quarta-feira, março 04, 2015

Psicoterapia Breve vs. Psicoterapia Longa: Considerações


As terapias breves são muito eficaz na resolução de diversos problemas ou sintomas, dependendo da psicoterapia em questão. É também verdade que para determinados problemas - nomeadamente perturbações de trauma e dissociação - existem tratamentos de rapidez dramática como o EMDR. Há no entanto problemas mais complexos que não são passíveis de serem resolvidos com meras sessões de psicoterapia, pois requerem um duro trabalho de reestruturação de personalidade em profundidade.

As psicoterapias breves em geral visam o alívio rápido de sintomas - aqueles que cedem à intervenção breve - e não um trabalho profundo e abrangente, que lide não só com aquilo de que a pessoa se queixa mas com tudo o que existe em torno de tal e aquilo que vai surgindo à medida que se trabalha a queixa/pedido inicial, e assim sucessivamente. As psicoterapias breves, no geral pouco conseguem fazer face às perturbações de personalidade, por exemplo, porque não se trata daquilo que a pessoa "têm", mas daquilo que a pessoa "é". São padrões muito próprios e automáticos de sentir, de pensar, de agir, de perceber o mundo em redor, de perceber os outros e as relações, pdrões únicos de acomodação às exigências da realidade, de lidar com o stress, de lidar com as perdas, de lidar com as ameaças à autoestima. São padrões de funcionamento e de "ser" que estão enraizados no íntimo da pessoa tal como ela é.

Mais de 100 anos de investigação clínica têm mostrado sistematicamente que a maturidade e a capacidade de vivermos uma vida satisfatória está ligada ao desenvolvimento psicológico (maturação) durante a infância (sobretudo), base da nossa personalidade. Em cada fase específica do desenvolvimento psicológico desenvolvem-se (ou não) certas capacidades que são fundamentais para a vida adulta. Por vezes o trabalho clínico implica o retomar do desenvolvimento psicológico que foi interrompido, ou que não se conseguiu completar satisfatoriamente em determinadas áreas ao longo do crescimento. Só um psicólogo com conhecimentos aprofundados nos modelos da psicologia do desenvolvimento (e quantos mais conhecer, melhor) consegue fazer essa avaliação, bem como a avaliação das capacidades que a pessoa foi conseguindo desenvolver ao longo da vida, e aquelas cuja falta ou escacez estão na base e por de trás dos problemas que trazem a pessoa à consulta. Por vezes este apuramento clínico ou avaliação rigorosa da psicologia em profundidade de uma dada pessoa requer várias consultas de avaliação e acompanhamento. Sendo inerente e parte da natureza das consultas de psicologia clínica e psicoterapia que ao longo do processo, quanto mais se aprofunda, mais se desvenda.

Trabalhar áreas como a identidade, orientação sexual, autonomia, dependências, instabilidade e conflitos persistentes nas relações amorosas, problemas complexos na vida de um casal, depressões profundas, quadros psicóticos, narcísicos, perversões sexuais ou morais, capacidade de iniciativa, produtividade no trabalho, criatividade, ou perturbações de personalidade (esquizoide, narcísica, psicopata, paranoide, borderline, dependente, masoquista, sado-masoquista, histérica, somática, depressiva-anaclítica, depressiva-introjetiva, maníaca, bipolar, perturbações mistas, etc.) não são trabalhos rápidos, nem simples.

Alguém que foi cuidado por um progenitor controlador durante a infância e adolescência, que criava lutas de poder em torno da alimentação, sexualidade ou em torno da obediência geral, poderá mais tarde ser alguém particularmente preocupado com temas de controlo e medo da perda de controlo. Poderá ter uma psicologia muito rígida e autopunitiva, podendo tornar-se alguém também muito severo com os demais. Poderá desenvolver tendência forte para a racionalização (ou um caráter excessivamente "prático", centrado no fazer e no desfazer), com pouco contacto com as próprias emoções e pouca tolerância às suas partes da personalidade mais imaturas. Ainda que aqui possamos falar de uma perturbação obsessiva, compulsiva ou obsessivo-compulsiva de personalidade (diferente de sintomas obsessivos, compulsivos ou obsessivo-compulsivos), isto é o que a pessoa é, e não o que a pessoa têm.

O trabalho psicoterapêutico nestes casos assenta na própria personalidade, nas dinâmicas familiares do passado (agora internalizadas), na identidade e identificações, no desenvolvimento psicológico da pessoa (e a eventual necessidade de retoma de certas etapas do desenvolvimento durante a psicoterapia), etc.. É também um trabalho de expansão da mente, de ajudar a pessoa a aumentar o conhecimento sobre si própria de modo a que consiga ter em conta quais os seus pontos fortes e suas limitações, e assim consiga melhor adaptar-se ás exigências da realidade e a conseguir a autorealização. O objetivo é reduzir a dificuldade em viver e na relação com os demais, reduzir a angústia existencial e os obstáculos na vida (transformando os obstáculos internos e aprendendo a melhor contornar e lidar com os obstáculos externos, o que é muitas vezes consequência da transformação interna). Isto naturalmente não é algo que se consiga fazer em meia dúzia de sessões. È um trabalho duro, que implica compromisso, todo um encadeamento de mudanças subtís na personalidade e respetiva consolidação, mas que ao longo do tempo aproximam a pessoa mais e mais daquilo que verdadeiramente é (deseja ser ou sente que é mas não o consegue atingir sozinha).

Mas, claro, há mesmo quem só queira resolver um ou outro problema isolado e nesses casos, dependendo sempre do problema e do grau de enraizamento do mesmo, é possível fazer uma psicoterapia mais breve e focal, ignorando outras áreas da personalidade.

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