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segunda-feira, abril 18, 2016

Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas

 
"(...)a intervenção psicofarmacológica tenderá a continuar a ser a resposta predominante, mesmo nas situações em que não está particularmente indicada(...)"

Ora.... ?! ... ... ...

Parece-me que isto diz bastante sofre a qualidade do apoio e intervenção psicoterapêutica (ou sua ausência) pelos serviços de saúde públicos. Nestas condições é fácil conceber descrédito associado aos serviços de saúde mental.

Algo está muito errado quando aquilo que uma pessoa procura verdadeiramente é com frequência poder sentir-se entendida, apoiada, e muitas vezes construir com alguém uma proximidade e uma relação estruturante da personalidade - relação que algumas vezes nunca se teve ao longo da vida, ou se teve e se perdeu demasiado cedo -, mas ao invés disso se recebe uma ajuda sob forma de psicofármacos e encontros mensais com um técnico de saúde mental no sentido de regular a dosagem da medicação e pouco mais.

Ora, como é que a psicologia de alguém muda se não há bases para a criação e amadurecimento (entre paciente e prestador de cuidados de sáude mental) de um encontro psicológicamente significativo, de efeitos estruturantes e transmutadores? De um encontro tranquilizador da ansiedade e organizador da experiência interna de se ser?

Se não há regularidade no encontro então o amadurecer da relação terapêutica não pode acontecer, ou é demasiado lento. Isto é, fica prejudicada ou ausente a continuidade da vivência de nos sentirmos entendidos, de podermos usufruir plenamente da experiência vivencial de estar na presença de alguém competente, interessado, disponível e relacional, que nos ajuda a navegar por entre as angustias e dificuldades e chegar são e salvos ao outro lado, da serenidade, da maturidade e da plenitude. Acaba por não é possível construir confiança na figura do técnico de saúde mental, base para todo o desenrolar do processo psicoterapêutico ligado à veradeira mudança interna e subsequente diminuição e resolução do sofrimento, dificuldades e sintomas.

Como se ganha confiança genuína em alguém (sobretudo quando o que está em causa é o entregar a qualidade de vida nas mãos de outra pessoa) sem tempo para se desenvolver uma qualquer relação de proximidade? Pois se nós mudássemos assim tão fácilmente e sem uma relação de confiança relativamente bem estabelecida, imagine-se o efeito que a publicidade não teria em nós. Já para não dizer que uma criança poderia perfeitamente ser deixada à negligência e ao abuso físico e emocional toda a sua infância, pelo que em meras sessões de psiquiatria ou psicoterapia estaria como nova. É dramáticamente irrealista. Qualidade de relação, desenvolvimento, aprendizagem, maturação e mudança interna são realidades humanas inerentemente ligadas a processos longos e não necessáriamente fáceis. São realidades para as quais dificilmente existem atalhos, mas podem ser aceleradas e vividas com prazer via relações catalisadoras da mudança e do desenvolvimento pessoal, as chamadas relações psicoterapêuticas.

As faltas emocionais e angústias relacionadas, muitas vezes assentes em relações patogénicas vividas precocemente na vida e internalizadas à posteriori, constituem predominantemente a base da psicopatologia. Sintomas podem algumas vezes ser tratados isoladamente, mas o que está em causa e a pedir mudança, o verdadeiro problema de onde emergem os sintomas e dificuldades, é o que está a acontecer psicológicamente dentro da pessoa, por detrás das dificuldades que apresenta e que por sua vez as cria.

E a verdade é que muitas pessoas não têm mesmo a consciência de que a mudança está necessáriamente ligada à necessidade de ser vivido algo de teor relacional que até então, por algum motivo, não lhes foi possível viver.

Psicológicamente nascemos na relação (a relação mãe-bebé, num primeiro momento), e, da mesmo forma, são as relações próximas e respetiva qualidade das mesmas que servem de base para a transmutação ou "alquimia" interior. Basta constatar os estudos que ilustram as alterações cerebrais a todos os níveis aquando de psicoterapias bem sucedidas. Muitas vezes são as relações amorosas que são inconscientemente usadas para fins psicoterapêuticos, contudo não sendo estas relações estruturantes da personalidade (pela natureza das mesmas), a resolução de dificuldades, de faltas ou de conflitualidade interna tende a falhar. Com frequência as relações amorosas transformam-se numa dramatização ou réplica das relações (ou temas) que originalmente deram origem às dificuldades, angústias e conflitualidade interna, ainda que tal não seja muitas vezes acessível à consciência da própria pessoa.

O foco da intervenção puramente médica é o diagnóstico, a doença e a medicação. Não descurando a importância de tal, o que é sim descurado é o interesse pela pessoa em si, por quem a pessoa é e pela relação entre, por um lado, a sua psicologia individual e, por outr loado, as dificuldades que vive na sua vida.

É compreensível que uma qualquer pessoa se sinta porventura mais cativada e entendida não por alguém que lhe prescreve uma receita de ansiolíticos, mas por alguém que lhe ofereça atenção genuína sobre quem aquela pessoa é, sobre o seu sofrimento e suas dificuldades. Alguém que se mostre genuinamente disponível e interessado(a) em ajudar a ultrapassar obstáculos, alguém que consiga criar e transmitir um clima de entendimento mútuo, apoio e esperança. Na verdade, e já nem falo dos psicoterapeutas - que devem ser especialistas nestas qualidades humanas e relacionais -, nestas condições qualquer pessoa que se preste a cuidados de ajuda e que consiga reunir estas características conseguirá muitas vezes ressonância no íntimo de quem procura ajuda. Infelizmente, quando a formação profissional do prestador não é a psicoterapia - que implica um processo de desenvolvimento pessoal, supervisão em permanência e uma formação rigorosa ao nível de conhecimentos sobre desenvolvimento psicológico, psicopatologia, funcionamento mental, e o entendimento de porque é que o ser humana sofre, como muda e em que circunstâncias - dificilmente estes encontros se podem apelidar de psicoterapêuticos, não atingindo pois estes fins.

Neste artigo de 2014, destaco também os seguintes factos:

"Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas"

"Portugal apresenta dos mais altos valores de prevalência de perturbações psiquiátricas (22,9%)"

"Portugal é também um dos países europeus com maior consumo de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos" - "Estas substâncias têm registado acréscimos anuais de consumo, contrariando a tendência verificada no resto da União Europeia"

Imagino que noutros países o paradigma sobre o sofrimento emocional se encontre bastante mais atualizado e humanizado, ou seja, o sofrimento emocional, a doença mental e os sintomas são percebidos não tanto como ligados à disfunção orgânica mas bem mais à forma como uma dada pessoa vive a sua vida, como se percebe a ela própria e aos demais, como se relaciona ou não com os demais, com o que deseja e aquilo de que tem medo, e com o que sabe sobre si mesma e aquilo que não quer saber. É daqui, de quem dada pessoa é, que em última análise surgem os sintomas e dificuldades intrapsíquicas, relacionais, comportamentais e, muitas vezes, somáticas.

sexta-feira, setembro 12, 2014

Quanto mais nos conhecermos, mais felizes podemos ser



Uma psicanálise, e também uma psicoterapia psicanalítica, podem ser definidas como especialidades psicoterapêuticas de alta potência, dirigidas à reestruturação de personalidade. De um modo geral, o objetivo é conseguir alterações na organização, estrutura e funcionamento da personalidade no sentido de uma mais saudável e vantajosa adapatação à realidade (no mundo e nas relações), uma maior capacidade de atingir objetivos pessoais - a auto-realização - e a potenciação de estilos de vida satisfatórios.

Integrado nestas categorias gerais está o trabalho da psicoterapia no sentido da integração de personalidade. Isto significa a potenciação do acesso a, ou recuperação de, partes da personalidade que se encontram inicialmente inconscientes, dissociadas, não elaboradas/pensadas, ou não pensáveis (que ainda não puderam ser pensadas, por vários motivos).

A importância ou o papel da integração de personalidade para os objetivos gerais de uma psicanálise ou psicoterapia psicanalítica prende-se com a realidade intuitiva de que quanto mais soubermos sobre nós próprios, melhores as escolhas que fazemos para nós e para a nossa vida.

A consciência que temos de nós mesmos existe em função de quem nós nos percebemos ser na relação com os demais e no mundo. Esta natureza relacional intrínseca da nossa psicologia/personalidade resulta do facto de que o nosso espaço psiquico nasce, ou melhor dito, desenvolve-se, na relação. A primeira e mais estruturante de todas essas relações é, na perspetiva do desenvolvimento ontogénico do ser humano, a relação entre a mãe e o bebé - entre os cuidados de uma mãe (ou substituto materno) disponivel, tranquila e sintónica com as necessidades do bebé e essas mesmas necessidades e vulnerabilidades.

Dito de outro modo, da nossa relação progressiva com o mundo e através da relação, surge a nossa essência psicológica - os nossos sentimentos e pensamentos, as nossas necessidades (algumas destas inatas), desejos, medos e angustias, fantasias, desejos, ideais, sonhos, etc..

Esta nossa essência interior, psicologia, ou personalidade), condiciona por sua vez a forma como percepcionamos a realidade fora de nós, ou a forma como recebemos, interpretamos e moldamos as informações do exterior. A percepção da realidade acaba por moldar as nossas atitudes e os nossos comportamentos, e estes são a base das nossas escolhas e decisões na vida - escolha da profissão, escolha do companheiro ou companheira, escolha de curso de carreira, do estilo de vida, dos gostos pessoais, e uma série complexa de outras escolhas e microescolhas, decisões e microdecisões, presentes nas mais diversas áreas da nossa vida.

Por exemplo, uma criança pode crescer com cuidadores que sejam figuras criticas das suas competências intelectuais, que não as valorizem ou que acreditam pouco nelas e na possibilidade de desenvolvimento das mesmas - há mesmo quem acredite que a inteligência é um atributo fixo e imutável desde nascença, ou que a criança sai ao pai ou à mãe, ou que simplesmente é "limitada". Neste caso esta criança pode crescer com fortes condicionamentos internos relativamente ás escolhas de vida que vai fazendo ou sente que pode fazer à medida que cresce, e depois o mesmo quando se torna adulta. As dificuldades académicas poderão ser sentidas enquanto confirmação dolorosa das limitações pessoais - tão acentuadas já internamente pela experiência da família. Perde-se a possibilidade de tolerar a dificuldade, aqui enquanto aspeto próprio de momentos e situações que apelam ao esforço intelectual no sentido da resolução do problema e consequente adquirir de maior destreza intelectual. Isto claro implica também alguém que acredite à priori na criança e que a apoie nas suas dificuldades. Caso contrário pode mesmo deixar de existir motivação para o estudo, para o saber, e pode mesmo surgir um desinvestimento do esforço e da curiosidade intelectual de uma forma mais abrangente, pois a criança fica presa na experiência contínua da confirmação interna da limitação interiorizada. O performance académico fica limitado, e posteriormente as escolhas de carreira ficam mais limitadas.

A vida vai ficando limitada, e internamente cresce o sentimento de nunca se ter antingido muito e não se ser capaz de mais. È o sentimento de ser ser menos capaz, de se ter poucos recursos ou competências, e eventualmente também de se ser pouco merecedor do afeto e do investimento do outro nas relações. É a fantasia de que o outro será sempre alguém que dará pouco, investirá pouco, amará pouco, porque mais não se merece e não se pode esperar ou exigir. Á luz desta percepção se si no mundo e nas relações, as relações amorosas podem acabar por ser inconscientemente escolhidas e orientadas em linha com estas fantasias (e não só), confirmando-as então na prática e reforçando o mundo interno de limitação e de precariedade. Gradualmente vão surgindo então as pertubrações emocionais e das realações, ansiedade, depressão, alcoolismo e outro tipos de estados emocionais de angustia e/ou comportamentos desadaptativos.

A consciência daquilo que se viveu no inicio de vida não estaria aqui integrada na personalidada, disponível à consciência de modo a que essas experiências preoces pudessem ser elaboradas e ficar "arrumadas", livrando-se a pessoa do destino limitador e de limitação. As partes dissociadas ou não passíveis de serem pensadas mantêm-se neste estado, uma vez que é a relação com um outro que ajuda a  gerir ou a elaborar as emoções dificieis e dolorosas por detrás destas vivências e que ajuda na organização do pensamento - uma mãe, um pai, um psicoterapeuta... - aquilo que na prática constitui a pré-condição para a construção de uma mente que consegue fazer essa elaboração ou "digestão emocional" cada vez mais autonomamente. Na falta desta capacidade - sistemáticamente trabalhada e desenvolvida em psicanálise e psicoterapia psicanalítica - as crenças desadaptativas sobre a vida e sobre o mundo mantêm-se fora da consciencia. As escolhas de vida adquirem assim um caráter mais ou menos automático, irrefletido, e muitas vezes resultando na manutenção de situações desagradáveis e penosas, independentemente da vontade ou da intenção da pessoa.

segunda-feira, abril 28, 2014

Quando levar o seu filho ao psicólogo?







Se para os adultos é muitas vezes difícil perceber que chegou a hora de pedir ajuda, no caso das crianças e dos adolescentes mais difícil se torna. Deixo aqui alguns aspetos que podem indiciar que a criança ou o adolescente está com dificuldades ou em sofrimento e que necessita da intervenção de um psicólogo infantil:





  • ·         Raiva ou Agressividade excessivas;
    ·         Ansiedade ou Medo excessivos;
    ·         Episódios frequentes de tristeza evidente e choro fácil;
    ·         Isolamento e dificuldades relacionais;
    ·         Perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas e entusiasmantes;
    ·         Queixas somáticas (dor de cabeça, dor de barriga, vómitos, indisposição), sem causa médica;
    ·         Quebra de rendimento escolar;
    ·         Dificuldades escolares;
    ·         Dificuldade em estar atento;
    ·         Agitação ou apatia;
    ·         Alterações repentinas no sono: Insónia ou, pelo contrário, sono excessivo, pesadelos;
    ·         Alterações do comportamento alimentar: aumento ou perda de apetite, recusa em comer;
    ·         Oscilações bruscas do humor;
    ·         Atraso na linguagem;
    ·         Problemas de comportamento;
    ·         Vítimas ou Agressores de bullying;
    ·         Birras excessivas e difíceis de gerir;
    ·         Dificuldade no controlo de esfíncteres;
    ·         Sinais de consumo de substâncias (álcool, drogas);
    ·         Situações de divórcio, adoção e luto;
    ·         Situações de doença crónica;
    ·         Abuso sexual, físico ou emocional ou outros eventos traumáticos;

Se em alguns casos a criança pode revelar sinais desde muito cedo, na maioria das situações existe uma alteração evidente relativamente ao funcionamento anterior.



Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Responsável pelo Departamento de Infância

quarta-feira, novembro 06, 2013

Saúde mental e psicanálise

Perguntaram-me recentemente se para a psicanálise a ideia de cura ou saúde mental está associado ao prazer e satisfação pessoal. Respondi com este excerto de um texto do António Coimbra de Matos, no seu livro: Vária, Existo porque fui amado.

"Desde sempre - e permanece - à psicanálise está ligada a ideia de libertação e liberdade. Libertação das peias da repressão, liberdade de expressão e de assunção do desejo. Liberdade, sobretudo, de pensar. Liberdade também de agir, tendo como limite a liberdade dos outros e a destruição.
Liberdade ainda de sentir: a dor como o prazer, o ódio como o amor."

Penso que a ideia de que a psicanálise defende o bem-estar como realização dos desejos e do princípio do prazer ainda é fruto da herança freudiana integrada no discurso do senso-comum. A saúde mental não depende da realização dos desejos e acesso ao prazer, mas antes da integração de todas as emoções.

Eu diria que o bem-estar pode advir, entre outras coisas, da capacidade de viver prazer sem culpa e dor sem drama.

Mas quero essencialmente reforçar o que me parece implícito neste excerto, embora talvez não suficientemente explícito: é hoje assumido em psicanálise que o bem-estar individual é indissociável da capacidade de estar e viver a relação com “o outro”, digamos os “vários outros” significativos e significantes na vida do próprio.

É na relação, e apenas na relação que se constrói o sentimento de existência e de identidade. É no “outro” e com o “outro” que ganham significado todas as coisas da vida de um ser humano.
A liberdade de que nos fala Coimbra de Matos não deve ser por isso confundida com individualidade, mas liberdade de Ser - em relação.


Eliana Vilaça
Psicoterapeuta psicanalítica na Psicronos