Estamos na
inter-net.
Inter-ligados
de uma maneira tão global e massificada como nunca.
Encontramos
todo um conjunto de informação absolutamente impressionante - tudo é
"googlavel" atualmente - mas também de pessoas e contactos para todo
o tipo de efeitos.
A pornografia
tornou-se algo de incrivelmente banal e acessível. Pode não ser fácil pensar
sobre ela – a pornografia consome-se, não se reflecte sobre! No entanto, gostaria
de expor um pouco este tabu, mencionando as problemáticas associadas a quem a
produz, bem como, as razões e os efeitos de quem a consome (desde um consumo
esporádico a compulsivo).
"Pornografia
provém dos vocábulos gregos "pornos" (prostituta) e
"graphô" (escrever, gravar). O primeiro destes vocábulos é da mesma
família de outros, como "porneuô" (ser prostituta, viver da
prostituição) e "pernêmi" (vender, exportar). Este último deve-se ao
facto de, inicialmente, as prostitutas serem escravas."
Interessante
a origem da palavra. Sobretudo se pensarmos na pornografia de uma forma mais
contextual e incisiva, como "prostituição cinematográfica". Os atores
ou modelos vendem literalmente a sua imagem e intimidade e, com isso, a sua
dignidade e auto-estima (já para não falar nos problemas de saúde e na
violência física e psicológica associados…).
A internet
pode servir para LIGAR, mas nestes casos, serve para DESLIGAR: o consumo de
pornografia estimula laços de uso e abuso sexual do outro sem qualquer ligação
“humana” ou “emocional”. Aliás, a principal mensagem que gostaria de transmitir
é que a pornografia é uma forma de SUBSTITUIR e COMPENSAR um défice ou
insatisfação de LAÇOS emocionais – de LIGAÇÃO HUMANA. Comporta, pois, uma dose
grande de frustração, impotência e solidão (muitas vezes inconscientes),
procurando buscar um alívio rápido e desesperado na gratificação/descarga do
prazer sexual. Nas fantasias sexuais associadas, há sempre uma dose mais ou
menos considerável de, dominação, posse, triunfo, vingança e controlo – sadismo
– ou o inverso – masoquismo. São, deste modo, fantasias que não só alimentam a
violência e a intolerância à frustração, mas também substituem e dificultam
ainda mais o investimento real de RELAÇÕES HUMANAS satisfatórias (íntimas) –
sobretudo quando compulsivas.
São uma ponte
ilusória para o outro, uma busca “de intimidade sexual forçada”, em vez de um
encontro recíproco de “olhar e ser olhado” no que respeita aos sentimentos,
necessidades e interesses (de onde a relação sexual pode advir como desejo
mútuo de maior intimidade).
O que fazer
nos tantos casos de pessoas que, pelas suas histórias pessoais de negligência
ou abuso (emocional, físico ou sexual), se deixam apanhar por esta rede (“net”),
quer de produção, quer de consumo de pornográfico? Como interromper o ciclo de
repetição e manutenção de relações de abuso? A dependência de actividades sexuais
ou de pornografia pode funcionar como uma terrível droga de uso, abuso,
isolamento e degradação humanas.
O importante
a sublinhar: criadas por relações patogénicas (disfuncionais), estas
problemáticas podem também ser ultrapassadas através de relações sanígenas
(saudáveis) igualmente continuadas, profundas e íntimas, onde a compreensão, o
respeito e a aceitação imperam.
Haverá fé e
coragem para arriscar investir mais neste último tipo de relações?
6 comentários:
Olá João. Acho que a pornografia como muitas coisas na vida, não tem só um lado mau. Acho que o problema da pornografia está nos excessos e nas utilizações obsessivas e/ou perversas. Em si, a pornografia, no sentido da apresentação de sexo cru e no sentido de ser um instrumento para estimular a excitabilidade sexual na pessoa que a visiona (consome) não me parece algo necessariamente mau. Vejo na pornografia e no acesso livre a filmes e fotos pornográficas a possibilidade de termos acesso a conhecimentos (anatómicos e não só) que seriam dificies de obter de outra forma. A descrição dos genitais dos livros de biologia e anatomia, não mostram os genitais em acção. A sexualidade passasse por norma na intimidade, é algo altamente privado e não publico, pelo que será dificil termos a oportunidade de vermos outras pessoas a fazer amor e fazermos uma especie de aprendizagem por identificaçao como fazemos em tantas outras coisas na vida... a pornografia dá-nos essa possibilidade sem sermos intrusivos na intimidade de outrem. Acho que a pornografia pode ser educativa, pode ajudar os casais a se desinibirem, as mulheres a aprenderem a se masturbar e alcançarem gozo sexual descomplexado, etc, etc.
Acho que o problema não está na pornografia, mas no uso que se faz dela, na sua massificação e nas versões perversas da vivência da sexualidade que circulam e são estimuladas pela massificação do consumo de pornografia de má qualidade.
Olá João, concordo com a Ana em geral. A pornografia, como muitas coisas na vida não é necessariamente má nem boa. Cadaumsabe de si (falo de adultos). Tenho pacientes que se queixam de que o maridos em vez de irem para a cama à noite, ficam a ver pornografia no computador. Aprofundando questão,descobre-se que o problema essencial está na relação entre os dois. Também conheço casais que vêem pornografia juntos como forma de "preliminares". Outras pessoas acham que a pornografia "mata" o erotismo. Mas há tanta coisa que mata erotismo... Em resumo, isto é um bocadinho como a masturbação. É má? Também conheço mulheres que se queixam que os maridos mais facilmente se masturbam do que fazem amor com elas e sentem isso como uma rejeição. Julgo que, infelizmente, a maior parte dos humanos quer por força controlar a vida do parceiro, incluindo sexualmente. Fariam melhor se se interrogassem como manter uma relação eroticamente "viva" (não é fácil).
Viva João!
Percebo a tua visão. Referes-te a um contexto, uso e efeito particular da pornografia, e sim, parece-me que faz todo o sentido o que dizes. Parece-me também muito válida a opinião da Ana e da Clara, são outros contextos, usos e efeitos da pornografia.
No geral a sexualidade, como sabemos, pode englobar/expressar a totalidade ou a quase totalidade da experiencia relacional humana, pelo que os contextos em que se expressa, os temas que lhe são inerentes e o uso que é feito dela variam tanto quanto a psicologia individual pode variar de pessoa para pessoa, e tanto quanto as relações humanas podem variar entre si.
Podemos olhar para o meio da pornografia do ponto de vista do ator, da atriz, do mercado da pornografia, da comunidade da pornografia - o exemplo dos AVN Awards, uma cerimónia conceituada de atribuição de prémios dentro da comunidade da pornografia que valida e promove estatuto, organização e competição dentro do meio pornográfico e erótico. E finalmente o ponto de vista do consumidor.
Tenho conhecimento de relatos de atrizes porno que falam como existe muita psicopatologia no meio da pornografia. Outras realçam o aspeto da remuneração apelativa e dedicam-se em exclusividade à pornografia, ou usam-na como fonte extra de rendimentos. Conheço relatos de casos em que as atrizes ou aspirantes a atrizes são abusadas (ou parecem ser - a simulação de abuso é um negócio bastante rentável da pornografia, e bastante do que aparentemente são situações de abuso ou sexo casual são de facto simulações. Não esquecer que é um meio de entertenimento e os representantes são atores ou aspirantes a tal). Conheço relatos também em que a atriz pode rejeitar contracenar com alguém ou mesmo restringir o tipo de sexo que irá ter com a outra parte. Certamente existem centenas de outras configurações situacionais e motivações pessoas para fazer ou consumir pornografia.
Concordo com a aprendizagem educativa que a pornografia permite, via identificação, bem como a criatividade sexual que daí pode advir e a possibilidade de tal enriquecer a vida sexual do casal.
Mas, claro, partindo do exemplo da Clara, a insistência na pornografia com exclusão de outras formas de gratificação sexual, e inclusive misturada com o evitamento do sexo com a(o) companheira(o), pode de facto sinalizar uma utilização menos saudável da pornografia que esconde algo por detrás.
Obrigado pelos comentários! Em muito enriquecem e contrabalançam o meu texto, sem dúvida, com uma carga muito negativa sobre a pornografia. Não posso deixar de admitir que me surpreenderam as perspectivas mais relativistas apresentadas, o que me obriga a repensar o tema de forma mais cuidada, bem como, a questionar-me. No entanto, gostaria de debater alguns comentários clarificando o meu ponto de vista.
A questão que me parece ter sido a mais levantada e pertinente foi: é a pornografia uma coisa má?
Esta questão ficou a ecoar na minha cabeça com algum incómodo porque não pretendo ser moralista, conservador ou ter uma visão pecaminosa da pornografia.
Uma das formas que encontrei de responder a esta questão foram duas analogias: uma referente à questão da industria pornográfica e a outra relativa ao consumo da mesma.
A primeira é a seguinte: será “mau” comprarmos roupa na Primark (ex.) sabendo que a roupa que estamos a comprar é fruto da exploração e abuso de pessoas no Bangladesh? Ou comprar uma roupa de pele? (Este link ajuda-nos a perceber a semelhança destas problemáticas com o que se passa efectivamente no mundo da pornografia: https://www.youtube.com/watch?v=gRJ_QfP2mhU)
A segunda é: é “mau” consumir exctasy? Ou insultar ferverosamente o árbitro ou os adeptos da equipa adversária durante um jogo? Ou ver o Big Brother ou a Casa dos Segredos?
Não sei se as analogias são as mais adequadas mas foram as que me vieram à cabeça. À primeira categoria de analogias respondo que quanto mais sensíveis formos às questões subjacentes e tivermos possibilidades alternativas, mais evitaremos esse consumo.
À segunda categoria de analogias respondo que não tem “mal” mas não é o mais saudável e harmonioso emocional e relacionalmente. Considero a pornografia uma actividade alienante, com um potencial aditivo considerável, bem como, transmissora de modelos de relação altamente machistas e artificiais relativamente à sexualidade humana (para citar apenas algumas “problemáticas” associadas). Claro que é uma crítica geral que não se aplicará em todos os casos… E que é sem dúvida o consumo compulsivo a questão problemática fulcral.
Relativamente à masturbação; não me parece que seja uma questão semelhante à da pornografia, ainda, que quando compulsiva também possa encerrar os seus problemas. Desde logo, não “alimenta” a exploração sexual da indústria pornográfica (questão ética e de consciência social – ver link supra citado). Em segundo lugar, uma coisa é fantasiar (a fantasia não tem limites!), outra coisa é a alienação e a possessão (virtual) sexual das pessoas retratadas em imagens ou filmes. Ou seja, estimula muito mais a coisificação (sexual) humana e a fixação nessas imagens/acções.
Não quero com isto dizer que as relações humanas têm de ser feitas de paz e amor e que não haja raiva, violência, coisificação e egocentrismo. Claro que há em todos nós… e não é na pornografia que está o “demónio” do mundo! Mas será que a pornografia pode ser assim “tão” relativizável? Tenho as minhas dúvidas. (estou a ver que este assunto dava pano para mangas! Desculpem o testamento)
Vejo que esta discussão está a ser muito animada e tenho pena que os nossos leitores não-psicólogos não entrem nela. Era bom ter tb outras perspectivas.
Tb queria explicar que,se fui buscar o exemplo da masturbacao foi só no sentido de ser tb uma actividade solitária (em geral...) e por aí tb alienante, na opinião do outro membro do casal. Apenas reflicto as queixas que ouço nesse sentido. Como expliquei, alguma coisa costuma estar mal na relação, o problema não está na masturbacao em si.
É evidente que tb me repugna a exploração de jovens mulheres na indústria pornografica, mas igualmente me repugna a prostituição de menores. E outras coisas na vida. Acho que quanto a isso não terei deixado dúvidas.
Já agora, quero frisar, na minha posição nesta matéria, o seguinte: os adultos devem ser livres de usar a sexualidade como lhes aprouver, desde que com consentimento do parceiro, tb ele adulto. Eu, pessoalmente, tenho a convicção de que a pornografia mata o erotismo - e para mim é o erotismo que está no cerne da psicosexualidade. O mau gosto e o excesso de realismo da pornografia desmotiva-me e consegue secar o desejo. Mas isto sou eu... Cada um sabe de si e da forma como nos relacionamos, nas nossas cabeças e corpos, com nós próprios, com os outros e com o desejo.
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