Atualmente emigrar é uma escolha que se faz, mais ou menos pressionado pela escassez de oportunidades nacionais, em busca de melhores condições de empregabilidade. Apesar de uma escolha, muitas vezes, difícil, a mão de obra que sai do país não é a mesma que saía no último grande período de emigração (nas décadas de 60 e 70, sobretudo). Hoje em dia, mais e mais pessoas emigram em busca de empregos especializados, estando cada vez mais habilitadas a expressarem-se na língua do país de acolhimento. Este fato permite uma integração e aculturação mais facilitada e harmoniosa.
No entanto, emigrar implica sempre um corte, uma mudança abrupta (na maior parte dos casos) de contexto de vivência: existe um corte relacional significativo, as referências culturais são outras, a língua muda, o estilo de vida muda... Sobretudo, os laços de amizade são aqueles que mais se lamentam pela mudança radical de poiso. Os recursos para manter uma ligação consoladora com os que ficaram e os recursos para criar e desenvolver novas relações vão ser dimensões fundamentais para uma boa adequação à mudança de país.
Estes primeiros períodos podem ser muito custosos e a solidão, ainda que hajam novos suportes relacionais, pode irromper inconformada. Não é de desprezar esta situação muito difícil de isolamento e adaptação que pode dar origem a sintomatologia depressiva de cariz reativo. Nestas alturas, um apoio psicológico (nomeadamente online - no contexto cultural e linguístico português) pode fazer toda a diferença.
Deixo aqui um texto sobre o que pode ser a vivência penosa da solidão.
O inferno é a solidão
Era uma vez um homem que a dada altura da sua vida se descobriu sozinho. Sem compreender, sentiu-se num lugar remoto, onde não há estradas, onde ninguém mais está... nem vai chegar...
Ao início tomou esta angústia como algo passageiro que se desapareceria da mesma forma como tinha aparecido, mas, depois, sentiu que o desespero se estava a instalar de forma decidida e definitiva, que se alimentava das raízes do que nele havia de bom... e que, se nada fosse feito, em breve, nada restaria do que era.
... até que chegou a um ponto onde a cada noite se confrontava com o abandono absoluto. Deitado na cama, sentia o corpo carente de um calor qualquer... mas nada... temia e tremia... e era assim que, de espírito quase esgotado, se entregava ao sono.
Cada acordar era um despertar para o pesadelo... um nascer cru e cruel num mundo feito de brumas e cinzas... como se uma espécie de injustiça bruta o obrigasse a erguer-se para cima de uns carris que lhe predestinavam tempos, lugares e gestos... e se repetiam até à náusea. O corpo cedo nos trai. É o primeiro que cede aos ataques do inimigo.
Assim que o sol se punha e se confirmava que mais um dia havia passado sem que nenhuma esperança tivesse chegado perto... entristecia-se mais. Com cada noite chegava-lhe mais fome e mais frio...
O pior de tudo era não conseguir compreender a razão de tanto absurdo. A desproporção de tanta dor.
Chegou a pensar a própria fé como uma maldição, algo que lhe prendia o espírito a um estado de coma qualquer... e o mantinha em sofrimento. Uma esperança má que apenas serve para fazer sofrer quem nela se ilude...
Sentia-se só. Precisava de alguém... mas nunca quis ser um peso a quem lhe podia dar a mão, estragar a vida a quem podia, talvez longe dos olhares do mundo, estar também a lutar contra a angústia.
Sentia-se metade de qualquer coisa... do amor só tinha a saudade... que apenas punha a nu a tremenda carência... em que se estava a tornar... um buraco negro...
Numa noite muito fria compreendeu que, mais do que viver com os outros, o inferno é um deserto infinito onde não há nada, onde todos os medos se resumem apenas a um: ficar para sempre só.
Mas quem tem por quem chorar, vive com sentido. Apesar de todo o sofrimento.
Havia que travar uma luta pela vontade de acreditar no bem, uma guerra íntima, ali onde cada homem apenas se tem a si mesmo... é que a grandeza de cada um se pode avaliar também pela profundidade e paciência com que luta contra o mal.
As dores mais profundas resultam, não dos golpes feitos de súbito mas dos que, numa interminável persistência, se cravam de forma lenta e decidida na carne, uma tortura silenciosa, um trabalho persistente. Do mal no bem e do bem no mal...
Chamava-se João.
Quando a morte lhe chegou, apresentou-se a ela com o mesmo medo com que todas as noites enfrentou o nada... talvez com mais fome e frio que nunca...
Acordou numa manhã quente, tranquila e familiar... sorriu, mesmo sem compreender...
Nunca mais ia ficar sozinho.
(http://www.ionline.pt/iopiniao/inferno-solidao/pag/-1)
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