas a tuberculose pulmonar ou localizada noutro órgão que não o pulmão, a pneumonia por um agente chamado Pneumocystis carinni (actualmente Pneumocystis jiroveci) e infecções provocadas por algumas espécies de fungos, como Cândida, que provocam lesões formadas por pequenas placas esbranquiçadas aderentes na língua, bochechas, gengivas, véu do paladar, candidose oral, e esófago, candidose esofágica. O sistema nervoso central também pode ser atingido por infecções e tumores oportunistas, sendo a mais frequente a toxoplasmose cerebral (reactivação de uma infecção adormecida no cérebro, provocada por um agente que a maior parte das pessoas terá contraído na infância e que reaparece porque a capacidade de defesa está diminuída pela agressão causada por VIH) e a meningite criptocócica, provocada por um fungo designado Cryptococcus neoformans. Os tumores oportunistas mais frequentemente referidos são o Sarcoma de Kaposi (quando se localiza na pele, manifesta-se através de nódulos salientes de cor violácea, em áreas visíveis do corpo, como o dorso do nariz, fronte, pálpebras, ou em qualquer outra parte do corpo como boca, tubo digestivo, pulmões e órgãos sexuais), os linfomas, mais no sistema nervoso central e, nas mulheres, o cancro do colo do útero, pelo que é fundamental efectuar, regularmente avaliação ginecológica.
Nas situações de imunodeficiência avançada, os doentes podem desenvolver lesões nos olhos, provocados por um agente designado citomegalovírus, que se não tratado a tempo, poderá provocar cegueira e dispersar-se por várias áreas do corpo, entre as quais o cérebro, causando encefalite. O VIH pode atacar as células do sistema nervoso central, provocando um complexo demencial associado à SIDA, que é responsável por queixas como esquecimento, apatia, perturbações do comportamento, dificuldades de tomar decisões, problemas de coordenação dos movimentos, entre outros.
Daí que qualquer profissional de saúde que trabalhe nesta área tenha conhecimento aprofundado sobre todas as possíveis alterações, de forma a acompanhar o paciente em todas as mudanças físicas e/o psicológicas decorrentes do VIH.
O post vai bem extenso, mas penso que ficaria incompleto se não descrevesse todos os estádios desta infecção. O impacto psicológico terá que ficar para depois, mas deixo aqui o desafio de irem pensando sobre esta doença que continua a ser uma epidemia que alastra por todo o mundo.

domingo, janeiro 07, 2007

BABEL

Há que ir ver Babel, o filme de Alejandro González Iñarritù. Um estúpido, mas grave, incidente em Marrocos, que envolve dois miúdos, articula-se com o caos em Tóquio e na fronteira entre o México e os USA. A globalização está aí, com os lados bons e maus que sempre acompanham as coisas da vida. E depois, é o irracional, a violência, por vezes o pânico, a incapacidade de comunicação que comanda o jogo. Não há nem bons nem maus, só imprevidentes. Que somos todos nós. A miúda em Tóquio está, à sua maneira, tão desamparada como o rapazito marroquino que quer ser homem e atira a matar. Há também lugar à generosidade, à compaixão. Ou à mais absoluta indiferença. Enfim, é a nossa história e a nossa condição. O desamparo da espécie humana diante das agruras da vida. E como prevê-las? Alguém sabe? Como estar preparados para o pior, sem cair na paranóia? Como estar vigilante sem cair na obsessão? Enfim, é sempre a mesma pergunta que o Homem se coloca há milhares de anos: como viver?
PS:
O filme foi premiado no Festival de Cannes (o que nem sempre é garantia, mas desta vez acertaram). Conta com os desempenhos de Brad Pitt e Cate Blanchett. Está em exibição em vários cinemas do país.

POEMA

No post sobre o microcrédito, que só uma pessoa comentou (obrigada, Pedro! Mas já desconfiava que o assunto não era agradável), tinha prometido divulgar um poema do Henley. Aqui vai. Se por caso alguém tiver dificuldade no inglês, terei muito gosto em ajudar. Em poesia, que vive sobretudo da metáfora, se não se percebe uma palavra, às vezes não se consegue apreciar devidamente o conjunto. Mas também existem os dicionários, claro. E há alguns óptimos na net.

INVICTUS
By William Ernest Henley. 1849–1903

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

É lindo, não é?
Agora vêm as más notícias. Este era o poema preferido de um homem chamado Timothy James McVeigh, de que talvez se lembrem. Era o bombista de Oaklahoma (nesse atentado, em 1995, morreram 168 pessoas). Foi executado em 2001.
Pois é, também o comandante de Auschwitz, Höss, era um melómano e Hitler era louco por Wagner. A alma humana (no sentido de psyche) é abissal.
Desculpem lá o balde água fria.

Caixa para guardar o vazio.


Vai realizar-se, a partir de 3 de Fevereiro e através do CENTRO DE PEDAGOGIA E ANIMAÇÃO do Centro Cultural de Lisboa (CCB) um conjunto de três oficinas diferentes, a partir da escultura performativa, criada pela artista plástica Fernanda Fragateiro.

As oficinas destinam-se a um público infantil, embora uma das oficinas possibilite a participação de toda a família.

Só pelo nome, mereceu toda a minha atenção!
Oficina CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO!

Mais informações em http://www.ccb.pt/ccb/

quarta-feira, janeiro 03, 2007



Aproveitando o tema do post anterior: Ano Novo, Vida Nova!

Este ano, talvez mais do que nunca, tive a percepção do quanto é organizador finalizar um ano e iniciar outro.

Começamos pelos desejos, o que nos renova as esperanças de que este ano é que vai ser!!!!! Reorganizamos as agendas, inscrevemo-nos nas aulas de dança, compramos um novo livro, tentamos deixar de fumar, etc etc.
A mudança de ano oferece-nos a possibilidade de recomeçar qualquer coisa, abandonar o que correu menos bem no ano anterior e limpar a casinha para novas vivências.
Antes de dia 31, fazemos uma retrospectiva do que foi o ano anterior, aproveitamos para fazer alguns lutos, para reter algumas aprendizagens e no fundo seleccionamos o que queremos virtualmente levar connosco para este novo ciclo.

E afinal, em apenas um minuto: Fecha-se um ciclo e abre-se um novo!

Um feliz ano para todos!!!

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Ano Novo Vida Nova!



Esta é uma frase que ouvimos com frequência nesta altura do ano. Mas que significado poderá ter na nossa vida?

Poderíamos dizer simplesmente que não vamos cometer os mesmos erros do passado, afinal há tantos erros novos para cometer, porque não inovar?

Será que no passado procuramos as causas dos nossos erros, ou seja, fizemos um trabalho de consciencialização dos nossos actos? Se o fizemos, parabéns! Temos fortes hipóteses de mudar alguma coisa na nossa vida. Se não, temos pena mas a nossa vida será mais ou menos a mesma coisa em 2007.

Será que na sofreguidão de comer as 12 passas e pedir os 12 desejos tivemos tempo de fazer uma análise, por muito breve que seja, do ano de 2006?
Creio que a maioria de nós se centrou nos desejos… eu por mim só pedi um e coloquei todas as passas na boca só de uma vez!

Se tivessem que escolher apenas um desejo, qual escolheriam?

P.S.) Não vale pedir mais 1000 desejos!!!

quinta-feira, dezembro 28, 2006

8 Factores de burnout no casamento.




Segundo Pines (1996) existem oito factores chave para o desenvolver do burnout conjugal. Passarei a enumera-los:

1- As pessoas que acreditam no amor romântico esperam do compromisso da sua vida, um sentido muito significativo.
2- Há uma relação directa entre o amor romântico e o burnout. Estar apaixonado é o estado inicial e o pré-requisito para o processo de burnout.
3- Apesar da singularidade da experiência de estar apaixonado, o “como” e o “porquê” da experiência são universais.
4- Existe uma interacção entre os parceiros e o ambiente. Não é a maneira de ser do parceiro que causa o burnout, mas antes a destruição de um ideal romântico frente a stressores situacionais que são erradamente atribuídos ao companheiro.
5- O ambiente não é a totalidade da realidade objectiva externa. Cada um de nós experiência uma percepção subjectiva representativa do mundo.
6- A esperança que o amor romântico resulte, é marcada pelos valores culturais, vem das expectativas pessoais e faz parte do sistema de crenças. As expectativas são activadas quando as pessoas se apaixonam e assumem a sua maior expressão quando é assumido um compromisso. Esta esperança exerce um efeito poderoso na relação, particularmente quando inconsciente e não abertamente verbalizado. A força deste efeito é sobretudo, pela sua forte associação à essência da vida.
7- A frustração das expectativas românticas causa amargura, desapontamento e com isso a erosão no amor e no casamento. De qualquer maneira, a realização de expectativas não é por si só uma garantia contra o burnout. As ideias românticas podem ser frustradas com a pessoa, no entanto, podendo ainda manter um sentido à essência da vida.
8- A interacção entre o casal e o ambiente percebido, pode ser positiva ou negativa, para a relação amorosa. No melhor dos casos, existe um equilíbrio entre segurança e desenvolvimento, traduzindo-se numa relação amorosa em crescimento, daí provem vida com sentido e significado. Na pior das circunstâncias advém a morte do amor, o burnout conjugal.

Este post já vai extenso e como tal comentarei apenas o primeiro ponto.
A expectativa criada à volta de um relacionamento pode ser a corda que o vai estrangular a longo prazo. Ou seja, se não estivermos cientes que o nosso bem-estar psicológico depende unicamente de nós, estamos a atribuir ao outro a responsabilidade mágica da nossa felicidade.
E isso é uma responsabilidade do tamanho do mundo!

Portanto, a vida não é apenas a relação conjugal… é muito mais que isso. E pode nem ter uma relação conjugal, que continua a ser uma vida com alegria e significado para o sujeito.

terça-feira, dezembro 26, 2006

"Silentiu"


Ao pensar no valor do silêncio, no lugar que o silêncio ocupa na relação terapêutica, o que surge de imediato à memória?

Se para uns, tal é sentido como um desconforto, para outros, certamente que não o é.

Será que o silêncio ocupa o lugar da palavra ou sobrepõem-se ao lugar do próprio silêncio?

Parece-nos que existem muitos "silêncios". O silêncio daquele que pensa falar mas não fala por opção, daquele que não consegue falar e daquele que simplesmente não quer falar. Também poderá haver o silêncio daquele que não lembra "a palavra". E ainda, aquele silêncio que surge nas reticências das palavras ditas.

Actualmente, no contexto e ritmo das ditas sociedades ocidentais, "civilizadas", urbanas, etc e tais, onde se encontra o silêncio? Que significado se atribui?

Deixemos as palavras de quem escreve sobre o silêncio:

"...o silêncio deixa de afirmar, escuta, demora-se npos objectos insignificantes, não em arcas e armários, em bibelots, cofrezinhos, não somos a gente a ouvi-lo, é ele a ouvir-nos a nós, esconde-se na mão que se fecha, numa dobra d etecido, na gaveta onde nada cabe salvo alfinetes, botões, pensamos ' vou tirar o silêncio dali'...

António Lobo Antunes
"Ontem não te vi em Babilónia"

sexta-feira, dezembro 22, 2006

O MICROCRÉDITO E O CRÉDITO QUE DAMOS A NÓS PRÓPRIOS

Alguém sabe o que é o microcrédito? Eu tinha lido umas (poucas) coisas sobre isso há uns meses atrás quando o prémio Nobel da Paz foi atribuído a um economista, o Prof. Yunus. Como me apeteceu saber mais, fui assistir há alguns dias a uma conferência, aberta a qualquer pessoa, sobre o assunto.
Então, o que fez este professor de economia para merecer o Nobel da Paz? Tudo começou há cerca de trinta anos, no Bangladesh. Impressionado com a pobreza à volta da universidade onde dava aulas (não era preciso ir mais longe), ele inventou formas de dar às pessoas possibilidade de se organizarem e conseguirem montar os seus próprios pequenos negócios, saindo de uma situação de pobreza extrema. Um dos problemas dos pobres, raciocinou o Prof. Yunus, é não conseguirem obter empréstimos bancários dos bancos tradicionais. Porque, como se sabe, esses bancos só emprestam a quem pode dar “garantias” (se for uma hipoteca, ainda melhor). O Banco Gremeen, criado por Yunus, concede hoje empréstimos a 7 milhões de pobres ou ex-pobres, muitos dos quais são seus mutuários. De forma acumulada, o Banco Gremeen já concedeu até hoje empréstimos no total de 6 biliões de dólares e tem uma taxa de reembolso de 99%! (Isto é, 99% dos empréstimos são pagos. É uma taxa muito boa). É financeiramente auto-suficiente – não recebe donativos desde 1995. E atribui 30.000 bolsas de estudo por ano.
E que têm o Prof. Yunus, o microcrédito e os pobres do Bangladesh a ver com psicologia, perguntar-se-á. Têm tudo.
O Professor Yunus não se pôs a pensar em termos de caridade ou de subsídios do estado como resposta para a pobreza (embora também não se fizesse rogado a ajudas e subsídios). É um bocado como aquela história da diferença entre dar o peixe ou ensinar a pescar o peixe. O Prof. Yunus tinha, e tem, a convicção de que as próprias pessoas se tinham de organizar para desenvolverem uma actividade ou um pequeno negócio. E isso às vezes é mais complicado do que se pode pensar. Tem a ver com a vontade de prosseguir um objectivo, de trabalhar para isso, de assumir as responsabilidades pelas decisões tomadas, de conseguir ultrapassar as inevitáveis frustrações, de ter a humildade de reconhecer um problema e corrigir o rumo, de saber aceitar a ajuda de quem eventualmente saiba mais. Em termos de psicologia de organizações, chamamos também a isto “empowerment”. Não é só ter poder. É mais do que isso. É saber usar o poder, principalmente o poder sobre si próprio. O poder de sermos nós próprios, com as nossa fraquezas e as nossas forças. O poder de criar alguma coisa, de fazer aquilo que sonhámos. O poder de se ser capaz de pagar o preço por uma decisão errada e recomeçar tudo de novo. Ninguém disse que era fácil. Mas o exemplo das pessoas que trabalham neste projecto mostra que é possível.
Conhecem o poema do W. E. Henley com o título “Invictus”? Para a semana reproduzi-lo-ei, porque agora este post já vai longo. E, entretanto, se quiserem saber mais sobre o “milagre” do microcrédito, que não é milagre nenhum – ou talvez sim, talvez seja um milagre de criatividade do Prof. Yunus e dos 7 milhões de mutuários– vão ao site da Planet http://www.planetfinance-portugal.org ou ao da Associação Nacional de Direito ao Crédito, www.microcredito.com.pt.
Também há microcrédito em Portugal. Para quem tiver um projecto…

domingo, dezembro 17, 2006

Burnout no Casamento.



È interessante verificar que as questões do Amor e dos relacionamentos estão cada vez mais a ser objecto de estudo. Está a tornar-se cada vez mais raro serem os poetas e os filósofos a debater e escrever acerca deste tema apaixonante que são as relações a dois!

Assim cabe-me comentar um texto de um investigador, em vez de me deleitar com a beleza das descrições românticas de um poeta.

Para Pines (1996) o “burnout conjugal apresenta-se em três componentes: exaustão física, exaustão emocional e exaustão mental.
A exaustão física caracteriza-se por um cansaço crónico cuja reposição fisiológica pelo sono não é suficiente. Tipicamente as pessoas vitimas de burnout acordam exaustas à segunda-feira, muitas vezes de pois de passar o final de semana quase na totalidade na cama.
O sono é perturbado por pesadelos e por dificuldades em adormecer. O cansaço físico é acompanhado de alguma irrequietude e agitação. Algumas pessoas chegam a ficar violentamente agitadas e quando se lembram das palavras grosseiras ou de actos irreflectidos proferidos pelo parceiro.
Alguns tem que tomar medicação para dormir, outros optam pelo consumo de bebidas alcoólicas, o que se traduz em muitas circunstâncias de soluções parciais visto que na manhã seguinte vão acordar ressacados, ainda mais cansados e com cefaleias!”

Não me irei alargar agora para as outras componentes do burnout conjugal, visto que esta pequena descrição nos serve reflectir acerca da escolha e manutenção dos parceiros de relação.

Ainda segundo Pines, o amor romântico tem uma probabilidade maior de sofrer de burnout conjugal, que aqueles que se juntam de um modo mais racional.
Animador não é?

Ou seja, por um lado temos uma sociedade de consumo em o amor romântico é vendido como objectivo ultimo a atingir, baseado na compra dos últimos acessórios de moda claro! Por outro lado temos a investigação a salientar que quem vai para uma relação à espera de encontrar sempre o parceiro impecável, bem disposto, e a corresponder ás nossas expectativas vai passar um mau bocado!

Por isso neste natal temos que pensar qual é a prenda que vamos pedir ao senhor das barbas brancas. “O par ideal… ou um companheiro real!”


Eu por mim peço sempre alguém realmente ideal!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

OS BONS E OS MAUS ALUNOS

Li há dias num jornal diário uma notícia a propósito de uma jovem de 18 anos, do norte do país, que tinha tido média de 20 valores no secundário e de 19,4 no acesso ao ensino superior. Chamou-me a atenção o facto de o artigo referir que a Ana Catarina (assim se chama esta brilhante aluna) era “insatisfeita por natureza”e “perfeccionista”. E mais adiante a Ana Catarina diz: “gosto de aprender e pouco de marrar”. E tanto deve gostar que, além de estudante de medicina, é membro da tuna da universidade, frequenta um curso livre de piano, estuda canto, pratica natação, não passa um dia sem ir à internet ainda tem tempo para ir ao cinema e sair com os amigos. Não vê televisão. “É um tempo que não gasto”, explica.

Fiquei a pensar nisto. Porque é que há pessoas que parecem ter tempo para tudo, até para aprender coisas novas, e outras que se queixam (como frequentemente ouço) de que não conseguem fazer nada? Será de facto uma questão de tempo? Não estou a pensar obviamente numa mãe assoberbada com filhos pequenos e que gasta horas na camionete par ir e vir do trabalho. Estava a pensar nas raparigas e nos rapazes com mais ou menos a idade da Ana Catarina que, como eles próprios confessam, passam horas a olhar apaticamente para a televisão ou a fazer zapping. E depois sentem que não conseguiram fazer nada todo o dia, sentem-se culpabilizados com isso e deprimidos com o que consideram ser uma incapacidade. Julgo que a principal razão para este tipo de queixa pode ter a ver com a desmotivação. Mas o que é a desmotivação?

A desmotivação tem a ver com a falta de interesse pelo mundo (tanto interior como exterior), com uma falta de curiosidade e de vontade de querer saber mais, que muitas vezes surge ligada a uma condição depressiva ou mesmo a uma depressão. Nestas situações, a criatividade fica também empobrecida, não apetece fazer nada, não há gosto por nada.

Trata-se de uma condição bastante frequente no final da adolescência e no início da idade adulta, embora possa aparecer em qualquer altura. As causas podem ser variadas, sendo necessário por vezes algum tempo até o terapeuta e a própria pessoa perceberem a que poderá estar ligada. É bom que haja a coragem, em qualquer idade, para reconhecer e enfrentar esta situação e tentar recorrer a uma ajuda profissional. É que às vezes o estado depressivo é tão avassalador que nem permite à pessoa interrogar-se e tentar descobrir o que poderá fazer por si própria.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

O Lugar da Psicologia

A amostra não é seguramente representativa daquilo que é o entendimento da maioria dos “académicos da filosofia”, mas talvez não se tratasse de uma coincidência... Estou a referir-me à mesma opinião que retive de dois (respeitáveis) catedráticos daquela área num intervalo de tempo relativamente curto. Irados, referiam-se à psicologia como uma disciplina pouco ou nada científica, e ao carácter pernicioso da uniformização de comportamentos pela distrinça entre o “normal” e o “patológico”, só para dar alguns exemplos…

Duas vetustas individualidades da filosofia (que aqui compreensivelmente não identificarei), de duas faculdades de filosofia e uma só opinião. As questões levantadas não são nada em que alguns autores da psicologia não se tenham já detido, mas onde radica esta aversão quase visceral? Enquanto pensava nisto ocorreu-me a parábola do filho pródigo. Porquê? Concorde-se ou não, apesar da sua curta história, a psicologia foi “pródiga” em valer-se de um vasto património herdado do saber filosófico, mas ao contrário do que acontece com a conhecida parábola, esta parece ser uma ciência, heterogénea é certo, mas muito determinada nos objectivos que persegue. Terá a psicologia operacionalizado (melhor ou pior) conceitos milenarmente associados à filosofia ou, como a opinião dos ilustres investigadores nos leva a crer, tê-los-á delapidado? Está aberta a discussão!

domingo, dezembro 10, 2006

Bion diz "Sem memória" e não "Sem recordação"

Recomendo vivamente a leitura do livro Bion e o futuro da psicanálise de Antonio Muniz de Rezende (Papirus Editora).

No capítulo 9 intitulado sem memória e sem desejo, o autor faz uma abordagem minunciosa e explicativa de uma entre tantas outras "verdades" de Bion.

A etimologia da palavra re-cor-dar é "Re", que significa repetição; "Cor" é coração; e dar. Assim, a recordação é uma memória muito especial, que "dá de novo ao coração" ou que "torna presente o que esteve guardado no coração".
A recordação não é um simples armazenamento de dados sensoriais, mas caracteriza-se pela permanência do vínculo afectivo; sendo que, a grande mudança que ocorre durante uma psicoterapia, é a transformação-por meio do processo de simbolização- da memória de dados sensoriais em "recordação" (na medida em que passa pelo coração) .

Vejam como Rubem Alves, nos diz isto de forma poética...

Os meus desejos, não é preciso que ninguém me lembre deles. Não precisam ser escritos. Sei-os (isto mesmo, SEIOS!) de cor. De cor, quer dizer no "coração". Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

A mudança, essa grande desconhecida

Se há palavras que todos nós, independentemente da profissão, ouvimos todos os dias são estas duas: stress e mudança. É o escritório que vai mudar de instalações para um local mais barato fora de Lisboa (e agora que vou ter de levar o carro, onde é que arranjo lugar quando voltar ao fim do dia? Vão ser as intermináveis voltas ao quarteirão…). É a empresa que foi comprada pelos espanhóis (e consta que vão despedir pessoas, porque alguns serviços continuam em Madrid). É a filha que não acerta no curso (agora quer ir estudar cinema! E onde é que ela depois vai arranjar emprego?). É o marido a quem fizeram uma proposta de rescisão de contrato de trabalho (tem 48 anos, o que ele é ele vai fazer em casa?). É a mulher que sente chegar a menopausa e os horríveis afrontamentos (o meu corpo está a mudar, já não o entendo. E estou a engordar. Tenho de ir para o ginásio). É o homem na casa dos cinquenta que se inquieta com algumas dificuldades na erecção (e agora? E eu que estava a pensar fazer uma aproximação aquela rapariga das relações públicas, que é gira que se farta. E se depois não me aguento? Já me falaram no Viagra…). É a mulher a quem o marido subitamente anuncia a decisão de se divorciar (depois de vinte anos de casados, assim de repente? Agora que já estou a ficar velha para arranjar outro… Ele diz que temos feitios incompatíveis, interesses diferentes, mas só agora é que descobriu? Já me disseram que há outra, embora ele negue, claro). É o executivo bem sucedido que de repente se vê confrontado com a “escolha” – que não pode recusar – de ter de ir trabalhar para um país estrangeiro (e que faço eu aos miúdos? E a Luísa? Agora que foi promovida, não vai com certeza querer ir). É o engenheiro que marca passo na empresa (dizem que eu sou conflituoso e que não me quero adaptar às novas tecnologias. Mas onde é que eu vou arranjar tempo para estudar se passo a minha vida a evitar que me façam a cama lá no emprego? E também já não tenho cabeça para aprender coisas novas. Ainda por cima está sempre tudo a mudar…). É a mulher cuja mãe, viúva e com oitenta anos, começa a ter dificuldades de locomoção (e agora? Como é que a levo lá para casa? O Rui nunca se deu bem com ela. Ia ser um inferno. Mas não posso deixá-la morrer sozinha. Ainda acabo divorciada à pala disto). É a mulher de cinquenta anos, com sucessivas depressões, que vê os filhos saírem de casa (e agora, que faço eu? O Manel diz que eu devia trabalhar, para me entreter. Mas fazer o quê? Nunca trabalhei, a não ser durante uns meses como secretária antes de me casar. Ele nunca quis que eu trabalhasse. Que vou eu fazer da minha vida? Ninguém quer saber de mim. Muito menos o Manel, que só pensa no trabalho).

Estes são apenas exemplos das nossas perplexidades como homens e mulheres. No fundo, tudo gira à volta da incerteza e da dificuldade que temos em lidar com ela. A incerteza é sempre geradora de ansiedade, quando não mesmo de dor psíquica. O ser humano prefere em geral o familiar, o conhecido, mesmo que não se sinta satisfeito com a vida que leva. Até há quem diga que o stress mata. Ou que engorda. Ou que emagrece. Ou que envelhece, faz rugas, dá um ar pesado. Centenas, milhares de artigos se escrevem todas as semanas sobre o assunto, por esse mundo fora.

No fundo, todos nós gostaríamos de ter mais controlo sobre as nossas vidas. Mas como consegui-lo se, precisamente, as coisas surgem quando menos esperamos?

A psicoterapia não é uma panaceia para os males da alma, ansiedade incluída. Mas que ajuda, ajuda. Pode, se for bem sucedida, tornar o sofrimento mais tolerável, permitir encontrar pequenos (ou grandes) prazeres, ajudar a percebermos melhor a nós próprios e aos outros, aumentar a nossa iniciativa e autonomia e a nossa capacidade de tomar um pouco mais a nossa vida nas nossas mãos.

(Nota: qualquer semelhança entre os exemplos descritos e a realidade é pura coincidência)

domingo, dezembro 03, 2006

Relação Conjugal e Intimidade

“É das nossas experiências relacionais que aprendemos sobre nós próprios e sobre o mundo, e é à luz destas experiências que podemos rever o nosso mundo interior.
Cada elemento tem um padrão de intimidade e de vinculação desenvolvido ao longo da sua vida que vai actualizar, consolidar e, simultaneamente co-construir. Por sua vez, esta co-construção depende da forma como cada um consegue ser e estar na relação, e como a dinâmica entre o ser e o estar acontecem na relação” (Costa, 2005).

A intimidade tem o seu início na infância. A criança, no seio da sua família e, mais tarde, noutros elementos de referência, vai construindo uma imagem de casal, tal como uma imagem de si própria e de si na relação com os outros, que vai reformulando ao longo do seu desenvolvimento.
São várias as investigações nesta área cujos resultados sugerem que a imagem que a criança tem das relações dos pais quer como casal, quer como pais, parece ter uma função preditiva das relações futuras com os outros e consigo própria. Parece ainda existir uma associação significativa e positiva entre a percepção de satisfação conjugal dos pais e a qualidade do laço emocional, e negativa com a inibição da exploração (Oliveira & Costa, 2002).

Sabemos que amar e ser amado parece ser condição indispensável para a construção do self ao longo do ciclo de vida e para a capacidade de estabelecer relações de intimidade.
Quando diferentes circunstâncias impedem este processo, o indivíduo responde com mecanismos de auto-protecção que representam em cada momento as respostas possíveis, que, contudo, podem interferir no processo de construção do self e na capacidade de ver os outros como fontes de apoio, segurança e auto-regulação. Se estiver carregado de experiências negativas, serão estas que tenderão a ocorrer, consciente ou inconscientemente, na forma como o indivíduo se situa perante a intimidade. Neste sentido, as relações de intimidade ocorrem em sistemas existentes, que realçam, contrapõem ou chocam com outros pré-existentes.

Os problemas relacionais ocorrem, frequentemente, quando em momentos de crise, o casal tende a utilizar padrões de funcionamento interiorizados de que não está consciente e que colidem com os do outro. Isto é, o sistema de vinculação é activado e a resposta da figura de vinculação não satisfaz as necessidades (Costa, 2005).

Parafraseando Virgílio Ferreira, o importante não é o que acontece, mas o que acontece em nós desse acontecer. Trabalhar a relação de casal envolve procurar entender o que acontece em cada elemento do casal, de todo o acontecer de uma vivência de relações significativas ao longo do processo de desenvolvimento, permitindo-nos aceder aos meta-significados. Facilitando, assim, o auto-conhecimento individual e relacional criando condições para que cada elemento do casal possa desempenhar um papel mais activo na construção de mudanças para o desenvolvimento da intimidade, e na reconstrução dos modelos do self e do outro, e do self com o outro.

Idiossincrasia? Narcisismo? Egoísmo? ou simplesmente Ódio Necessário?

"Estavam alguns homens debaixo de uma grande árvore. E um dos homens tinha olhos para ver. E ele viu: no cimo da árvore havia um pássaro, magnífico na sua beleza essencial. Os outros não o viam. mas o homem foi assaltado por um violento desejo de conseguir chegar até junto do pássaro para o apanhar; não conseguia ir-se embora dali sem o pássaro. Todavia, como a árvore era alta, ele não podia lá chegar, e não tinha escada. mas sendo tão poderoso o seu desejo, a sua alma encontrou uma maneira. Ele puxou os homens que ali se encontravam e pô-los uns sobre os outros, cada um deles sobre os ombros de um companheiro. Ele pôs-se lá no alto, por cima deles todos, de tal modo que conseguiu chegar até junto do pássaro e o agarrou. Os outros, tendo embora ajudado aquele homem, não sabiam nada acerca do pássaro e não o viam. Mas ele, que sabia que o pássaro estava ali, e que o via, não teria podido chegar até ele sem os outros. Se aquele que estava na base da torre tivesse abandonado o seu lugar, o que se encontrava lá em cima teria necessáriamente caído."

Ódio Necessário de Nicole Jeammet

"(...) aquele que ama, não começa por amar ocupando-se dos outros, mas sim ao realizar ele próprio a obra para o qual se descobriu destinado, numa aparente indiferença para com aqueles que o rodeiam. Ocupar-se dos outros serve demasiadas vezes para escondermos a nós mesmos que não nos amamos, e que nos recusamos a ocupar o lugar que é o nosso; é precisamente nisto que consiste o princípio de todas as manipulações. O essencial que acontece entre os seres acontece, não pelo contacto entre eles, mas pela acção que cada um realiza isoladamente.."

Ibidem

"Poderá o amor apagar o sofrimento, o masoquismo e o egocentrismo inscritos na pessoa?"

quinta-feira, novembro 30, 2006

Commitee on Woman and Psychoanalysis


Entre os dias 26 e 28 de Janeiro de 2007 vai realizar-se em Lisboa o “3rd Cowap European Conference on Incest and Paedophilia”. Os interessados poderão obter mais informações em www.ipa.org.uk

quarta-feira, novembro 29, 2006

Os Signos e os Símbolos

O pensamento simbólico é a marca distintiva mais específica da condição humana e resulta de uma transformação que se insere no processo de hominização. Aristóteles já afirmava que não se pensa sem imagens… Zusman (2005) refere que a transformação do signo em símbolo é parte essencial do processo de pensar. Segundo o autor o conceito de rêverie de Bion exemplifica um dos aspectos da transformação do signo em símbolo pois só quando a criança introjecta a capacidade de rêverie da mãe é que adquire capacidade de produção simbólica. Ora a capacidade de transformar o pensamento sígnico em pensamento simbólico depende da conjuntura dos processos conflituais da personalidade e da intensidade emocional das vivências.

Também Bruner (1990) pretende mostrar que para além dos recursos físicos e psíquicos, a condição humana é reflexo da cultura e da história, e só tem sentido se for interpretada à luz do mundo simbólico que constitui a cultura humana. Segundo o autor, a construção do eu é o resultado de um núcleo de consciência cujo significado se encontra “interpessoalmente distribuído” e que se encontra enraizado em circunstâncias históricas e culturais, fazendo da psicologia cultural uma psicologia interpretativa.

Jung (1989) refere que os símbolos são fruto do inconsciente e aponta para a estreita relação dos símbolos mitológicos com os símbolos dos sonhos assinalando a forte probabilidade de grande parte dos símbolos históricos provir directamente dos sonhos ou por eles ter sido estimulada. Já Freud (1901; 1916) refere que o simbolismo dos sonhos não pertence propriamente ao sonho, mas às representações inconscientes do povo, surgindo numa forma mais perfeita nos mitos, lendas e ditos espirituosos.

Larsen (1991) parece concordar com Freud ao afirmar que a mitologia cultural se fragmentou quando a ciência e tecnologia ofereceram formas confiáveis de compreender e controlar a natureza, tendo perdurado a profunda necessidade humana pelos símbolos. A este respeito o autor faz referência à mitologia pessoal uma vez que defende que a experiência humana sem o mito é insatisfatória e ignorante e que parte desses mitos pessoais vêm à tona nos sonhos, devaneios, sensações corporais, jogos, paixões, lapsos verbais, rituais, música, dança, escrita, desenho e pintura espontânea.

O pensamento de Larsen (1991) evoca uma espécie de perpetuação do simbolismo dos contos infantis ao defender o conceito das personagens interiores (“um teatro mágico que está sempre em funcionamento dentro de nós e que é ao mesmo tempo humano e divino p. 201). Figuras significativas como os guardiães, o senhor do abismo, heróis, vilões, velhos sábios, palhaços ou bruxas representam um sector de actividade criativa exemplificativo das características de personalidade que influenciam a consciência e têm tanto de colectivo como de individual.

Desde o dia 24 de Novembro que está patente no edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, mais uma edição da Festa dos Livros. Vale a pena passar por lá para encontrar a preços muito (mesmo muito!) acessíveis, um conjunto de livros com a chancela da Gulbenkian. Clássicos da Filosofia, Psicologia, Dissertações de Mestrado e Doutoramento... há de tudo!

Não há é desculpas para quem se queixa da falta de tempo porque o horário de funcionamento é lato o suficiente para ir ao encontro de todas as agendas (Domingo a quinta-feira: 12.00h às 22.00h; Sexta-feira/sábado e feriados: 12.00h às 24.00h).

Um conselho adicional: segundo pude apurar no domingo passado, os livros que estão à venda vão mudando de semana para semana, pelo que vale a pena fazer mais que uma visita!

terça-feira, novembro 28, 2006

BION diz que...

Um psicanalista em pleno exercício das suas funções deverá ser:

  1. Um cientista em busca da verdade
  2. Um místico em permanente estado de fusão com a verdade incognoscível
  3. Um artista para captar o sentido estético das comunicações, sabendo-as comunicar eficazmente

Acho simplesmente genial a forma poética, estética e autêntica como Bion nos fala do que é para ele ser psicanalista....

O amor à verdade que Bion nos fala ao longo da sua obra, é um instrumento terapêutico muito importante, ; verdade essa que pode ser transmitida através das interpretações que o psicanalista faz, no entanto ele diz-nos Amor sem verdade não é mais do que uma paixão; e verdade sem amor não passa de uma crueldade.

cit. in Zimerman, 2001. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise

segunda-feira, novembro 27, 2006

Recapitulando o I Forum de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária

A propósito do último post que coloquei, em que dei a conhecer o I Forum de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária, venho agora fazer a síntese desses três dias, onde contámos com a participação de vários conferencistas de renome: Daniel Sampaio para o tema da sexualidade, João Goulão para a área da toxicodependência, entre outros, e umas dezenas de comunicações, entre a quais a minha.
Todas as comunicações incidiram sobre os pontos chave da prevenção e promoção de estilos de vida saudáveis nas áreas da alimentação saudável, da sexualidade responsável, do consumo de substâncias, da prática desportiva assim como na formação e boas práticas em promoção de estilos de vida saudáveis.
Ao longo destes 3 dias ficámos a conhecer projectos locais de intervenção nas diversas áreas, assim como o modus operandi de alguns.
Estes pressupostos são assumidos pelo Programa Nacional de Saúde Escolar, sendo uma das metas chave, devendo as escolas adoptar metodologias activas na prevenção e promoção, chegando desta forma, ao conceito de escolas promotoras da saúde.
É ainda de realçar que a saúde mental é uma das metas importantíssimas traçadas por este programa.
A prevenção é uma das apostas fortes da saúde, quer física, quer mental e é preciso que todos unam esforços para conseguir transformar os problemas em projecto e assim criar boas práticas em educação para a saúde.
Este forum promete voltar daqui a 2 anos.

Angustia e Ansiedade. Qual é qual em termos de diagnóstico?



Com alguma frequência somos confrontados com a utilização de termos e conceitos por parte da população que confundem e baralham as nossas avaliações.

Como exemplo disto, temos os termos e conceitos de angústia e ansiedade. Não vamos pensar, que apenas os nossos clientes se confundem e têm dúvidas acerca da sua definição. Os gregos chamavam-lhe agkô ou angchö que significa apertar ou estrangular e que em latim produziu dois verbos ango, apertar fisicamente (aperto \ opressão) ou angustia (originou também angor e angina) e anxio ou anxius, que significa atormentar (tormento \ inquietação) ou ansiedade.

Claro que o paragrafo acima, ilumina um pouco a discussão mas não fecha o assunto de modo a não causar dúvidas. Para isso vários psicólogos deram a sua contribuição para esclarecer esta questão.

Em 1844 Kierkegaard com a noção “angustia perante o nada” e mais tarde Jaspers (1913) “o medo é dirigido para algo e a angustia não tem objecto” colocaram o enquadramento de classificação psicopatológica que se tem mantido até hoje.

Podemos portanto utilizar o termo ansiedade num sentido “racional”, prospectivo, cinético e conotada com uma inquietação esperançosa, enquanto que a angustia é mais corporalizada, retrospectiva e inibitória.

Claro está que esta discussão está longe de estar acabada com várias ”achegas” de investigadores actuais a completarem da melhor maneira a separação entre os dois termos.

Agora o que importa é saber quais os conceitos e definições do nosso interlocutor para que possamos ajustar a nossa linguagem à dele.
Por falar nisso, o que é para si angustia e ansiedade?

sábado, novembro 18, 2006

Relatórios de observação/avaliação Psicológica

Na quinta-feira passada estive a apresentar uma comunicação nas I Jornadas Ibéricas da Doença de Alzheimer que decorreu em Almeirim organizada pela APFADA. No intervalo em conversa com um colega abordamos a questão complexa dos Relatórios de observação psicológica. O colega é da opinião que devemos reduzir ao mínimo a elaboração de relatórios escritos e privilegiar a transmissão da nossa opinião técnica em entrevista. E quando somos “forçados” a elaborar um relatório, ele deve ser o mais vago possível. Esta posição é fundamentada no risco de os nossos relatórios serem muitas vezes utilizados contra o paciente, principalmente, quando se trata de crianças. O relatório fica anexado ao processo da criança e ela passa a “carregar” aquele peso e poderá ser penalizada ou alvo de marginalização pela exposição desnecessária da sua vida privada e das suas dificuldades pessoais.

Compreendo os argumentos do colega e concordo que, infelizmente, os relatórios de observação/avaliação psicológica são muitas vezes utilizados de forma “perversa”; contudo parece-me que a resolução do problema não pode passar pela escusa do psicólogo a desempenhar uma função para a qual deverá estar devidamente habilitado. A produção de relatórios com informação vaga e ambigua, na minha opinião, não resolve o problema e favorece a opinião publica de que os psicólogos são técnicos demasiado subjectivos e que os seus relatórios “não acrescentam nada”.

Acho que devemos trabalhar no sentido de alertar os nossos pacientes/clientes para o facto de um relatório psicológico ser um documento confidencial e que apenas deverá ser permitida a leitura do mesmo por técnicos da área da saúde mental ou por outros profissionais obrigados ao sigilo. Acho que devemos chamar a atenção para os pais de que é da responsabilidade deles preservarem aquela informação como confidencial e não permitirem a sua anexação aos processos dos alunos.

Parece-me que também é fundamental divulgarmos a ideia de que uma observação psicológica tem uma validade limitada à data em que foi realizado o exame. A utilização de testes e instrumentos de avaliação aumenta a fiabilidade e o rigor da observação e análise, mas é preciso ter presente que toda a observação é condicionada e por isso apenas descreve as características de uma determinada pessoa num momento preciso da sua vida. A personalidade, as competências cognitivas, os traços psicopatológicos, os sintomas e os conflitos são mutáveis e transformam-se com o amadurecimento e a experiência de vida.

Doença de Alzheimer




Veja os 10 sinais de alerta para a doença de Alzheimer

domingo, novembro 12, 2006

Psicoterapia Existencial

A psicoterapia existencial não se baseia numa teoria do aparelho psíquico ou da personalidade. Fundamenta-se na filosofia da existência e tem como método de investigação a fenomenologia. Tem como objectivo a análise da existência e o seu objecto de estudo é o ser-no-mundo.

Não há uma única e unificada perspectiva da psicoterapia existencial. Tal como não há um entendimento uno da psicanálise, como diria o Prof. António Coimbra de Matos, existem sim, um conjunto de investigações psicanalíticas. O mesmo acontece com a psicoterapia existencial. As contribuições da fenomenologia de Edmund Husserl e da filosofia da existência, onde se incluem autores como, Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, influenciaram decisivamente a cultura contemporânea, as ciências sociais e humanas, em particular, a psicologia e a psicoterapia. Nesta última, deram origem as diferentes sensibilidades terapêuticas, inicialmente desenvolvidas por Ludwing Binswanger e Medard Boss, posteriormente diversificadas em diferentes escolas terapêuticas, de que são exemplo a Daseinsanálise, a Escola Humanista-Existencial Norte-Americana, a Psicoterapia Existencial desenvolvida por Ronald Laing e, mais recentemente, a Escola Britânica de Análise Existencial.

Importa sublinhar igualmente, todo um corpo teórico e de investigação que tem vindo a ser desenvolvido a nível internacional, desde o início do século XX, pela psicologia fenomenológica, criando assim um espaço epistemológico fundamental entre filosofia, psicologia e psicoterapia.

Propomo-nos apresentar, muito sucintamente, aqueles que nos parecem ser os princípios unificadores da psicoterapia existencial, se quisermos, pressupostos epistemológicos que terão, naturalmente, implicações na intervenção terapêutica.

Espaço Inter-relacional

As relações que a pessoa estabelece reflectem e expressam a forma única e particular que cada um de nós tem de ex-sistir no mundo. Só é possível fazer sentido da vivência humana no e pelo seu contexto relacional. Esta perspectiva coloca ênfase numa visão inter-psíquica do homem em contraponto a um olhar intra-psíquico.

Intencionalidade

O que define um acto de consciência? A fenomenologia salienta o carácter intencional da consciência. Toda a consciência é consciência de algo. A intencionalidade salienta que os actos de consciência não existem por si mesmos, estão sempre direccionados a algo. A consciência não actua fechada sobre si mesma. A plasticidade do sentido é igualmente realçada. Sujeito e objecto, são co-constituídos, interdependentes um do outro, influenciando-se mútua e permanentemente. A interrogação da intencionalidade é sobre o sentido. Somos seres em permanente criação de sentido.

Visão do Mundo (World View)

O self é pois construído relacionalmente. A existência permanece aberta, em constante flutuação. Passamos pelas etapas de crescimento que a psicologia do desenvolvimento salienta. No entanto, vamos criando e sedimentando uma visão do mundo. Formamos significados sobre a nossa forma de estar, de como nos posicionamos em relação aos outros, como nos colocamos no espaço social. A visão do mundo – o world view é a construção psicológica incarnada que temos de nós próprios. Os nossos pressupostos têm origem na necessidade que temos de dar sentido à nossa vivência. O sentido da existência é formado pela consciência intencional, criando a nosso world view.

Angústia Existencial

A visão do mundo coabita em paradoxo. A sua plasticidade possibilita transformações. Por outro lado, constitui-se como edifício sedimentado, que permite orientar-nos e se torna, por vezes, inquestionável. São regras adquiridas. Formam a nossa identidade, os nossos limites e horizontes de acção. Se todo o sentido da nossa vivência é construído no espaço inter-relacional, então, este não depende apenas de mim, precisamente, é sempre co-constituído com um Outro. Experiencia-se, neste sentido, o abismo de uma incerteza que nos envolve. A noção de conflito é importante nesta perspectiva, conflito provocado pela própria responsabilidade da liberdade que nos assiste, ao ter de escolher a nossa existência, sempre em contexto de uma facticidade própria e singular.

Psicoterapia Existencial

O psicoterapeuta existencial irá procurar mapear a tensões existenciais que as pessoas vivem. Os dados da existência, i.e., as noções de angústia, sentido ou falta de significado, responsabilidade e liberdade de escolha, do limite temporal da nossa existência, da autenticidade ou inautenticidade perante si e os outros, a solidão que pode ser experienciada ainda que vivenciada num mundo relacional, a consciência de temporalidade, de espacialidade e corporalidade, bem como forma como vivemos o sonho, o devaneio, são aspectos cruciais para se promover uma análise do pro-jecto existencial.

O objectivo do psicoterapeuta é estabelecer uma relação de confiança, promovendo um espaço seguro e adequado para se realizar uma investigação, uma exploração da maneira como a pessoa está no mundo. Clarificar e descrever, em primeiro lugar, o modo como a pessoa é em e na relação. A preocupação central, deste modo, não é o alívio do sintoma, alterar esquemas cognitivos ou provocar a mudança. Estes poderão ocorrer, provavelmente a próprias pessoas que procuram uma psicoterapia assim o desejem, no entanto, a ênfase teórico-prática desta abordagem não passa inicialmente por uma perspectiva de cura. Como se investiga o ser-no-mundo?

Serão necessários seguir alguns princípios. São princípios orientadores não deverão ser entendido como esquemas estanques ou rígidos.

O primeiro movimento do terapeuta existencial, passa por um despojamento do seu saber, acção que assenta na redução fenomenológica. Colocar, por momentos, entre parêntesis os conhecimentos teóricos, evitando a pressa de aplicar grelhas explicativas à existência singular que se apresenta perante nós. Num primeiro momento descreve-se, não se interpreta.

Paralelamente, o terapeuta tem uma postura de not-knowing, (noção inicialmente introduzida por Karl Jaspers), i.e, partirmos do princípio que não conhecemos verdadeiramente a experiência do outro e, que os nossos quadros teóricos não têm necessariamente uma explicação válida, para os fenómenos que nos surgem, tal como surgem.

Significa assim haver uma aceitação do outro tal como ele é. Manter e ficar com a experiência do outro tal como ela se nos apresenta. Parecendo um ideia óbvia, diríamos que, mais frequentemente do que por vezes nos apercebemos, o terapeuta afasta-se desse outro que o procura, refugiando-se nos seu saber teórico, espaço de aparente segurança.

Com o desenvolvimento do processo terapêutico, estabelecida uma boa aliança, o terapeuta existencial, poderá então utilizar a principal ferramenta de investigação: a relação que estabeleceu com a pessoa que o procurou. A relação terapêutica, sem caminhos previamente estabelecidos, constitui-se assim como espaço de construção entre sujeitos que se colocam numa posição propícia para perspectivar o horizonte de possibilidades do ser-aí se interpretar. Um interpretar que é feito a partir de uma co-narrativa, com uma dinâmica interna e que se projecta nesse espaço intersubjectivo relacional, como mundo outro. Um outro de si-mesmo.

O espaço terapêutico existencial, lugar de encontro entre alteridades, tem como objectivo promover o confronto com as possibilidades e as limitações de transformação pessoal e de responsabilização pela construção da existência singular de cada um de nós.

Daniel Sousa
Sociedade Portuguesa Psicoterapia Existencial
Psicoterapeuta Existencial (Society For Existential Analysis, London e UKCP - United Kingdom Council for Psychotherapy, London)

Auto-conhecimento e saber viver

1 - Faça pausas de dez minutos a cada duas horas de trabalho, no máximo. Repita essas pausas na vida diária e pense em si, analisando as suas atitudes.
2 - Aprenda a dizer não sem se sentir culpado ou achar que magoou. Querer agradar a todos é um desgaste enorme.
3 - Planeie o seu dia, sim, mas deixe sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de si.
4 - Concentre-se numa coisa de cada vez. Por mais ágeis que sejam os seus processos mentais, poderá cansar-se excessivamente.
5 - Esqueça, de uma vez por todas, que é imprescindível. No trabalho, em casa, no grupo habitual. Por mais que isso lhe desagrade, tudo anda sem si, a não ser, você mesmo...
6 - Abra mão de ser o responsável pelo prazer de todos. Não é você a fonte dos desejos, o eterno mestre de cerimónias...
7 - Peça ajuda sempre que necessário, tendo o bom senso de pedir às pessoas certas.
8 - Diferencie problemas reais de problemas imaginários e elimine os imaginários, porque são pura perda de tempo e ocupam um espaço mental precioso para coisas mais importantes.
9 - Tente descobrir o prazer de factos quotidianos como dormir, comer e tomar banho, sem também achar que é o máximo a se conseguir na vida.
10 - Evite envolver-se na ansiedade e tensão alheias enquanto ansiedade e tensão. Espere um pouco e depois retome o diálogo, a acção.
11 - Família não é a sua pessoa. Está junto a si, compõe o seu mundo, mas não é a sua própria identidade.
12 - Entenda que princípios e convicções fechadas podem ser um grande peso.
13 - É preciso ter sempre alguém em que se possa confiar e falar abertamente ao menos num raio de cem quilómetros. Não adianta estar mais longe.
14 - Saiba a hora certa de sair de cena, de retirar-se do palco, de deixar a roda. Nunca perca o sentido da importância subtil de uma saída discreta.
15 - Não queira saber se falaram mal de si e nem se atormente com esse lixo mental; escute os que falaram bem, com reserva analítica, sem qualquer convencimento.
16 - Competir no lazer, no trabalho, na vida a dois, é óptimo... para quem quer ficar esgotado e perder o melhor.
17 - A rigidez é boa na pedra não no homem. A ele cabe firmeza, o que é muito diferente.
18 - Uma hora de intenso prazer substitui com folga 3 horas de sono perdido. O prazer recompõe mais que o sono. Logo, não perca uma oportunidade de divertir-se.
19 - Não abandone as suas três grandes e inabaláveis amigas: a intuição, a inocência e a fé.
20 - Entenda de uma vez por todas, definitiva e conclusivamente: Você é o que fizer.

Conselhos dados por Guerdjef e publicados pelo Instituto Francês de Ansiedade e Stress. A tradução é brasileira pelo que nem sempre faz uso de um português correcto.
Genericamente estes conselhos são bastante interessantes, mas elencar em 20 itens, os princípios orientadores de auto-conhecimento e saber viver é sempre, na minha opinião, uma falácia.
Auto-conhecimento e saber viver são descobertas pessoais que implicam percorrer um caminho individual e não a adesão a princípios pré-estabelecidos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O Mestre e o escorpião

“Um Mestre Oriental viu um escorpião que se estava afogando, decidiu tirá-lo da água mas quando o fez, o escorpião picou-o.

Como reacção à dor, o Mestre soltou-o e o animal caiu à água e de novo estava a afogar-se.
O Mestre tentou tirá-lo outra vez, e novamente o escorpião picou-o.
Alguém que tinha observado tudo, aproximou-se do Mestre e disse:

- Perdão, você é teimoso? Não entende que de cada vez que tentar tirá-lo da água ele o picará??!
O Mestre respondeu:
- A natureza do escorpião é picar e isso não muda a minha natureza, que é ajudar.

Então, com a ajuda de um ramo, o Mestre retirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida.
Não mudes a tua natureza se alguém te magoar. Apenas toma precauções.”


Na prática terapêutica muitas vezes somos confrontados com pessoas que não conseguem mudar a sua “natureza”, cabe-nos ser criativos como o mestre e encontrar meios de contornar os “ataques” dos clientes dando-lhes significado e valor existencial.
Ou seja, mostrar ao escorpião que a sua defesa está a impedi-lo de ser ajudado. Mas primeiro, o escorpião tem que confiar em quem o quer ajudar. Nós, por outro lado, não podemos mudar a natureza de ajudar!

Ficamos a pensar… como e porquê este sujeito aprendeu este modo de relacionamento?

sexta-feira, novembro 03, 2006

Notícias mais a Sul

Nos dias 16, 17 e 18 de Novembro realizar-se-á, em Faro, no Grande Auditório do Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, o I Fórum do Algarve de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária.

sites associados:
www.apf.pt ; www.arsalgarve.min-saude.pt ; www.drealg.min-edu.pt

segunda-feira, outubro 30, 2006

Medição nas Passerelles - discriminação ou um bem comum?

A propósito do post do Pedro, e motivada por um amigo que me deu a conhecer a situação e me incitou a escrever sobre a polémica que se gerou à volta da Pasarela Cibele, um evento de moda que decorre em Madrid, aqui fica este post. Este evento tem edição bianual e na edição de Setembro deste ano novas regras eclodiram; a necessidade de medição do IMC - índice de massa corporal, como forma de selecção. Quem não obteve um IMC de 18 foi rejeitada. Esta medida foi aplaudida por muitos - mais a classe médica, e criticada por muitos outros. Logo outros países quiseram seguir os espanhóis, e em Londres, chegou uma carta aberta dos médicos reinvidicando a implementação das mesmas medidas.
Também os especialistas portugueses aplaudiram a medida pensando ser esta uma ajuda às jovens que sofrem de disturbios alimentares.

E porque se implementou esta medida, e porquê o IMC 18? Quais as motivações?

Em primeiro lugar porque na Europa o IMC considerado normal situa-se entre os 20 e os 23. A partir de 25 é excesso de peso, mais de 30 é obesidade. Abaixo dos 16 revela algum risco de vida. Desta forma, percebe-se o porquê dos 18.

O porquê desta medida e quais as motivações, parece-me que se prende com o facto do aumento das perturbações alimentares nas adolescentes, e pela sua dificuldade em "identificar as armadilhas do consumo" como nos diz o Pedro. Em Portugal estima-se que uma em cada 250 raparigas entre os 10 e os 17 anos sejam vítimas dos ideais de beleza e pretendam adquirir um "corpo naturalmente esbelto como o de uma gazela" - Cathy Gould, Elite.

Os traços de personalidade dos adolescentes contribuem para o despoletar da doença, assim como a diminuição da ingestão de alimento, que leva ao aumento da hormona Cortisol que, por sua vez conduz ao aumento do stress e da depressão. Depressão essa que está sempre associada, umas vezes mais mascarada, outras vezes mais à superfície. Nesta doença existe um forte desfasamento entre o desenvolvimento intelectual e emocional, com investimento muito grande a nível intelectual.

Estas jovens mantêm grandes fantasias à volta do corpo e da comida, numa forte clivagem com a realidade, utilizando a negação como o mecanismo de defesa primordial.
Para elas a única coisa que faz sentido na vida é controlar a fome, ocupando desta forma, a vida psíquica com comida e valores calóricos.

Há uma relação patológica com o corpo, um processo psicológico muito complexo que se reflecte na imagem, uma vida afectiva extremamente pobre, fazendo com que apenas se sintam fortes ao negarem a comida, aliás a única coisa que controlam.

Este tipo de perturbação segue um padrão normal, mas a patologia associada é variada, enquadrando-se sempre com a história pessoal. Por isso é que se requer sempre uma intervenção muitidisciplinar, pois não interessa apenas controlar o peso e readquirir um IMC normal, mas igualmente um acompanhamento psicológico prolongado, como forma de diminuir o sofrimento destas adolescentes e permitir que não hajam recaídas, quando já estão em recuperação e com um peso normal.

Mas nesta fase existe novamente um controlo apertado do IMC, isto porque o desenvolvimento da doença pode levar a que uma anoréctica se transforme em bulímica e em casos extremos em obesa. Não será este o antagonismo da doença, os limites a que somos alvo, as imposições a que estamos sujeitos?
Não terão sido estas as motivações para a implementação de uma medida restritiva e discriminatória nas passerelles espanholas, ou por outro lado uma medida inteligente aludindo ao facto de que comportamento gera comportamento, e mais uma vez referindo o post do Pedro, uma mudança de comportamento...

domingo, outubro 29, 2006

Intervenções Psicoterapêuticas

No dia 4 de Novembro vai realizar-se no ISPA o 2º Encontro do departamento de formação permanente e este ano o tema é:

Intervenções Psicoterapêuticas – Que desafios para a formação?


Infelizmente não poderei estar presente porque irei estar a dar aulas em Coimbra. Aconselho, contudo, todos os colegas recém-licenciados (e não só) a estarem presentes. O programa permite a visão “panorâmica” de uma série de tipos de psicoterapia e os interessados poderão tentar perceber com qual (ou quais) se identificam mais.

Programa:

  • Psicoterapia Emocional/Bonding
  • Psicoterapia Existencial
  • Psicoterapias Breves
  • Psicoterapia Gestalt
  • Psicoterapia Psicanalítica
  • Terapias Comportamental e Cognitiva
  • Psicoterapias Construtivas
  • Arte-Terapia
  • Musicoterapia
  • Terapia Familiar
  • Psicodrama

Para obter mais informações consulte o site do ISPA ou utilize o email dfp@ispa.pt

Aguarelas - Babysitting e Eventos


Uma colega e amiga abriu um serviço de babysitting de qualidade superior. Fica aqui a referência do Blog para quem precisar.

www.aguarelas-babysitting-eventos.blogspot.com/

sexta-feira, outubro 27, 2006

Obesidade e Mudança Comportamental

Numa época em que se verifica uma transformação dos paradigmas da doença. A obesidade está a tornar-se na “mãe” de todas as outras.
Esta “mãe” gera mal-estar físico e psicológico. As questões ligadas ao mal-estar físico não me dizem respeito directamente. Uma vez que me cabe a mim diagnosticar ou tratar um diabético que obteve esta doença através de uma dieta desequilibrada e consequente excesso de peso.
No entanto, todo este quadro de nutrição desequilibrada e excesso de peso é gerado por comportamentos do sujeito.
Aqui entramos nas questões ligadas à psicologia. Por vezes os casos de obesidade mórbida escondem outras patologias a nível psicológico e estas têm que ser diagnosticadas e tratadas paralelamente com a dieta prescrita pelo Nutricionista. Afinal cada alimento que colocamos na boca é uma escolha, mas será que as pessoas que estão em dietas de redução de peso sabem porque escolheram ficar doentes?
Cabe ao psicólogo ajudar o cliente a descobrir os porquês de tais comportamentos lesivos para a sua saúde. Mas cabe também ao psicólogo ajudar o cliente a encontrar estratégias eficazes de modificar comportamentos de risco. Ou seja, identificar as armadilhas do consumo, os padrões de comportamento alimentar e implementar hábitos de exercício físico regulares.

Em resumo, e em tom de brincadeira. Quando nos entra um sujeito com problemas de peso no consultório, não podemos pensar em comer… temos que pensar como este cliente vai passar o seu tempo enquanto não come!!!

terça-feira, outubro 24, 2006

O amplo feminino II

No artigo “Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio”, Maria Emília Marques questiona-se partindo de dois pressupostos, um primeiro, explicitado no excerto do post deste blog, “O amplo feminino”, directamente ligado às várias visões e discursos históricos, sociais e culturais lançados sobre a natureza da mulher.

“… uns afirmam uma natureza leviana e instável, mesmo violenta, que contém em si o germe e a essência da desordem e da discórdia, que exigiria a sua inscrição numa lei-ordem que teria de lhe ser imposta de fora; outros proclamam uma natureza sagrada, fértil e fertilizante, mas a precisar de ser conduzida e dominada por ser perigosa; outros, referem a natureza já dominada, masoquista e submissa; por fim, outros inquietam-se porque teria uma natureza enigmática.”

Ainda dentro desde pressuposto, a autora frisa o inevitável lugar que o feminino sempre ocupou, lugar de um questionar constante e fundamental, embora surja, neste tipo de discursos, ora silenciado, ora subjugado.

Depois, o silenciar o feminino ressurge numa forma inquietante, o silenciado é algo que está sempre prestes a emergir. O masculino, aquele que ordenaria e subjugaria o feminino, impondo-lhe várias leis e reivindicando e conquistando os seus produtos, remeteu-o para o duplo lugar da exclusão e do indizível, enquanto, por outro lado, ele permanece no lugar do imanente e do inacessível.”

Um segundo pressuposto seria o da leitura do próprio psiquismo no seio da compreensão psicanalítica. Este pressuposto remete a leitura do feminino para uma questão mais ampla, em que, e mediante a apreensão que a autora tem do humano e de acordo com o seu exercer clínico, feminino e masculino habitariam cada um de nós à luz das identificações, no seio das relações e da intersubjectividade. Desta forma, feminino e masculino separar-se-iam da condição da mulher e da sua correlação à condição do homem. De uma forma directa e concisa, feminino não será mulher e masculino não será homem. Esta leitura requererá uma maior e mais profunda captação de significações, não se prende com uma mera diferença de sexos.

A diferença de sexos tem sido sempre alvo de caracterização, de classificação, mesmo de hierarquização. (…) De facto, o dizer sobre um sexo está sempre na relação com o outro sexo. Falar de um sexo impõe sempre colocá-lo perante o outro sexo. Há uma inevitável e incontornável reciprocidade entre os sexos. Só que temos de saber o que nesta reciprocidade sabemos sobre o específico de cada um dos sexos, ou se só sabemos da relação de um a outro.”

Para não prolongar mais este post, termino deixando a questão em aberto… para um amplo feminino III.

Será necessário poder afirmar-se uma especificidade para além desta reciprocidade, na busca de uma identidade.”

domingo, outubro 22, 2006

Palavras...


Ao pensar nas palavras para a composição do presente post, dou por mim a reflectir no valor e lugar que ocupam as palavras. As palavras que pensamos, ecoamos, dizemos, ... O valor das palavras no contexto da relação terapêutica. Já Freud, no seu artigo intitulado " A Questão da Análise Leiga" punha na voz da pessoa imparcial, inspirado em Hamlet, "Nada mais do que isto? Palavras, palavras, palavras, ...", sublinhando que as palavras são um instrumento poderoso na nossa prática clínica.
Mas, se as palavras assumem a sua qualidade na cosntrução literária, por exemplo, é no seu pronunciar, pela voz humana, que ganham seu mais íntrinseco significado. É quando ganham corpo no sentir de quem as profere que também em nós impelem seu valor semântico (?!), nem sempre correspondente ao significado real de quem as enuncia mas interiorizadas pelo sentido singular de quem as ouve..
Pensando mais uma vez no que se tece no espaço e tempo de uma relação terapêutica, as palavras por si só não revelam seu total valor mas o significado emocional que contêem, e o pensar sobre esse mesmo siginicado, num lugar onde reina a intersubjectividade é que elas talvez possam revelar mais de si. Pensar com alguém, na presença então de um outro que co-pensa. O poder das palavras eventualmente assume-se no aqui e agora, onde passado, presente e futuro (con)fundem-se. O acto de pensar as palavras no enlace relacional, numa Outra relação, numa nova relação, como diria Coimbra de Matos, ou como diria Widlocher, o co-pensamento que permite a prática associativa no contexto da relação terapêutico, embebe as palavras do que em si sustentam de mais profundo dos seres que as evocam e entoam...
Enfim, palavras soltas...

sábado, outubro 21, 2006

Filosofia Clínica

Na revista Sábado desta semana vem uma entrevista com o filosofo Lou Marinoff. Este filósofo é considerado o pai do aconselhamento filosófico ou filosofia clínica e autor "Mais Platão, Menos Prozac!".

Encontrei também num quiosque de revistas à venda o primeiro número de uma nova revista de Filosofia (brasileira) que também dá um enorme destaque à Filosofia Clínica. Parece ser uma modalidade de ajuda psíquica que começa a ter alguma aceitação e que na minha opinião poderá estimular algumas reflexões.

A Psicologia e a Filosofia são parentes próximos. A Filosofia é a mãe de todas as ciências, mas nos últimos anos tem vindo a perder, infelizmente, a sua condição de disciplina base na constituição da educação. A psicologia e a grande maioria das psicoterapias são “filhas” da filosofia, no entanto devemos questionar-nos sobre qual poderá ser o efeito de colocar filósofos a fazer o trabalho de psicoterapeutas. Ao ler os artigos que anteriormente referi fiquei “espantada” com a proximidade à psicoterapia existencial, de apoio e também, de forma mais superficial, à psicoterapia psicanalítica.

Poderá o aconselhamento filosófico ser suficiente para resolver os problemas psíquicos? Enquanto psicoterapeuta com mais de uma década de prática clínica, parece-me difícil que o aconselhamento filosófico seja capaz de ajudar pessoas com níveis de angústia muito elevados, mas acho genericamente a ideia interessante. Parece-me que é necessário que as pessoas se interessem mais por reflectir e pensar sobre si próprias e sobre a vida que têm. Se entendi bem, os recursos técnicos da filosófica clínica passam principalmente pelo aconselhamento da leitura de obras filosóficas e posterior analise das mesmas em conjunto com o cliente e a articulação dessas filosofias com a vida pessoal e concreta da pessoa que se sente angustiada. Esta abordagem técnica parece-me ter à partida uma limitação porque a maioria das pessoas não é capaz (leia-se não tem interesse suficiente, ou nalguns casos, a capacidade de abstracção suficientemente desenvolvida) de ler um romance, sendo pois improvável que o façam com uma obra filosófica.

No artigo da revista Filosofia a prática da filosofia clínica aproxima-se bastante do trabalho realizado em psicoterapia psicanalítica influenciado pelo pensamento de Wilfred Bion, mas num nível que me parece ainda bastante superficial e banhado por um optimismo ingénuo. Estará, contudo, a filosofia a fazer uma aproximação à psicologia/psicanalise?

Algumas ideias da Filosofia Clínica:

“As pessoas devem deixar as muletas e arranjar recursos interiores para enfrentar os problemas”;

“Considerando a Filosofia como uma atitude de construção de conceitos a partir de um problema de uma realidade singular, a Filosofia Clínica coloca-se como uma terapêutica centrada na pessoa e no respeito à sua singularidade, dispondo-se a pensar sobre o problema apresentado pela pessoa, a partir do plano da realidade singular dessa mesma pessoa”;

“O filósofo assume a função de cuidador, investido do conhecimento produzido em toda a história da filosofia”.

“Quando um partilhante procura um filosofo clínico, em geral o faz porque algo o incomoda. Em conversa inicial, filosofo clínico e partilhante estabelecem o primeiro momento da cínica: a intersecção, a qualidade da relação entre ambos. Após a conversa, o partilhante preenche uma ficha clínica com dados pessoais, termo de esclarecimento e consentimento para o trabalho clínico. Partindo do principio que nos construímos a partir da história de nossas vivencias, o próximo passo consiste em colher o histórico de vida do partilhante, contado por ele mesmo, cronologicamente e em detalhes. Esse histórico servirá de fonte para a obtenção de dados sobre os três eixos fundamentais: Exames categoriais, Estrutura do pensamento e Submodos.

Enquanto o partilhante conta a sua história, o filósofo clínico limita-se a interferências mínimas, apenas para permitir a intersecção, pedindo continuidade, levando a pessoa a retomar o curso da sua história em caso de este se perder.
O filósofo clínico entende que o partilhante poderá, inicialmente, omitir dados, distorcê-los, mentir, inventar, entre outras coisas. Ainda assim, os dados distorcidos o são a partir de referenciais do partilhante. Sua Estrutura de pensamento desvenda-se ainda que o histórico contenha distorções.

No procedimento seguinte, Divisão, a história do partilhante é recontada, agora com delimitação de períodos, para que sejam feitas correcções e aquisição de mais dados, pois ao contar a história, o partilhante poderá optar por uma linha de raciocínio, contando, por exemplo a sua história familiar, escolar, de trabalho, ou afectiva, deixando de lado muitos outros elementos vividos. O procedimento divisório é repetido inúmeras vezes até que não surjam dados novos.

Terminada a divisão é o momento dos Enraizamentos. Trata-se de um processo epistemológico para pesquisar o conteúdo de termos e estabelecer relações e testar hipóteses clínicas”.
In Filosofia, (1) Ano I, 2006, Ediora Escala. pp. 70-81

Penso que a filosofia clínica é uma corrente com potencial, se bem que ainda esteja numa fase bastante inicial. Será algo a acompanhar com interesse.

terça-feira, outubro 17, 2006

O amplo feminino...

“…enquanto mulher interrogo-me e procuro argumentos para a desqualificação e o silenciamento que marcam algumas visões e discursos sobre o género feminino, visões e discursos segundo os quais algo na mulher seria/ teria uma segunda natureza, natureza essa que teria de ser domada ou dominada, o que também significa silenciada e excluída.”

Maria Emília Marques, "Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio",
Revista Portuguesa de Psicanálise, nº 23, 55-74

quinta-feira, outubro 12, 2006

As Armaduras e o Destino: Um Conto Sistémico

“Era uma vez dois jovens que, interessando-se um pelo outro, decidem fundar uma família. Provinham ambos de famílias de longas tradições, mas essas tradições eram muito diferentes pelo seu conteúdo.
As indicações que essas tradições davam pareciam sobretudo dizer respeito ao comportamento que se esperava dos homens, o que na época não era raro.
Na família do rapaz, eram descritos como fortes, impulsivos, de temperamento quente, mas também briguentos e irritáveis. Pelo contrário, na família da rapariga, eram vistos como estáveis, tranquilos e justos. Acima de tudo, o rapaz não queria transmitir a herança da sua linhagem. Sofria ainda com frequentes conflitos provocados pelo pai.
Os dois jovens casaram e, no mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho. Ela tinha 20 anos e ele 25. Cinco anos depois, têm, novamente, um filho do sexo masculino e, dez anos depois, uma menina.
O jovem, que agora se tornou pai, preocupava-se em proteger os seus filhos dos problemas e dos perigos do mundo, cada vez em maior número, que via aumentar sem interrupção. Para cada um dos filhos fabricou uma armadura que deveria assegurar-lhes alguma protecção. A mãe tinha dificuldade em compreender a necessidade das armaduras mas, por outro lado, não queria opor-se ao que o marido fizesse para o bem dos filhos.
Enquanto eram pequenos, os filhos satisfaziam-se muito com essas armaduras. À medida que foram crescendo, começaram a tornar-se incómodas e constrangedoras. Tornaram-se muito apertadas e sufocantes. As armaduras eram agora mais um constrangimento do que uma protecção mas, estranhamente, os filhos tinham dificuldade em as despir e guardar.
As angústias dos pais foram então tristemente confirmadas. O filho mais velho caiu do cavalo. A pesada armadura não o ajudou e ficou gravemente ferido. Os pais trataram-no o melhor que puderam, mas ficou com algumas perturbações.
No interior da sua armadura, o filho mais novo sentiu dificuldade em respirar e angústia. Contudo, recusou deixar a armadura. Preferiu morrer.
Quanto à rapariga, a armadura impediu-a de ter contacto com o próprio corpo. Os seios e as ancas pareciam-lhe estranhos porque não tinham lugar no envelope de metal. Experimentou deixar de comer para poder aguentar-se na armadura. Os pais tentaram fazê-la sair da armadura mas parecia que ela não conseguia acreditar nas palavras que eles pronunciavam. Queria guardar para si a armadura, embora todo o crescimento constituísse um sofrimento terrível. Chegou mesmo a acontecer assustar-se com a ideia de assimilar não apenas o alimento mas também o saber. Porque o saber podia também contribuir para a fazer crescer e aumentar, assim, o esmagamento no interior da armadura; daí, sem dúvida, o facto de afirmar ser muito estúpida para aprender o que quer que fosse, tentando, deste modo, proteger-se do conhecimento”(cit. in Caillé, P.; Rey, Y., 2003, pp. 87).

O conto sistémico é uma técnica psicoterapêutica que permite aos elementos da família “verem-se ao espelho”, transportando-os para uma família imaginária, que é, e ao mesmo tempo não o é, visto ser a família consultada. O trabalho é feito sobre o modelo fundador da família, fazendo sobressair o “Absoluto Familiar da sua posição de paradigma dominante e inconsciente, triangulando-o como objecto de relação entre a família e o terapeuta. Através dessa narração-mensagem, este último propõe uma representação metafórica que veicula uma alternativa entre as finalidades de pertença (lealdades familiares) e as finalidades de inserção na sociedade (individuação)”(cit.in Caillé, p.92). O conto provoca o aparecer das contradições entre a necessidade de preservar o Absoluto Familiar, segurança da identidade familiar, e a necessidade de inserção na comunidade, indício de autonomia.
Como vemos no conto descrito, a família é confrontada com o seu modelo próprio num contexto simbólico dado pela armadura, introduzindo dessa forma o aspecto rígido e defensivo do seu funcionamento.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Édipo - Tragédia Grega

Num dos anteriores posts foi feita uma alusão ao mito de Édipo, pelo que, aqui fica a tragédia grega de Sófocles.

Laio, Rei de Tebas e marido de Jocasta, vivia amargurado por não ter filhos, pelo que, decidiu consultar o Oráculo, tendo-lhe, este, advertido que filho que gerasse havia de o assassinar. Apesar das advertências, Jocasta engravida e Laio, quando o bebé nasceu, ordenou a um servo que o pendurasse pelos pés numa árvore, para que este morresse. Daí o nome Édipo (que significa pés inchados).

O servo de Laio, desrespeitando as ordens, acabou por colocar a criança num cesto e jogou-a ao rio, acabando este, por ser resgatado por um rei duma terra distante, que o elegeu como seu filho. Este, já homem, também consultou o Oráculo, o qual o aconselhou a evitar a sua pátria, pois iria ser o assassino de seu pai e marido de sua mãe. Desconhecendo as suas origens e pensando-se filho de Pôlibo e Mérope, reis de Corinto, Édipo decidiu partir rumo a Tebas. Durante o seu percurso, e no meio de uma encruzilhada, deparou-se com um velho com o qual manteve uma acérrima discussão acabando por matá-lo.

Chegado a Tebas decifrou o enigma da Esfinge (monstro com cabeça de mulher e corpo de leão), que impossibilitava a entrada na cidade, e como nunca ninguém o havia decifrado, a Esfinge jogou-se ao mar, tendo Édipo libertado a cidade da sua maldição. Creonte, irmão de Jocasta, havia prometido a mão desta a quem libertasse a cidade da Esfinge, ganhando assim, Édipo, o direito a casar com Jocasta, agora viúva.

Casaram, Édipo foi proclamado Rei e tiveram dois filhos e duas filhas, reinando sem grandes dificuldades, até ao dia em que se instala a peste na cidade e Édipo decide consultar o Oráculo, que lhe refere que a peste cessaria quando fosse expulso o assassino de Laio. Édipo dispôs-se a encontrá-lo, mas quando se apercebeu que ele próprio fora o assassino de Laio, seu pai, e o esposo de sua mãe, e vendo que apesar de fugir contra a profecia esta acabou por se realizar, arrancou os olhos e deixou a sua pátria.

domingo, outubro 08, 2006

Um artigo sobre Repetição e Estilo em Almodôvar

A-propósito do filme de Almodôvar – Voltar, encontrei um artigo muito interessante sobre a Repetição e o estilo de Almodôvar.

Vale a pena ler, este é o resumo:

"A trajetória teórica de Freud o leva a considerar a repetição como um elemento estrutural do sujeito. Sendo a repetição inevitável, porque constituinte do ser humano, interessa-nos entender como esse fenômeno pode ser identificado e interpretado através de uma produção artística. A nossa tentativa, portanto, é de buscar o sujeito dentro do discurso do texto cinematográfico. Para tanto, analisaremos três filmes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, identificando o que se repete dentro de cada obra e de uma obra para outra. A partir desse levantamento, acreditamos poder identificar o que se constitui no estilo do autor, conforme essa noção é entendida por Foucault. As obras analisadas serão Matador (1985), De Salto Alto (1991) e A Flor do meu Segredo (1995)."

Volver de Almodôvar

Uma das nossas leitoras, há já algum tempo, chamou-me a atenção para o novo filme de Almodôvar e disse que gostaria de ler um comentário nosso sobre ele. Finalmente fui vê-lo.

Acho que o filme fala, entre outras coisas, da transgeracionalidade da psicopatologia e, obviamente, do incesto. É um filme que excluí o masculino. Os homens que aparecem são secundários e representam de alguma forma, o mau. São os homens que violam, que abusam, que são desrespeitosos e insensíveis. Na minha opinião, o filme contém um ataque ao masculino.

É um filme catalogado como surrealista mas, na minha opinião, é até muito realista em muitas das coisas que retrata, nomeadamente no dia-a-dia da vida e realidade espanhola.

Para quem não viu o filme vou tentar resumi-lo em meia dúzia de palavras. Fala de uma família (mãe, pai, tia e duas irmãs) que cresceram numa pequena povoação. Uma das irmãs (Raimunda) foi abusada sexual pelo pai e engravidou dele com completo e absoluto desconhecimento da mãe. Após a gravidez, Raimunda não revela o nome do pai da sua filha e sai de casa, ressentida e magoada com a mãe por esta não a ter protegido do abuso de que foi alvo. O pai, incapaz de lidar com as consequências dos seus actos, emigra temporariamente e quando regressa continua infiel à mulher (Carmen Maura), mantendo relações extraconjugais, inclusivamente com a vizinha da frente.

A bebé fruto da relação incestuosa nasce e quando tem 14 anos vê-se em circunstâncias semelhantes à da sua própria mãe, isto é, o companheiro da mãe que ela pensava ser o seu pai, tenta abusar sexualmente dela. A diferença é que a adolescente (Yohana Cobo) mata o pai para evitar o abuso e a mãe protege-a, cuidando para que o homicídio não seja descoberto. Dez anos depois da concepção incestuosa, a mãe de Raimunda mata o marido quando ele dormia a sesta com a amante e mata-o porque ficou a saber do incesto. Nenhum dos homicídios é condenado no filme, ambos aparecem como justificados e ninguém é punido por neles, nem sequer é perceptível o sentimento de culpa ou o remorso.

Volver fala da transgeracionalidade da psicopatologia na medida em que vemos a reprodução em duas gerações diferentes de uma mesma situação. A filha abusada sexualmente pelo pai e grávida deste, escolhe para seu companheiro um homem que vai tentar abusar da sua filha quando ela tem uma idade próxima há que ela própria tinha na altura em que foi abusada pelo seu pai. Diríamos que inconscientemente, Raimunda (Penélope Cruz) aceitou a filha fruto da relação incestuosa, mas não foi capaz de “resolver” a zanga e ódio com que ficou em relação aos seus pais, principalmente ao seu pai, o agressor. Este ódio não resolvido passou inconscientemente como legado transgeracional e foi “depositado” na filha que perante uma situação semelhante àquela que a sua mãe tinha vivido age o ódio materno, matando o pai. Raimunda revive a situação de que foi vitima 14 anos antes e contrariamente à sua própria mãe, coloca-se do lado da filha e enterra o marido. A nova situação de incesto ajuda a resolver o “trauma” que tinha ficado bloqueado. A nova aproximação entre mãe e filha (Raimunda e a sua mãe) acontece à custa da morte do pai (morto num incêndio causado deliberadamente pela mulher), como se tivesse sido reposta a justiça. A pressão para que a verdade sobre o 1º incesto se saiba é exercida pela filha da vizinha (Agustina/ Blanca Portillo) que insiste em saber o que aconteceu à sua mãe.

Num certo sentido, poderíamos dizer que este filme é uma aproximação ao mito de Édipo, há um elemento que pressiona para que a verdade seja investigada (como a esfinge em Édipo); há uma relação incestuosa (como Édipo e Jeocasta) e há a necessidade de voltar ao passado para resolver ódios e rancores não digeridos. A grande diferença está no facto de em Volver (que significa voltar em português) o masculino é aniquilado e os “maus” estão apenas num dos lados; não há densidade psicológica matizada pela ambivalência do desejo. Os homens são agressores e as mulheres são vítimas. As mulheres tornam-se agressoras para repor a justiça depois de terem sido vitima. Na minha opinião o filme peca por ser sexista, mas mostra a crença (inconsciente) provavelmente fortemente instalado em muitas pessoas, de que os homens são potencialmente agressores e as mulheres vitimas; mas que o dia da vingança acabará por chegar.

É precisamente na aniquilação do masculino que me parece que o filme perde o seu grande potencial. A transgeracionalidade mostra a importância de “recordar, repetir e elaborar”, isto é, mostra como para aprendermos a lidar com um determinado episódio traumático temos que o recordar e por vezes repeti-lo experiencialmente para que o possamos elaborar definitivamente. O próprio processo psicanalítico é, num certo sentido, uma forma de criar condições apropriadas para que a pessoa possa recordar, repetir e elaborar. Contudo no filme, a parte do elaborar não é suficientemente trabalhada, não há uma verdadeira elaboração da experiencia traumática de ter sido abusada sexualmente pelo pai, há sim, o agir de uma vingança e a aniquilação do agressor. Matar o pai não é solução na medida em que esse mesmo acto é gerador de um outro trauma, como dizia a adolescente para Raimunda “pensas que é fácil ter de lidar com o facto de sabermos que matámos o nosso próprio pai?” (citação reproduzida de memória). No filme a adolescente não mata verdadeiramente o pai, porque o seu verdadeiro pai era o seu avô. Portanto, na verdade, no filme, nenhuma filha mata o seu próprio pai; mas a fantasia é a de que a filha mata o pai.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Blogs interessantes

Três blogs interessantes:

Sobre Banda Desenhada: Cara de BD
Sobre Enfermagem Pediátrica: Criancices
Sobre Filosofia, Cultura e Política: Odisseus

domingo, outubro 01, 2006

Bruxismo - O que é isso?

Hoje decidi falar acerca do Bruxismo e sua definição etimológica, isto porque, outro dia, no meu local de trabalho, fui abordada por uma professora que me queria colocar uma questão acerca do ranger dos dentes durante o sono e se este acto se poderia associar a causas psicológicas.
Após ouvi-la, referi que se tratava de um distúrbio do sono e que se designava por Bruxismo, ao que me respondeu, "O que é isso?" provocando até, um gargalhar entre nós, causado pela sua designação ciêntífica, que, à primeira impressão, nos conduz para uma associação com fenómenos da ordem do profano.
Bruxismo provém da palavra grega Brychein que significa constrição/apertar - que se reflecte na actividade de ranger os dentes. Esta actividade está presente em muitas crianças, assumindo carácter patológico quando se desenvolve diáriamente.
Este distúrbio do sono insere-se nas Parassónias, que são perturbações caracterizadas por comportamentos anormais ou acontecimentos fisiológicos que ocorrem em associação com o sono e implicam a activação do sistema nervoso autonómico (DSM-IV).
Daí que, por vezes, uma das causas referidas para este acontecimento tenha que ver com alterações neurológicas, mas na maioria dos casos, são situações stressantes e ansiogénicas que estão na origem deste distúrbio.
No que concerne a tratamento, estas situações são, muitas vezes, apenas observadas em Odontologia, com a aplicação de uma placa que promove a estabilidade mandibular e reduz a actividade tensional, mas e o estado emocional stressante e ansioso que está na origem destes espasmos? É preciso não esquecer que o Bruxismo comporta, na sua etiologia, factores como a agressão contida, a tensão emocional e a frustração, o que se associa, indelévelmente, com a perturbação da ansiedade e com a gestão do impulso agressivo.
Para além de todos os tipos de tratamento que se possam efectuar, é necessário não descurar a componente psicológica devendo-se trabalhá-la em psicoterapia, por forma a actuar ao nível da redução da tensão emocional, da agressão reprimida, da ansiedade, da raiva e do medo.

Dia Mundial do Idoso

O envelhecimento continua a ser visto como uma condição de profunda degradação. Os idosos são infantilizados e desvalorizados como se fossem excluídos sociais.

Cabe-nos a todos, e particularmente a nós psicólogos, contribuir para a construção de uma nova imagem associada ao envelhecimento. À medida que a pirâmide do envelhecimento se transforma num rectângulo devemos compreender que a faixa etária dos 65 aos 80 engloba um número cada vez maior de pessoas cujas qualidades e competências se mantêm suficientemente activas para serem cidadãos tão válidos como quaisquer outros.

Os cuidados de saúde mental nesta faixa etária são extremamente negligenciados. De acordo com as estatísticas os idosos sofrem menos perturbações psiquiátricas do que os outros adultos; contudo empiricamente é possível perceber que as estatísticas não correspondem à realidade. Esta discrepância assenta, na minha opinião, em dois factores fundamentais: por um lado, são efectivamente diagnosticadas menos as doenças psiquiátricas graves a eclodirem em idades avançadas e por outro, as perturbações psicológicas são genericamente consideradas “normais” e consequentes aos efeitos do envelhecimento.

Há, na minha opinião, dois problemas fundamentais. O primeiro prende-se com a inexistência de critérios de diagnóstico devidamente aferidos para as pessoas de idade avançada. O segundo está relacionado com a ignorância e a reduzida informação sobre os efeitos do envelhecimento generalizados, gerando confusões frequentes entre o efeito da idade e as perturbações psíquicas. É frequente diagnosticarem-se patologias cerebrais orgânicas deficitárias, em vez de se compreender a complexidade das dinâmicas conflituais. Esta situação ocorre, no meu entender, demasiado frequentemente, e impede uma intervenção adequada, tendo consequentemente um impacto negativo sobre a qualidade de vida dos mais velhos.