È um vazio interior persistente - frequentemente abafado ou curto-circuitado por outras preocupações do quotidiano, que servem uma função defensiva contra esta forma particular de dor interior. É, por exemplo, a percepção de que não se pode parar, que há muita tarefa para fazer, que a vida não permite o parar para refletir, para sentir. No fundo é a necessidade defensiva da própria pessoa organizar a sua vida de tal forma que acaba por criar essa mesma percepção da realidade. Mas por vezes não há mesmo a capacidade para se elaborar a experiencia em termos de sentimentos e pensamentos, como se o aparelho psiquico nunca tivesse sido particularmente utilizado nesse sentido, pela própria ausencia de alguém, um cuidador, que cuida pela sensibilidade e pela preocupação em ajudar a gerir as emoções dificieis e a organizar o pensamento.
Esse vazio, enquanto ausência interna de uma figura cuidadora (e da respetiva capacidade de cuidar), implica também a relativa despreocupação face a nós mesmos, face à nossa saúde, e ligado a tal, a dificuldade ou incapacidade de nos termos profundamente em consideração, de cuidarmos devidamente de nós mesmos. Não nos autoconsideramos de forma natural, espontânea e suficiente. Essa consideração sobre nós mesmos, essa autoestima, é baixa. Por outras palavras, como se a possibilidade e função de cuidarmos genuinamente de nós mesmos e de nos protegermos (assim como uma mãe cuida do seu bebé, na sua dependência e vulnerabilidade) estivesse ausente, ou existindo, surgisse enquanto algo muito forçado, penoso ou não natural, não interiorizado. Como o médico que insiste contínuamente para que o seu paciente cuide melhor de si. São com frequência os cuidados do médico - a sua sensibilidade, a sua disponibilidade, a sua preocupação e o seu interesse pelo paciente - que capacitam o próprio paciente a cuidar melhor de si, nomeadamente quando o médico, ou o cuidador, não estão presentes (e dado que se consiga receber internamente esses cuidados e os mesmos possam sobrevivier à ausência ou separação física em relação ao cuidador).
Um vazio é também o sentimento de não existir ninguem no mundo genuinamente preocupado connosco e suficientemente interessado em nós. Alguém que para nós seja especial e fundamental, e para quem sintamos que somos importantes, não porque temos esta ou outra qualidade ou aspeto que suscita interesse, mas apenas e simplesmente porque existimos e porque somos nós mesmos. Assim como uma mãe e também um pai são no incio da vida o centro do mundo de uma criança, tal como a criança é centro das atenções dessa mãe e desse pai.
Para muitas das mulheres vitimas de tráfego humano, a imagem de alguém que lhes promete proteção e abrigo acaba por ser irresistível, pois apela a algo que no fundo se sentiu que nunca se teve e se necessita muito.
Sucumbindo à sedução, no contexto desta enorme fragilidade constituicional do Eu e da promessa de dinheiro/sustento rápido - ainda que não necessáriamente fácil(!)-, estas mulheres rápidamente se permitem ser arrastadas para uma situação de perda total de controle sobre a situação, deparando-se com perda da autonomia e livre arbitrio perante aqueles (frequentemente idealizados no inicio) sobre quem depositaram toda a confiança. Instalada esta dependência total onde a vitima está agora desprotegida e frequentemente se econtra num pais diferente sem possiblidade financeira de voltar, surgem os abusos e as ameaças, diretos ou indiretos (feitos a colegas que servem enquanto "exemplos" do que pode acontecer a estas mulheres caso desobedeçam).
Tal pode mesmo configurar a situação de poder desmedido ou situação de mestre/escravo descrita no artigo anterior sobre o sindrome de Estocolmo.