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quinta-feira, julho 17, 2014
A "ATENSÃO"
O que é estar atento? Até que ponto é importante?
Estar atento implica estar presente, consciente e disponível. Implica um estado de tranquilidade, de acalmia: um estado de "a-tensão" que permita que o sujeito não esteja distraído, ou seja, um estado em que não hajam demasiados focos de atenção a competirem (em "tensão") uns com os outros.
Estar atento implica um sentido de quietude recetiva.
Quando algo não corre como gostaríamos ou nos magoa (física e/ou psicológicamente), sofremos. O que fazer? Como lidar da melhor maneira com as dores da vida (umas breves outras crónicas)?
A este nível, as crianças ajudam-nos a perceber o que fazer: quando sofrem, o que precisam quase sempre é - sobretudo - de ATENÇÃO. Querem muitas vezes "coisas", brinquedos, prendas, dinheiro; mas o que realmente "querem" e precisam é de atenção, uma atenção que reifique/valide o valor da sua existência ("ser o centro das atenções"). Ser o centro das atenções devolve um sentido de existência plena e preciosa a quem é alvo dela. Dar atenção a uma criança que sofre, uma atenção plena e empática, é ter espaço interno para acolher as suas dores. Dar atenção às "dores" é não lutar com elas, não as rejeitar (uma vez que elas se impõem independentemente da nossa vontade); é, pelo contrário, uma espécie de rendição, aceitação em relação "ao que é" que pacifica, não as dores, mas o nosso sofrimento em relação a elas.
É pois um estado de A-TENSÃO em relação à realidade. Podemos e devemos fazê-lo connosco mesmos mas por vezes (ou muitas vezes!) a atenção de um nosso semelhante é uma preciosa ajuda.
segunda-feira, junho 24, 2013
HIPERATIVIDADE: UM DIAGNÓSTICO FÁCIL?
O diagnóstico de PHDA não é fácil, pois não existem marcadores biológicos exclusivos, nem instrumentos de avaliação específicos. Por outro lado existem vários fatores que podem levar a confundir sintomas “hiperativos” com a problemática propriamente dita, nomeadamente:
- A variedade de condições emocionais e do desenvolvimento com características semelhantes;
- O facto de crianças com PHDA terem muitas vezes um desempenho normativo durante a avaliação psicológica, por se tratar de um ambiente novo, individualizado e controlado por um adulto, para além de serem solicitadas tarefas curtas, variadas e estimulantes. Ao contrário do que é muitas vezes comunicado, a hiperatividade pode não estar presente em todos os contextos. Ter a criança colaborante e focada durante a avaliação psicológica não é critério de exclusão.
As
informações devem ser obtidas primordialmente a partir de relatórios dos pais,
professores, médicos e técnicos de saúde escolar e mental envolvidos, sendo
também essencial averiguar quaisquer causas alternativas, bem como a
coexistência de outras condições emocionais ou comportamentais (depressão,
ansiedade, oposição, perturbação do comportamento), de desenvolvimento
(aprendizagem, linguagem ou outros distúrbios do neurodesenvolvimento), e
física (tiques, apneia do sono). Deve-se, portanto, fazer uma recolha
abrangente de informações sobre o comportamento da criança em casa, com amigos,
sobre o desempenho académico e intelectual, e sobre o desenvolvimento e o funcionamento
emocional. Será ainda essencial recolher a história sobre a família alargada e
as relações familiares, tendo em conta que existe uma significativa carga hereditária.
São
amplamente conhecidos alguns questionários que são preenchidos pelos pais e
pelos professores, que embora, só por si, não tenham um valor diagnóstico,
permitem uma descrição do comportamento quotidiano.
É
importante ainda ter em conta o impacto da agitação comportamental e das
dificuldades de atenção nas atividades diárias; a ausência de um défice académico
e/ou relacional decorrente dos sintomas exclui o diagnóstico de PHDA. Por outro
lado, qualitativamente, deve ter-se em conta que os sintomas de hiperatividade
devem ter tido início antes dos 3 anos. Uma criança que era calma e fica muito
agitada aos 8 anos ou outra que começa a revelar sinais de desatenção aos 10
anos não terão PHDA, mas sim outro quadro que importará esclarecer. Aliás, é
frequente os pais de crianças hiperativas dizerem “ele/a é assim desde que
começou a andar” e desde cedo tiveram dificuldades em realizar algumas
atividades sociais, como ir a um restaurante ou a casa de amigos.
Dada a
hipótese cada vez mais sustentada de que a PHDA se enquadra num défice das
funções executivas, mediadas pelo funcionamento frontal e pré-frontal, será
importante a avaliação do planeamento, da flexibilidade cognitiva e da inibição
da resposta, para além da atenção, da sustentação do esforço e da memória de
trabalho. Será importante incluir na avaliação algumas tarefas mais monótonas,
repetitivas e prolongadas, às quais os sujeitos com PHDA serão mais sensíveis.
A resposta
ao título desta publicação será “Não, o diagnóstico não é fácil”. Requer uma
investigação exaustiva, avaliação especializada e observação atenta e
compreensiva, que implica uma articulação estreita entre pais, professores,
psicólogo/neuropsicólogo e neuropediatra. Parece, no entanto, ter-se tornado
num diagnóstico fácil para pais impacientes, professores desgastados e
profissionais de saúde assoberbados. Não é possível fazer um diagnóstico em
consultas de 10 minutos de regularidade mensal (na melhor das hipóteses).
É muitas
vezes no contexto da intervenção terapêutica que o diagnóstico é esclarecido.
Muitas problemáticas com sintomas semelhantes melhoram apenas com psicoterapia
e aconselhamento parental, enquanto que a PHDA requer também, na maior parte
das vezes, intervenção medicamentosa. Abordaremos a polémica questão da
medicação nas próximas semanas.
segunda-feira, junho 03, 2013
HIPERATIVIDADE: INCAPACIDADE OU INCONSISTÊNCIA?
A PHDA tem uma base essencialmente
neuropsicológica e os factores genéticos conjugam-se com as experiências do
indivíduo no seu meio ambiente, moldando o seu comportamento e a forma como
enfrenta e se integra na vida em sociedade.
Envolve distúrbios na atenção, na auto-regulação, no nível de atividade e no
controlo do impulso, sendo cada vez mais encarada como uma constelação de
sintomas que interage de forma complexa com o ambiente, dificultando a criação
de testes de diagnóstico. Por outro lado, existem poucos critérios
desenvolvimentais exclusivos e não existem marcadores específicos para o seu
diagnóstico. A PHDA parece distinguir-se de outras condições psiquiátricas e
desenvolvimentais devido à intensidade, persistência e constelação de sintomas.
De certa forma, a PHDA reflete um exagero do comportamento normal, seja por
demasia ou insuficiência do que é esperado em certos contextos, pelo que desde
muito cedo os indivíduos se debatem com a gestão dos impulsos, o controlo do
movimento, a sustentação da atenção, e a auto-disciplina do comportamento.
Apesar da
grande ênfase colocada nos sintomas da desatenção e da excessiva atividade como
défices centrais, a literatura emergente aponta para um défice nas funções
executivas, nomeadamente na auto-regulação. A dificuldade não está em prestar
atenção, mas em prestar atenção eficazmente, sendo portanto um problema de
desempenho e consistência, e não de capacidade. Será, assim, um problema que
resulta do facto de ser capaz de aprender a partir das experiências, mas ser
incapaz de agir eficazmente essa aprendizagem no desempenho.
Importa
acrescentar que existem diferenças significativas entre a ausência de controlo e
a desobediência, a desatenção e a distração, e ainda entre a atividade
excessiva e a agitação.
Continuaremos
a desenvolver o tema ao longo das próximas semanas, nomeadamente no que respeita ao funcionamento neuropsicológico e ao "comando cerebral" da atenção e da atividade.
segunda-feira, maio 27, 2013
HIPERATIVIDADE OU HIPER-DIAGNÓSTICO?
A
Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção é o distúrbio neuro-comportamental
mais comum na infância, que pode afetar profundamente o desempenho académico, o
bem-estar e as interações sociais das crianças. Caracteriza-se
por instabilidade da atenção, agitação excessiva e impulsividade.
Muitos
dos sintomas não são exclusivos da PHDA, podendo ser encontrados em outras
patologias, pelo que é importante uma avaliação especializada.
Apesar
de se usar o termo “hiperatividade” num sentido lato para explicar a agitação
das crianças, são muito poucos os casos em que estamos perante um quadro de
PHDA propriamente dito. Por exemplo, os casos mais frequentes são, talvez, os “hiper-mal-educados”!
A falta de regras leva a uma agitação frequente, associada à ausência de
limites, e a uma baixa tolerância à frustração que leva a conflitos constantes.
Mesmo perante estes casos, estamos perante sofrimento emocional uma vez que a
criança sente que ninguém a controla (daí a sua necessidade de controlar).
Estas crianças testam constantemente os limites, à espera de encontrar um
adulto capaz de perceber a sua insegurança e que lhes dê uma autoridade firme e
afetuosa.
A
agitação também é cada vez mais identificada nas perturbações depressivas e
bipolares, sobretudo nos rapazes. Trata-se de “não parar, para não pensar”. Nos
problemas de ansiedade, a agitação psicomotora também é frequente e traduz a
inquietação interna. Na deficiência mental e nas Perturbações Globais do Desenvolvimento,
a irrequietude está associada à não compreensão das normas e do contexto, entre
outros aspetos que podem ser partilhados com a base da hiperatividade e do
défice de atenção. Na psicose, existe um estado de alerta permanente devido ao
sentimento persecutório que leva a uma agitação como defesa contra a ameaça
percecionada. Há ainda as alterações transitórias, como a mudança de escola, o
nascimento de um irmão, um conflito familiar, algo que acontece na vida da
criança que requer compreensão e adaptação da sua parte.
Em
qualquer dos casos, existe sofrimento emocional. A grande distinção
entre estes quadros é talvez a causa e a consequência. No caso da PHDA, temos a
agitação (de origem neurobiológica) que provoca sofrimento devido à crítica e à
punição constantes, bem como pelo sentimento de não corresponder às expetativas.
Nos restantes casos, há um sofrimento que causa a agitação.
Esta
tem sido a minha visão da hiperatividade Vs agitação, motivo pelo qual
considero que tem havido um sobrediagnóstico e, consequentemente, uma
sobremedicação das crianças. Preocupa-me que a nova revisão do manual das perturbações
mentais (DSM-V), publicada há menos de um mês, não tenha, ao contrário do
esperado, afunilado os critérios de diagnóstico. Aliás, aumentou até a sua abrangência,
por exemplo ao considerar o início dos sintomas até aos 12 anos, quando
anteriormente se considerava que as manifestações deviam estar presentes antes
dos 7 anos e, qualitativamente, com sinais evidentes anteriores aos 3 anos.
Só
esta pequena alteração nos critérios irá, na minha opinião, aumentar o risco de
confusão e de diagnósticos apressados, colocando no mesmo “saco” da Hiperatividade
outros quadros, com causas diferentes e, como tal, que requerem intervenções
diferentes.
Continuarei
a desenvolver o tema da PHDA nas próximas semanas.
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