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sexta-feira, dezembro 20, 2013

O OFÍCIO DA CRIANÇA: BRINCAR

Num estudo feito em 2009 pela investigadora Maria José Araújo, do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, em que se procurou analisar o tempo livre das crianças, com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos de idade, concluiu-se que as mesmas chegam a "trabalhar" cerca de oito a nove horas por dia (entre a escola e o ATL) e que muitas vezes ainda levam trabalhos para casa. Fica assim manifesto que para a criança e o adolescente o trabalho escolar representa o exacto equivalente à vida profissional do adulto. Esta organização das actividades escolares e a necessidade de tempo que as mesmas exigem levam a que as crianças nunca saiam do mesmo tipo de ambiente que é marcado por pressupostos educativos que tendem a negligenciar ou secundarizar  os aspectos vitais e lúdicos delas. Esquece-se que a criança precisa de decansar e de se dedicar ao seu ofício natural que é o brincar.

Sabemos através de numerosos estudos e da prática clínica que o brincar tem um papel absolutamente fundamental no desenvolvimento e na estruturação mental da criança. È com o brincar que a criança faz uma conexão entre o seu mundo real e o imaginário e é fundamental para que a criança aprenda a lidar com as suas frustações, com a família e os amigos.

Neste periodo de férias de Natal desejo que as crianças estejam muito ocupadas com o seu "ofício" natural.


PS: Aproveito para lembrar o post de 19 de Novembro da colega Madalena Motta Veiga sobre o Slow Parenting que é uma filosofia que, nos dias de hoje, me faz muito sentido e que penso estar também relacionado com o que escrevi acima. Às vezes menos é mais.

Nuno Mota
Psicólogo e Psicoterapeuta


terça-feira, novembro 19, 2013

Slow Parenting


No trabalho com crianças e adolescentes surgem, com alguma frequência, problemas relacionados com a ansiedade despertada pela necessidade de perfeição; o “filho perfeito” produto da projecção dos desejos e angústias do adulto; perfeito na escola, nas actividades, nas relações, etc. Estas ocorrências parecem cada vez mais agravadas pela aceleração continua do ritmo de vida, quer do adulto quer, consequentemente, da criança. Com muita regularidade as crianças apresentam-me (queixando-se da falta de tempo para brincar) horários semanais das actividades escolares e extra-escolares, com dias a iniciar às 8 horas e a terminar às 21 horas, com actividades obrigatórias ao sábado e com tempo livre apenas ao domingo que é, como me dizem algumas crianças e pais, obviamente para estudar. Note-se que nas treze horas diárias de actividades escolares e extra-escolares, muitas vezes, os intervalos são para refeições e para deslocações.
Precisamente com a finalidade de alterar hábitos e sensibilizar os adultos para as consequências e para as necessidades das crianças têm surgido movimentos e programas de desaceleração, num estilo bem americano: o “slow parenting”. Muitos dos preceitos destes movimentos apoiam-se num conhecimento há muito sustentado pela psicologia.
É essencial para o desenvolvimento da criança o espaço para o jogo, para brincar, para o ócio, para o silêncio, para a frustração. O jogo ou a brincadeira são assim mediadores de desejo, não apenas para a criança mas também para o adulto (o jogo no adulto assume diferentes formatos, por exemplo, a politica), e como expressão de desejo traz consigo satisfação. A brincadeira está, na criança, relacionada com a inteligência de si mesmo, do mundo que a rodeia e dos outros, ou seja, é através do brincar que a função simbólica desperta, atribui-se sentido às diferentes expressões emocionais e ganha-se experiências de domínio e frustração. A necessidade que a criança tem de brincar ou de jogar parece ser, para os pais, mais fácil compreender do que a importância de momentos de prazer na experiência mais passiva da criança, a angústia que os pais têm do dolce far-niente. Frequentemente oiço pais a censurarem o tempo de desocupação dos filhos, desejam que os filhos não percam tempo e não estejam “prostrados no sofá ou á frente da televisão sem fazer nada”.
No livro “As etapas decisivas da infância” Françoise Dolto alerta-nos para a importância de muitos destes momentos, para a autora alguns adultos parecem temer o que pensam ser o vazio mental do filho, talvez porque, nos seus próprios momentos de ociosidade não encontrem bem-estar. É importante no desenvolvimento que exista espaço para o prazer de ouvir, de olhar, de sentir, de observar, prazeres inteligentes e por vezes meditativos que estimulam a criança para o conhecimento dela e do que a rodeia.
Hoje, o excesso de actividades das crianças associado à falta de períodos de ócio são muitas vezes responsáveis pela ansiedade, pela frustração e pelo entediamento que algumas das crianças sentem.
Se tiverem interesse em conhecer mais sobre o movimento americano slow parenting deixo aqui alguns links.

Madalena Motta Veiga
Psicoterapeuta da Psicronos em Cascais e Lisboa

terça-feira, julho 09, 2013

VAMOS BRINCAR?

No “meu tempo” já havia jogos de computador. Tínhamos na altura o Spectrum, que exigia um leitor de cassetes e alguns cabos ligados à televisão. Às vezes o jogo “não entrava” e lá era preciso tentar outra vez, esperar e, por vezes, deixar de lado o jogo pretendido e escolher outro. Jogava-se ao Pacman, que tinha de comer umas peças de fruta enquanto fugia dos fantasmas. Jogava-se um outro, cujo nome já não me recordo, que tinha de saltar patamar a patamar, na altura certa, para não bater com a cabeça e voltar ao início! Depois a informática evoluiu e surgiu uma maior diversidade de jogos, alguns um pouco mais violentos, mas que, ainda assim, tinham como objetivo salvar os bons dos maus, em cenários que claramente pertenciam ao mundo do imaginário. Também sou do tempo em que se jogava ao elástico, aos pais e às mães, às escolas…. Os peluches serviam de alunos, as mãos faziam de binóculos para ver as estrelas, pediam-se desejos com o “quantos-queres”, as vassouras serviam de mota…

Pode parecer, mas não estou a ter uma crise de nostalgia da infância. Estou antes cada vez mais preocupada com o excesso de jogos eletrónicos e o seu impacto no desenvolvimento sócio-afetivo da criança.

Antes de eu jogar Spectrum, Winnicott já dizia “É no brincar, e apenas no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar a sua personalidade integral; e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu Eu”.

É através do brincar que a criança experimenta, sente, imita, cria e transforma. É também a sua forma natural de comunicar. É na brincadeira que a criança cresce, aprende e cura, sendo o instrumento mais poderoso para lidar com os sentimentos; à medida que os organiza na história que inventa, está a preparar-se para avançar e adaptar-se. Mas esta capacidade parece cada vez menos frequente e cada vez menos natural. Reflexo da sociedade? As crianças já não têm de esperar que a cassete do spectrum arranque, pois têm acesso aos jogos com um ligeiro toque do indicador, em qualquer lugar, a qualquer hora. Já não precisam de imitar o bebé a chorar, pois o bebé vem com pilhas e chora sozinho. Já não têm de dar vida a qualquer boneco pois qualquer objeto a que se chame “boneco” faz tudo sozinho. Já não têm tempo para brincar, nem os pais têm tempo para brincar com elas.

Apesar de ainda não existirem estudos cientificamente válidos suficientes, o impacto negativo do baby-sitting eletrónico no desenvolvimento sócio-afetivo parece ser cada vez mais evidente.

Grande parte dos jogos preferidos pelas crianças, desde a mais tenra idade, tem uma forte componente agressiva e um grau de realismo perigosos. Um estudo de 2006 demonstrou que a exposição a jogos violentos leva à dessensibilização para a violência na vida real. Os jogadores parecem “habituar-se” à violência, manifestando uma menor resposta fisiológica à mesma, bem como uma menor empatia e ajuda perante vítimas de violência. Por outro lado, parece existir maior impulsividade e uma menor consciência dos limites da agressividade e dos danos que a mesma pode causar. Lembrar-se-ão de um trágico acidente em que uma criança pequena matou outra, achando que ressuscitaria como acontecia nos jogos. Este é um dos maiores riscos dos jogos de hoje (também associado à falta de acompanhamento parental): a não distinção entre fantasia e realidade. E a acessibilidade à violência parece contribuir ainda mais para esta indiferenciação.

Outro estudo (longitudinal, que terá durado quase duas décadas) aponta para um risco crescente de desenvolvimento de perturbações da personalidade, não diretamente associado aos jogos eletrónicos, mas à ausência do brincar e da disponibilidade dos pais na infância. O envolvimento forte e ativo com os adultos potencia as ligações interpessoais e as competências sociais, contribuindo para o desenvolvimento psicológico. Este envolvimento estará na base da vinculação, da empatia e da afiliação, da ligação ao “mundo das pessoas”, da sua disponibilidade e capacidade para comunicar com os outros. A ausência deste envolvimento precoce, para além da escassa socialização com os pares, promovida pela individualidade dos jogos, parece estar a aumentar o risco de perturbações esquizóides na idade adulta. E talvez não seja por acaso que nos aparecem cada vez mais crianças com sinais já bastante instalados desta patologia.

Deste modo, a criança tem de brincar e de ter companhia para brincar. Do que é que está à espera? Sente-se no chão, volte a ser criança e dê largas à sua imaginação! Imponha limites aos jogos e ao seu conteúdo. “Perca” tempo com o seu filho, faça-o ganhar saúde mental! É preciso desenvolver o seu mundo interior, para que a criança possa lidar com o mundo exterior.