sexta-feira, maio 26, 2006

Uma entrevista com Freud – A febre chamada viver

Há uns dias estive a ler uma entrevista que Freud deu, em 1926, ao jornalista americano George Sylvester Viereck. Freud tinha na altura cerca de setenta anos.

A entrevista foi-me dada a conhecer por uma colega e é, na minha opinião, extremamente interessante. Mostra um Freud com serena humildade, mas simultaneamente em sofrimento pela doença que o consumia. O tom e o conteúdo da entrevista fazem-me pensar num Freud “pacificado” a aguardar serenamente a sua morte. Fala-nos da velhice - da sua velhice - e diz-nos que teve bons momentos, durante os quais apreciou as coisas agradáveis da vida e saboreou a companhia da sua mulher, dos seus filhos e a beleza do pôr-do-sol. Conta ainda que teve o privilégio de ter em certas ocasiões uma mão amiga para apertar, e uma ou outra vez alguém que quase o compreendeu.

Ler esta entrevista é uma lufada de ar fresco em relação à imagem tão intensamente divulgada de um Freud narcísico e autocentrado. Mostra um homem sensível às coisas simples e mundanas. Cansado de viver. Saturado das “eternas lutas entre o ego e a realidade” e esgotado pelo sofrimento e o incómodo que a doença lhe provocava.

Quando questionado sobre a morte, diz:

“É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo da própria destruição. Do mesmo modo como um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objectivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.”.

Aconselho vivamente a leitura desta entrevista.

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