segunda-feira, janeiro 21, 2013

O MAL DA PSICOTERAPIA


Há tempos li um artigo numa revista que falava dos malefícios da psicoterapia e de como “o psicólogo” quase estragara a vida a algumas pessoas…  E não são raros alguns comentários que, direta ou indiretamente, ecoam esta ideia.

Ao contrário do que pode ser a opinião de algumas pessoas, o psicoterapeuta não tem a função de dar palmadinhas nas costas do paciente. O trabalho terapêutico passa pelo levantamento da história da pessoa e pela compreensão das suas vivências nos diferentes contextos de relação com o outro e consigo próprio. Este trabalho aprofundado levanta o pó muitas vezes sedimentado ao longo de anos através de mecanismos de defesa. Um pó que, apesar de aparentemente inócuo e varrido pela idade, ocupa demasiado espaço na vida interior de cada um e impede o encontro com recursos emocionais mais limpos e mais eficazes. Por isso, muitas vezes os pacientes trazem-nos uma determinada queixa e esta é abordada através de outras vivências que aparentemente nada têm a ver com a preocupação atual.

Quando utilizamos o computador, organizamos os ficheiros por pastas: fotografias, documentos, músicas, e não podemos guardá-los todos ao longo da nossa utilização. Temos de apagar alguns itens, enviando-os para o recycle bin, que depois deve ser esvaziado. De tempos a tempos, temos ainda de fazer correr o anti-vírus e de eliminar ficheiros temporários e cookies. Caso contrário, o sistema fica demasiado pesado e lento, vulnerável a ameaças, e deixa de funcionar eficazmente.

Passa pelo nosso trabalho, levar o indivíduo a perceber o modo como o pó ou o lixo do passado interfere com o seu funcionamento atual. Este é, muitas vezes, um trabalho doloroso. De certa forma, faz parte da nossa cultura, não mostrar os sentimentos, aprender a disfarçar, fazer de conta que não acontece, mascarar a tristeza e fingir que a mesma não existe. É uma espécie de “Vou andando, obrigado”, resposta sempre pronta quando alguém pergunta como estamos. Em psicoterapia não pretendemos que o paciente vá andando, muito menos em cima de terrenos sinuosos, areias movediças e buracos escondidos.

Muitas vezes é preciso destruir, ou pelo menos sacudir, para construir alicerces mais sólidos e estáveis. E este processo implica entrar em contacto com afetos nem sempre fáceis de gerir (porque ao contrário do computador, não se podem eliminar definitivamente as memórias), a necessidade de deprimir e ir ao fundo, para depois submergir com maior fôlego. E é aqui que as coisas se complicam com alguma frequência. O paciente diz-nos “eu vim aqui para ficar melhor e parece que estou pior”. Por vezes são até as pessoas que rodeiam o paciente que reforçam esta ideia, porque passam a existir respostas que até aqui não se viam (maior revolta, maior expressão da tristeza, etc). O pior é a confrontação com os fantasmas e os sentimentos adormecidos. O melhor é que esta fase não vai durar para sempre. 

É uma espécie de reciclagem, o tratamento do lixo emocional, para transformar em novo e melhor, mais adaptativo. Há histórias mais dolorosas que outras e processos mais demorados que outros. E algumas vezes a realidade é tão dura e os recursos ainda tão frágeis que, no meio desta viagem, o paciente prefere acreditar que é a psicoterapia que lhe faz mal e sai uma paragem antes.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

Entrevista online de António Coimbra de Matos (2010)


- António Coimbra de Matos, psicanalista:

"Na sociedade atual a vergonha substituiu a culpa"


Foi um dos primeiros terapeutas a fazer análise em Portugal. Aos 80 anos, continua a trabalhar dez horas por dia. António Coimbra de Matos, decano dos psicanalistas, é um otimista nato.

Entrevista de Ana Soromenho (www.expresso.pt)

8:33 Terça feira, 3 de agosto de 2010


O ponto de partida da conversa era o prazer. E o nosso interlocutor um homem experiente, doutorado nos mistérios do inconsciente, nas emoções e nas contradições de que é composta a fibra humana. Mas António Coimbra de Matos, consagrado decano dos psicanalistas portugueses, não gosta de respostas taxativas: "Isto é assim, aquilo é assado...". Deixa sempre uma margem para a dúvida, desvaloriza: estamos melhor numa sociedade que celebra o prazer do que naquela que vivia na culpa. Diz-se um pragmático. Mas é sobretudo um otimista. Um psicanalista generoso que acredita nas pessoas e no que elas sabem sobre si.
Aos 80 anos continua a formar e a ouvir. No seu amplo consultório - um terceiro andar de um prédio em Lisboa - em frente à secretaria atafulhada de papéis há um cadeirão desenhado por Charles Eames. É aqui que se senta. Ao lado, a célebre chaise longue de Le Corbusier. É aqui que deita os seus pacientes. "O colchão vermelho fui eu que o mandei fazer", diz, apontando para o divã. "Tive um paciente bastante largo que não ficava nada confortável aqui deitado. Agora, ficou melhor. Quer experimentar?"

Nas sociedades atuais vivemos obcecados pela ideia do prazer? Penso que não. É uma ideia que se vende muito mas que não corresponde à realidade.

Quando iniciou a sua vida profissional, nos anos 60, a palavra prazer não fazia parte do nosso léxico como hoje faz. Deste então ganhou uma imensa proporção. Nessa altura, associava-se quase exclusivamente ao prazer sexual. Hoje o prazer de que as pessoas tanto falam tem sobretudo que ver com usufruto.

O que a revolução sexual veio reivindicar foi precisamente o prazer no sexo. Passou a ser um tema. As pessoas passaram a falar e a viver a sexualidade com maior à vontade. Isto é real. Hoje, mesmo nas patologias, raramente aparecem doentes por causa de problemas relacionados com sexualidade - e antigamente não era assim. Mas devo dizer que, apesar de haver um certo exagero nessa necessidade de procura de prazer, acho que em relação ao tempo em que comecei a exercer é uma reação bastante benéfica.

Porquê? Era bem pior quando procurávamos o sacrifício e tudo girava em torno da culpa. A grande transformação nas sociedades ocidentais foi a de termos passado de uma sociedade dominada pela culpa para uma sociedade baseada no sucesso.

E como é que isso se traduz nas nossas vidas? Temos três emoções inibitórias: medo, culpa e vergonha. Sou ainda do tempo em que as depressões na adolescência tinham, quase sempre, origem na culpabilidade. Hoje as depressões estão associadas a questões que se relacionam com sucesso e competência. O que nos move agora é o êxito e o medo de falhar. Nas sociedades de sucesso, a vergonha substituiu a culpa.

Pode-se então dizer que o prazer também se associa ao êxito na medida em que é uma recompensa? É um pouco diferente. Na realização do êxito há uma determinada fasquia que obriga a sermos bons. Neste sentido há uma grande desvalorização do prazer. Quando dou uma conferência não me perguntam se tive prazer em realizá-la. Perguntam-me se tive êxito. Mas ainda a propósito destas questões relacionadas com as sociedades de consumo e do prazer: penso que hoje há uma tendência para a procura dos prazeres imediatos e uma certa dificuldade em acertar com o tempo de espera.

Tudo tem de ser 'aqui e agora'? A tal incapacidade de aguentar a frustração? Dificuldade de tolerar a frustração, talvez. Mas neste ponto, tenho uma opinião um pouco diferente da maior parte dos autores.

Qual é? Há toda uma teoria muito aceite que defende que é preciso introduzir no universo infantil a frustração, para que as crianças se habituem a tolerá-la. Não concordo. A frustração é sempre negativa, não se deve procurá-la. O que se deve introduzir é a capacidade de aumentar o tempo de espera. É uma nuance em relação à ideia de frustração, mas é uma nuance importante.

O que é a frustração? A maior parte das vezes confunde-se frustração com privação. Privação é ter sede e não ter água para 
beber, frustração é ter uma garrafa com água e não poder bebê-la. A frustração é muito mais traumática.

Mas quem nos diz que é preciso ter tolerância à frustração são os terapeutas. E a maioria pensa mesmo assim. Também dizem que é preciso estabelecer limites - e também não concordo. O necessário é ensinar que a realidade tem limites, o que é uma coisa diferente. Há um autor americano, que conheço pessoalmente e que aprecio, o Brazelton, que diz que o bebé precisa de amor e disciplina. Não estou nada de acordo com isso da disciplina. As crianças precisam de ter um ambiente disciplinado e organizado, o que não é exatamente o mesmo.

Quando se entra num processo de análise procuramos saber o que sentimos ou quem somos? A maioria das vezes o que aparece à superfície é o que se sente. Mas depois começam a surgir os problemas relacionados com as questões identitárias. Muitas vezes as coisas acontecem ao contrário. Há muitíssimos doentes com fortes sintomas de inferioridade que aparecem com supercompensações de superioridade. De uma maneira geral as pessoas exibem o que não têm ou pelo menos julgam que não têm.

Do ponto de vista da psicanálise o que é inato em nós? Há coisas genéticas e determinantes. Por exemplo, as questões do bem-estar e do prazer têm uma tradução neurológica no sistema cerebral. As pessoas mais ligadas ao prazer imediato funcionam mais no sistema límbico, que é uma parte do córtex mais antigo. As mais focadas na ideia do bem-estar e capacidade de espera, funcionam sobretudo no córtex frontal. A maioria dos nossos genes determina tendências que se desenvolvem, ou não, de acordo com o que se encontra no meio ambiente

O que é físico e emocional vai-se desenhando no nosso cérebro, estamos sempre em rede? Tudo está ligado e desenvolve-se nesta articulação. As hormonas determinam o nosso comportamento, mas o nosso comportamento também determina a taxa hormonal que vamos acumulando. Por exemplo, por volta do terceiro mês de uma criança do sexo masculino processa-se um aumento grande de testosterona que determina aquilo a que chamamos o cérebro sexual. Se nesta fase, o bebé macho for tratado como uma rapariga, a taxa de testosterona baixa.

Um século depois de Freud, qual é o modelo de psicanálise que hoje se pratica? Varia muito. A maioria dos psicanalistas continua a praticar o modelo clássico, são bastante ortodoxos. Mas há um grupo mais contemporâneo, e bastante mais pequeno, que pensa a psicanálise de outra maneira e ao qual eu pertenço.

E como a pensa? Como em qualquer ciência, tudo deve ser baseado em provas. Portanto as teorias que existem são provisórias ou falsas. Como em qualquer mistério científico, o que procuramos são as causas e encontrar solução para essas causas. A base clínica é a observação.

Mas a matéria que compõe o nosso sentir e o nosso pensar não pode ser observada em laboratório. Pois não.
Com que ferramentas trabalha? A realidade é o próprio doente, trabalho com aquilo que sente. Na psicanálise clássica, avançava-se com toda uma teoria que comprovasse os sintomas. Agora, há um novo paradigma, em que se entende que o processo de psicanálise é um processo que induz mudança. Este movimento tem origem num grupo de psicanalistas de Boston, com o qual eu me identifico. Baseia-se na ideia de que um indivíduo, perante as vivências que teve - não só na infância, mas também na adolescência -, adquiriu uma determinada personalidade ou um determinado estilo de relação menos saudável e menos produtivo para si. O processo de análise consiste em ir interpretando este estilo no sentido de resolver e de estabelecer uma relação mais saudável, de forma a que possa traduzir o que se passa no consultório para a sua vida real.

Como é que decorre o processo terapêutico? É o mesmo de sempre. Decorre a partir da conversa entre analista e paciente. A forma de conduzir é que é diferente. Em vez de termos na cabeça uma teoria que aplicamos, procuramos observar o que se passa com aquele paciente, vamos interpretando e construindo hipóteses em conjunto. Para mim, a questão fundamental é que uma pessoa seja capaz de se autoanalisar e que acabe a análise com uma capacidade de reflexão sobre si próprio maior do que a tinha.

Conseguir devolver essas ferramentas é o maior sucesso de uma terapia. E se há um fracasso? Como lida com os seus insucessos? Mal, como todos nós...
Com culpa? (Risos) É sempre desagradável. O pior que pode acontecer, e aconteceu-me um pouco marginalmente, é haver um paciente que se suicida. Tive um paciente com um diagnóstico de esquizofrenia. Tratei este homem durante 15 anos. Ao princípio uma vez por semana, no final já só o via de seis em seis meses. Dei-lhe alta. Precocemente. Passado um ano suicidou-se.

Esquizofrenia e bipolaridade não são doenças irreversíveis? Podem-se curar sem medicar? Depende. São doenças mais graves. Mas a esquizofrenia é um espectro. Há casos mais simples e capazes de ser tratados com relativo sucesso. É preciso que se apanhem muito cedo. Cerca de 75% dos sintomas de esquizofrenia começam na adolescência.

Como se revelam? Num diagnóstico de esgotamento. O indivíduo que deixou de estudar porque a namorada o deixou... Mas se for tratado nessa altura a maior parte das vezes passa a sua vida sem ter nada.

E a bipolaridade, de que agora tanto se fala? É um exagero de diagnóstico. Há naturezas mais alegres ou mais tristes e agora qualquer pessoa é logo considerada bipolar. Aqui há tempos estava numa reunião de apresentação de médicos e estava a contar umas histórias e umas anedotas e alguém me dizia que eu estava sempre bem disposto. Respondi: "Olhe, tive muita sorte porque na minha infância não havia pedopsiquiatras. Senão teriam diagnosticado uma síndroma de deficiência de atenção ou hiperatividade. Em adulto jovem, já fui eu que não deixei o psiquiatra ver-me. Senão ter-me-ia diagnosticado uma coisa bipolar e hoje estava completamente lixado". (Risos). Estava a caricaturar, mas é mais ou menos assim.

Acontece-lhe não ter respostas? Há tempos, num congresso, perguntavam-me se tinha dúvidas. Respondi que quando percebo cinco por cento do que se passa já fico muito contente. Há uns anos um paciente, que por acaso era psicólogo, numa sessão em que estive particularmente calado disse-me: "Hoje está muito calado, deve ter pensado uma série de coisas sobre mim e não disse nada. Porque o doutor sabe mais de mim do que eu". Respondi-lhe: "Tem a certeza de que é psicólogo? Acha que alguém pode saber mais sobre si do que você próprio?". Chegou-se a este absurdo.

Recorre-se em excesso às terapias? E aos médicos também.

É um pânico com a ideia do sofrimento? Muitas vezes é. Somos o país da União Europeia que mais consome psicotrópicos. Os médicos e os psiquiatras receitam a torto e a direito.

Receita? Raramente.

Os dados que temos sobre a depressão são alarmantes. Revelam-nos que será a grande doença do século XXI. É mesmo assim? É.

O que é que isto nos diz sobre a forma como vivemos? Várias coisas. Mas também é preciso dizer que esses dados aparecem porque hoje fazemos diagnósticos mais corretos e mais precisos. É verdade que muitas vezes também se abusa, há um excesso de diagnóstico e um excesso de tratamento. Em relação à sua pergunta, posso dizer que nas sociedades atuais - isto é duvidoso mas mais consensual - um dos fatores de depressão tem que ver com o facto de as relações entre pais e filhos se terem tornado mais frágeis, devido ao modo como vivemos. Outro aspeto é o isolamento. Ao nível dos laços sociais, e talvez esses sejam os mais importantes, as pessoas são menos solidárias e vivem em excessiva competição. Não mata mas mói. As pessoas sentem-se menos amadas e mais desamparadas.

Desamparo, outra expressão muito usada pelos terapeutas. Em que difere de abandono? Desamparo é abandono físico. O mais grave é o abandono afetivo. "A minha mãe está presente, mas está a fazer o doutoramento, tem um novo amigo, etc., e não me liga a ponta de um corno...". O abandono é a grande causa de depressão, e morde muito mais do que o desamparo.

Do ponto de vista da psicologia, a infância continua a ser o território onde tudo acontece? A saúde mental constrói-se na infância. Os fatores posteriores são menos importantes. Uma criança teve perdas de afetos na infância, fez uma depressão infantil que pode ter passado despercebida, estará mais fragilizada na idade adulta e poderá deprimir facilmente. Se teve uma infância sólida aguentará bem as perdas afetivas.

Há qualquer coisa de assustador nessa ideia de que os alicerces se constroem todos ali e se corre mal é irremediável. Não é irremediável. Há um outro período importante, ao qual durante muito tempo não se deu grande significado, mas ao qual hoje já damos, que é a adolescência. Costumo dizer que na adolescência tudo se pode perder, mas tudo se pode ganhar. A maior parte das vezes, com tratamentos curtos, ou mesmo sem tratamento, consegue-se dar um salto.

Quando começou a interessar-se pela psicanálise? É difícil responder-lhe. Quando fiz o curso de medicina todos os professores achavam que tinha muito jeito manual, o que é verdade, e encaminharam-me para a cirurgia. Ainda fiz cirurgia geral, depois cardíaca, mas não me interessou muito. Eu tinha outras coisas. Durante o liceu comecei a escrever, gostava muito de filosofia, lia muito... Tudo isto levou-me para a psiquiatra. Mas a minha escolha também teve que ver com outro fator. Na altura abriu um lugar para psiquiatria no hospital do Porto e eu queria ganhar um salário para poder casar.

Uma opção pragmática? Exatamente. Nesse lado saio ao meu pai.

A imagem inicial que tinha sobre a sua família alterou-se muito depois do seu processo de análise? Tornou-se mais clara. Sobretudo em relação à minha mãe, que era a personalidade mais complicada. Com ela, tinha uma certa raiva. Era profundamente beata, e tivemos grandes conflitos por causa disso. Mas, simultaneamente, também era muito histérica e portanto havia uma sexualidade sempre presente. Quando fiz a minha análise percebi que a história de infância dela tinha sido complicada e que naquela cabeça havia uma grande dose de loucura. Isso levou-me a compreendê-la melhor. É muito importante saber aceitar. Digo muitas vezes aos analistas que formo que o pior defeito que podem ter é personalidades narcísicas e estar mais concentrados em si do que nos outros.

É fundamental haver generosidade sobre o outro? É o mais importante.

A si nada o choca? Aparentemente não. Mas há coisas que tenho muita dificuldade em perceber. Uma das dificuldades de tratar psicóticos é essa. Um esquizofrénico tem uma perturbação do pensamento bastante diferente da comum das pessoas.

O que aprendeu sobre a condição humana? Da minha experiência podia dizer que há uma coisa muito desagradável sobre a condição humana: somos uns animais muito agressivos. Mas também penso que somos animais extremamente solidários. Se formos capazes de fazer sobressair essa parte nas pessoas, conseguimos fazer coisas úteis uns pelos outros. A maior parte das vezes essa agressividade não é nem inata nem espontânea. É reativa e revela muita dor e sofrimento. Todas as pessoas têm lados positivos e muitas vezes não o sabem encontrar e nós também temos dificuldade em os desenvolver. É disso que temos de ir à procura. Na técnica psicanalítica que pratico e que ensino é que nunca ando atrás do que as pessoas têm de negativo. Procuro o que as pessoas têm de mais saudável.

Qual é a palavra mais adequada para aquilo que faz? Os médicos costumam dizer que não tratam doenças, tratam doentes. Digo que nós, os psicanalistas, vamos mais longe, conversamos com as pessoas. Ajudamo-las a conhecerem-se um pouco melhor para encontrarem o seu caminho.

Publicado na Revista Única do Expresso de 31 de Julho de 2010

sábado, janeiro 12, 2013

Economia Parte III: a Economia ainda é uma ciência social?

Até aos anos70-80 do século XX, a Economia tinha pergaminhos como ciência humana e social. Estudava-se, durante o curso, direito, ciência política, sociologia, história. Tinha-se uma visão mais integrada da sociedade e do modelo económico seguido. Hoje, o curso tem um conteúdo muito mais quantitativo e abstracto.
Outras cartilhas se impuseram nos últimos trinta anos. Se é verdade que o estado entretanto engordou obscenamente, transformado numa espécie de porquinha que tem alimentado uma clientela insaciável e dependente (empresas, bancos, fundações, partidos, grupos de interesses, pessoas), é de recear que estejamos a assistir a uma matança cega do animal. Os dois ou três economistas que no essencial nos governam, mais os técnicos internacionais, desferem golpes cegos com as suas facas de talhante. Têm mentalidade de contabilistas, privilegiam a óptica monetária sobre a económica, ignoram as complexidades da ciência social.
Os portugueses, votantes de vez em quando e sempre contribuintes, cerram os dentes e vão apertando o cinto. O clima é deprimente, desolador, sem esperança. Velhos à míngua, quando já pouco podem esperar da vida, jovens sem qualquer esperança de fazer uma vida normal. Precários, desempregados, com um futuro muito problemático.
Que podemos fazer por nós próprios nestas circunstâncias?
Autonomia, criatividade, trabalho, persistência, resiliência. Não somos apenas um número no papel do IRS, implacavelmente espremidos todos os dias, por um estado ineficaz no resto (quando não corrupto). Temos de tomar melhor conta das nossas vidas. Chegámos a este estado de coisas porque temos sido apáticos no que respeita à má governação. Não quisemos saber, fechámos os olhos, deixámo-nos, salvo excepções, comprar com crédito fácil e promessas, mais promessas.
Que ao menos esta terrível situação sirva para nos tornarmos melhores e mais capazes cidadãos. Para isso é preciso trabalho e disposição. O que não é fácil quando se anda a assegurar a cada vez mais difícil sobrevivência. Precisamos de saber tratar de nós a nível mental e físico. Temos de ser mais fortes e mais exigentes.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

A AUTO-ESTIMA E O AUTO-ÓDIO



O amor próprio é, em última análise, o que nos dá segurança, bem-estar, motivação e saúde mental. 

Num discurso que vai até às profundezas do espírito humano, Gangaji, a oradora deste pequeno vídeo que retirei do youtube (de uma série muito mais vasta de possibilidades) propõe-nos uma abordagem mais radical e profunda do que a que estamos habituados, até ao cerne deste tema do amor próprio e o seu inverso, o ódio ao próprio.

terça-feira, janeiro 08, 2013

A NÃO DECISÃO: UMA CONTRA-RESOLUÇÃO?


Para grande parte das pessoas, o início do ano novo é acompanhado de resoluções, por decisões de mudança. Algumas pessoas, por seu lado, optam por não decidir, numa espécie de contra-resolução. A não decisão é, por si só, uma decisão. A decisão de deixar estar, de se conformar (mais do que aceitar), associada a um sentimento de impotência que congela qualquer capacidade de ação. E muitas vezes, esta não resolução está assente num sofrimento que leva ao faz de conta, à petrificação do afeto como forma de distanciamento emocional. Recordo a citação de Pedro Strecht que partilhámos esta semana na página do Facebook:

"A dor psíquica é uma espécie de fogo (...) O gelo também queima. O gelo também paralisa, incomoda e petrifica. O gelo cria uma defesa tão impenetrável como o fogo (...) como se entre o contacto perturbado ou perturbador e a ausência desse mesmo contacto, não houvesse, afinal, uma distância assim tão grande. Qual o lugar do amor, entre o fogo e o gelo?"
 ("O vento à volta de tudo- uma viagem pela adolescência")

E apesar deste pensamento ser retirado de uma obra sobre a adolescência, leva-nos à impenetrabilidade do fogo e do gelo, que frequentemente se mantém em padrões de funcionamento ao longo da vida. Um padrão em que a tentativa de não sentir muitas vezes satisfaz mais o outro, do que o próprio. Uma não decisão mascara a não-mudança e apesar de aparentemente disfarçar o sofrimento, apenas irá congelá-lo.

domingo, janeiro 06, 2013

EMDR reconhecido e recomendado pela OMS


A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu e distinguiu a terapia EMDR como um dos métodos mais aconselhados para o tratamento da perturbação de Pós-Stress Traumático. A par da terapia cognitivo-comportamental, a OMS refere serem os tratamentos com maior indicação para este tipo de perturbação traumática. 

Cada vez mais o EMDR tem vindo a ganhar protagonismo e reconhecimento oficial por parte de cada vez mais organizações de saúde. A investigação sistemática sobre a alta percentagem de sucesso que esta terapia tem demonstrado nos mais variados de distúrbios mentais continua a proliferar e tem vindo convencer os profissionais mais cépticos. 

Onda de violações em grupo na India


Nos últimos dias temos ouvido e lido muito sobre as violações em grupo na Índia, mas curiosamente pouco ou nada tem sido dito para explicar este fenómeno.
Há cerca de um ano atrás vi um documentário na SICNoticias sobre esta questão, penso que terá sido no programa "Toda a verdade", mas não estou certa. Nesse documentário tornava-se claro que uma das causas das violações em grupo era o consumo excessivo e desadequado da pornografia por rapazes jovens. Nesse documentário viam-se grupos de rapazes que se reuniam na casa uns dos outros para assistirem em grupo a filmes pornográficos, sendo os preferidos, aqueles que tinham sexo em grupo e sexo violento. Após passarem 3 ou 4 horas a verem filmes pornograficos deste tipo, o grupo ia para a rua com elevada predisposição a por em pratica o que tinham visto nos filmes.

É talvez um dos primeiros fenómenos sociais que põem em questão o acesso livre à pornografia e os possíveis malefícios do vicio do visionamento de filmes pornográficos e a forma como podem orientar e distorcer  a sexualidade. Penso que seria urgente um debate sério e cientifico sobre o consumo de pornografia e os seus efeitos na mente humana e nas práticas sexuais, das crianças, adolescentes e adultos. Com o acesso à internet bastante facilitado e com a aparecimento de canais de tv (via net ou não) exclusivos com conteúdos sexuais e pornográficos explícitos a pornografia está a tornar-se uma banalidade  sempre disponível para garantir uns minutos (ou umas horas) de excitação fácil e auto-ministrada.

A Índia é um ambiente facilitador da emergência deste fenómeno porque é acompanhada de dois outros fenómenos que estão ligados entre si: a hipervalorização do masculino por motivos religiosos, o que determinou a constituição de uma sociedade profundamente machista e um desequilíbrio demográfico originado pelo favorecimento dos nascimentos de crianças dos sexo masculino. As gravidezes de meninas são muitas vezes abortadas ou as recém-nascidas mortas. As famílias não querem meninas e as mulheres vão engravidando até conceberem um rapaz (agora facilmente percebido pelas ecografias), só as gravidezes de rapaz chegam a bom termo.  A consequência imediata deste procedimento é um numero superior (e com uma diferença cada vez maior) de homens do que mulheres.

Um assunto que merece muito atenção. A pornografia está em todo o lado, em todos os Países, em todas as casas... Não critico o consumo de pornografia por si só, mas é preciso compreender os efeitos que o consumo excessivo e viciante tem sobre as praticas sexuais e o modo como pode distorcer o desenvolvimento sexual saudável.

quarta-feira, janeiro 02, 2013

Super-eu; Ideal de Eu e Eu ideal

No outro dia em conversa (via email) com uma colega tentei clarificar, para mim e para ela, estes 3 conceitos nem sempre fáceis de distinguir.

Achei que o resultado final desse esforço foi interessante e por isso partilho convosco.





Super-eu: objeto interno formado pelos derivados do complexo de Édipo e sua resolução. Imagos parentais combinadas ou individualizadas correspondentes a normas de socialização precocemente internalizadas, internalização e consequente adesão/identificação inconsciente a valores morais, normas de conduta, comportamentos ritualizados, estrutura relacional de casal parental, etc derivadas da experiencia vivencial da relação com o casal parental aquando do Édipo e sua resolução.



Ideal do Eu: Objeto interno formado pela construção de valores morais, estéticos e filosóficos aplicados à sociedade e ao mundo. Penso que inicialmente é uma assimilação dos valores diretos (ou por oposição, inversos) dos pais e das figuras de referencia das relação precoce e depois é reestruturado (reavaliado) na adolescência. É assimilado por identificação inconsciente ou contra-identificação (adere a valores opostos aos dos pais).

Eu Ideal: objeto interno formado pela internalização das construções de expectativas dos outros em relação a si próprio. Inicialmente identificação inconsciente com aquilo que os pais queriam que ele fosse e depois, construção de uma imagem idealizada de si construídas com base em figuras de identificação idealizadas: professores, figuras publicas (cantores, atores, etc).  

O super-eu está mais ligado à culpa porque o afeto dominante aquando da sua constituição é o desejo de usurpação do lugar de um dos progenitores e esse mesmo desejo é gerador de culpa inconsciente, ficando o sentimento ligado e fazendo parte do própria objeto, é um objeto gerador de culpa porque estimula inconscientemente o desejo de usurpação.

O afeto dominante do Eu ideal é a vergonha porque não se ser capaz de corresponder às expectativas é gerador do sentimento de defraudar o objeto (ou seja de defraudar-se a si próprio, porque o objeto que gera a expectativa foi tb interiorizado), não sendo suficientemente bom para cumprir com o mandamento do Eu ideal. Por ultimo, acho que o Ideal do Eu organiza um sistema moral mais amplo e abstrato (como por exemplo, a honestidade, a justiça, a verdade, etc) e contribui para organizar um sentido de vida. Um ideal de eu pouco estruturado deixa a pessoa “perdida” sem saber porque valores se nortear.

Se pensarmos em termos de linha evolutiva e aparecimento/fortalecimento destes objetos, acho que o Super-eu é o mais arcaico, tem uma constituição precoce (concordo com a Klein quando ela diz que o super-eu começa a ser construído a partir das primeiras experiências parentais); depois é o Eu ideal que começa a ser formado a partir do momento em que os pais começam a devolver à criança a imagem daquilo que ele é e deveria de ser. Tem uma relação estreita com o narcisismo e o sentimento de se ser aceite ou rejeitado pelo outro. Pode promover a construção de um falso-self para corresponder à expectativa depositada e tentar colocar o Eu ideal no lugar do EU. Por ultimo vem, acho, a constituição do Ideal de Eu, já presume uma compreensão relativamente complexa do social e das relações sociais, uma capacidade de pensamento abstrato relativamente forte, acho que é o nosso lado político – pegando na ideia de que os seres humanos são animais políticos. O ideal do Eu presume que já existe um EU constituído e estável que desenvolve, ele mesmo, um sistema de valores ou que escolhe e assimila (por identificação) valores e sistemas de valores que norteiam as dinâmicas sociais. Acho que está mais ligado à socialização e à componente gregária. Um ideal de Eu forte e estruturado é revelador, na minha opinião, de uma mente elaborada com preocupações e interesses sociais. O Ideal do Eu pode ser moldado pela própria patologia. O perverso terá um ideal de eu que satisfará as próprias necessidades perversas, um obsessivo terá um ideal de eu que seja conforme as necessidades patológicas de limpeza, arrumação, ordem, obediência, etc... O ideal do Eu pode enfermar da patologia do próprio Eu, já que é produção desta instância. Em patologias muito graves, esquizofrenias precoces, autismos, debilidades mentais, etc, acho que é um objeto interno que poderá nunca se chegar a desenvolver.

O super-eu é o único que é simultaneamente um objeto interno e uma instância. Acho que eles também se podem cruzar, isto é, acho que se podem fundir temporariamente (ou de forma mais permanente) e por vezes o Eu ideal está fundido com o super-eu; o ideal de Eu tb se pode fundir com o super-eu e o Eu ideal e o Ideal de Eu tb podem ficar fundidos. Quando as fusões são temporárias e circunscritas o objeto compósito (gerado pela fusão) é mais forte que qualquer um deles isolado e pode sobrepor-se ao eu (esmaga-lo ou o Eu assumir, por identificação, as propriedades desse objeto). Quando isso acontece a personalidade é dominada por esses objetos, perdendo liberdade e ficando “deformada”. Tal como podem acontecer fusões também poderão dar-se desfusões e fragmentações dos objetos que fragilizam o Eu. Acho que o Eu pode utilizar estes objetos internos como “egos auxiliares” que “ajudam ou obstaculizam” o EU a conseguir realizar a sua tarefa principal, isto é, gerir as exigências do Super-eu, do Id e da realidade externa de forma a potenciar a sobrevivência psíquica e o amadurecimento da personalidade.  

sexta-feira, dezembro 28, 2012

ANO NOVO: ACREDITE E SONHE!


Durante uma breve pausa no trabalho, não pude deixar de refletir sobre algumas das últimas publicações que temos feito no blog e outras notícias que partilhámos na página do Facebook. Solidão, crime violento, hediondo e inexplicável, crise, depressão (afetiva, social económica). A incidência nestes temas reflete bem o estado da sociedade e, consequentemente, da sua saúde mental. O desespero, a falta de esperança, a descrença no futuro parecem ser, neste momento, um problema de saúde pública. Por isso, a propósito do novo ano que se aproxima, tento relançar a esperança e a motivação.

Por esta altura do ano, muitos de nós elaboram uma lista de resoluções para o novo ano: deixar de fumar, ir para o ginásio, arranjar um hobbie, fazer uma viagem… é certo que muitas destas resoluções estão condenadas ao fracasso, pois a mudança não se dá com o novo ano, mas sim pela transformação interna. É dentro de nós, e não no calendário, que devemos encontrar os objetivos, os planos e as motivações que nos movem. Mas penso que as resoluções não devem ser postas de lado, assim como os desejos que acompanham as passas à meia-noite.

Precisamos de acreditar, de desejar, de sonhar… caso contrário estaremos condenados à estagnação, agarrados à crise e aos problemas, e corremos o risco de cair no desespero. Talvez o aconselhável seja criar resoluções realistas e refletir sobre os passos necessários para as concretizar, analisar o que depende de nós, dos outros e das circunstâncias. E em vez de uma lista de objetivos diários para cada mês, será recomendável que a sua extensão seja igualmente realista! E porque não acrescentar um sonho mais ambicioso? Essencial é que a eventual não realização dos objetivos e dos sonhos não seja uma arma de auto-flagelação, mas sim um instrumento para repensar as prioridades e o que está ao seu alcance. O mais importante é manter o sonho, a capacidade de acreditar, pois sem esta adoecemos emocional e fisicamente. Alimente os seus desejos e as suas relações, que são das poucas coisas que não custam dinheiro e nos mantêm aconchegados e fortalecidos.

Aproveito para relembrar um artigo da Revista Máxima, com a participação da Dra Ana Almeida, psicóloga e Diretora Clínica da Psicronos. Apesar de ser uma publicação de Janeiro de 2012, mantém-se perfeitamente atual.


Bom Ano e Bons Sonhos!

sábado, dezembro 22, 2012

Economia parte II: as grandes teorias

Por estranho que possa parecer, as teorias económicas pouco evoluíram, nas suas grandes linhas, desde Keynes até hoje.

Agora, tal como no século anterior, os economistas dividem-se entre os herdeiros de Adam Smith e do mercado livre, que é suposto auto-corrigir-se (a famosa "mão invisível"), e os defensores da intervenção do Estado na economia. Shumpeter, que foi contemporâneo de Keynes e que deixou herdeiros (a "escola austríaca"), afirmava que as crises e as depressões económicas e financeiras eram naturais e até faziam bem ao sistema, como se o sofrimento fosse uma espécie de regeneração (as semelhanças com um certo discurso psicanalítico são notórias).

Dois prémios Nobel contemporâneos, Joseph Stiglitz e Paul Krugman, rejeitam esa teoria do sofrimento necessário e defendem uma intervenção dos Estados, não como Marx pretendia, mas mais na linha keynesiana (estímulo do investimento e do consumo para favorecer o crescimento).

O FMI parece favorecer a linha shumpeteriana de modo algo cego, apesar do comentário de Christine Lagarde de que alguma coisa parecia estar a correr mal na Eurolândia, logo silenciado pelas altas instâncias. Abebe Selassie, o homem do FMI que acompanha Portugal, e que é de origem etíope, parece ser um shumpeteriano ferrenho (o que demonstra que a rigidez nem sempre vem do eixo Berlim-Viena).

No meio disto tudo, os povos sofrem e agitam-se. Até quando?

 

 

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Solidão e o Aborrecimento

Depois da entrevista muito interessante da Dra. Ana Almeida, aproveito para referir uma investigação que foi feita (e que continua) sobre um conceito próximo da solidão, que é o aborrecimento. Aliás, fazendo também a ponte com o, também muito interessante e pertinente, artigo da Alexandra Barros, sobre a preguiça, pode-se dizer que o aborrecimento tem também algo de desmotivaçao ou desânimo, muitas vezes confundidas com preguiça. 

Os 3 conceitos têm algum grau de sobreposição e são também frequentemente usados no senso comum. Tentar compreender e aprofundar o que significam e o que está por trás destas noções é o objetivo de uma abordagem mais clinico-científica como as que aqui se têm esboçado. 

Recentrando o assunto mais especificamente no conceito de aborrecimento, foi publicado recentemente na revista Psychological Science um estudo que procurou definir mais rigorosa e objetivamente este construto. Definiram-no como "um estado aversivo no qual a pessoa quer, mas não pode envolver-se numa atividade satisfatória". Deste modo, chegaram à conclusão que uma pessoa se aborrece quando:

  • tem dificuldades em prestar atenção às informações internas (pensamentos, sentimentos...) ou às informações externas (os estímulos ambientais) necessárias para a participação numa atividade satisfatória.
  • está consciente da sua dificuldade em prestar atenção
  • acredita que o meio ambiente é responsável do seu estado aversivo (por ex.: "esta tarefa é aborrecida", "não há nada para fazer").
O aborrecimento, assim como, a solidão não é per se patológico. No entanto, na sua expressão mais intensa e recorrente traduz-se muitas vezes numa angústia de tipo existencial em que a atualidade da vida de uma pessoa deixa de fazer sentido (ou faz pouco sentido). A este nível pode pensar-se como a sociedade atual contribui patologicamente para este tipo de sentimentos como o aborrecimento, o vazio ou a insatisfação crónica. A partir do momento onde toda a organização e dinâmica social está preponderantemente estruturada à volta do princípio do "ter" e menos do "ser", onde o consumo, a posse e o gozo são tidos como objetivos de vida e por isso, como respostas existenciais ao sentido da vida, toda a sociedade se passou a organizar em torno da "distração". Distração do âmago da vida, da liberdade, da autonomia, responsabilidade, com todo sentir real e frustrante que uma educação menos conseguida nos legou. 

Quando as distrações do entretenimento, do gozo, da alienação escasseiam... surge muitas vezes o "aborrecimento".  Numa sociedade de ideais de poder,  "o que é" é quase sempre chato e aborrecido, sem graça nem encanto. "O que poderia ser", o que alguém (outro!) é ou tem, é que satisfaz plenamente. Ou seja, é tão fácil sentirmo-nos mal e confundirmos esse mal-estar, essa "falta", como tendo proveniência no exterior, nas nossas condições de vida.