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segunda-feira, abril 18, 2016

Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas

 
"(...)a intervenção psicofarmacológica tenderá a continuar a ser a resposta predominante, mesmo nas situações em que não está particularmente indicada(...)"

Ora.... ?! ... ... ...

Parece-me que isto diz bastante sofre a qualidade do apoio e intervenção psicoterapêutica (ou sua ausência) pelos serviços de saúde públicos. Nestas condições é fácil conceber descrédito associado aos serviços de saúde mental.

Algo está muito errado quando aquilo que uma pessoa procura verdadeiramente é com frequência poder sentir-se entendida, apoiada, e muitas vezes construir com alguém uma proximidade e uma relação estruturante da personalidade - relação que algumas vezes nunca se teve ao longo da vida, ou se teve e se perdeu demasiado cedo -, mas ao invés disso se recebe uma ajuda sob forma de psicofármacos e encontros mensais com um técnico de saúde mental no sentido de regular a dosagem da medicação e pouco mais.

Ora, como é que a psicologia de alguém muda se não há bases para a criação e amadurecimento (entre paciente e prestador de cuidados de sáude mental) de um encontro psicológicamente significativo, de efeitos estruturantes e transmutadores? De um encontro tranquilizador da ansiedade e organizador da experiência interna de se ser?

Se não há regularidade no encontro então o amadurecer da relação terapêutica não pode acontecer, ou é demasiado lento. Isto é, fica prejudicada ou ausente a continuidade da vivência de nos sentirmos entendidos, de podermos usufruir plenamente da experiência vivencial de estar na presença de alguém competente, interessado, disponível e relacional, que nos ajuda a navegar por entre as angustias e dificuldades e chegar são e salvos ao outro lado, da serenidade, da maturidade e da plenitude. Acaba por não é possível construir confiança na figura do técnico de saúde mental, base para todo o desenrolar do processo psicoterapêutico ligado à veradeira mudança interna e subsequente diminuição e resolução do sofrimento, dificuldades e sintomas.

Como se ganha confiança genuína em alguém (sobretudo quando o que está em causa é o entregar a qualidade de vida nas mãos de outra pessoa) sem tempo para se desenvolver uma qualquer relação de proximidade? Pois se nós mudássemos assim tão fácilmente e sem uma relação de confiança relativamente bem estabelecida, imagine-se o efeito que a publicidade não teria em nós. Já para não dizer que uma criança poderia perfeitamente ser deixada à negligência e ao abuso físico e emocional toda a sua infância, pelo que em meras sessões de psiquiatria ou psicoterapia estaria como nova. É dramáticamente irrealista. Qualidade de relação, desenvolvimento, aprendizagem, maturação e mudança interna são realidades humanas inerentemente ligadas a processos longos e não necessáriamente fáceis. São realidades para as quais dificilmente existem atalhos, mas podem ser aceleradas e vividas com prazer via relações catalisadoras da mudança e do desenvolvimento pessoal, as chamadas relações psicoterapêuticas.

As faltas emocionais e angústias relacionadas, muitas vezes assentes em relações patogénicas vividas precocemente na vida e internalizadas à posteriori, constituem predominantemente a base da psicopatologia. Sintomas podem algumas vezes ser tratados isoladamente, mas o que está em causa e a pedir mudança, o verdadeiro problema de onde emergem os sintomas e dificuldades, é o que está a acontecer psicológicamente dentro da pessoa, por detrás das dificuldades que apresenta e que por sua vez as cria.

E a verdade é que muitas pessoas não têm mesmo a consciência de que a mudança está necessáriamente ligada à necessidade de ser vivido algo de teor relacional que até então, por algum motivo, não lhes foi possível viver.

Psicológicamente nascemos na relação (a relação mãe-bebé, num primeiro momento), e, da mesmo forma, são as relações próximas e respetiva qualidade das mesmas que servem de base para a transmutação ou "alquimia" interior. Basta constatar os estudos que ilustram as alterações cerebrais a todos os níveis aquando de psicoterapias bem sucedidas. Muitas vezes são as relações amorosas que são inconscientemente usadas para fins psicoterapêuticos, contudo não sendo estas relações estruturantes da personalidade (pela natureza das mesmas), a resolução de dificuldades, de faltas ou de conflitualidade interna tende a falhar. Com frequência as relações amorosas transformam-se numa dramatização ou réplica das relações (ou temas) que originalmente deram origem às dificuldades, angústias e conflitualidade interna, ainda que tal não seja muitas vezes acessível à consciência da própria pessoa.

O foco da intervenção puramente médica é o diagnóstico, a doença e a medicação. Não descurando a importância de tal, o que é sim descurado é o interesse pela pessoa em si, por quem a pessoa é e pela relação entre, por um lado, a sua psicologia individual e, por outr loado, as dificuldades que vive na sua vida.

É compreensível que uma qualquer pessoa se sinta porventura mais cativada e entendida não por alguém que lhe prescreve uma receita de ansiolíticos, mas por alguém que lhe ofereça atenção genuína sobre quem aquela pessoa é, sobre o seu sofrimento e suas dificuldades. Alguém que se mostre genuinamente disponível e interessado(a) em ajudar a ultrapassar obstáculos, alguém que consiga criar e transmitir um clima de entendimento mútuo, apoio e esperança. Na verdade, e já nem falo dos psicoterapeutas - que devem ser especialistas nestas qualidades humanas e relacionais -, nestas condições qualquer pessoa que se preste a cuidados de ajuda e que consiga reunir estas características conseguirá muitas vezes ressonância no íntimo de quem procura ajuda. Infelizmente, quando a formação profissional do prestador não é a psicoterapia - que implica um processo de desenvolvimento pessoal, supervisão em permanência e uma formação rigorosa ao nível de conhecimentos sobre desenvolvimento psicológico, psicopatologia, funcionamento mental, e o entendimento de porque é que o ser humana sofre, como muda e em que circunstâncias - dificilmente estes encontros se podem apelidar de psicoterapêuticos, não atingindo pois estes fins.

Neste artigo de 2014, destaco também os seguintes factos:

"Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas"

"Portugal apresenta dos mais altos valores de prevalência de perturbações psiquiátricas (22,9%)"

"Portugal é também um dos países europeus com maior consumo de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos" - "Estas substâncias têm registado acréscimos anuais de consumo, contrariando a tendência verificada no resto da União Europeia"

Imagino que noutros países o paradigma sobre o sofrimento emocional se encontre bastante mais atualizado e humanizado, ou seja, o sofrimento emocional, a doença mental e os sintomas são percebidos não tanto como ligados à disfunção orgânica mas bem mais à forma como uma dada pessoa vive a sua vida, como se percebe a ela própria e aos demais, como se relaciona ou não com os demais, com o que deseja e aquilo de que tem medo, e com o que sabe sobre si mesma e aquilo que não quer saber. É daqui, de quem dada pessoa é, que em última análise surgem os sintomas e dificuldades intrapsíquicas, relacionais, comportamentais e, muitas vezes, somáticas.

terça-feira, março 08, 2016

Mestres da Psicoterapia - Vida e Obra


Para os nossos leitores mais curiosos e interessados sobre a psicoterapia, seus modelos e suas origens teórico-clínicas, disponibilizamos uma coletânea de curtos vídeos, individuais, sobre a vida e obra de alguns dos autores que mais influenciaram o mundo da psicologia e da psicoterapia contemporânea.


Sigmund Freud


Anna Freud


Melanie Klein


John Bowlby


Donald Winnicott

domingo, fevereiro 21, 2016

Experiências Adversas na Infância - Calcule o seu índice ACE


Deixamos aqui mais um artigo sobre as Experiências Adversas de Infância, enquanto síntese,  oferecendo-lhe agora, no final do artigo, a possibilidade de cálculo do seu índice ACE - Adverse Childhood Experiences.

O estudo sobre as Experiências Adversas de Infância é uma investigação megalómana conduzida no âmbito da avaliação da relação entre, por um lado, maus tratos na infância e, por outro lado, saúde e qualidade de vida ao longo da vida.

A agressão e negligência física ou emocional precoce muda literalmente quem nós somos. Porém, a psicoterapia pode ajudar.

Se alguma vez se perguntou porque se têm debatido tanto durante tanto tempo com problemas crónicos de saúde física e emocional que simplesmente não desaparecem, sentindo-se como se estivesse a nadar contra uma corrente invisível que nunca cessa, então esta área da pesquisa científica pode oferecer esperança, respostas e perspetivas de cura.

Este estudo epidemiológico em larga escala visou sondar as histórias de 17.000 crianças e adolescentes, comparando as suas experiências de infância com os seus registos de saúde mais tarde na vida adulta. Os resultados foram chocantes: Quase dois terços dos indivíduos tinham sofrido uma ou mais experiências adversas de infância. Estas Experiências Adversas de Infância - ACE - compreendem situações crónicas, imprevisíveis e indutoras de stress que algumas crianças enfrentam. Estas formas de trauma emocional ultrapassam os desafios típicos do crescimento.
 
Este estudo (replicado em vários paises), demonstrou que o índice de ACE de cada individuo predizia com precisão surpreendente a quantidade de cuidados médicos que essa pessoa iria necessitar enquanto adulta.

  • Pessoas com um índice ACE de 4 ou mais apresentavam duas vezes maior probabilidade de diagnóstico de cancro em comparação com as pessoas que não apresentavam historial de ACE.

  • Para cada ACE uma mulher apresentava um risco acrescido de 20% relativo à necessidade de hospitalização devido a doença autoimune.

  • Alguém com um historial de 4 ACE apresentava 460% maior propensão a sofrer de depressão que alguém sem historial de ACE.

  • Um índice de 6 ou mais ACE demonstrou reduzir a vida da pessoa por quase 20 anos.

Este estudo demonstra que a vivência de stress tóxico imprevisível e crónico na infância nos predispõe a uma constelação de condições crónicas na adultícia.

Cálculo do índice ACE

Aconselhamos uma reflexão cuidada e ponderada antes de responder a cada item (por exemplo, responder ao questionario quando estiver sozinho(a), refletindo 2-3 minutos em cada ponto ou subponto).

Antes dos seus 18 anos:

1. Algum dos pais ou outro adulto em casa frequentemente ou muito frequentemente

  • A(o) ofendia, a(o) insultava, a(o) menosprezava, a(o) humilhava?
          ou
  • Agiam de tal forma que a(o) faziam recear ser fisicamente agredida(o)?

2. Algum dos pais ou outro adulto em casa frequentemente ou muito frequentemente

  • A(o) empurrava, agarrava, esbofeteava ou atirava objetos contra si?
          ou
  • Alguma vez lhe bateu de tal forma que gerou marcas ou danos físicos?

3. Algum adulto ou pessoa pelo menos 5 anos mais velha alguma vez

  • A(o) tocou ou acariciou ou a(o) levou a tocar o corpo deles de forma sexual
          ou
  • Tentou ter ou teve relações sexuais orais, anais ou vaginais consigo?

4. Sentia frequentemente ou muito frequentemente que

  • Ninguém na sua família a(o) amava ou pensava que você era importante ou especial?
          ou
  • Os membros da sua família não se preocupavam pelo bem estar de cada um, se sentiam próximos uns dos outros, ou se apoiavam uns aos outros?

5. Sentia frequentemente ou muito frequentemente que

  • Não tinha o suficiente para comer, tinha de usar roupas sujas, e não tinha ninguém que (a)o protegesse?
          ou
  • Os seus pais estavam demasiado embriagados ou sobre o efeito de drogas para cuidar de si ou leva-lo ao médico caso precisasse?

6. Alguma vez os seus pais se separaram ou divorciaram?

7. A sua mãe ou madrasta

  • Era frequentemente ou muito frequentemente empurrada, agarrada, esbofeteada, ou lhe atiravam objetos contra ela?
          ou
  • Era algumas vezes, frequentemente ou muito frequentemente pontapeada, mordida, batida com murros, ou atingida com objetos pesados?

8. Viveu com alguém que sofressem de problemas de bebida ou alcoolismo, ou que usasse drogas ilícitas?

9. Algum dos membros de família sofria de depressão ou perturbações psicológicas, ou algum dos membros de família teve tentativas de suicídio?

10. Algum dos membros da família foi preso?

A Soma das suas respostas positivas é o seu índice de Experiências Adversas de Infância (ACE).
 
Fonte ACE Study
CDC Violence Prevention

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Teste da Realidade, Psicose e Psicopatia


Este artigo prende-se com uma reflexão clínica, psicanalítica, sobre a psicopatia, a perda do teste da realidade que habitualmente acompanha os quadros psicóticos, e pontos de interseção entre ambas as realidades clínicas.

Sobre o teste da realidade

O teste da realidade é tradicionalmente um indicador da presença de aspetos ligados ao funcionamento psicótico da personalidade. Contudo, mesmo um indivíduo com organização neurótica de personalidade (com um self coeso e bem adaptado à realidade, por exemplo) pode, sob condições de stress invulgar, resvalar, ainda que temporariamente, para um funcionamento mais do âmbito da psicose, cingido provavelmente a um contexto específico, e falhar o teste da realidade nesse contexto ou ligado a essa situação (por exemplo, situações traumáticas). Uma personalidade neurótica não está imune de conter núcleos psicóticos, e tal tende a ser muitas vezes onde se encontra a raiz do maior sofrimento e das maiores incapacidades na vida de uma pessoa.

Falamos aqui sobretudo em organização de personalidade – psicossomática, psicótica, borderline, neurótica e normal. A psicopatia está mais ligada à estrutura da personalidade (depressiva, narcísica, psicopata, etc.), ainda que se possa pensar em articulação com a organização de personalidade.

Alguns autores inclusive removem a categoria da psicose e chamam-lhe esquizofrenia borderline (ver o PDM - Psychodynamic Diagnostic Manual), referindo-se a perturbações graves do teste da realidade, por exemplo.

O teste da realidade também está relacionado com o quão compensado está ou não determinado indivíduo. Alguém que sofra de uma patologia mental relativamente grave pode não apresentar falhas no teste da realidade, desde que se encontre em estado compensado. Contudo o equilíbrio psicológico será frágil, a vulnerabilidade ao stress será maior e a propensão à descompensação e à perda do contacto com a realidade (por exemplo, a criação de uma realidade interna, fantasiada, mais tolerável e menos ameaçadora, ainda que diferente e incompatível com a realidade externa) é grande.

Quanto maior a predominância, numa dada personalidade, de uma parte psicótica, maior a probabilidade de perda do teste da realidade aquando do stress. Outras vezes essa perda do teste da realidade está ligada a situações/conflitos específicos, aos tais núcleos mais frágeis/traumatizados/psicóticos da personalidade.

Sobre a psicopatia e o teste da realidade

A maioria de nós têm traços de uma ou outra perturbação de personalidade (entidades clínicas nosologicamente definidas). Alguns autores consideram que a estrutura psicopata pertence ao âmbito da organização psicótica da personalidade.

Todavia é possível que traços psicopatas existam noutros níveis superiores de organização da personalidade, pelo que nesses casos não falaríamos de psicopatia, mas de tendências psicopatas em quadros de maior salvaguarda do teste da realidade.

Portanto, tanto pessoas com quadros psicopatas como pessoas com quadros psicóticos podem manter o teste da realidade, desde que compensadas. Ou pelo menos manter o teste da realidade na maioria das áreas do funcionamento profissional, interpessoal e das tarefas do quotidiano.

Relação entre psicose e a psicopatia

Se considerarmos o exemplo de patologia psicótica pura e da patologia psicopata pura, então provávelmente estamos a falar de problemas diferentes, ainda que se possam relacionar entre si ou sobrepor em alguns aspetos. Na psicose predominam, por exemplo, os mecanismos da clivagem do self e projeção de partes do self para fora do self, para o mundo exterior e para outros exteriores (mas também para dentro do próprio self, como são o caso dos delírios de ruína e hipocondria). Um outro marco da psicose são as transferências psicóticas (transferem-se partes do self e do mundo interno do self para outras pessoas, sem qualquer sentido de juízo crítico sobre a veracidade das imagens distorcidas dos outros criadas pelo efeito da projeção). Isto pressupões que no interior da pessoa psicótica exista algo de bom, que o aparelho psíquico tenta a todo o custo salvar no intuito da sobrevivência psicológica. Na psicose, o ódio (a agressividade destrutiva) predomina sobre a líbido (o amor), conflito fundamental que da azo aos processos psicóticos, de acordo com algumas perspetivas psicodinâmicas. Essa luta é tal forma feroz que o próprio self se pode mesmo fragmentar - medo de enloquecer - no sentido de salvar a (escassa) benevolência interna ameaçada.

Já na psicopatia (pura), que implica a deterioração grave ou ausência dessa benevolência interior de modo a garantir a sobrevivência psicológica, dá-se a total identificação com o mau (a agressividade, o ódio). Não há processos psicóticos de clivagem e projeção, pois estes apenas existem para a preservação das partes boas da personalidade. Não há transferência psicótica, mas sim transferência psicopata, anterior (mais primitiva) à transferência psicótica. A transferência psicopata prende-se com a manipulação da outra pessoa (ou pior), no sentido deliberado de prejudica-la ou levar a melhor sobre ela, com completa ausência de remorso. Há a preservação do teste da realidade – o psicopata está particularmente bem sintonizado com o funcionamento prático da realidade, interessam-lhe os fins práticos de conseguir poder, no geral ou sobre os outros, e a fuga à responsabilidade.

No psicopata não há bússola moral ou empatia, estes são aspetos marcantes da realidade das relações humanas que os psicopatas não conseguem processar. Se incluirmos estes conceitos no âmbito de “teste da realidade” (ainda que o teste da realidade se refira mais a fenómenos de delírios, alucinações, pensamento mágico, crenças bizarras e ideias de referência) então os psicopatas falham nesse teste, ainda que se mantenham particularmente astutos para a componente prática do funcionamento da realidade. Os três traços psicopatas de uma forma geral são a manipulação, a mentira e os fins egoístas, e também a incapacidade para a honestidade, a não ser que essa honestidade se ligue de alguma forma a algum destes fins ou à necessidade de manutenção de um sentido de omnipotência, de manipulação ou obtenção de poder, mas tal é pouco provável.

Por sua vez podemos considerar a convicção do psicopata de que pode fazer com que tudo aconteça, uma convicção próxima da perda do contacto com a realidade, no sentido de uma imagem omnipotente e logo, psicótica, de si mesmo, se bem que o psicopata não se fica pela convicção, mas busca ativamente o poder. Sabe-se até que a busca pelo poder é um traço de deterioração grave de personalidade e o psicopata procura-o ativamente, quer o poder sobre os outros, ou outro tipo ou forma de poder. Daí que na verdade, e muitas vezes, o poder que os psicopatas detêm é real e dá sustento a uma imagem omnipotente, toda poderosa, de si mesmos. Para um psicopata não há pior que ser diminuído ou de alguma forma ser atacado na sua convicção de omnipotência. Em contexto forense, uma das técnicas para levar um psicopata a confessar um crime é precisamente confronta-lo com descrença sobre a sua capacidade para elaborar e levar a cabo o dito crime. Muitas vezes o psicopata acaba por confessar por uma questão de orgulho, ou necessidade de proteção desse eu mais omnipotente (aqui sim, um delíro de grandiosidade, uma perda do teste da realidade relacionada com a imagem de si mesmo, algumas vezes dificil de perceber pois está misturada com poder real). Na política, por exemplo, alguém com tendências psicopatas poderá por exemplo ser sentido enquanto alguém que projeta força e confiança, no entanto esses aspetos tendem a ser acompanhados por frieza, ausência de remorso e ausência de vulnerabilidades, que suscita nas outras pessoas por vezes um sentimento de se estar na presença de alguém como que todo-poderoso. Os psicopatas são também muito frequentemente encontrados em altos cargos nas chefias de algumas empresas, como nas grandes empresas e grupos financeiros. Estes são os psicopatas passivos, menos agressivos, mas muitas vezes muito mais destrutivos.

Psicopatas mais inteligentes (mais adaptados socialmente) podem efetivamente conseguir altos cargos no poder, a todos os níveis. Neste caso não só mantêm o teste da realidade (pelos menos na área profissional, por exemplo) como podem mesmo ser bastante bem sucedidos.

Em psicoterapia um ganho terapêutico no trabalho com perturbações psicopatas acontece por exemplo quando estas pessoas se tornam um pouco mais psicóticas, ou seja, quando conseguem começar a desconfiar do terapeuta – passam de uma transferência psicopata para uma transferência psicótica paranoide. Tal já denota a existência de algo de bom dentro da pessoa, que para ser preservado, leva com que a pessoa expulse (projete) as partes más. 

Mais grave que a psicopatia é ainda a perturbação sádica da personalidade, onde a experiência subjetiva da pessoa é a de morte interna e subsequente necessidade de dominar, controlar absolutamente, atormentar e destruir os outros. Não existem até à data psicoterapias de sucesso com pacientes com perturbações sádicas de personalidade. Todas as psicoterapias conduzidas a estes pacientes são conduzidas já em contexto prisional.

Em suma, a psicopatia ou aspetos da psicologia psicopata podem ser pensados como patologia isolada e em estado puro (raramente assim surge em consultório), como podem surgir, em maior ou menor grau, misturados com sintomatologia psicótica, borderline ou até com níveis de funcionameto mental mais evoluídos. 



segunda-feira, abril 20, 2015

A relação terapêutica: O aspeto mais importante no tratamento da psicose


Um estudo pela Universidade de Manchester e a Universidade de Liverpool que envolveu 300 pessoas que sofriam de psicose determinou que independentemente da técnica terapêutica utilizada é a relação terapêutica (relação que se cria entre o paciente e o terapeuta, sobre a qual este último é responsável) que em ultima análise determina a melhoria ou agravamento do bem estar.

Foram comparadas as terapias cognitivo-comportamental e familiar com tratamentos menos
estruturados como o aconselhamento de apoio ou a atitude amistosa para com o paciente. Com frequência os pacientes que receberam a abordagem menos estruturada beneficiaram de igual forma em comparação com aqueles que receberam apoio mais estruturado.

Os pacientes de ambos os grupos demonstraram melhorias muito mais sigificativas que aqueles que apenas receberam medicação e os cuidados habituais.

O estudo debruçou-se sobre a análise do efeito da "aliança terapêutica", ou da relação de confiança entre o paciente e o terapêuta. O estudo conclui que quando a aliança é boa há um impacto positivo na melhoria do bem estar, todavia quando a aliança não é boa o tratamento pode mesmo ser prejudicial.

As implicações desta realidade apontam no sentido de que manter um paciente em tratamento quando a relção não é boa não é algo apropriado.

As psicoterapias são eficazes desde que exista confiança, objetivos partilhados e respeito mútuo entre paciente e terapêuta.

Este é um estudo que parece ser congruente com algo que a psicanálise e as psicoterapias psicanalíticas defendem há muito tempo e que faz parte destas formas de psicoterapia, ou seja, aquilo que realmente é importante numa dada intervenção psicológica é a preocupação e o envolvimento do terapêuta com o paciente, no sentido de um bem querer e interesse genuino em ajudar que vão construindo uma relação de confiança mútua, onde acontecem as transformações.

Fonte: http://www.sciencedaily.com/releases/2015/04/150410083508.htm

sexta-feira, abril 17, 2015

Depressividade e Psicoterapia (II)

Olá, o meu nome é Patrícia e eu tenho 27anos...

Eu sei que o que vou perguntar talvez nem vá obter resposta por vossa parte mas eu sinto-me com a autoestima demasiado em baixo e não me sinto bem comigo mesma porque eu não sei se preciso de apoio psicológico, de apenas medicação, ou ate mesmo outra alternativa.

A minha dúvida é esta: eu sempre que gosto de alguém amorosamente, eu deixo de gostar de mim e passo a viver em função daquela pessoa, faço tudo para a agradar e depois sempre que o amor por parte da outra pessoa acaba, eu sofro pois não sei lidar com a perda dela de tal modo que chego a humilhar-me e sentir que culpa é sempre minha por não ter resultado mais uma vez.

Este sentimento leva-me a tal sofrimento que eu tenho dias que choro consecutivamente durante dias seguidos sendo que posso depois andar sem chorar uma semana mas depois esse pesadelo volta, não tenho vontade de fazer nada, refugiu-me, rebaixo-me a essa pessoa mesmo sabendo que o melhor para mim é não dizer nada e me afastar, mesmo sabendo que corro risco de ela me tratar mal e mesmo que ela o faça, eu perdoo pois sinto que a falta que ela me faz é maior que o sofrimento que ela me causou por momentos... 

Eu sinto que não estou bem mas não sei bem que tipo de tratamento devo procurar para que seja mais eficaz, porque chego a ter dias que penso que se morresse não fazia falta a ninguém... 

Basicamente não tenho amigos porque "abdico" deles quando estou em um relacionamento o que torna as coisas mais complicadas para mim. Eu sinto-me "perdida" sem saber o que fazer ou pensar... 

Ajudem-me por favor com uma opinião. Obrigada

-- A nossa resposta --

Olá Patrícia, muito obrigado pelo seu contacto.

Li atentamente tudo o que escreveu e penso compreender um pouco o que está a passar e o que se passa dentro de si. 

Na sua mensagem há muitos pontos que remetem para uma mesma angústia. Quando diz "se morresse não fazia falta a ninguém" é como se de facto estivesse a tocar no âmago do problema. Não é à toa que no início da sua mensagem diz sentir que provavelmente até nem iria receber resposta à sua mensagem...

Na sua mensagem descreve um sentimento profundamente angustiante, o sentimento de não ser importante para ninguém. Fico a pensar que talvez em determinados momentos nas suas relações também acabe por sentir-se mais insegura em relação ao afeto que a outra pessoa tem por si, ou dê consigo a preocupar-se com persistência sobre a possibilidade de deixar de ser importante para a outra pessoa (deixar de ser amada) e a relação poder terminar... 
 
De algum modo esse medo/angústia tende a estar particularmente relacionado com a tendência à auto-anulação (por assim dizer) nas relações, com o tentar "com unhas e dentes" garantir o interesse e o amor da outra pessoa. Os sentimentos que descreve e a descrição que faz de como vive as suas relações, ainda que sejam descrições sucintas, são de facto aspetos clinicamente característicos da depressão. Ou mais concretamente da depressividade, já que pelo que consigo apurar, a Patrícia parece descrever um pouco sentimentos persistentes e um padrão de funcionamento mais geral nas suas relações onde surge um anulamento de si perante o outro, uma tendência a afastar todas as outras relações menos aquela específica e parece reagir às perdas pela auto-culpabilização e auto-inferiorização, portanto, pela depressão.

Na nossa vida, quando perdemos pessoas importantes para nós (por rejeição amorosa por exemplo), isso coloca em marcha um processo interno de luto. Contudo quando esse luto é substituído por uma auto-culpabilização e auto-inferiorização então estamos no território da depressão, ou luto patológico. No luto a pessoa culpa o outro, na depressão culpa-se a si mesma.

A depressividade é também um problema relacionado com a dificuldade em expressar e defletir a agressividade... 

Na depressividade a luta interna trava-se contra o medo da perda do amor da outra pessoa, uma angústia que é trazida para as relações ou ativada na relação após o seu início (imediatamente ou passado algum tempo). Ou seja, é uma angústia que existe já na própria pessoa, e que pré-existe à relação, mas que se ativa nela e quando isso acontece acaba muitas vezes (de forma intermitente ou contínua) por tomar as rédeas da relação, de forma mais intensa ou mais subtil. Os ciúmes intensos são marca deste medo quando adota proporções intoleráveis.
 
A auto-anulação nas relações (que se liga à baixa autoestima) no interesse de por vezes proteger e garantir o amor da outra pessoa pode muitas vezes ter o efeito exatamente oposto, de levar a outra pessoa a perder o apreço por quem por ela se anula. Imagine-se por exemplo que alguém gosta tanto de outra pessoa que se sacrifica sistematicamente por ela, que durante as discussões cede aos argumentos e em certas alturas até se deixa de alguma forma abusar (não se conseguindo zangar, por medo de que isso resulte na perda da pessoa amada). A dada altura a outra pessoa poderá começar a sentir que aquela pessoa que diz e reivindica que a ama e faria tudo por ela parece ter de facto muito pouca consideração por si mesma, deixando-se abusar, não se dando ao respeito ou se valorizando. Gradualmente o apreço ou estima por essa pessoa (pela pessoa que se anula) pode começar a diminuir, podendo até o amor transformar-se em pena (ou num amor mais materno, cuidador, próprio de uma mãe que cuida de uma criança mais desamparada ou incapaz de se proteger ou defender). 

Não é por acaso que se diz "se eu não gostar de mim, quem gostará?". Nós, seres humanos, amamos/estimamos quem se ama/estima, quem se dá ao respeito e quem não se deixa abusar. Nas relações amorosas gostamos de estar associados a quem se estima (q.b.), a quem se respeita e isso tem um papel importante em atrair e manter o nosso amor por essa pessoa. Assim, pode acontecer que na tentativa de lutar contra o medo da perda do amor da outra pessoa pela auto-anulação, inconscientemente isso acabe por ter um efeito contrário, de afastar a pessoa. Posteriormente isso pode mesmo reforçar o medo e tal pode levar a uma ainda maior anulação, e assim sucessivamente. 
Todos nós temos períodos ao longo da vida em que nos vamos a baixo, precisamos de maior apoio, sentimo-nos mais inseguros em algum momento das nossas vidas, deprimimos, e isso é normal ao longo da vida. No entanto a persistência sentimentos negativos e certos funcionamentos nas relações que as levam sempre ao mesmos desfechos já será algo mais desadaptativo, que diminui as hipóteses de as coisas poderem resultar positivamente no futuro.

Algumas vezes (ou em simultâneo) estas dinâmicas na depressividade estão relacionadas com sentimentos e padrões de relação que pertencem a um passado precoce, que mesmo que não seja recordado por memória tradicional (imagens mentais), é recordado pela memória afetiva (repetição ao longo da vida - sem ligação aparente ou consciente com situações passadas - de certos sentimentos e padrões nas relações). O intuito inconsciente no presente é o de corrigir o padrão da relação gravada internamente e os sentimentos mais dolorosos (e carências), mas quando tudo isto emerge na relação, resulta sempre na repetição de mais do mesmo e aos habituais desfechos.

A partir das poucas informações que a Patrícia partilhou esta é apenas uma resposta muito geral, que aborda aspetos típicos do funcionamento psíquico e relacional na depressividade. Mas o importante é mesmo que a Patrícia possa falar com um psicólogo clínico (de preferência pós-graduado e com especialização em psicoterapia por alguma sociedade científica) e fazer uma entrevista de avaliação e diagnóstico. A psicoterapia pode ajuda-la a entender-se melhor a si mesma e às suas relações, bem como a resolver e/ou diminuir a angústia e tristeza, o sentimento de ser pouco interessante/importante para os outros, o medo da perda do amor dos namorados, a tendência em anular-se nas relações, a dificuldade em lidar com as perdas efetivas, a dificuldade em poder zangar-se (em lidar com a agressividade), os sentimentos de culpabilidade e inferiorização excessivos (agressividade dirigida para dentro de si) e a sua autoestima. 

Espero de alguma forma ter conseguido dar-lhe alguma orientação... 
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