Nas redes sociais tenho visto
com frequência publicações alusivas a uma nostalgia dos anos 80 (sim, esses que
foram considerados pirosos!) acerca dos brinquedos, das brincadeiras, dos
desenhos animados…o brincar na rua!!! Ah, que saudades! E tem-se falado sobre como
as crianças crescidas nesses tempos estariam mais bem preparadas para enfrentar
obstáculos ao longo da vida do que possivelmente estarão as crianças que hoje
em dia primam pela tecnologia e pelo isolamento mais do que pela criatividade e
o vínculo social.
Surge também nos últimos
anos uma frequência mais elevada de diagnóstico de hiperatividade e défice de
atenção do que nesses anos. Hiper= grande, atividade= criança? É suposto que as
crianças sejam ativas, que se mexam, que sejam curiosas, aventureiras…não é
isso ser criança? Mas ter essa atividade toda e não ter como a gastar pode ser
altamente nocivo. E atenção, não pretendo minimizar os diagnósticos feitos nem
o impacto que isso trás na vida da criança e da família, porque são situações
extremamente complexas que tem que ser avaliadas com critérios rigorosos. Apenas
pretendo pensar um pouco a hiperatividade na sua expressão mais lata, do senso
comum, a hiper-actividade, a actividade em excesso.
Provavelmente nos anos 80
gastavam-se as energias numa apanhada, numa macaca ou num jogo de futebol e
quando se chegava a casa, com fome e cansados e com apenas dois canais de
televisão, poucas opções sobravam.
Pois, não era uma era
tecnológica mas era uma era de ir para a rua. Mas os tempos mudam e não existem
apenas efeitos secundários nocivos desta era tecnológica. Os miúdos tratam a
tecnologia por tu. Ensinam os pais, os avós, os professores. Encontram músicas,
jogos e histórias, chegam a todo o lado com um clique. A tecnologia está para
as crianças de hoje em dia como as brincadeiras na rua estavam para as crianças
dos anos 80. Sem dúvida que existem benefícios e perigos em ambas as épocas. Mas
como em tudo, no meio é que está a virtude.
Uma das vantagens deste
fácil acesso é que o longe está sempre mais perto do que nos anos 80. E tudo o
que se fazia lá fora e nós só sabíamos 20 anos depois, agora é quase em tempo
real. E isso não é necessariamente mau. Faz nos sentir ligados. Faz nos sentir
menos sós. Parte de algo. Capazes.
A grande questão é: como conjugar isso? E aí, caros pais dos anos 80, a bola é
nossa. Cabe-nos a nós fazer essa ligação. Sim, a nós que apanhámos a transição.
As cassetes, os vinis e VHS, os CDs DVD’s DIVX, Nintendos, Spectrums,
Playstations, Gameboys…nós conhecemos ambos os lados. E a nós cabe a tarefa de
ajudar as nossas crianças a tirar partido de estar com os outros, estar na rua,
jogar esses jogos saudosistas, navegar na internet, ver os programas mais
adequados…enfim, sermos responsáveis por ajudar os nossos filhos a estar, a
crescer e ser feliz nesta era.
A hiper-atividade é a
expressão máxima da inquietação. Dentro e fora. E ainda não é pacífica a sua
definição em termos etiológicos. É genética, é do meio, é daqui e dali… mas é.
E a forma com lidamos com essa questão é que terá mais impacto do que o rótulo
ou a origem.
Com isto, proponho um breve olhar por uma atividade já bem implementada em Portugal desde o final
dos anos 80, mas ainda desconhecida para muitos de nós: a capoeira.
Muitos desportos,
nomeadamente as artes marciais, visam o auto controlo, respeito das regras,
capacidade de concentração, resiliência, competência…mas todas estas tarefas
podem parecer hercúleas aos olhos de uma criança cujo nervoso miudinho é quem
manda. Saber que se tem que estar atento pode ser por si só catalisador de
maior agitação!
Mas existem atividades que
podem juntar uma série de elementos que beneficiam de forma imensa as crianças
( especialmente as hiper-ativas, ansiosas e introvertidas ). A capoeira é sem
dúvida uma dessas actividades.
Porque transmite noção de eu
no mundo, através da passagem histórica das raízes interligadas (e nem sempre
felizes) de Portugal e Brasil. Conhecimento histórico e geográfico,
multiculturalidade, expressão física e artística, pertença do grupo, auto
estima, atenção e motivação são alguns dos ganho imediatos da prática desta
actividade. E porquê?
Porque o factor competição é
preterido ao da inter ajuda, porque os grupos são habitualmente heterogéneos (em
género e faixa etária), porque tem que se ser rápido e enérgico ( valorizando
os aspectos considerados tóxicos na hiperatividade), mas ao mesmo tempo atento
para se esquivar de um golpe. Porque nunca se perde o outro de vista, porque se
canta e se aprende a tocar instrumentos. Porque se valoriza o grupo em
detrimento do indivíduo, porque existe a possibilidade de renascer através do
batismo de uma alcunha de capoeira.
Porque se pertence. Porque
se é. Porque se está ligado. E não é através da internet. É ali, ao vivo e a
cores!
E então, porque não, antes
de mandarmos os meninos e meninas distraídos, impulsivos e e inquietos para
dentro de um cubo gigante e opressor de um medicamento que apenas parece aliviar aos
cuidadores (que têm menos desgaste), mas que mata a criatividade e a
possibilidade de encontrar alternativas, se mandasse para uma roda de capoeira?
(imagem retirada de http://wwwcapoeirasociocultural.blogspot.pt/) |
Carla Ricardo
Psicoterapeuta Psicronos
Delegação Setúbal
NOTA:
Apesar de considerar que as crianças com TDAH de acordo com o DSM IV-TR estão
igualmente aptas a entrar para uma atividade física e desportiva como a
capoeira, essa indicação deve ser dada criteriosamente em contexto clínico, de
acordo com a avaliação da situação individual. E não se esgota na prática de
uma atividade, a sua leitura é sempre multidisciplinar tal como a intervenção.
Em caso de dúvida, contacte um especialista. A Psicronos em Setúbal tem um serviço dirigido a crianças e adolescentes, bem como o aconselhamento parental que pode e deve caso exista suspeita da
criança ou jovem se enquadrar neste diagnóstico.
Para mais informação
contacte carla.ricardo@psicronos.pt
ou pelos telefones 213145309 /918095908.
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