Misteriosa, mágica, fascinante para uns, “banha da cobra” para outros, altamente eficaz para quem se dedica à sua comprovação científica. As opiniões acerca da hipnose são de facto vastas, mas estudos científicos recentes parecem finalmente comprovar a eficácia da hipnose e legitimá-la como forma de tratamento válido na ciência médica.
Primeiramente eis o que a hipnose
não é: não é um estado de obediência cega ou uma forma de sono na qual se fazem
ou dizem coisas contra a vontade. Esta crença fundamentou-se erradamente pela
hipnose de palco, na qual os hipnotizadores parecem “controlar” voluntários,
sendo que o simples truque aqui reside exactamente na palavra “voluntário”. Os
hipnotizadores de palco pedem voluntários ao palco que, simplesmente por se
voluntariarem, estão já previamente a aceitar fazer ou dizer o que o
hipnotizador de palco lhes pedir para fazer.
É muito fácil para quem domine a
técnica da hipnose pôr uma pessoa a dançar num palco, mas se lhe for dito para
ir dar um tiro à primeira pessoa que passar na rua, a pessoa certamente não o
fará pois está ali para se divertir e não para cometer um crime. Já se a
sugestão for para dar um tiro a um determinado membro do governo, aí cuidado pois
que a hipnose actua com base no que realmente queremos e nos dias que correm há
certamente por aí quem acalente tal vontade. Mas voltando a um registo mais
sério, há que distinguir a hipnose de palco da hipnose clínica, também chamada
de hipnoterapia. Enquanto na primeira o objectivo é o espectáculo, o
entretenimento e a diversão, na hipnoterapia o clínico trabalha com base nos
objectivos terapêuticos do cliente e o foco das sessões é a resolução das
problemáticas apresentadas com vista ao alcançar dos objectivos acordados entre
terapeuta e paciente.
A hipnose é de facto um estado de
atenção focalizada na qual o corpo está muito relaxado e a mente muito focada,
inicialmente numa experiência sensorial interna ou externa que é geradora do
transe induzido e seguidamente, quando se trata de hipnose clínica ou
hipnoterapia, no foco direcionado pelo terapeuta, de encontro aos objectivos previamente
estipulados.
Mas como é que a hipnose
funciona?
Aqui há que falar do consciente e
do inconsciente, termos que se referem à psique humana. O consciente é somente
uma pequena parte da mente que inclui tudo do que estamos cientes em
determinado momento. No inconsciente estão elementos instintivos não acessíveis
à consciência, elementos excluídos, censurados ou reprimidos. O inconsciente
controla também todos os nossos processos automáticos, aqueles que não nos
preocupamos em controlar conscientemente, tais como o batimento cardíaco, a
pressão arterial, a renovação celular, o sistema imunitário, entre outros. Controla
as nossas emoções, os nossos hábitos e as nossas respostas. É onde as nossas
memórias e a nossa experiência acumulada reside.
O inconsciente não é no entanto
estático e o seu material pode “subir” à mente consciente através de
associações ligadas aos sentidos, que quando consciente pode mostrar não ter
perdido em nada a sua força emocional. Memórias há muito esquecidas podem
surgir com a mesma intensidade emocional de forma intemporal. Do inconsciente,
o pré-consciente tem o material que se pode tornar consciente com mais
facilidade, como a lembrança daquilo que jantámos de véspera ou o nome do
perfume que deixámos de usar há uns tempos.
A realidade daquilo que realmente
estamos conscientes a cada momento é de facto trazida à mente consciente pelo
inconsciente. A mente consciente é mais lógica, crítica e analítica. Faz
continuamente juízos de valor e é capaz das mais rebuscadas razões lógicas para
defender os seus hábitos. Se alguém disser a um fumador que ele deve parar de
fumar o quanto antes, que é mau para a sua saúde, o mais provável é que ele
arranje na hora as desculpas mais lógicas para não o fazer de imediato, podendo
até mandar a outra pessoa meter-se na sua vida. Mesmo que esta pessoa aceite
conscientemente que fumar é mau para a sua saúde, não é a parte consciente da
sua mente que mantém este hábito funcional. Já a mente inconsciente,
responsável mela manutenção do hábito, é muito mais maleável e aceita a
sugestão de uma forma totalmente diferente. É mais literal e tende a aceitar as
coisas de forma pessoal, relacionando à própria pessoa quaisquer informações
que receba, daí a importância da metáfora na prática hipnoterapêutica.
A hipnose funciona assim,
passando a crítica mente consciente, através dum processo de relaxamento ou de
técnicas de programação neurolinguística, dirigindo-se e falando directamente à
mente inconsciente numa linguagem facilmente captada pela mesma que é parte das
técnicas hipnoterapêuticas.
Como de facto é a mente
inconsciente que comanda e muitos dos nossos problemas são coisas que
aprendemos a fazer ou nos foram impostas a um nível inconsciente, é aqui que
devemos actuar.
Os problemas surgem
frequentemente como solução inicial para um outro problema. Um pouco como os
medicamentos que curam algo mas que podem trazer outras complicações. Voltando
ao exemplo anterior, o hábito de fumar inicia-se muitas vezes na adolescência como
forma de pertença ao grupo ou de parecer-se “cool”. Através da repetição, a
mente inconsciente apercebe-se que fumar serve um propósito vital e que de
alguma forma é bom para a pessoa. A hipnose funciona actualizando a mente inconsciente
com a nova informação que dificilmente passa directamente à mente consciente em
estado vigil. Pode assim fazer novo “update” na mente, mudando associações do
passado para associações que a pessoa defende mas que por vezes dificilmente
altera, por exemplo deixando de percepcionar os cigarros como facilitadores de amizades,
para fumo tóxico.
No domínio dos estudos
científicos, novas investigações da Universidade de Stanford, têm vindo a utilizar
as mais recentes técnicas da imagiologia para compreender a ciência da mente
hipnotizada. A hipnose funciona realmente e tem um impacto a nível cerebral que
pode ser cientificamente medido, segundo um dos psiquiatras americanos de maior
renome, o Dr. David Spiegel - Associate Chair of Psychiatry and Behavioral
Sciences at Stanford – que apresentou recentemente provas de que algo acontece
no cérebro quando as pessoas estão sujeitas à hipnose, que não acontece em
estado vigil. David Spiegel apresentou recentemente à prestigiosa American
Association for the Advancement of Science, um estudo no qual foi previamente
sugerido sob hipnose a voluntários que estavam a ver objectos a preto e branco,
que de facto viam objectos coloridos. O scaneamento cerebral mostrou que as
áreas do cérebro responsáveis pelo registo das cores estava visivelmente activo
com forte registo de actividade sanguínea, o que indica que os voluntários
“viam” genuinamente as cores, tal como lhes tinha sido sugestionado. David
Spiegel tem vindo a reforçar a ideia das tremendas implicações médicas destes
factos para o controlo da dor e ansiedade, entre outros.
No ano de 2003 a Harvard Medical
School experimentou os efeitos da hipnose no tempo de cura de fracturas osseas
nos tornozelos. O estudo mostrou que o grupo de pessoas sujeitas a hipnose
demorou seis semanas a recuperar e o grupo de pessoas que não beneficiaram de
hipnose demoraram oito semanas e meia a recuperar. Este estudo mostra-se
relevante em situações de recuperações físicas de atletas ou para qualquer
outro caso em que se queira acelerar o processo de recuperação física
pós-trauma ou pós-operatório.
No ano de 2009 investigadores da
Hull University mostraram evidências que contradizem o efeito placebo da
hipnose alegado por alguns, provando que sob hipnose se produzem efeitos
visíveis na actividade cerebral scaneada, predispondo a mente para a
sugestibilidade.
Variadíssimos outros estudos
comprovaram a eficácia da hipnose no controlo tabágico, no controlo da dor, no
controlo de peso, em problemas de infertilidade, no alívio do síndrome do
intestino irritável, em problemas da pele, entre outros.
A hipnose tem um efeito genuíno
tanto no funcionamento da mente como no corpo e funciona moldando a nossa
percepção da realidade pela acção directa com a mente inconsciente, o
receptáculo da maioria dos nossos problemas mas felizmente, da maioria das
soluções também.
Carla Leonardo
PsicoterapeutaDirectora do Departamento de Hipnose Clínica da Psicronos
http://www.psicronos.pt/consultas/hipnose-clinica_13.html
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