Perguntaram-me recentemente se para a psicanálise a ideia de
cura ou saúde mental está associado ao prazer e satisfação pessoal. Respondi
com este excerto de um texto do António Coimbra de Matos, no seu livro: Vária,
Existo porque fui amado.
"Desde sempre - e permanece - à psicanálise está ligada a
ideia de libertação e liberdade. Libertação das peias da repressão, liberdade
de expressão e de assunção do desejo. Liberdade, sobretudo, de pensar.
Liberdade também de agir, tendo como limite a liberdade dos outros e a
destruição.
Liberdade ainda de sentir: a dor como o prazer, o ódio como o
amor."
Penso que a ideia de que a psicanálise defende o bem-estar como
realização dos desejos e do princípio do prazer ainda é fruto da herança
freudiana integrada no discurso do senso-comum. A saúde mental não depende da
realização dos desejos e acesso ao prazer, mas antes da integração de todas as
emoções.
Eu diria que o bem-estar pode advir, entre outras coisas, da
capacidade de viver prazer sem culpa e dor sem drama.
Mas quero essencialmente reforçar o que me parece implícito neste
excerto, embora talvez não suficientemente explícito: é hoje assumido em
psicanálise que o bem-estar individual é indissociável da capacidade de estar e
viver a relação com “o outro”, digamos os “vários outros” significativos e
significantes na vida do próprio.
É na relação, e apenas na relação que se constrói o sentimento
de existência e de identidade. É no “outro” e com o “outro” que ganham significado
todas as coisas da vida de um ser humano.
A liberdade de que nos fala Coimbra de Matos não deve ser por
isso confundida com individualidade, mas liberdade de Ser - em relação.
Eliana Vilaça
Psicoterapeuta psicanalítica na Psicronos
Psicoterapeuta psicanalítica na Psicronos
3 comentários:
Eliana, gostei imenso deste teu texto! Que bela exposição do que é a psicanálise no que respeita aos seus objetivos últimos e na sua visão do que é a saúde mental! Muito obrigado. Beijinho
Gostei muito deste pequeno texto, pensamento sobre um dos conceitos que mais me deixa ligada ao autor. Fiquei presa a algumas memórias do que li, em particular gosto de como o professor defende que é na relação com os outros, e não com objectos, ainda que simbólicos, como se de coisas (inanimadas) se tratassem.
Lanço-nos o desafio de pensar melhor o que é a liberdade, sem ambicionar mais do que apenas pensar no que tem sido a nossa prática terapêutica (deixo a compreensão filosófica mais profunda para quem é estudioso na área).
Também fiquei com vontade, nesta frase do texto "capacidade de viver prazer sem culpa e dor sem drama.", de explorar os temas culpa e drama -teríamos que discutir um pouco mais sobre eles.
Obrigada pelo texto, bjs
Olá Madalena e João, obrigada pelos vossos comentários.
Madalena, vou aceitar o teu desafio e quem sabe em breve escrever sobre a liberdade.
Um beijinho
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