sexta-feira, setembro 13, 2013

Realidade virtual e esquizofrenia: um bom casamento?



Tem sido muito discutido o papel das tecnologias e a forma como elas nos têm invadido e se têm infiltrado na nossa vida de uma forma historicamente revolucionária (ver por exemplo o post sobre o filósofo Michel Serres que muito tem refletido sobre este assunto). O mundo vritual e as novas capacidades de comunicação vieram modificar completamente as dimensões espaço-tempo que costumavam existir no quotidiano da nossa vida: já não é preciso praticamente tempo para estabelecer contacto com uma dada pessoa, nem tão pouco percorrer um dado espaço que me distancia a mim da tal pessoa. O papel dos sentidos do corpo, dos ritmos das pessoas, dos valores interpessoais, etc. estão a ser claramente influenciados por estas novas possibilidades tecnológicas.
Já temos abordado alguns problemas que surgem com esta mudança revolucionária de apenas escassas décadas, mas desta vez iremos focar o que parece ser uma forma curiosa e benéfica de utilizar a realidade virtual no melhoramento de pessoas com esquizofrenia grave.
O estudo empírico é deste ano de 2013, publicado na revista "British Journal of Psychiatry" e tem como título "Computer-assisted therapy for medication-resistant auditory hallucinations: proof-of-concept study", ou seja, é uma investigação que pretende determinar o efeito de uma intervenção terapeutica assistida por computador, em pacientes com alucinações auditórias resistentes à medicação. 
A pertinência deste estudo é sobretudo atribuída à existência de uma prevalência ainda significativa de pacientes com esquizofrenia que respondem mal ao tratamento psicofarmacológico, continuando a ser perseguidos por alucinações auditivas (1 em cada 4).
A equipa de investigadores desenvolveu um sistema computorizado que permite ao paciente criar um avatar do seu "perseguidor", encorajando-o de seguida a entrar em diálogo com ele através do terapeuta (que o controla). O objetivo é fazer com que o avatar vá ficando cada vez mais sob o controlo do paciente, através da manipulação do avatar pelo terapeuta, em diálogo com o paciente, quer como terapeuta, quer na figura e voz do avatar.


Para testar a eficácia desta intervenção comparou-se uma amostra de 12 pacientes que participaram neste dispositivo inovador de tratamento, com 14 pacientes igualmente resistentes ao tratamento médico acompanhados com uma psicoterapia de apoio que incentivava estes pacientes a ignorar as vozes alucinatórias e a não dialogarem com elas.

Os resultados foram positivos para o grupo experimental (vs grupo de controlo), tendo os pacientes do primeiro grupo apresentado mais melhorias, nomeadamente, ao nível da redução da frequência e intensidade das alucinações, bem como, ao nível de uma diminuição do medo e dificuldade em controlá-las.

2 comentários:

Clara Pracana disse...

Interessantîssimo, João.
A tendência é pensarmos que o uso da internet pode acentuar algumas patologias, designadamente a esquizoide (eu própria escrevi um artigo sobre isso há uns anos atrás), mas esta é uma aplicação verdadeiramente inovadora.
Obrigada pela divulgação. Gostava de saber como reagem os nossos psiquiatras.

João Ferreira disse...

É Clara, também achei muito interessante. Ao fim e ao cabo, parece ser uma forma de psicodrama virtual, partindo através de uma aliança com as defesas projetivas dos pacientes (em vez de as reprimir), para depois tornar mais fácil o processo de re-integração introjetiva de partes do self alienadas (sob a forma de alucinações auditivas).