quinta-feira, setembro 04, 2014

Tráfego de mulheres para prostituição: Uma reflexão

Pensando um pouco sobre a situação específica das mulheres vítimas de tráfego humano, são frequentemente mulheres oriundas de meios socioeconómicos muito pobres, com situações familiares muitas vezes pautadas pela negligência e/ou pelo abuso, onde os vínculos que se formam são frágeis ou mesmo inexistentes, destruidos pelas próprias circunstâncias.

Sem vínculos, a experiência emocional interior,  na profundidade do Eu e por debaixo das várias camadas de preocupações, sentimentos e pensamentos, é frequentemente a de ausência de uma referência interna de um lugar onde outrora estas mulheres se pudessem ter sentido devidamente cuidadas, apoiadas nas suas dificuldades, compreendidas e amparadas nas suas angústias e preocupações. É um lugar que precisa estar lá no inicio das nossas vidas, continuamente, cuja experiência precoce e contínua de tal conduz a um sentimento interno de um porto de abrigo sempre disponível - esse lugar é habitualmente, para a maioria de nós, uma figura materna suficientemente boa, ou um substituto adequado.

È um vazio interior persistente - frequentemente abafado ou curto-circuitado por outras preocupações do quotidiano, que servem uma função defensiva contra esta forma particular de dor interior. É, por exemplo, a percepção de que não se pode parar, que há muita tarefa para fazer, que a vida não permite o parar para refletir, para sentir. No fundo é a necessidade defensiva da própria pessoa organizar a sua vida de tal forma que acaba por criar essa mesma percepção da realidade. Mas por vezes não há mesmo a capacidade para se elaborar a experiencia em termos de sentimentos e pensamentos, como se o aparelho psiquico nunca tivesse sido particularmente utilizado nesse sentido, pela própria ausencia de alguém, um cuidador, que cuida pela sensibilidade e pela preocupação em ajudar a gerir as emoções dificieis e a organizar o pensamento.

Esse vazio, enquanto ausência interna de uma figura cuidadora (e da respetiva capacidade de cuidar), implica também a relativa despreocupação face a nós mesmos, face à nossa saúde, e ligado a tal, a dificuldade ou incapacidade de nos termos profundamente em consideração, de cuidarmos devidamente de nós mesmos. Não nos autoconsideramos de forma natural, espontânea e suficiente. Essa consideração sobre nós mesmos, essa autoestima, é baixa. Por outras palavras, como se a possibilidade e função de cuidarmos genuinamente de nós mesmos e de nos protegermos (assim como uma mãe cuida do seu bebé, na sua dependência e vulnerabilidade) estivesse ausente, ou existindo, surgisse enquanto algo muito forçado, penoso ou não natural, não interiorizado. Como o médico que insiste contínuamente para que o seu paciente cuide melhor de si. São com frequência os cuidados do médico - a sua sensibilidade, a sua disponibilidade, a sua preocupação e o seu interesse pelo paciente - que capacitam o próprio paciente a cuidar melhor de si, nomeadamente quando o médico, ou o cuidador, não estão presentes (e dado que se consiga receber internamente esses cuidados e os mesmos possam sobrevivier à ausência ou separação física em relação ao cuidador).

Um vazio é também o sentimento de não existir ninguem no mundo genuinamente preocupado connosco e suficientemente interessado em nós. Alguém que para nós seja especial e fundamental, e para quem sintamos que somos importantes, não porque temos esta ou outra qualidade ou aspeto que suscita interesse, mas apenas e simplesmente porque existimos e porque somos nós mesmos. Assim como uma mãe e também um pai são no incio da vida o centro do mundo de uma criança, tal como a criança é centro das atenções dessa mãe e desse pai.

Para muitas das mulheres vitimas de tráfego humano, a imagem de alguém que lhes promete proteção e abrigo acaba por ser irresistível, pois apela a algo que no fundo se sentiu que nunca se teve e se necessita muito.

Sucumbindo à sedução, no contexto desta enorme fragilidade constituicional do Eu e da promessa de dinheiro/sustento rápido - ainda que não necessáriamente fácil(!)-, estas mulheres rápidamente se permitem ser arrastadas para uma situação de perda total de controle sobre a situação, deparando-se com perda da autonomia e livre arbitrio perante aqueles (frequentemente idealizados no inicio) sobre quem depositaram toda a confiança. Instalada esta dependência total onde a vitima está agora desprotegida e frequentemente se econtra num pais diferente sem possiblidade financeira de voltar, surgem os abusos e as ameaças, diretos ou indiretos (feitos a colegas que servem enquanto "exemplos" do que pode acontecer a estas mulheres caso desobedeçam).

Tal pode mesmo configurar a situação de poder desmedido ou situação de mestre/escravo descrita no artigo anterior sobre o sindrome de Estocolmo.

terça-feira, setembro 02, 2014

Sindrome de Estocolmo: 41 Anos

No passado dia 26 de Agosto completaram-se 41 anos desde a origem do famoso "Sindrome de Estocolmo".

Trata-se de um estado psicológico que surge em situações frequentemente traumáticas, nas quais quem sofre deste sindrome se identifica e inclusivé se preocupa com os seus sequestradores. Trata-se de uma manobra psicológica, um mecanismo de defesa mobilizado pelo desespero e pela situação limite do sequestro, que representa em ultima análise um ato inconsciente de auto-preservação.

Esta condição psicológica é mais frequente em situações que envolvem a vitima ser feita refém de alguém, ou situações de rapto, contudo, o sindrome de Estocolmo também surge em relações de mestre e escravo, casos de esposas vitimas de agressões e membros de cultos destrutivos.

No dia 26 de Agosto de 1973, a força policial de Estocolmo cercou Jan-Erik Olsson, que assaltava então um banco no centro de Estocolmo. Olsson fez quatro reféns, durante um periodo de 6 dias. Após a captura de Olsson e de um amigo seu, que entretanto conseguiu entrar no banco enquanto parte das negociações anteriores entre Olsson e a policia, um dos reféns, agora em liberdade, abacou mesmo por criar um fundo de ajuda ás despesas legais de defesa dos seus sequestradores. Nasceu então o termo "Sindrome de Estocolmo".

No contexto de uma relação invulgar de poder desmedido e de isolamento relativamente a opiniões exteriores sobre o captor, podem surgir verdadeiros delírios na mente da vítima de sequestro. No contexto da obediência total, sob a percepção de que a fuga não é possível, sob a ameaça de morte (e morte da familia e dos entes queridos) pelo sequestrador, o gradual perceber pela vítima daquilo que despoleta a violência do captor - no sentido da sobrevivência - acaba por levar a vítima a sentir que conhece o captor.  Esta percepção conduz a que uma intimidade seja sentida com o captor. Aqui, o menor ato de generosidade, que pode por exemplo ser o não assassinato imediato da vítima, passa a ser gradualmente tomado por benevolência.  Gradualmente o captor passa a ser percebido enquanto o salvador, e a confiança nos outros exteriores que efetivamente podem proteger, pode perder-se. Oblitera-se a percepção de que a figura agora percebida como boa e protetora é também a fonte de todo o dano e prejuizo.


terça-feira, agosto 26, 2014

Homossexualidade e Budismo

Visão do budismo sobre a homossexualidade


Esta história foi retirada do facebook de um aluno que presenciou a partilha de opinião sobre a homosexualidade do Precioso Senhor da Dança, S.Ema. Chagdud Tulku Rinpoche. 
Uma senhora, após a palestra do lama sobre a diversidade da vida, perguntou:
- Mestre, o que é um homossexual?
Ele: – Um homossexual é uma pessoa que faz sexo com o mesmo sexo.
Ela: – Acho que o senhor não entendeu… Como o budismo vê o homossexualismo?
Ele: – Nós não vemos o homossexualismo. No budismo, não temos o costume de ver as pessoas fazendo sexo.
Ela [impaciente]: – Mestre, o que eu quero saber é a opinião do budismo sobre pessoas que fazem sexo com o mesmo sexo.
Ele: – Alguém pode dar opinião sobre quem não conhece? Você está falando em “pessoas”. Que pessoas?
Ela [quase louca]: – Qualquer uma! Qualquer uma!
Ele: – Todas as pessoas são milagres.
Ela [começando a espumar]: – O HOMOSSEXUALISMO É CERTO OU ERRADO?
Ele: – Atos homossexuais consensuais são atos de amor.
Tudo isso com a mesma expressão de quem vê um passarinho azul. Seguem-se aplausos e gargalhadas. Rinpoche sorri.
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Dalai Lama também foi questionado sobre as agressões contra lésbicas, gays, bissexuais e a comunidade LGBT. 

Ele respondeu ”Isso é errado”, ”É violar direitos humanos. Se duas pessoas realmente se sentem bem dessa maneira e ambos os lados concordam totalmente, então tudo bem”,  Dalai Lama

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Já Thich Nhat Hanh, quando questionado disse: 

O espírito do Budismo é a inclusividade. Olhando profundamente a natureza de uma nuvem, vemos o cosmos. Uma flor é uma flor, mas se olharmos profundamente para ela, veremos o cosmos. Tudo tem um lugar. A base, o fundamento de tudo, é o mesmo. Quando você olha para o oceano, você vê diferentes tipos de ondas, muitos tamanhos e formas, mas todas as ondas têm a água como seu fundamento e substância. Se você nasceu gay ou lésbica, o fundamento do ser é o mesmo que o meu. Nós somos diferentes, mas compartilhamos o mesmo fundamento do ser.” 

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Original de Leonardo Ota, Sobre Budismo 




sexta-feira, agosto 15, 2014

FÉRIAS


O que são férias?


A resposta mais óbvia refere-se ao período em que não se trabalha. É portanto um espaço-tempo mais livre onde podemos utilizar o tempo de outras maneiras e desfrutar de experiências gratificantes.

Para os emigrantes, as férias são muitas vezes sinónimo de reencontro com as famílias, de regresso ao país de origem e à cultura onde foram criados. 

Mas consoante as condições, a personalidade e os gostos pessoais, cada pessoa escolhe à sua maneira como quer passar as suas férias. Estas podem então significar viajar, fazer praia, ir a festivais, fazer hobbies, iniciar novos projetos, fazer outros trabalhos (de verão), juntar a família, juntar amigos ou não fazer nada.

Chamo a atenção para esta última sugestão, "não fazer nada"; basicamente "PARAR". Parar como uma forma não estruturada de meditar: não fazer nada na medida do possível. É portanto relativo: pode querer dizer estar imóvel ou fazer algo que requeira pouca energia ou até algo que de que se goste muito.

Pode ser durante um grande período de tempo (ex. dias) ou pequenos intervalos de minutos. A sua essência? Respirar fundo, auscultar-se, lembrar quem é e o que quer (os seus valores).

Para quê PARAR? Para melhor prosseguir; para me recentrar, reconectar mais e melhor comigo e com o mundo à minha volta; para refletir sobre algo ou simplesmente fazer o ponto da situação ou reganhar o sentido e a vitalidade. As questões mais importantes das nossas vidas (prático-filosóficas) só as podemos encontrar dentro de nós com a serenidade que permite escutar as verdades difíceis e com a lentidão - atenção, dedicação, consciencialização -que preciso para me aperceber delas.

PARAR é deixar a vida acontecer. Não fazer nada é algo de muito profundo; é deixar de reagir compulsivamente ao mundo. É alimentar a ação (centrada e criativa) e diminuir a reatividade (automática e repetitiva).

“Milhares de pessoas que anseiam pela imortalidade não sabem o que fazer numa tarde de chuva” Susan Ertz

domingo, agosto 10, 2014

Palavras e Imagens para o fim de semana


Séneca:

 "Não nos devemos preocupar em viver muito, mas sim em viver plenamente.
Viver muito depende do destino, viver plenamente, depende de nós próprios.
Que interessam os oitenta anos daquele homem passados na inacção?
Ele não viveu, demorou-se nesta vida; não morreu tarde, levou foi muito tempo a morrer. O que importa é ver a partir de que data ele começou a morrer.
Viveu oitenta anos? Não, existiu durante oitenta anos, a menos que se diga que ele viveu no mesmo sentido em que nos referimos à vida das árvores".







quinta-feira, agosto 07, 2014

O pensador e o pensamento


Existe alguma relação entre o pensador e seu pensamento, ou existe apenas pensamento e não um pensador? 
Se não houver pensamentos não há pensador. 
Quando você tem pensamentos, existe um pensador? 
Percebendo a impermanência dos pensamentos, o próprio pensamento cria o pensador que lhe confere permanência; então o pensamento cria o pensador; e o pensador se estabelece como uma entidade permanente apartada dos pensamentos que estão sempre em estado de fluxo. Assim, o pensamento cria o pensador e não o contrário. 
O pensador não cria o pensamento, pois se não houver pensamentos, não há pensador. O pensador se separa de sua origem e tenta estabelecer uma relação, uma relação entre o chamado permanente, que é o pensador criado pelo pensamento, e o impermanente ou transitório, que é o pensamento. Então, ambos são realmente transitórios. Vá investigar o pensamento completamente até seu fim. Reflita nele inteiramente, sinta-o e descubra por si mesmo o que acontece. Descobrirá que não existe absolutamente pensador. Pois quando o pensamento cessa, o pensador não existe. 
Nós pensamos que existem dois estados, o pensador e o pensamento. Estes dois estados são fictícios, irreais. Existe apenas pensamento, e o fardo de pensamento cria o “eu”, o pensador. - 

Krishnamurti, What Are You Doing with Your Life?

sexta-feira, agosto 01, 2014

Referência a algumas perturbações psiquiátricas graves


Eis um video ilustrativo de algumas perturbações psiquiátricas graves, que incorporam ou manifestam aspetos próprios do funcionamento psicótico da personalidade.





Algumas destas perturbações podem também indiciar lesões neurológicas, podendo simultâneamente ter uma origem ou componente psicogénica.

sábado, julho 26, 2014

Palavras e imagens 3

"A vida é como uma bicicleta, é preciso avançar para não perder o equilíbrio"
Albert Einstein







quinta-feira, julho 24, 2014

Nomofobia


Medo de viver sem telemóveis está a transformar-se 

numa patologia


Novo medo afecta cerca de 66% dos jovens adultos



Os novos distúrbios emocionais são o reflexo do estilo de vida cada vez mais autocentrado que levamos. Nos últimos anos, a tecnologia aproximou as pessoas, mas também as tem afastado.

Nos dias que correm, imperam a carreira profissional, o estatuto social, as relações virtuais e as gratificações fáceis e imediatas, pelo que importa conhecê-los.
E se há atitudes que conseguem incomodar profundamente, pegar num smartphone para enviar um SMS ou espreitar o que está a acontecer nas redes sociais durante um jantar entre amigas, é uma delas.
Já perdi conta ao número de vezes em que deparei com a minha amiga Catarina Pires (nome fictício) a distanciar-se da conversa do grupo para enviar (mais) um SMS, ler um e-mail ou para responder a um dos amigos que está online numa das várias aplicações de conversação que tem instaladas no seu smartphone.
Eu só dou por mim a questionar-me, mas porquê tantos chats? Se a melhor forma de comunicar com alguém continua a ser através de um simples telefonema ou, sempre que possível, cara a cara. Pelo menos, para mim. Mas, parece que para a Catarina Pires, não. Nem para ela, nem para uma grande maioria. Estudos internacionais recentes revelam que mais de metade da população receia ficar sem telemóvel.
Falamos de nomofobia, um novo medo que afecta cerca de 66 por cento dos jovens adultos, sobretudo mulheres e que se enquadra no âmbito das perturbações do controlo dos impulsos, tal como a compulsão por compras ou a compulsão sexual. Perturbações cada vez mais relatadas dentro dos consultórios de psicologia, que podem ter consequências nefastas.
O aumento da utilização dos smartphones e a necessidade de ligação constante às redes sociais acentuou a prevalência da nomofobia, «um desconforto causado pela incapacidade de comunicar por telemóvel, que pode dar origem a um medo patológico de ficar incontactável, que se enquadra nas perturbações do controlo dos impulsos», refere Cláudia Sousa, psicóloga clínica.
«Pode surgir associado a quadros de depressão ou ansiedade generalizada, mas também em pessoas saudáveis», alerta a psicóloga. Um estudo recente, realizado no Reino Unido, revelou que mais de metade das pessoas confessam que têm medo de perder o telemóvel (cerca de 66 por cento). Os adolescentes e os jovens adultos (principalmente mulheres) são os mais afectados.
Os sinais do medo
Caracteriza-se por uma sensação de pânico e de impotência, tremores, suores frios, falta de ar, náuseas, taquicardia e dores de cabeça. «Nos casos mais graves, pode chegar à depressão e à perturbação de pânico», alerta a psicóloga clínica Cláudia Sousa.
Actualmente, todos nós estamos permanentemente ligados, pelo telemóvel ou pelas redes sociais, mas, como acontece com qualquer outra perturbação psiquiátrica, o comportamento passa a ser patológico, quando interfere significativamente com os compromissos da pessoa.


De acordo com a especialista, os primeiros sinais que indiciam esta fobia são a necessidade de estar constantemente a olhar para o telemóvel, verificar obsessivamente se existem chamadas perdidas, sms ou emails, deixar de fazer algo importante para atender uma chamada e, caso se esqueça do telemóvel em casa, voltar atrás para o ir buscar, pondo em causa um compromisso importante.


Original em: Mulher.sapo
Texto: Sofia Cardoso com Ana Cristina Almeida (psicóloga clínica e directora clínica da Clínica Psicronos em Lisboa), Cláudia Sousa (psicóloga clínica no Instituto Cuf) e Fernando Mesquita (psicólogo clínico e sexólogo)

domingo, julho 20, 2014

Mais uma vez a questão da felicidade

Este interessante artigo, que remete para vários estudos de psicologia, refere que mesmo aquilo que nos faz feliz deixa de fazer a longo prazo.
Por outras palavras, é o desassossego, benção e maldição da humanidade.









Palavras e imagens 2

Ventos nos vales em África (via NASA)









quinta-feira, julho 17, 2014

A "ATENSÃO"


O que é estar atento? Até que ponto é importante?

Estar atento implica estar presente, consciente e disponível. Implica um estado de tranquilidade, de acalmia: um estado de "a-tensão" que permita que o sujeito não esteja distraído, ou seja, um estado em que não hajam demasiados focos de atenção a competirem (em "tensão") uns com os outros.

Estar atento implica um sentido de quietude recetiva. 
Quando algo não corre como gostaríamos ou nos magoa (física e/ou psicológicamente), sofremos. O que fazer? Como lidar da melhor maneira com as dores da vida (umas breves outras crónicas)?

A este nível, as crianças ajudam-nos a perceber o que fazer: quando sofrem, o que precisam quase sempre é - sobretudo - de ATENÇÃO. Querem muitas vezes "coisas", brinquedos, prendas, dinheiro; mas o que realmente "querem" e precisam é de atenção, uma atenção que reifique/valide o valor da sua existência ("ser o centro das atenções"). Ser o centro das atenções devolve um sentido de existência plena e preciosa a quem é alvo dela. Dar atenção a uma criança que sofre, uma atenção plena e empática, é ter espaço interno para acolher as suas dores. Dar atenção às "dores" é não lutar com elas, não as rejeitar (uma vez que elas se impõem independentemente da nossa vontade); é, pelo contrário, uma espécie de rendição, aceitação em relação "ao que é" que pacifica, não as dores, mas o nosso sofrimento em relação a elas. 

É pois um estado de A-TENSÃO em relação à realidade. Podemos e devemos fazê-lo connosco mesmos mas por vezes (ou muitas vezes!) a atenção de um nosso semelhante é uma preciosa ajuda.

domingo, julho 13, 2014

Palavras e imagens 1

Vi há dias um filme de Fred Schepisi, com o Clive Owen e a Juliette Binoche, cujo título é "Words and Pictures". Está traduzido em português como "Por falar de amor", um título completamente a despropósito e que desvirtua a questão essencial do filme. Sendo formalmente uma comédia romântica, o tema tem a ver com o valor e peso das palavras vs as imagens. Esta é uma questão muito importante para nós, psicoterapeutas, que trabalhamos com a palavras mas também com metáforas. Uma metáfora bem conseguida pode ser preciosa, mas por outro lado, a palavra....

Apesar da "guerra" entre a Juliette Binoche e o Clive Owen, gosto da palavra e gosta da imagem e acho que ambas podem ter grande impacto. Proponho-me postar uma ou outra a cada fim de semana.

Como "a princípio era o verbo", vou começar pela palavra:

When I was a boy of 14, my father was so ignorant I could hardly stand to have the old man around. But when I got to be 21, I was astonished at how much the old man had learned in seven years.

Mark Twain

quarta-feira, julho 09, 2014

Sigmund Freud e Carl Jung: Divergências, tensão e fim de uma relação



Freud e Jung são duas personagens de referência histórica para a psicologia, mais particularmente para a psicanálise.

Originalmente Freud considerava Jung um possível sucessor que poderia vir a liderar o movimento da psicanálise no futuro. Contúdo as divergências teoricas e tensões pessoais entre ambos conduziram à deterioração da relação que mantinham, o que resultou finalmente no fim da relação por meio da célebre carta que Freud dirigiu a Jung em 1913 (na foto).
  

Nesta carta Freud alega ser "demonstrávelmente falso" o facto de o próprio tratar os seus seguidores como pacientes, ainda que na mesma carta Freud faça alusão à "doença" de Jung.

Citando um exerto (traduzido) desta carta, Freud diz:
"A sua alegação de que o trato que dou aos meus seguidores é de os considerar enquanto pacientes é demonstrávelmente falsa... Trata-se de uma convenção entre nós analistas o facto de nenhum de nós necessitar de se sentir envergonhado pela sua própria neurose. Contúdo, um de nós (referindo-se a Jung), que ao mesmo tempo que se comporta de forma anómala também reivindica continuamente a sua normalidade, gera entre nós margem para suspeita de que ele próprio carece de insight relativamente à sua doença. Em consonância com este facto, proponho que abandonemos completamente as nossas relações pessoais."

"Não perderei nada à luz da presente decisão", continua Freud, "pois meu único laço emocional consigo tem sido de caráter frágil - o efeito lento e cumulativo de desilusões passadas - e você tem tudo a ganhar, de acordo com o comentário que fez recentemente sobre como a sua relação ínitma com determinado homem inibia a sua liberdade científica."

Freud e Jung relacionavam-se desde 1906. As diferenças profissionais e intelectuais, tão profundas quanto mais tarde se tornaram, possivelemente não teriam por si só conduzido ao fim drástico da relação entre ambos. Os conflitos pessoais que existiam na relação entre Freud e Jung, e que facilmente os conduziam a adotar falsas atitudes e tons ambigúos entre eles, parecem ter reforçado a tendência de alienação mútua.

sábado, julho 05, 2014

A mudança

Vi há dias num site esta imagem, cujo autor não estava identificado. Ao ler o que nela estava escrito ocorreu-me mais uma vez uma questão de que já tenho falado aqui: a da mudança e transformação. 
Quase toda a gente afirma convictamente que gostaria de mudar uma série de coisas na sua vida. Eu também (já agora).
Mas queremos mesmo mudar? Ou será que no fundo, no fundo, preferimos acomodarmos-nos nos velhos hábitos, rotinas, pensamentos, atitudes? Parece que mais vale um mal conhecido do que o desconhecido, como muitas vezes comento com os meus pacientes. 
Temos medo da mudança. Será que o inferno existe mesmo, como nesta imagem?