Dentro de cada um de nós existe um lago...
Esse pode ser um lago de águas calmas e cristalinas, de águas turvas e agitadas, ou até de águas poluídas. Pode ser um lago mais vazio ou em vias de extinção, ou mesmo a reminiscência de que outrora um lago ali existiu. Esse lugar pode ainda ser o lugar de uma paisagem assombrada, inóspita e acidentada, que jamais acolheu qualquer tipo de águas ou formou noção do que acolher algo semelhante poderia ser.
Esse pode ser um lago de águas calmas e cristalinas, de águas turvas e agitadas, ou até de águas poluídas. Pode ser um lago mais vazio ou em vias de extinção, ou mesmo a reminiscência de que outrora um lago ali existiu. Esse lugar pode ainda ser o lugar de uma paisagem assombrada, inóspita e acidentada, que jamais acolheu qualquer tipo de águas ou formou noção do que acolher algo semelhante poderia ser.
O lago interior toma forma a partir do que dentro de nós
existe, e em que circunstâncias isso existe - de que forma e em que estado.
Retrata quer a dança harmoniosa e a parceria cooperante, quer a luta afincada e
a irremediável reconciliação entre os mais variados aspetos que habitam dentro
de nós, ou entre os vários lados de um mesmo aspeto. O lago interior é também o
que lá foi depositado pelo outro e o que se fez com isso. È o próprio
observador que observa e a condicionante que o condiciona, na forma como ele é,
como se sente e como se percebe perante si mesmo, perante o outro, no mundo e
na relação. È a harmonia e/ou desarmonia entre tudo isso.
O lago de águas calmas e cristalinas cativa o olhar
contemplativo e curioso, o olhar que varre a superfície das águas espelhantes e
transporta para o íntimo de quem observa o sentimento do sereno e do sublime.
À luz do sol, o lago cristalino convida o mesmo olhar ao
mergulho quase que irresistível na intimidade das suas águas. Elas aliciam pelo
privilégio de poderem ser atravessadas e reconhecidas na sua translucidez
resplandecente e nas formas, feitios, cores e movimentos que se revelam nas
suas profundidades. Assim, o lago de águas cristalinas desvela a sua
identidade.
As águas calmas ilustram harmonia, formam a unidade espelhante em
que se converte a superfície de um lago, que retrata então fielmente o “lá fora” envolvente,
e sem distorção devolve-lhe a sua beleza. Ou a sua fragilidade, pois águas
calmas não distorcem, não mentem, apenas refletem.
O lago de águas turbulentas não forma o reflexo do circundante
à sua superfície. Águas agitadas não criam condições para mais que formas
abstratas, distorções daquilo que é. O que nestas águas habita fica ofuscado
pelos choques de correntes e contra correntes internas. Outras vezes águas
turbulentas significam mudança, e trazem consigo a promessa de algo novo, de
diferente, de necessário.
O lago de águas turvas, poluídas (muitas vezes
agitadas)... Pouco capaz de se olhar e se reconhecer como de facto é, tampouco consegue purgar o agente corruptor das suas águas. O agente oculto e que se oculta, deixado pelos rios que noutros tempos ali desaguavam (e
que algumas vezes também deixavam coisas boas), perpetua atrocidades sobre as águas do lago, sobre tudo o que elas acolhem e sobre tudo o que as rodeia - a
própria paisagem e natureza em que se enquadram. Incapazes de se auto-filtrarem,
as águas vêem-se transmutadas para o inóspito. Para a ele sobreviver, dividem-se (toscamente), convencem-se que não sao elas mas sim os outros lagos e rios que detêm tudo aquilo que de mais deplorável existe nelas. E assim, convencidas da sua limpidez, julgam e desprezam na crença mais que convicta (não fosse por ventura surgir a dúvida aterradora!) de que é o alheio que alberba todos esses aaspetos e agentes repudiáveis e vergonhosos que, na ilusão, não lhes são próprios, nem jamais lhes puderam alguma vez ter pertencido ou podem vir a pertencer. Agitado e sob ameaça incogniscivél, o lago ergue massivas comportas internas e corta ligações com as suas fontes. E assim o lago irá secar, até não sobrar senão um solo
marcado por poças disformes de água estagnada.
Na fuga a ele próprio e na procura de um lugar para
existir, alguns lagos cosneguem ainda juntar-se a outros lagos, mutias vezes por afinidades ou
complementaridades quase que intuitivas, não entre águas, mas entre agentes
de poluição e corrupção interior.
Aqueles mais turvos e poluídos são por vezes os que se convencem e se passam como os mais límpidos e cristalinos. Ponderar que pudessem alguma vez precisar de rio algum ou do que estes lhes pudessem oferecer é pura heresia - e ai do rio que se julge maior que eles! Muitos são já poças de água tão pequenas, tão secas e tão ameaçadas de estinção que se mascaram de grandes e ilustres rios (e até oceanos), para não perceberem a dor da necessidade ligada à falta da fonte ou do rio disponível e provedor. Mascaram-se porque receiam abrir
as suas comportas a qualquer tipo de correntes externas - o derradeiro perigo.
Diogo Gonçalves
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta