Olá, o
meu nome é Patrícia e eu tenho 27anos...
Eu sei que o que vou perguntar talvez nem vá obter resposta por
vossa parte mas eu sinto-me com a autoestima demasiado em baixo e não me sinto
bem comigo mesma porque eu não sei se preciso de apoio psicológico, de apenas
medicação, ou ate mesmo outra alternativa.
A minha dúvida é esta: eu sempre que gosto de alguém amorosamente,
eu deixo de gostar de mim e passo a viver em função daquela pessoa, faço tudo
para a agradar e depois sempre que o amor por parte da outra pessoa acaba, eu
sofro pois não sei lidar com a perda dela de tal modo que chego a humilhar-me e
sentir que culpa é sempre minha por não ter resultado mais uma vez.
Este sentimento leva-me a tal sofrimento que eu tenho dias que choro
consecutivamente durante dias seguidos sendo que posso depois andar sem chorar
uma semana mas depois esse pesadelo volta, não tenho vontade de fazer nada,
refugiu-me, rebaixo-me a essa pessoa mesmo sabendo que o melhor para mim é não dizer
nada e me afastar, mesmo sabendo que corro risco de ela me tratar mal e mesmo
que ela o faça, eu perdoo pois sinto que a falta que ela me faz é maior que o
sofrimento que ela me causou por momentos...
Eu sinto que não estou bem mas não sei bem que tipo de tratamento devo
procurar para que seja mais eficaz, porque chego a ter dias que penso que se
morresse não fazia falta a ninguém...
Basicamente não tenho amigos porque "abdico" deles quando
estou em um relacionamento o que torna as coisas mais complicadas para mim. Eu
sinto-me "perdida" sem saber o que fazer ou pensar...
Ajudem-me por favor com uma opinião. Obrigada
-- A nossa resposta --
Olá
Patrícia, muito obrigado pelo seu contacto.
Li
atentamente tudo o que escreveu e penso compreender um pouco o que está a
passar e o que se passa dentro de si.
Na
sua mensagem há muitos pontos que remetem para uma mesma angústia. Quando diz
"se morresse não fazia falta a ninguém" é como se de facto estivesse
a tocar no âmago do problema. Não é à toa que no início da sua mensagem diz
sentir que provavelmente até nem iria receber resposta à sua mensagem...
Na
sua mensagem descreve um sentimento profundamente angustiante, o sentimento de
não ser importante para ninguém. Fico a pensar que talvez em determinados momentos
nas suas relações também acabe por sentir-se mais insegura em relação ao afeto
que a outra pessoa tem por si, ou dê consigo a preocupar-se com persistência
sobre a possibilidade de deixar de ser importante para a outra pessoa (deixar
de ser amada) e a relação poder terminar...
De algum modo esse medo/angústia tende a estar particularmente relacionado com a tendência à auto-anulação (por assim dizer) nas relações, com o tentar "com unhas e dentes" garantir o interesse e o amor da outra pessoa. Os sentimentos que descreve e a descrição que faz de como vive as suas relações, ainda que sejam descrições sucintas, são de facto aspetos clinicamente característicos da depressão. Ou mais concretamente da depressividade, já que pelo que consigo apurar, a Patrícia parece descrever um pouco sentimentos persistentes e um padrão de funcionamento mais geral nas suas relações onde surge um anulamento de si perante o outro, uma tendência a afastar todas as outras relações menos aquela específica e parece reagir às perdas pela auto-culpabilização e auto-inferiorização, portanto, pela depressão.
De algum modo esse medo/angústia tende a estar particularmente relacionado com a tendência à auto-anulação (por assim dizer) nas relações, com o tentar "com unhas e dentes" garantir o interesse e o amor da outra pessoa. Os sentimentos que descreve e a descrição que faz de como vive as suas relações, ainda que sejam descrições sucintas, são de facto aspetos clinicamente característicos da depressão. Ou mais concretamente da depressividade, já que pelo que consigo apurar, a Patrícia parece descrever um pouco sentimentos persistentes e um padrão de funcionamento mais geral nas suas relações onde surge um anulamento de si perante o outro, uma tendência a afastar todas as outras relações menos aquela específica e parece reagir às perdas pela auto-culpabilização e auto-inferiorização, portanto, pela depressão.
Na
nossa vida, quando perdemos pessoas importantes para nós (por rejeição amorosa
por exemplo), isso coloca em marcha um processo interno de luto. Contudo quando
esse luto é substituído por uma auto-culpabilização e auto-inferiorização então
estamos no território da depressão, ou luto patológico. No luto a pessoa culpa
o outro, na depressão culpa-se a si mesma.
A
depressividade é também um problema relacionado com a dificuldade em expressar
e defletir a agressividade...
Na
depressividade a luta interna trava-se contra o medo da perda do amor da outra
pessoa, uma angústia que é trazida para as relações ou ativada na relação após
o seu início (imediatamente ou passado algum tempo). Ou seja, é uma angústia
que existe já na própria pessoa, e que pré-existe à relação, mas que se ativa
nela e quando isso acontece acaba muitas vezes (de forma intermitente ou
contínua) por tomar as rédeas da relação, de forma mais intensa ou mais subtil.
Os ciúmes intensos são marca deste medo quando adota proporções intoleráveis.
A
auto-anulação nas relações (que se liga à baixa autoestima) no interesse de por
vezes proteger e garantir o amor da outra pessoa pode muitas vezes ter o efeito
exatamente oposto, de levar a outra pessoa a perder o apreço por quem por ela
se anula. Imagine-se por exemplo que alguém gosta tanto de outra pessoa que se
sacrifica sistematicamente por ela, que durante as discussões cede aos
argumentos e em certas alturas até se deixa de alguma forma abusar (não se
conseguindo zangar, por medo de que isso resulte na perda da pessoa amada). A
dada altura a outra pessoa poderá começar a sentir que aquela pessoa que diz e
reivindica que a ama e faria tudo por ela parece ter de facto muito pouca
consideração por si mesma, deixando-se abusar, não se dando ao respeito ou se
valorizando. Gradualmente o apreço ou estima por essa pessoa (pela pessoa que
se anula) pode começar a diminuir, podendo até o amor transformar-se em pena
(ou num amor mais materno, cuidador, próprio de uma mãe que cuida de uma
criança mais desamparada ou incapaz de se proteger ou defender).
Não
é por acaso que se diz "se eu não gostar de mim, quem gostará?". Nós,
seres humanos, amamos/estimamos quem se ama/estima, quem se dá ao respeito e
quem não se deixa abusar. Nas relações amorosas gostamos de estar associados a
quem se estima (q.b.), a quem se respeita e isso tem um papel importante em
atrair e manter o nosso amor por essa pessoa. Assim, pode acontecer que na
tentativa de lutar contra o medo da perda do amor da outra pessoa pela
auto-anulação, inconscientemente isso acabe por ter um efeito contrário, de
afastar a pessoa. Posteriormente isso pode mesmo reforçar o medo e tal pode
levar a uma ainda maior anulação, e assim sucessivamente.
Todos
nós temos períodos ao longo da vida em que nos vamos a baixo, precisamos de
maior apoio, sentimo-nos mais inseguros em algum momento das nossas vidas,
deprimimos, e isso é normal ao longo da vida. No entanto a persistência
sentimentos negativos e certos funcionamentos nas relações que as levam sempre
ao mesmos desfechos já será algo mais desadaptativo, que diminui as hipóteses
de as coisas poderem resultar positivamente no futuro.
Algumas
vezes (ou em simultâneo) estas dinâmicas na depressividade estão relacionadas
com sentimentos e padrões de relação que pertencem a um passado precoce, que
mesmo que não seja recordado por memória tradicional (imagens mentais), é
recordado pela memória afetiva (repetição ao longo da vida - sem ligação
aparente ou consciente com situações passadas - de certos sentimentos e padrões
nas relações). O intuito inconsciente no presente é o de corrigir o padrão da
relação gravada internamente e os sentimentos mais dolorosos (e carências), mas
quando tudo isto emerge na relação, resulta sempre na repetição de mais do
mesmo e aos habituais desfechos.
A
partir das poucas informações que a Patrícia partilhou esta é apenas uma
resposta muito geral, que aborda aspetos típicos do funcionamento psíquico e
relacional na depressividade. Mas o importante é mesmo que a Patrícia possa
falar com um psicólogo clínico (de preferência pós-graduado e com
especialização em psicoterapia por alguma sociedade científica) e fazer uma
entrevista de avaliação e diagnóstico. A psicoterapia pode ajuda-la a
entender-se melhor a si mesma e às suas relações, bem como a resolver e/ou
diminuir a angústia e tristeza, o sentimento de ser pouco interessante/importante
para os outros, o medo da perda do amor dos namorados, a tendência em anular-se
nas relações, a dificuldade em lidar com as perdas efetivas, a dificuldade em
poder zangar-se (em lidar com a agressividade), os sentimentos de culpabilidade
e inferiorização excessivos (agressividade dirigida para dentro de si) e a sua autoestima.
Espero
de alguma forma ter conseguido dar-lhe alguma orientação...
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