terça-feira, outubro 29, 2013

Pai e filha: Carlos Amaral Dias e Joana Amaral Dias. Uma entrevista publicada no publico com os 2 Psis


Leia a entrevista em http://www.publico.pt/temas/jornal/amar-e-natural-na-especie-humana-27266868?b332333

ANABELA MOTA RIBEIRO (TEXTO) NUNO FERREIRA SANTOS (FOTOGRAFIA)

Um pai é um pai, mesmo que não seja o tipo de pai que leva os filhos à escola. Uma filha é sempre objecto do cuidado de um pai, por mais emancipada e combativa que seja a sua atitude. Esta é a relação de um pai e de uma filha que não têm medo nem vergonha de dizer que se amam
Carlos Amaral Dias (1946) não soube ser o pai que vem nos livros. Era o pai que se portava pior do que os filhos e que se recusava a olhar para eles com óculos de psicanalista. Joana Amaral Dias (1975), a filha, discorda. O pai e a mãe, a psicanalista Teresa Nunes Vicente, liam o mundo - e os filhos - de acordo com Bion, Melanie Klein, Winnicott, Freud... Não resistiam.
Joana discorda muitas vezes. E di-lo sempre. Tem à-vontade para dizer tudo. O máximo que pode acontecer é discutirem um com o outro. Não se zangam. Estão mais próximos desde há um ano, quando Carlos teve um AVC e passou meses no hospital.
A entrevista foi na casa de Carlos e combinada com Joana. Joana e eu entrámos ao mesmo tempo no prédio, e connosco subiu Carlota, a irmã mais nova de Joana, de dez anos. Talvez por se sentir excluída da entrevista, Carlota fazia-se presente tocando flauta. Tocou um bom bocado. O pai estava a terminar uma sessão no consultório que fica dentro de casa, duas ou três salas depois daquela onde nos encontrávamos. Essa sala era a biblioteca.
Em duas horas tentou-se perceber que elementos foram marcantes na sua formação individual e na sua dinâmica relacional. Joana oscilou entre o registo combativo que se lhe conhece da televisão e da política e um cuidado terno com o pai. Carlos está ainda sob o maravilhamento dos que descobrem a beleza de um dia de sol depois de conhecer a linha fina que separa a vida da morte. Mas mantém a agudeza de um psicanalista que repete: somos todos filhos de um bando de assassinos!
Estou a falar com dois psis, pai e filha. Para compreender alguma coisa de quem são e da vossa relação, tenho de começar pelo complexo de Édipo da Joana?
Joana - Não tem nada a ver com ser psi. É assim com psis, jardineiros, astronautas.
Carlos - Acho que sim. O problema é quando as pessoas não organizam esse nível de contacto com a figura feminina ou masculina, não conseguem perceber o que há de sexual na mãe ou no pai. Uma perda dessas tem consequências muito grandes na vida psíquica de uma pessoa.
O Édipo forma-se à volta dos seis anos. Como é que olhava para o seu pai nessa altura? Ele não era o "Grande Amaral", como hoje lhe chama. Ou era?
Joana - Era quase. Olhávamos [o meu irmão Henrique e eu] com admiração, algum respeitinho (o respeitinho da noite, de quem chega a casa à noite depois de passar o dia a trabalhar), embora houvesse muitos momentos de descontracção. Uma das nossas brincadeiras favoritas era o "Bobby vai ao psicanalista". Lembras-te disso?
Carlos - Perfeitamente.
Joana - Sempre tivemos cães em casa. A brincadeira consistia nisto: um de nós fazia de cão, oBobby, e o outro era o psicanalista. Às vezes, o Henrique era o cão e eu a psicanalista, outras vezes o contrário. O que fazia de cão deitava-se de patas para o ar no divã do Amaral - quando o Amaral não estava, não é? Não sei se já reparou: os cães, quando estão a dormir, muitas vezes têm pesadelos e ganem, ladram, mexem-se. O Bobby só falava língua canídea. Mas o psicanalista, como qualquer bom psicanalista, mesmo que o cão só falasse canídeo, interpretava... "Estou a ver que se sente muito mal, que lhe roubaram o osso..." E o outro: caimmmmm. [riso] Tínhamos ataques de riso. Fazíamos interpretações mirabolantes. O psicanalista interpretava o complexo de Édipo do cão.
De onde é que vinha esse palavreado? Talvez seja bom dizer que a sua mulher de então, e mãe da Joana, é também psicanalista, e recebia os pacientes, como o Carlos, em casa.
Joana - Da mesa. Esta brincadeira era no consultório do meu pai, não era no da minha mãe. A minha mãe era mais territorial.
Carlos - O que já seria susceptível de uma interpretação psicanalítica...
Joana - E de uma contra-interpretação psicanalítica. E nunca mais saímos daqui.
Do que é que estão a falar?
Joana - Do espaço reservado da mãe por oposição ao espaço mais acessível do pai.
Carlos - Podemos dizer que se falavam duas línguas lá em casa. Português e psicanalês.
O que é falar psicanalês? E o que é que se pode dizer à mesa atendendo ao dever de reserva absoluta para com o paciente?
Carlos - Nem eu nem a Teresa [Nunes Vicente] nos calávamos quando nos vinha alguma coisa à cabeça a propósito de um filme, a propósito deles. Um episódio com o meu filho: uma vez começou a desaparecer dinheiro de uma caixa de trocos que havia na despensa e percebeu-se que era o Henrique [que tirava]. Era muito miúdo, tinha nem nove anos. Perguntei-lhe: "Porque é que fizeste isso?" Disse-me assim, na cara: "Uma vez estavas a falar com não sei quem e disseste que as crianças, quando roubam, é porque não estão a receber o amor que devem [ter] dos pais." Deixou-me estupefacto.
Como é que olhava para o "Bobby vai ao psicanalista"?
Carlos - É muito bom que os nossos filhos possam brincar a propósito da nossa profissão. Falando psicanalês, outra vez: quando somos pequeninos e brincamos que estamos a conduzir um carro ou a cozinhar, estamos a imitar os adultos. A brincadeira da criança tem essa função de identificação à figura do adulto. Resultou muito bem: os meus filhos têm todos a compreensão do que é que as coisas podem ser para além daquilo que mostram.
Como é que a Joana começou a olhar para o outro lado do espelho?
Joana - Acho que é uma coisa que se vai tecendo todos os dias. Marcou-me o humor do meu pai, da ordem do absurdo, o significado mutante das palavras. Um sentido de humor surrealista aliado a uma grande liberdade, que tive no meu crescimento, mais do que o meu irmão, e que resultou em estar muitas vezes do outro lado do espelho, ver as coisas de um modo escaganifobético. Essa abertura mental foi o que mais marcou. O meu pai acha que o que nos marcou mais foi a música, as idas ao teatro, o ter o Shakespeare ao lado...
Carlos - Como é que podes passar por cima disso? O teu irmão teve uma filha a quem chamou Bárbara por causa da canção do Chico Buarque, por causa das tardes, em miúdo, em que ouvia Chico Buarque comigo.
Joana - Obviamente tive uma educação privilegiada. Mas há muitas pessoas que têm acesso a essa educação privilegiada. O que foi uma marca de água distintiva não foi tanto isso. Foi esta grande liberdade de pensar.
Quando é que sentiu que era mais importante do que todos os livros, todos os filmes, todas as exposições? Pergunto quando é que teve o sentimento de que era escolhida pelos seus pais - esse sentimento tão precioso -, de que era o centro das suas vidas.
Joana - Não sei se alguma vez senti isso..., e não vejo isso como sendo mau. Quando vim ao mundo, já lá estava o meu irmão, que é 15 meses mais velho do que eu. Nasci para partilhar uns pais, um espaço. Não quer dizer que me tenha sentido preterida, mas o meu irmão era um miúdo bastante investido pelos meus pais. Há um frase do [escritor britânico] Julian Barnes que diz tudo sobre isso. Barnes está a descrever a relação com o irmão e com os pais; quando era miúdo, perguntavam ao irmão: "Que é que queres ser quando fores grande?"; o irmão respondia: "Quero ser especialista no império britânico." As pessoas ficavam impressionadas com o catraio. O Julian Barnes acrescentou: "Eu quero ser especialista em tudo o resto." Foi mais ou menos isto que aconteceu [comigo]. Havia um irmão mais velho que queria ser especialista no império britânico.
Ficou com tudo o resto. A política, a Psicologia, a comunicação social... O seu percurso não foi nada o de especialização num tema. Carlos, deve estar sempre a ouvir dos pacientes: "Eu não fui essencial na vida dos meus pais. O meu irmão é que era."
Joana - Não foi isso que eu disse. O meu irmão e eu temos personalidades diferentes. Não era bem não ser essencial para os meus pais... Eu usava a imensa liberdade de não ter de ser especialista no império britânico.
Carlos - Não temos a mesma visão sobre esta questão. Tu foste de facto especialista em tudo o resto. Sempre deixei as minhas mulheres serem os polícias. Eu tinha de fazer um esforço para ser um pai com as funções que se atribuem aos pais, para ser um pai como vem nos livros.
Como é o pai que vem nos livros?
Carlos - Esses pais... Nunca me revi. Revia-me muito mais no Conde de Lautréamont [poeta de origem uruguaia], que diz: "Vim ao mundo para espalhar o terror entre as famílias." [riso] Essa é a minha tarefa. A família é uma instituição horrível. Conservadora no pior sentido do termo. Herdamos dos nossos pais ou transmitimos aos nossos filhos os nossos genes, os nossos gostos, os gestos. Dou-me conta de que estou a cruzar as pernas como o meu pai... Quer coisa mais conservadora do que esta? Romper com isto é difícil. A minha profissão tem o sucesso que tem porque as famílias são feitas para criar problemas. Há terapeutas familiares que pensam o contrário. Tenho dificuldade em lidar com a ideia do Éden...
Ouvindo-o falar de Éden, ocorre-me o título de um programa que teve na rádio: O Inferno Somos Nós. Faz medo pensar no inferno e que ele não é uma coisa distante que está nos outros, como no título do Sartre, mas que está em nós.
Carlos - Sim. Mas o verdadeiro inferno é uma pessoa deixar de viver e deixar de viver quando se está a viver; ou seja, perder a sua individualidade, pôr-se num sítio onde estão outros corpos, onde se deixou de ter um nome. Digo isto pela experiência que tive. (Não sei se me explico. Quanto mais cresço, mais confuso fico em relação a mim próprio.
Joana - Isso é bom.)
Falemos já do AVC que teve há um ano. Para si, o mais perturbador foi perder a sua identidade, que resgatou de novo, e paulatinamente, mais à frente?
Carlos - Sim. Passos fantásticos: ter recuperado o andar. Ter podido tomar banho sozinho. Ver o sol. Quando se está meses dentro de um hospital só com luz artificial, o sol é uma coisa especial. O que ficou no fim disto tudo: as pessoas de quem gostava ganharam dentro de mim uma densidade própria, que já tinham, mas que foi [sublinhada].
Como se ficasse mais nítido o contorno dessas pessoas?
Carlos - Sim, sim. A Joana... não devia dizer isto, mas digo. Ela foi fantástica.
Joana - Bem podes dizer. Homessa! [riso]
Carlos - Esteve ao pé de mim nesses momentos. O meu filho também esteve, a minha [outra filha] também esteve. Mas a Joana não havia dia nenhum que não me visse, que não estivesse comigo. É uma dimensão que já não consigo retirar dela.
A de cuidadora?
Carlos - Cuidadora. Sobretudo, ela não teve vergonha nem medo nenhum de mostrar que me amava.
Vergonha e medo: parecem palavras difíceis de associar à outra, que é amor. Porque é que temos tanto medo e tanta vergonha de mostrar que amamos?
Carlos - Então não temos? A nossa vida é passar a vida a ter medo disso.
Ver o seu pai numa situação de fragilidade tornou-o mortal aos seus olhos? Isso desencadeou em si uma mudança?
Joana - Não. O meu pai ficou surpreendido. Ainda está um bocado surpreendido, porque fui todos os dias ao hospital, levar-lhe papinha, papinha mesmo boa [riso].
Levou papinha, realmente?
Carlos - Sim, sim.
Joana - Não foi uma coisa que me tivesse surpreendido em mim. Considero-me solidária e presente. Quando as pessoas precisam, precisam. Fiquei muito preocupada, ainda estou preocupada. Como é que se lida depois com as limitações, com as fragilidades? Como é que se reorganiza toda uma vida, interna e externa?
Então a vossa relação não mudou.
Joana - Não sinto que tenha havido uma diferença substancial na nossa relação. Passou a haver uma presença mais regular que era necessária tendo em conta as circunstâncias.
Insisto: ele pareceu mortal e frágil aos seus olhos? Até muito tarde, os nossos pais são figuras omnipotentes, omniscientes, omnipresentes.
Joana - Não senti isso.
Quando é que pela primeira vez sentiu o seu pai como uma pessoa frágil?
Joana - Sempre. Já o vi chorar várias vezes.
Isto é comum? Tenho ideia de que o pai é, deve ser, o herói auto-suficiente, que nos salva, a quem recorremos. Um AVC pode representar uma inversão de papéis.
Carlos - O que a Joana disse reflecte o que era a nossa relação. Com ela e com os meus outros filhos. Às vezes estávamos semanas sem trocar palavra. Eu ia a Coimbra todas as semanas, e não estava com o meu filho, que vive em Coimbra. O amor para mim não tem essa [obrigação]. Dá-me uma noção claustrofóbica aquilo a que se chama amor.
Claustrofóbica como?
Carlos - Talvez porque sou filho único. Os meus pais faziam questão que me sentisse claustrofóbico.
Quando, depois da doença, voltou a si - se posso usar esta expressão -, à sua identidade, pensou em si menino e na relação com o seu pai?
Carlos - O meu pai era muito interventivo na minha educação. O meu pai ia ver se eu faltava às explicações. Uma vez estavam dois cachopos da minha idade a dar-me porrada, e eu a eles, e o meu pai estava a ver de fora! Qual era a sensação que eu tinha? "Nem aqui este tipo me larga." O tempo que o meu pai tinha para estar comigo era pouquíssimo, mas o sentimento que transmitia era de uma pessoa que estava presente nas coisas.
O que é que ele fazia?
Carlos - Era enfermeiro.
O que é que ele queria que fosse? Esse dirigismo era para quê?
Carlos - Para ser médico. E eu fiz-lhe a vontade. Depois também fiz a vontade a mim próprio porque escapei da Medicina tanto quanto podia escapar-me quando escolhi o que sou.
Era claro para si que queria ser psicanalista?
Carlos - O curso foi muito difícil para mim. Se eu tivesse sido cirurgião - o meu pai era dono de uma clínica -, tinha ido trabalhar com ele. Fiz-lhe a vontade, mas não podia fazer-lhe toda a vontade, não é? Senão ficava com ele a mandar em mim até ao resto da vida.
Quando é que se emancipou em relação ao seu pai?
Carlos - Na minha educação, o meu pai é indissociável da figura do meu tio Zé Henrique, que era muito mais novo e que era uma espécie de irmão-pai. Vivia lá em casa e deu-me algumas luzes sobre por onde devia caminhar na Literatura ou na Filosofia. Se fiquei parecido com alguém, foi com o meu tio.
O seu filho chama-se Henrique.
Carlos - É. O meu avô chamava-se Henrique. É um nome comum na família.
A Joana chamaria a um filho Henrique?
Joana - Acho que não. Tenho um filho e não se chama Henrique.
Carlos - O nome dele é Vicente. É o nome da família da minha mulher. [Nunes Vicente] A Joana fez uma coisa bem feita: foi buscar um nome próprio para manter uma ligação simbólica à família.
Como é que olhava para o seu avô paterno?
Joana - Os meus avós paternos, quando fui para a primeira classe, mudaram-se para uma casa em frente à nossa. Era atravessar a rua e mais quatro passos. Tinha uma relação próxima com eles. Não tenho a experiência que o meu pai teve. O meu avô era meu avô, não era meu pai. Brincávamos ao "Ai se te apanho". Tinha um cabelo farto, despenteava-se, tirava a placa, andava atrás de nós pela casa a fazer de monstro. Para dizer que connosco foi mais relaxado, menos austero.
Carlos - Eram as brincadeiras que o meu tio me fazia.
Voltemos aos seis anos e ao pai herói.
Joana - O meu pai era um pai maluco. Era irregular. A maior parte das vezes queria fazer palhaçada. Tinha pouco tempo e queria comportar-se como nós ou pior. Outras vezes queria armar-se em pai que põe regras. Não era muito levado a sério e ficava chateado.
Carlos - Era a minha culpabilidade. "Tenho de fazer de pai."
Joana - Nunca tinha pensado nisto, mas, assim como o meu pai viu o tio Zé Henrique como uma figura entre irmão e pai, eu vi-o a ele assim.
Sendo um psicanalista, estava sempre a perguntar-se: "Como é que isto os vai marcar? O que é que dirão daqui a 30 anos quando estiverem deitados no divã do psicanalista?" Não o Bobby no divã, mas eles mesmos. "O que é que dirão desta infância, deste pai?"
Carlos - Perguntava-me de uma maneira talvez mais rebuscada do que outros pais: "Estou a ser um bom pai?" Não deixava de me preocupar com o tipo de influência que tinha nos meus filhos. Confesso que fui muito egoísta. Queria que os meus filhos se interessassem pelas coisas de que eu gostava. É um encanto para mim saber que eu não era [apenas] o pai com quem ouviam ópera e que era o pai da brincadeira. Deixa-me enternecido. E fascinado pela capacidade que os filhos podem ter de ser bons.
Tinha a noção de que ele estava lá se estivesse aflita, se precisasse?
Joana - Sim. Os meus avós desempenharam também esse papel. Estou a lembrar-me de um momento cómico... Os meus pais tinham consultório em casa. Embora trabalhassem muito, estavam sempre presentes. Qualquer coisa, bastava descer as escadas. Era uma vivenda. Um dia, sábado de manhã, eu devia ter uns 8, 9 anos, a minha mãe tinha saído e o meu pai estava a fazer grupanálise.
Carlos - Não. Era um grupo de esquizofrénicos que eu tinha aos sábados.
Joana - O meu irmão e eu decidimos fazer panquecas e incendiámos a cozinha. Estávamos de pijama, de meias e começou a arder o exaustor. Havia uma bilha de gás mesmo ao lado e entrámos em pânico. Assim como estávamos, descemos para o consultório, abrimos a porta e anunciámos com grande retumbância: "A casa está a arder." Imagine, com um grupo de esquizofrénicos.
Carlos - A primeira coisa que fiz foi resolver o problema da bilha. Disse aos doentes para saírem e esperarem. Atravessaram a rua e sentaram-se nas escadas da casa em frente, a casa do vosso pediatra. Os meus filhos também, de meias e pijama. Quando os bombeiros chegaram, já quase não havia fogo. Chamei os meus doentes e continuámos a sessão. Só passado um tempo, um deles me fez uma confissão: "A certa altura pensei: o meu psiquiatra é pior do que eu."
Podiam interromper as sessões em circunstâncias destas, apenas?
Joana - Apenas em circunstâncias excepcionais. O meu quarto tinha uma varanda que dava para a frente da casa, onde se viam os doentes a entrar e a sair. A vida toda convivemos, em grande harmonia, com a doença mental. Lembro-me de um paciente que achava que era Jesus Cristo e que descompensava à porta de casa. Um delírio maníaco clássico. Sabes de quem estou a falar?
Carlos - Sim.
Joana - Havia pessoas que faziam convulsões epilépticas à porta de casa. Coisas histéricas. Era muito animado [riso] e fazia parte. Como se fosse um ortopedista e os filhos vissem muitas pessoas de canadianas. Esta cena do incêndio: só muito mais tarde percebi o impacto que aquilo poderia ter tido nos doentes. Para mim [os seus comportamentos] eram bizarrias a que assistíamos da varanda.
Quando é que quis cortar com essa casa onde não estavam apenas o pai e a mãe, mas também os seus consultórios e as pessoas que os frequentavam, um mundo que não tinha nada que ver com o seu?
Joana - Mas tinha que ver com o meu. Aquilo fazia parte do meu mundo. Havia uma sensação de estranheza quando, na infância, ia a casa de amigos e percebia como era diferente. Já falei com muitas pessoas desta sensação; como é diferente a dinâmica, a comida sabe diferente. Isto para dizer que aquilo era o meu mundo.
Eu queria dizer: aquele era o mundo dos seus pais, sobretudo de um ponto de vista profissional. Na adolescência, houve rejeição?
Joana - Tive uma adolescência normal.
Carlos - Há um episódio hilariante na adolescência da Joana. Para sair sem que a mãe ou eu percebêssemos, primeiro mandava os sapatos para o jardim, e depois mandava-se ela.
Joana - Saltava do primeiro andar.
Carlos - Agarrava-se à parte superior de uma árvore - era uma mangueira? - e descia.
Joana - Macaca.
Carlos - Um doente meu estava virado para a janela e disse-me assim: "Acabei de ver uns sapatos a voar." Pensei: "Está a ter alucinações visuais. Mas isto não é próprio deste paciente." Continuou: "Agora há uma miúda que se atira contra a árvore. Acho que é a sua filha." [riso] Fiquei espantado. Do ponto de vista psicopatológico, aquele paciente não produziria aquele discurso. Tentei entrar em contacto com os afectos dele. "O que é que você está a sentir?"
As típicas perguntas ou comentários dos psicanalistas: "Hum hum" ou "O que é que você está a sentir?"
Carlos - Aquilo não fazia sentido na história do paciente nem na sua maneira de estar comigo. Até que vim a saber da história. Os sapatos e a miúda existiam mesmo.
Joana - Eu tinha 14, 15 anos. Dizia: "Vou-me deitar." Fechava a porta do meu quarto por dentro e mandava-me pela janela. O meu pai ficou desconfiado, comentou com a minha mãe. Nesse dia, quando cheguei às quatro ou cinco da manhã, tinha o meu pai à porta, à espera. Oops.
Quando é que se zangaram?
Carlos - Muitas vezes. A sério, uma vez.
Joana - Não sei de que vez estás a falar.
Carlos - Não tenho esse sentimento em relação a qualquer dos meus filhos - de estar zangado com eles. Eles estarem zangados comigo é diferente.
Joana - Os pais nunca são aquilo que os filhos querem que eles sejam. E vice-versa. Já tentei ensiná-lo a ser melhor pai. Evoluiu bastante, [tom ligeiramente trocista] graças a mim. Zanga, zanga? Não. Digo tudo o que penso ao meu pai.
Diz mesmo?
Joana - Digo. Tenho o maior à-vontade [para o fazer].
Sem medo de o ferir? Isso é porque são psis?
Joana - Acho que não. Acho que é a relação que temos, que desenvolvemos. Quando não gosto da maneira como ele é pai ou avô, digo-lhe. Ele também me diz a mim. E pegamo-nos! Não é uma relação "o mar está flat, não se passa nada". Temos opiniões divergentes, da política a outros assuntos.
Carlos - Zanga, zanga, em que há um afastamento emocional dentro de nós em relação ao outro, a um filho meu, nunca senti. Posso ter tido medo que eles sentissem isso.
Tinha medo de desapontá-los, mais do que tudo?
Carlos - Brinco com isto, mas há uma parte de mim crítica em relação à maneira como era pai. A Teresa era a figura tutelar sem a qual isto não teria funcionado. Como agora, com esta filha-neta, a Carlota [de dez anos]: não me emendo.
Joana - Acho que és diferente com a Carlota. Já te vi fazer os trabalhos de casa com ela. Jamais, em tempo algum, o meu pai se sentou ao meu lado a fazer os trabalhos de casa comigo.
Carlos - Eu já fiz os trabalhos de casa com a Carlota?!
Joana - Eu já te vi! Várias vezes. Estás com vergonha de admitir as tuas pequenas fraquezas... [riso] Não são diferenças substantivas. Muitas vezes observo o meu pai a ser pai da Carlota e tenho uma ideia bastante próxima do que a Carlota estará a sentir.
Carlos - Para a Carlota, quando estive doente, foi terrível. Foi e é. "De que é que tinhas saudades quando o papá estava internado?" "Das tuas histórias malucas."
Contava histórias ou contava sonhos? As histórias mais extravagantes normalmente aparecem nos sonhos.
Joana - Eram histórias absurdas, e lengalengas, que inventava. "Ia um homem todo vestido de vermelho, num carro vermelho, com o chapéu vermelho, os sapatos vermelhos, os olhos vermelhos, o volante vermelho, a estrada vermelha, e bum!, bateu num senhor que era todo azul, com olhos azuis..." A história evoluía para um hospital todo branco, um planeta verde...
Queria pedir que contassem um sonho. É talvez a coisa mais íntima que vos estou a pedir. Um sonho com o seu pai, lembra-se? Um sonho com a Joana?
CARLOS e Joana - Não me lembro.
Mentirosos.
Joana - A sério, não me lembro.
Se se lembrarem, digam. Mudemos de assunto. É impressão minha ou a pessoa com quem tinha uma relação de competição era o seu irmão? Era pela atenção dos pais? - o que é, aliás, muito comum entre irmãos. Fala muito dele. Também é certo que durante muito tempo foram só os dois. A sua irmã Leonor, do mesmo pai e da mesma mãe, nasceu 11 anos depois.
Joana - O meu irmão foi muito presente na minha vida. Não acho que competisse pela atenção dos pais. Entretinha-me sozinha, gostava de aprender a fazer as coisas sozinha. Escrevia, desenhava. Brincava muito com o meu irmão, também. Não na atenção, mas [no desejo] de ser melhor, competia, sem dúvida nenhuma. Rapidamente se transformou mais numa competição comigo própria. Isso sim, caracteriza-me muito e é parecido com características do meu pai.
Em que outros aspectos são parecidos?
Joana - Gosto do gozo de descobrir, como o meu pai. Gosto mais de ser aluna do que de ser professora. Não posso dizer que o meu pai tenha sido um self made man. Os meus avós viviam bem e a partir de certa altura passaram a viver muito bem - tudo com a força do seu trabalho, devo dizer. Mas de um ponto de vista intelectual, o meu pai foi um self made man. O meu avô deixa muitas saudades, e não era estúpido, de todo!, mas não era propriamente um homem orientado para a cultura, ao contrário do meu outro avô, do lado da minha mãe. Ainda hoje tenho um fraquinho por pessoas que são self made man ou woman.
As brincadeiras com o meu irmão eram ao sopapo e ao pontapé. Obrigava-me a crescer, a não ser mariquinhas.
Contudo, foi a Joana que foi para Psicologia. O seu irmão estudou Economia. Como é que o Carlos olhava para esta competição entre os irmãos?
Carlos - Somos todos descendentes de um bando de assassinos. De modo que não estava à espera que os meus filhos fossem os anjos que foram discutidos em Trento [concílio da Igreja Católica, no século XVI, no qual se discutiu, entre outras coisas, a função dos anjos].
Quem são os assassinos, já agora?
Carlos - Então, os que sobrevivemos, em termos de competição da espécie, somos filhos de assassinos. As pessoas de quem eu gosto, de uma forma geral, são pessoas que sabem isto. Somos bons e maus. Se os meus filhos não tivessem lá no meio - transformada, como é óbvio, não queria que se matassem um ao outro - essa rivalidade, ficaria muito preocupado.
Na adolescência, os seus filhos tinham aquários em casa. Como é que um psicanalista olha para isto?
Joana - Muuuuitos aquários.
Carlos - Achava graça. Os aquários estavam na sala do bilhar, que supostamente era para eu jogar bilhar. Nunca foi. Era a sala usada para fazerem tudo o que queriam.
A atitude era: "Estão a fazer aquários" - deixá-los estar. E não: "Que é que isto quer dizer?"
Carlos - Deixá-los estar. O "o que é que isto quer dizer?" não fazia parte da minha maneira de estar com eles. E nunca, mas nunca os via como um psicanalista.
Joana - Não era bem assim. Não estou a dizer que fosse permanente, mas os meus pais tinham umas vagas de entusiasmo por autores e não resistiam a ver o mundo todo daquela cor - como na história. A vaga Winnicott, a vaga Melanie Klein...
Pode contar qualquer coisa?
Joana - Não me lembro. Eram coisas do quotidiano. Nós rapidamente aprendíamos a falar essa linguagem e a fazer contra-interpretações. Dizíamos: "Vê lá. Só porque a tua mãe não te fez aquilo, tu agora..." É uma coisa que se aprende, o vocabulário e uma forma de pensar. Se cresço assim, também falo essa língua - como os miúdos bilingues. O próprio Bobby foi interpretado de acordo com várias escolas psicanalíticas, mais freudianas, mais bionianas.
Para arrumar a questão: até que idade fizeram a brincadeira do Bobby?
Joana - Até à puberdade, até aos 11. Depois passámos a fazer outra coisa que também incluía o consultório dos meus pais. Eles iam a muitos congressos no estrangeiro e nós, num ápice, enchíamos a casa com 50, 100 pessoas. No consultório, em todo o lado.
Interpretação barata: ocupar o divã do pai psicanalista é estar na cama dos pais?
Carlos - É. Mas quem é que não faz isso?
Joana - Neste caso, a cama dos pais era também o trabalho dos pais.
Carlos - Para os meus filhos, a minha profissão era uma espécie de amante a que dedicava muito tempo.
Tinha ciúme de alguma paciente em particular?
Joana - Não, não. Gostava muito de observar, mas ciúme, não. Os cães reagiam de maneira diferente às pessoas. Antes do boxer, tivemos um rafeiro muito esperto e completamente estroina que ladrava a uns em especial... O meu irmão e eu construíamos teorias sobre quadros psicopatológicos associados.
Para a Joana, havia o pai Amaral Dias e a mãe Nunes Vicente (e o avô Nunes Vicente, catedrático da Universidade de Coimbra). Tinha de encontrar espaço para ser a Joana, e não a filha de, a neta de...
Joana - Sim. A questão da autonomia sempre foi muito importante para mim. A todos os níveis. Resultou nisto [que agora sou], mas tem uma pré-história. Na altura em que atirava os sapatos pela janela, já tinha não sei quantos empregos. Traduções, babysitting... Arranjava maneira de fazer dinheiro. Era boa aluna, cumpridora. Os meus pais não tinham grande coisa a apontar-me. As duas coisas - não ter restrições em casa e ter dinheiro no bolso - fizeram com que rapidamente me emancipasse. Acabei por sair de casa aos 19 anos. O que não é assim tão comum em Portugal.
Depois teve um filho com 22. O que também não é comum, ainda mais no seu quadro social.
Joana - Foi muito importante ter saído de casa tão cedo, ter crescido sozinha. Lembro-me sempre de uma grande vontade de fazer por mim, ter as minhas ideias, a minha casa. Se resultou numa certa exposição pública e mediática, não foi deliberado. Em miúda queria ser muitas coisas diferentes. Não me lembro de ter tido a fantasia da fama. Tive outras - de ser filósofa.
Deu-se uma alteração de papéis. O Carlos passou a ser "o pai da Joana Amaral Dias". Como é que lidou com isso?
Carlos - É impossível não dizer o orgulho que sempre tive em qualquer dos meus filhos, por razões diferentes. Acho que a minha filha é uma miúda muito inteligente. Qualquer dos meus filhos: sempre achei que eram mais inteligentes do que eu. Para sobreviverem à minha pessoa... [riso]
Joana - Concordo.
Carlos - O que sinto quando me falam da Joana é orgulho. Não sou capaz de dizer isto de outra maneira.
Joana - Eu não tenho bem esta versão da história...
Então?
Joana - Fui deputada em 2003, a poeira vai assentando. Nos primeiros anos, ficaram sem perceber o que é que se estava a passar.
Carlos - Achas?
Joana - Sim, acho. Aliás, tenho a certeza. Em virtude desse meu processo [de emancipação, cedo], e porque temos este tipo de relação (não estamos sempre ao telefone), eles nem sabiam bem o que é que eu andava a fazer. Acho que ficaram surpreendidos e depois foram-se habituando à ideia. Mas não acho que fizesse parte das expectativas.
Carlos - Não foi esse o nível da pergunta. Não era sobre se eu esperava que tu ou o Henrique ou a Leonor ou a Carlota fossem isto ou aquilo. Não esperava. Tenho orgulho em que sejas quem és.
Joana - Deste a ideia de que para ti [a minha fama] era uma coisa natural. Acho que não foi natural.
Carlos - Na espécie humana, nada é natural. Havia um preservativo que tinha como slogan: "Amar é natural." Escrevi-lhes uma carta a dizer que amar não era natural. Era publicidade enganosa. [riso]
Os seus pais sempre a levaram a sério?
Joana - A minha mãe costuma brincar comigo e fala de uma insustentável leveza do ser. Porque eu sempre levei as coisas de uma forma mais relaxada, ligeira. O meu irmão era e é uma pessoa mais séria, circunspecta. Lembro-me de ser miúdo e dizer que queria ir para Wall Street [diz Wall Street num tom cinematográfico]. Eu ia andando, a vida ia acontecendo.
A questão das expectativas é fundamental na relação pais-filhos. Os filhos não querem desapontar os pais. O Carlos diz que tem orgulho na Joana, mas parece um comentário à superfície. Há mais camadas.
Carlos - Não há. Um jornalista perguntou à Marilyn Monroe, quando ela casou com o Arthur Miller, se ela tinha casado com o escritor ou com o homem; ela respondeu: "Acha que é possível distinguir uma coisa da outra?" É impossível distinguir. A Joana tem muitas camadas, como todas as pessoas. Esta camada - ela ser uma figura pública - está ligada em mim às outras.
Que defeito herdou do seu pai?
Joana - Passei a fazer uma piada (ele ainda não sabe, vai saber agora). Descobri porque é que os meus pais foram para Psiquiatria. O meu pai foi para Psiquiatria porque é hipocondríaco, a minha mãe foi para Psiquiatria porque é psicossomática. A Psiquiatria era uma excelente maneira de fugir ao horror que seria lidar todos os dias com órgãos... [riso] Eu sou as duas coisas: hipocondríaca e psicossomática.
Porque é que foi para Psicologia? Para já, é preciso músculo para seguir essa opção com a carga que tinha em casa.
Carlos - Claro que sim.
Joana - A maneira como resolvi isso foi, e que é sempre a minha maneira de resolver as coisas, transformar-me na melhor aluna. Era uma boa aluna no liceu, acabei com 18 vírgula qualquer coisa. Mas na faculdade tive 19 e 20. Para acabar com a suspeita [de favorecimento]. O meu pai foi meu professor. Em poucas aulas, porque tinha assistentes, mas sim, foi meu professor. Marrei muito. Nasceu o Vicente e continuei a marrar. Porque é que fui para Psicologia? Não sabia bem o que queria. Ainda hoje não sei, na verdade.
O resto do mundo é vasto...
Joana - É muito grande! Estou sempre a meter-me em coisas novas. Grande parte das vezes não posso dizer que tenha sido eu a procurar.
O sonho. Um sonho qualquer. Outro osso.
Joana - Oh pá, não me lembro.
Carlos - Vou contar um sonho que fiz quando comecei a sair do coma em que estava induzido. Nesse sonho ia num comboio. A enfermaria do Hospital de São José era a carruagem onde eu ia. Chegava a Coimbra e ia para um edifício resolver um problema que eu sabia que tinha. Um problema para o qual sabia a resposta cognitiva mas não sabia a resposta afectiva. Estava sentado na sala desse edifício e tinha uma caixa debaixo dos pés; abria-a e tinha lá a resposta afectiva.
Joana - E qual era?
Carlos - Não posso dizer. Posso dizer que era uma resposta que tinha que ver com um ódio profundo que nunca tinha percebido que tinha em relação a uma pessoa. Feitas as contas, somos todos descendentes de um bando de assassinos. [riso]
Porque é que esse sonho o marca?
Carlos - Era como se eu tivesse aquele problema para resolver e o sonho resolveu-mo. Foi um sonho feito entre a vida e a morte, violento e ao mesmo tempo libertador. Como é que um sonho nos agarra pelo fundo das calças e nos dá uma última oportunidade para pensar aquilo? Foi assim que o senti. Como se pudesse viver mais tranquilo. Como se pudesse morrer mais tranquilo.
Temos sempre tantos nós por resolver, mesmo quando achamos o contrário... É o que o sonho lhe diz.
Carlos - Repare que fiz duas análises, um psicodrama com o [Alfredo Correia] Soeiro, o brasileiro que vinha cá. Fui doente muito tempo, e digo como a Joana: ser doente é melhor do que ser psicanalista.
Joana - Muito melhor.
Carlos - Eu tinha visto já este problema por muitas janelas...
Como é que nunca tinha chegado lá, a esse âmago?
Carlos - Porque havia uma resistência minha em entrar em contacto com um afecto tão vasto como aquele.
É violento sentir ódio e reconhecer que sentimos ódio.
Joana - Mas sublimá-lo sempre é mais perigoso. Vou contar um sonho: estou numa casa que são várias casas, que se vão descobrindo. A casa tem bocados da casa dos meus avós e elementos [das construções impossíveis] do Escher: portas que se abrem e que há bocado não eram portas, varandas que há bocado não eram varandas e que se transformam em escadas... A casa tem sempre bocados da casa onde cresci e de outras casas importantes onde vivi. Às vezes, aparecem casas de outras pessoas. No sonho, vou andando. Não é desagradável, não é angustiante, nem claustrofóbico, mas não é completamente pacífico. Há quase a ansiedade da descoberta.
A casa é um labirinto?
Joana - Não, não é. Ela vai-se transformando e muitas vezes aparecem as pessoas daquelas casas. Há pouco tempo, lembro-me de ter aparecido numa dessas divisões, o escritório do avô, o avô. Habitualmente, no fim disso tudo, saio para uma praia. Nunca vivi ao pé do mar, não gostaria particularmente de viver ao pé do mar (embora goste de praia). Mas há uma sensação de respiração, de abertura, de continuar sozinha.
Têm intimidade suficiente para contar sonhos um ao outro?
Carlos - Os esquimós tinham esta prática: quando uma criança contava pela primeira vez um sonho, deixava de dormir na cama da mãe. Prefiro que não me contem sonhos para não sair imaginariamente da cama dos meus filhos nem eles da minha. Há um lado dos meus filhos que nunca quis saber.
Joana - Não tenho nada essa sensação. Ouvir-te contar um sonho, por mais camadas de leitura que eu possa ter, não acrescenta nada ao que eu conheço de ti.
Por mais que seja uma relação de iguais, estão numa situação desigual.
Carlos - Percebi que é pequeno o tempo em que somos maduros. A minha mãe morreu depois do meu pai. A morte da minha mãe foi para mim complicada. Ela estava na minha casa no Algarve e tinha ficado com a Carlota, que era muito pequenina, e uma empregada. Eu tinha ido jantar fora com a Susana, a minha actual mulher. Gosto muito dessa casa, que tem uma piscina aquecida. A Joana também gosta muito dessa piscina. À noite, tomar ali banho nu, é uma coisa fantástica! Nu e com um copo de champanhe, mais fantástico ainda.
Uma cena de um filme de Fellini...
Joana - No comments. [riso] Ele era capaz de dizer a mesma coisa se eu tivesse cinco anos.
Carlos - Não percebo...
Joana - Ele diz isto à Carlota.
Carlos - Não estou a dizer nada que não seja verdade.
Joana - Pronto.
Carlos - A minha mãe sentiu-se mal e morreu-me nos braços. Morreu-me mesmo nos braços, morreu-me. Foi uma coisa muito violenta. Depois que fiz o luto por ela, percebi que a morte dos nossos pais é o lugar onde a nossa infância termina. Aquele olhar é o lugar onde continuámos a ser crianças, onde alguém nos viu como crianças. Só percebi essa coisa de ser adulto quando a minha mãe desapareceu. A infância tinha-se ido embora.
Até quando foi a menina do papá? Não consigo imaginá-la bem criança.
Joana - Ah, mas já fui bem criança.
Carlos - Imagina-me mais facilmente a mim criança do que a ela, não?
Sim.
Carlos - Estás a ver? Não preciso dizer mais nada. Se quiseres pensar um bocado nisso...
É muito combativa. Parece que está sempre pronta a ir à tromba a alguém.
Joana - E estou. Ou bem que somos filhos de assassinos ou bem que não somos.
Essa atitude não se associa a uma criança. Talvez por isso tenha alguma dificuldade em imaginá-la criança.
Joana - Sempre fui assim. Na segunda ou terceira classe, pediram-me para escrever uma composição sobre pré-história. Escrevi que era horrível ser australopiteca porque a vida para a mulher era muito injusta; ela tinha de ficar fechada na caverna, eles é que se divertiam imenso; iam para a caça, para a aventura. Ainda por cima, elas eram arrastadas pelos cabelos (era uma figura que aparecia no livro de História). A minha mãe passou a chamar-me australopiteca. Era uma das minhas alcunhas.
Não tem medo de nada?
Joana - Tenho medo de imensas coisas. De morrer, de ficar incapaz. O meu maior medo: que aconteça alguma coisa ao meu filho. Mas não me vejo como uma pessoa medricas.
Os seus medos?
Carlos - Nunca me tinha visto como um hipocondríaco, como a Joana disse; mas pode ser. Tenho poucos medos. Aprendi a ter medo da morte agora. O medo da morte não era uma coisa que tomasse conta de mim. Agora, tenho medo que a morte me surja.
Joana - Agora é como nas Memórias de Adriano: vês o contorno da tua morte, o que é diferente de uma pessoa da minha idade, sem nenhum problema de saúde, ter uma angústia difusa de morte. É lixado.
Carlos - É, não é? Também acho.
Como é que terminam as vossas sessões?
Joana - Até para a semana.

Carlos - Hoje ficamos por aqui.

sexta-feira, outubro 25, 2013

Exercício físico como tratamento para a depressão?

Estranho, não acham?

No entanto, desde os anos 90 que se efetuam estudos que comprovam a eficácia do exercício aeróbico no bem-estar dos seres humanos. O mais interessante é a consistência dos resultados destas investigações, todas elas apontam para benefícios iguais aos da medicação específica para a depressão. Com a vantagem do exercício físico não causarem dependência que os químicos causam e de as recaídas nos casos de depressão serem muito menores.

Para esclarecer este ponto irei mencionar um estudo efetuado na Universidade de Duke em 2000*, Foram selecionados 2 grupos de pessoas que apresentavam sinais de depressão, estas pessoas passaram por um processo de avaliação psicológica que media os níveis de depressão de maneira a que pessoas que não estavam deprimidas, ou que não estavam deprimidas o suficiente não participassem na experiencia. Depois foram divididos aleatoriamente por dois grupos, um grupo que tomava Zoloft (um antidepressivo de nova geração muito eficaz) e outro grupo que tinha a prescrição de praticar exercício físico (Jogging 3 vezes por semana).

Após 4 meses de tratamento ambos os grupos sentiam-se igualmente bem, não parecia que o medicamento oferece-se qualquer vantagem em relação ao Jogging e vice-versa. No entanto, o estudo não fica por aqui, um ano depois do terminar da experiência os investigadores foram avaliar a manutenção dos bons resultados obtidos. Nesta avaliação existiu uma diferença notável nos resultados:

- O grupo que tomava medicação teve uma taxa de recaídas superior a um terço, ou seja mais de 33% recaíram na depressão.
- O grupo da corrida teve uma taxa de 8% de recaída. Ou seja 92% de sucesso da corrida contra os cerca de 60% de sucesso do Zoloft.

Bem! Então e os custos? Sim quando custa cada uma das soluções? Podem vocês perguntar com toda a justiça se quiserem ir para a solução Low Cost. Para isso fiz uma pesquisa na internet e elaborei um caso hipotético - Sujeito masculino com 42 anos, apresenta sinais de depressão após divórcio, vai ao médico de família e este coloca-lhe as seguintes opções:

Pode tomar um anti-depressivo 1 vezes por dia durante 6 meses, e depois, se estiver a sentir-se melhor, (isto é, se o médico de família acertar no anti-depressivo certo, visto que existem várias famílias de substâncias que inibem ou estimulam mecanismos diferentes, se não acertar á primeira devemos acrescentar mais 3 meses de medicação e o custo de uma consulta no psiquiatra privado que rondará os 100€) seguir-se-á mais 2 a 3 meses de desmame da medicação. O que fará uma média de 8 meses de medicação (na melhor das hipóteses). Cada caixa de Zoloft, por exemplo, custa ao publico 42,69€ (caixa com 60 comprimidos de 100mg), ora isto faz com que a cada 2 meses seja necessário gastar mais uma caixa, 4 x 42,69€ = 170,76€ mais as consultas no médico de família 5€ x 3 = 15€ a juntar aos medicamentos a depressão custa-lhe 185,76 € com uma taxa de sucesso de cerca de 60% ao final de um ano.

Vamos agora ver os custos da prática de Jogging 3 vezes por semana durante 30 minutos. Ténis de marca desde os 39,95€ até aos 125€ (a linha branca tem ténis desde os 14,95€), t-shirt 4,99€, calções 6,95€ e meias 3,50€ (3 pares). O conjunto com os ténis de marca mais baratos é de 55,39€… Dúvidas?
              
Resumindo a solução que custa 55,39€ tem 92% de eficácia a longo prazo, a solução que custa 185,76 € tem cerca de 60% de eficácia… Ainda tem dúvidas?

Não gosta de correr? Já tentou e sentiu-se mal? Não sabe como começar?
Em breve publicarei um texto sobre a motivação para o exercício físico e de como a psicologia o pode ajudar.


Pedro Santos

quinta-feira, outubro 24, 2013

O Sexo na Nova Era


Sexualidade e sexo são conceitos que podem andar de “mãos dadas
mas não são a mesma coisa!

A sexualidade não é “genital dependente”, envolve a capacidade de nos sentirmos seres sexuados, de manifestarmos emoções e sentimentos, e de nos entregarmos ao prazer físico e mental. Está ligada a uma energia inerente ao ser humano através de imagens, pensamentos, sentimentos, emoções, desejos e fantasias. Apoiada no Outro, a sexualidade é um precioso instrumento de auto conhecimento. Muitas pessoas preferem dizer “vamos fazer amor” a “vamos fazer sexo”, pois consideram que o primeiro não se limita ao descarregar de tensões e satisfação de desejos egocêntricos, sem se importar com quem é partilhada essa experiência. Nesta perspetiva “fazer amor” pressupõe um nível mais profundo, uma simbiose de energias, uma entrega erótica física e espiritual ao outro. “Fazer amor” seria assim, para alguns, uma espécie de “fazer sexo” gourmet!

Culturalmente, ao longo de séculos, foi-nos transmitida a ideia que a infidelidade fazia parte da natureza do homem, ao passo que, para as mulheres, o conceito de amor e sexo seriam inseparáveis. Desta forma, homens e mulheres limitaram a sua autonomia e liberdade sexual, uma vez que, por um lado as mulheres viram restringido o seu leque de oportunidades de experiências sexuais, e por outro, os homens pagaram um alto preço com a premissa de “não poderem falhar sexualmente” para se sentirem socialmente adequados.

Nos últimos anos tem-se verificado uma reformulação dos aspetos básicos das relações humanas. Com o avanço tecnológico vimos a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a eliminação da divisão de tarefas. Este foi um passo importantíssimo na afirmação da autonomia e liberdade feminina que terá desferido, nos anos 60, um enorme golpe no sistema patriarcal, com o advento de novos anticoncecionais eficazes. Inevitavelmente, alguns valores morais, que ao longo de séculos, através dos seus códigos, julgaram e subjugaram o prazer das pessoas, começaram a ser abalados. Nos últimos anos tem emergido uma reflexão sobre as relações entre homens e mulheres, o amor, o casamento e a sexualidade.

Atualmente, o respeito da individualidade do outro e a comunicação são vistos como pilares para uma conjugalidade duradoura. Vivemos assim numa época com as devidas condições para uma maior aproximação emocional entre as pessoas. Esta pode ser uma grande oportunidade para que cada pessoa possa ver respeitadas as suas formas de expressão e particularidades, sem ter de se adaptar forçosamente a modelos impostos pela sociedade. Porém, ao mesmo tempo, com o surgimento das novas tecnologias, em que se destaca a Internet, vemos uma mudança na forma de estar com os outros e o próprio.

Passou-se a “socializar” mais com máquinas que pessoas de “carne e osso”. Consideram-se “amigos” aqueles que fazem um “like” num rol de indivíduos que apenas tem em comum uma conta aberta numa rede social (e.g. “FaceBook”). Muitas relações são alimentadas a milhas de distância, em que as pessoas acreditam faltar apenas o toque para se sentirem concretizadas, numa vinculação meramente virtual. Hoje em dia, vivem-se relações recicláveis que se constroem e destroem através de mensagens escritas, o que causa a sensação (nem que seja ilusória) de uma proteção a situações que seriam incómodas olhos nos olhos. Além disso, a oferta de sexo descartável prolifera em sites de “engate” onde se esperam momentos de prazer fugazes e, provavelmente, sem o mínimo de envolvimento emocional ou afetivo.

Naturalmente que a indústria farmacêutica não ficou alheia a este fenómeno e, após anos a “dissecar” a anatomia e a fisiologia sexual, apresenta, nos anos 90, o primeiro fármaco para a Disfunção Erétil. Estavam assim dados os primeiros passos para uma nova era no processo da medicalização da sexualidade. Em pouco meses estas drogas passaram a ser das mais faladas e vendidas de todos os tempos. Porém, atualmente, o seu consumo não se limita a quem realmente necessita, muitos jovens recorrem a este tipo de medicação para fazerem “maratonas sexuais", sem terem em conta os malefícios que daí podem advir.


A ciência conquistou a sexualidade!

Hoje em dia procura-se um comprimido “similar” para o sexo feminino. Algo que provoque o Desejo Sexual e o Orgasmo, sem respeitar a necessidade de intimidade emocional de proximidade e carinho. O polémico Ponto G, que ainda não é consensual que exista, reflete bem esta azafama em encontrar uma espécie de “botão mágico” que provoque prazer à mulher sem a necessidade de “grande esforço”. Esta perspetiva esquece-se que o corpo não é uma máquina com peças a funcionar isoladamente, mas sim como uma orquestra que tem de trabalhar em conjunto para ser bem afinada.

O que antes era proibido passou a ser quase que obrigatório. Não são raros os relatos de jovens que se sentem excluídos, pelos seus pares, se não iniciarem a vida sexual, cada vez mais cedo. Aos idosos é imposta a normatividade do sexo, para a sua idade, não lhes sendo permitido aproveitar as limitações físicas, inerentes à velhice, para se reencontrarem a um nível mais intimo e espiritual que físico.

Vivemos num mundo materialista que dá primazia à quantidade em detrimento da qualidade. Repleto de excessos, de prazeres fugazes e de relações ténues que se dissipam nas primeiras dificuldades. Uma sociedade em que as pessoas nunca se satisfazem completamente. Onde existe sempre a sensação de que se precisa de um pouco mais para se ser feliz. Em que as pessoas são tratadas como bens “descartáveis”, que se consomem enquanto libertarem “sumo” e, seguidamente, são substituídas por outras, tal como uma criança faz perante o excesso de prendas numa noite de Natal. Este fato não é mais que o reflexo do nosso dia-a-dia, cheio de estímulos em que pouco valor se dá ao que se tem, pois está-se constantemente a pensar no que se quer.

Este século é visto como um momento de rutura em que os aspetos básicos das relações humanas estão a ser reformulados. Esta mutação da história da humanidade pode não ser facilmente percetível mas está em movimento. Curiosamente, ao mesmo tempo em que vivemos num mundo repleto de soluções tipo “fast food”, são cada vez mais as pessoas que se empenham num processo de descoberta interior para a resolução das suas dificuldades inter e intra pessoais.

Os pedidos de ajuda relacionados com a necessidade de aprender a estabelecer, desenvolver, manter e aprofundar relações erótico-afetivas, começam a ter uma percentagem expressiva nas consultas de psicoterapia. Após anos em que dedicaram “corpo e alma” às novas tecnologias, muitas pessoas não sabem expressar as suas emoções, ou pior nem sequer conseguem identificá-las! Muitas sentem um enorme vazio que não conseguem preencher com bens materiais.

As novas intervenções psicoterapêuticas (conhecidas como terapias de 3ª geração) têm-se mostrado promissoras na autoaceitação e conhecimento. É uma perspetiva diferente do que se tem vindo a fazer, pois estas intervenções visam contradizer a tendência que as pessoas têm de estar desatentas ou de se perderem em julgamentos e reflexões que as alienam do mundo que as cerca.

Destas novas terapias destaca-se o Mindfulness onde se procura ajudar a pessoa a ter consciência plena do “aqui e agora” aprendendo a viver o momento. O Mindfulness é uma prática milenar com base em conceitos e princípios da filosofia Budista que visa ajudar a pessoa a desenvolver a capacidade de atenção plena, concentração no momento atual, intencional, sem juízos de valor e sem se deixar envolver em recordações ou pensamentos sobre o futuro. O seu efeito terapêutico tem sido demonstrado em variadíssimas patologias físicas e psicológicas. Esta pode ser uma importante viragem na forma de estar com os outros e com nós próprios, na forma como encaramos as relações, o dia-a-dia, a sexualidade…

No fundo, tal como referiu o filosofo, Gaston Bachelard, “Devemos olhar para o futuro não como aquilo que vai acontecer mas o que vamos fazer com ele”.


Fernando Eduardo Mesquita
Psicólogo/Terapeuta Sexual da Psicronos
(este artigo foi publicado na revista "Nova Era" 1ª edição)

quarta-feira, outubro 23, 2013

As mentiras das crianças (I)

“Eu sei que foi ele e ele diz-me na cara que não, como pode ele mentir tão descaradamente?!”
Todos os pais desejam que os seus filhos sejam honestos e verdadeiros, de modo que a mentira é algo que provoca preocupação e até algumas suspeitas (na maior parte das vezes infundadas) relativamente à personalidade futura da criança.

A mentira está, em parte, relacionada com a fase do desenvolvimento moral em que se encontra, mas também é altamente condicionada por atitudes parentais e por fatore sociais, assim como pela forma como a criança experiencia determinadas situações.

Até aos 3 anos, talvez nem se possa chamar ainda de mentira; talvez ocultação ou negação sejam os melhores termos! Nesta fase, é ainda tudo muito confuso e a criança sabe apenas que depende do adulto para sobreviver. A criança percebe que fez algo de mal pelo tom de voz com que o adulto fala, o que a assusta e, para se sentir novamente segura, nega os feitos de que é acusada (partir um objeto, por exemplo), muitas vezes sem compreender verdadeiramente a sua responsabilidade.

Por volta dos 4 anos, a mentira é muito transparente e reflete diretamente o desejo da criança (“foi ele que me deu o carrinho, eu não tirei”), apesar de terminar muitas vezes com “foi sem querer”. A partir daqui, já vai desenvolvendo alguma compreensão do significado da mentira, embora a necessidade de satisfação imediata, a culpabilidade e o receio de perder o amor dos pais se sobreponham à verdade. Quando são educadas em contextos que valorizam a verdade, as crianças tendem normalmente a segui-la pois querem ser reconhecidas e receber a aprovação dos pais, para além de defenderem a justiça e o bem,  chegando até a acusar os pares quando detetam a mentira.

No entanto, até aos 7 anos, a criança ainda está a perceber a diferença entre a fantasia e a realidade e o adulto participa ativamente no seu mundo do faz de conta, pelo que muitas vezes fica confusa e tem dificuldade em perceber os limites da sua criatividade nas histórias que inventa ou nas desculpas que dá, para além de ainda ter dificuldade em perceber o que é certo ou errado.


Depois dos 10 anos, as crianças já sabem exatamente quando  estão a mentir (e como mentir), emergindo fatores sociais e familiares que se podem sobrepor à fase do desenvolvimento e que intensificam ou não o recurso à mentira. Veremos alguns destes fatores numa próxima publicação.

Alexandra Barros
Responsável pelo Departamento de Infância

terça-feira, outubro 22, 2013

5 + 2 instrumentos essenciais da Psicoterapia Psicanalítica


A semana passada numa aula em que falava sobre o essencial da Psicoterapia Psicanalítica enumerei 5 instrumentos fundamentais desta abordagem:

- A Clarificação
- A Confrontação
- A Interpretação
- A análise (e/ou manejo) da Transferência
- A análise (e/ou manejo) da Contra-transferência

Estes 5 são sem dúvida o núcleo duro da intervenção, mas há 2 outros que têm uma importância capital:

- Observar
- Anotar/registar

Em Psicanálise de divã a Observação e a Anotação estão no lugar da Clarificação e Confrontação.
Há uns anos li um livro, do qual já não me lembro do titulo, mas que tinha como sub-titulo o seguinte:

O que se observa torna-se mente.

Esta é a essência da Psicanálise:
O que se observa torna-se mente. O analista observa a mente do analisando e nessa observação revela e cria a mente do analisando.

segunda-feira, outubro 21, 2013

Podia ser Psicanalista... Krishnamurti

Neste vídeo o Indiano Krishnamurti - que já referi e apresentei noutros posts - faz uma palestra sobre a forma como o cérebro pode transformar-se a si próprio.

Este pensador adotado em criança pela Dra. Annie Besant (à epoca presidente da Sociedade Teosofica) foi formado para ser o líder desta sociedade. Em adulto recusa este papel e torna-se um dos pensadores independentes mais interessantes da atualidade. 

Os seus pensamentos e ideias apesar de estarem naturalmente revestidas de uma linguagem próxima das filosofias orientais aproxima-se de uma forma surpreende de muitas das ideias da Psicanálise moderna, nomeadamente, os desenvolvimentos de Wilfred Bion.

É um video longo. Imagino que nem todos os leitores do Salpicos tenham paciência para o ver na totalidade, mas quem tiver o tempo, a paciência e a persistência será compensado com ideias muito interessantes e até transformadoras.

O inglês falado de Krishnamurti é muito claro e fácil de seguir, mas o vídeo está legendado em português o que torna ainda mais fácil o visionamento do vídeo.

sábado, outubro 19, 2013

Apoio psicológico individual





O apoio psicológico é uma modalidade de intervenção psicológica particularmente útil para ajudar as pessoas que estão a passar uma fase de vida com dificuldades agudas.

Todos nós, por mais robustos que sejamos psiquicamente, sofremos desgaste psicológico e emocional quanto temos que enfrentar situações de vida mais intensas ou stressantes.

Situações de doença própria ou de familiares. Situações de grande exigência profissional. Crises familiares. Crises de idade. Crises relacionais diversas. Preocupações variadas e mantidas ao longo de períodos extensos. Há tantas e tantas situações que podem abalar o nosso equilíbrio psicológico e levar-nos a procurar apoio psicológico.

A procura de apoio psicológico deveria de ser algo simples e linear. Deveria ser natural e fazer parte de uma certa rotina de saúde mental. Se estamos um pouco mais frágeis, por circunstâncias de vida é, natural, procurarmos ajuda e apoio especializado.

Esta ajuda passa por:
- escuta ativa e empatica  
- respeito absoluto pela confidencialidade e privacidade
- esclarecimento e aconselhamento
- orientação psicológica sobre as melhores formas de agir, pensar e compreender as situações que a pessoa expõe ao clínico
- análise e organização do pensamento para que surja mais clareza na abordagem aos problemas

sexta-feira, outubro 18, 2013

Comportamentos Obsessivos – Animação genial


Uma das causa profunda da neurose obsessiva é o medo da morte.

Esta animação escrita, dirigida e animada por Laura Neovonen mostra de uma forma, a meu ver, genial a força da atracção do abismo e a luta titânica que a personalidade obsessiva empreende para dominar o impulso.




Como ajudar os pacientes a identificar os Pensamentos Automáticos?

Esta questão sempre foi bastante pertinente nos processos de psicoterapia cognitiva, visto que sem a informação dos pensamentos automáticos não conseguimos avançar no processo de mudança. Fica-nos a faltar o material que é a causa de emoções perturbadoras e desconfortáveis. Sem chegar-mos ás causas não conseguimos mudar as consequências.
Deste modo a identificação destes pensamentos torna-se vital.
Ao visualizar o vídeo em baixo, irá verificar que a Psicoterapia Cognitiva está cheia de recursos para ajudar as pessoas a ultrapassar as suas dificuldades. Estes recursos vão desde a utilização de visualização mental até à utilização de encenações de situações (roll plays) significativas para o paciente.
Apreciem e comentem como o criador da Psicoterapia Cognitiva responde à questão colocada neste post.



quinta-feira, outubro 17, 2013

One night Stand - Disponíveis para o sexo


Os anglo-saxónicos chamam-lhe one night stand.
Nós dizemos que são relações que se consomem no ato sexual.
Em Portugal, há cada vez mais mulheres a ter esta experiência.
Outras, a encarar a possibilidade de ter uma. E você? 

Quando saiu de casa de manhã bem cedo para apanhar o avião, nada fazia prever que iria ter um encontro sexual com um desconhecido. Divorciada recente, Maria S., 37 anos, apenas desejava distrair-se um pouco com aquela viagem de trabalho. Mas “o destino”, como ela diz, trocou-lhe as voltas, e um dia depois de chegar a Paris, após um jantar que juntou vários desconhecidos, viu-se a caminho do hotel com um homem que acabara de conhecer. “Ainda hoje não sei muito bem o que aconteceu!… Falámos tão pouco e, de repente, tudo ficou erotizado, era só desejo. Tive a minha one night stand… E confesso que adorei!”

Nem todas as “relações-relâmpago”, conforme lhes chamam alguns, têm estes contornos cinematográficos, mas há cada vez mais mulheres portuguesas a experienciá-las. Por vezes até mais do que uma vez. E as que nunca a viveram colocam agora essa hipótese com naturalidade. Por fim, há as que a procuram como uma “solução viável”. É o caso de Raquel F., 42 anos. “Quando não tenho ninguém e quero envolver-me sexualmente vou à discoteca. É um ambiente propício para este tipo de relacionamento”, diz.

Afinal, o que está a mudar na sociedade de forma a modificar o comportamento feminino em matéria de sexo ocasional? Deixando-se guiar pelo desejo, onde ficam as emoções?

Na one night stand, “a parte emocional ou afetiva não existe, nem é esse o objetivo”, esclarece Fernando Mesquita, terapeuta especializado em sexologia clínica, da Psicronos. O objetivo “é fundamentalmente o prazer sexual, não há partilha de afetos”. Por isso, se os envolvidos não souberem o nome um do outro, ou a história de vida de cada um, também não há problema. Garante que faz parte do jogo.

O mistério da one nignt stand é o mistério do outro, de nada se saber sobre ele. Ora, isso é profundamente excitante! É pura adrenalina! Desvendado o enigma, perde-se o interesse. O especialista em sexologia compara esta situação com a das crianças pelo Natal, a querer abrir os presentes todos: “Depois que os desembrulham e descobrem o que lá está dentro, já não têm nada para saborear ali” e, por vezes, abandonam-nos.



A vontade de se sentirem desejadas leva muitas mulheres a procurar este tipo de relação.

O objetivo é a satisfação imediata. Mas, segundo Fernando Mesquita, isso não invalida que o flirt que antecede o ato não seja agradável. “Ao contrário do que acontece no blind date, na one night stand existe um jogo de sedução entre a presa e o caçador”, esclarece o terapeuta, acrescentando que as personagens podem mudar alternadamente os papéis.

Ana Almeida, psicoterapeuta, diretora da Clínica de Psicologia Psicronos, defende a existência de vários tipos de one night stand. “Um que é mais de engate. Homens e mulheres saem para a noite já com uma predisposição para este tipo de experiência”, diz. Se as coisas correm como o esperado, o engate acontece e dá-se a consumação do ato. E há só sexo. É uma forma de ‘relação-relâmpago’, “um pouco inebriante, que é muitas vezes acompanhada de consumo de álcool ou de drogas”. Aliás, estes são considerados fatores facilitadores da one night stand. E há outra forma de encontro que “é mais calculada e, eventualmente, mais viciante que é a conquista que se faz em sites de encontros”, onde a pessoa tem “uma espécie de catálogo de homens e mulheres que vai podendo selecionar até encontrar alguém com quem marca um encontro, o qual a maior parte das vezes se esgota num único momento sexual”. Ana Almeida explica que neste caso há uma pseudorrelação mínima que se vai desenrolando entre o início do contacto na Internet e o início do flirt. E que a espera gera “uma expectativa ansiosa” de ver como o outro é “no contexto sexual”. Depois, claro, usufrui-se o que há e fica-se por aí mesmo.

No primeiro tipo de one night stand, o desconhecimento do outro é maior. O segundo pode ser mais viciante. Pelo menos é o que garante Ana Almeida sublinhando que neste último, quando se ‘vai para a cama’ com o outro, “já há uma noção mínima” de quem ele é. A personagem dele “é sustentada em impressões vagas” que se foram captando pela Net. O ‘engate’ presencial, ao contrário do ‘engate’ pela Internet, tem uma forte componente de comunicação corporal. A química é imediata e a personalidade do outro “é sustentada sobre a visualização”. Ambos os tipos têm uma dose de desconhecido muito forte, e de perigo, pelo que correr o risco de ter este tipo de relações é “quase como aderir a um desporto radical: gera adrenalina”.

Mas se é verdade que o sexo pode levar ao amor, até que ponto não haverá nestes atos uma tentativa inconsciente de encontrar um parceiro para a vida? Fernando Mesquita concorda que se corre esse risco, mas assegura que “o risco de vir a sofrer também é maior”, pois enquanto uma das pessoas pode alimentar essa esperança, a outra pode estar interessada apenas na relação puramente sexual.

Para Ana Almeida, uma única one night stand está longe de se transformar numa relação duradoura. O risco está na reincidência desse comportamento. “Quando o encontro sexual é bom, com um erotismo muito forte, as duas pessoas podem querer repetir”, diz, explicando que é por isso que alguns indivíduos têm uma espécie de limite autoimposto de que uma one night stand é o limite. “Esta relação é também muito defensiva.”

Afinal, que tipo de sexo se faz numa relação de uma noite? É mais físico? Onde ficam os afetos? Fernando Mesquita diz que este tipo de relação geralmente permite jogos sexuais que não se praticam numa relação afetiva, funcionando mais como “uma descarga”. Para Ana Almeida, a ‘relação-relâmpago’ é o tipo de “experiência dominantemente sensorial”. Mas depende sempre das pessoas envolvidas. Se uma está muito carente do ponto de vista afetivo, pode tirar alguma “vivência afetiva” mesmo deste tipo de relação. “E pode sentir que o contacto pele a pele, o beijo, minimiza aquilo que ela sente como o seu grande nível de carência”, que pode não ser de sexo, mas de carícias, por exemplo. Isto é mais evidente nas mulheres. “Logo, o que elas retiram de uma relação sexual não é tanto o gozo orgástico, mas o efeito colateral inerente à própria sexualidade”, diz a psicoterapeuta, explicando que muitas mulheres emocionalmente carentes utilizam o sexo como um meio de terem “um benefício afetivo”, mesmo sabendo que o homem não vai querer “nada para além dessa relação fugaz”. Podem ser solteiras e casadas, sendo que estas últimas “não querem mesmo uma intromissão masculina muito grande”.

Em Vergonha, o filme de Steve McQueen que passou recentemente nas salas de cinema, o protagonista também receia as intromissões femininas. O bem-sucedido trintão, defendido por Michael Fassbender, vive no limite entre o medo incontrolável de intimidade e uma obsessão de sexo, que o lança em constantes encontros ocasionais com pessoas que não conhece. Como resultado, Brandon acaba por perder o controlo sobre a sua vida e a sua sexualidade.

Felizmente, a saga dos normais one night stands é bem mais banal.

Fernando Mesquita lembra que muitos destes atos sexuais pontuais são seguidos de consumos de substâncias, “o que faz com que as exigências em termos de parceiro possam diminuir”. E quanto mais a noite avança, “menor também é a escolha” – há menos pessoas nesses ambientes de divertimento. Por outro lado, os consumos podem aumentar o grau de excitabilidade – “perde-se a timidez, vai-se estando mais liberto para as tais aventuras”. No caso dos homens, o consumo de álcool inicialmente pode ser facilitador, mas em excesso torna-se um problema.

As mulheres podem sentir-se desejáveis, mas esquecem-se que os padrões de exigência desses homens também estão mais baixos devido ao consumo, sublinha o especialista em sexologia.

No dia seguinte, as reações masculinas e femininas também tendem a distanciar-se, concordam os dois especialistas. Eles têm tendência a acordar e sentirem-se bem com a relação, muitas delas sentem-se usadas e algumas admitem vergonha e culpa. É claro que isso não invalida que venham a ter novas relações de uma noite.

De acordo com Ana Almeida, o desejo de se sentirem desejadas leva muitas mulheres a procurar este tipo de relação, mesmo quando têm um compromisso com um namorado ou um marido. Basta que não sintam este desejo revelado pelo parceiro.

“Muitas das vezes o sexo é ansiolítico. Há homens e mulheres que utilizam a atividade sexual como se usa a ginástica, passa a ser um modo de libertar a tensão”, prossegue. No entanto, no caso das mulheres, “este relaxamento pode ser seguido, na manhã seguinte, de uma tensão adicional”. É o momento da “autocensura, em que o valor narcísico que tiveram na noite anterior é substituído por uma perda narcísica”. De acordo com a psicoterapeuta, algumas mulheres têm a autoperceção de não conseguirem melhor do que aquelas relações puramente sexuais de uma noite.

Independentemente da forma como as mulheres vão gerindo o dia seguinte, a verdade é que estes encontros estão a acontecer com mais regularidade também no universo feminino. No geral, podemos dizer que há mais relações de uma noite porque vivemos mais sozinhos e sem compromissos – há muitas mulheres nesta situação, atualmente –, casamos mais tarde e divorciamo-nos mais e até mais tarde na vida, e porque as relações no geral são mais transitórias, flexíveis. Fernando Mesquita diz que é sobretudo “resultado da sociedade de consumo que dita que quanto mais tivermos, melhor nos vamos sentir”. Mas também o facto de haver cada vez mais pessoas que “não estabelecem relações amorosas e cada vez mais a partilha dos afetos estar diminuída”. Alerta para o facto das relações também já não serem para toda a vida, mas até que as pessoas se sintam felizes nelas. Ana Almeida diz que a sociedade atual “tem um valor supremo que é o individualismo, baseado no gozo e nas necessidades” imediatas. Neste sentido, há cada vez mais pessoas a procurar realizar essa satisfação. “Este tipo de relação [one night stand] satisfaz bem o individualismo porque permite a aproximação, algum grau de intimidade, mas também o afastamento e a manutenção do eu individual”, resume.


PROTEJA-SE!

Fernando Mesquita, especialista em sexologia clínica, deixa alguns conselhos.

. Use preservativo: é a única forma de evitar contrair doenças sexualmente transmissíveis.
. Previna-se contra a Sida e outras doenças muito frequentes, como o herpes e o papiloma vírus (esta pode degenerar em cancro do colo do útero).
. Pondere o risco: ter uma relação com alguém que não se conhece pode influenciá-la a fazer alguma coisa que não queira, como certo tipo de jogos sexuais para os quais não estava preparada.
. Atenção com quem se envolve. Por exemplo, evite ter uma one night stand com um colega de trabalho


Fonte: Texto de Júlia Serrão, Revista Máxima

quarta-feira, outubro 16, 2013


Um vídeo interessante que nos faz pensar sobre as conceções que temos acerca da criatividade. 

A capacidade criativa é comum a todos os seres humanos, mas a sua expressão depende muitas vezes de fatores internos e externos.



Como podemos ver neste vídeo, o tempo, enquanto fator externo, condiciona estas crianças a uma resposta mais rápida, logo menos investida e por isso menos interessante quer para as próprias, quer ao nível do resultado obtido.
Dá que pensar.

terça-feira, outubro 15, 2013

Lado direito e lado esquerdo do cérebro. O que dizem de nós?

Vale a pena ler o artigo escrito por Carla Mateus com o olhar profissional das neuropsicólogas Clara Conde e Joana Rodrigues Rato.

Siga o link para ler o artigo completo.




http://saude.pt.msn.com/mentesa/o-cerebro/item/2726-ladodireitoeladoesquerdodocerebrooquedizemdenos

Pelos cabelos: Tricotilomania?

Tricotilomania é quando alguém arranca sistematicamente o cabelo ou pelos de diversas partes do corpo (pestanas, sobrancelhas, axilas, barba, pelos púbicos), resultando em peladas evidentes, ou mesmo sangramento e feridas. Varia em termos de gravidade e local no corpo, assim como na resposta ao tratamento.

Tem sido definida como uma Perturbação do Controlo dos Impulsos, estando atualmente enquadrada nas Perturbações Obsessivo-Compulsivas, embora esta classificação seja alvo de discussão.

Estas pessoas puxam frequentemente o cabelo enquanto leem, escrevem, falam ao telefone, trabalham, conduzem, veem televisão ou adormecem. A maior parte fá-lo em privado e nem todos têm consciência de que o fazem. Parece haver alguma predisposição biológica para o ato de puxar e arrancar o cabelo como mecanismo de auto-apaziguamento, que não se enquadra nos comportamentos de auto-mutilação, não havendo intenção de causar dor ou dano a si próprio. No entanto, as causas são desconhecidas, podendo ser desencadeada em resposta a eventos ansiogénicos ou, simplesmente, por fatores sensoriais.

A Tricotilomania manifesta-se habitualmente a partir dos 11 anos, mas pode verificar-se em crianças com menos de um ano. Este distúrbio causa grande angústia nos pais, que se sentem impotentes para travar o comportamento. No próprio, à medida que ganha consciência sobretudo dos efeitos, pode verificar-se isolamento e evitamento de situações de exposição em que não consiga disfarçar as peladas. A severidade é variável e, em alguns casos, o cabelo pode passar a ser mastigado e engolido (Tricotilofagia), trazendo complicações intestinais e digestivas graves que requerem intervenção médica.

Quando ocorre antes do início da adolescência, parece existir menor probabilidade de evolução para um quadro mais complexo. A sua manifestação antes dos 3 anos parece estar mais associada à necessidade de estimulação sensorial para auto-apaziguamento. À semelhança do chuchar no dedo, a criança vai enrolando e puxando o cabelo, essencialmente durante o sono ou quando está a adormecer. Até aos 5 anos, a intervenção passa essencialmente por algumas estratégias discutidas com os pais e os educadores da creche (onde faz a sesta) e incluem a introdução de alguns materiais que dificultam o comportamento e outros que promovem o apaziguamento, para além de ser necessário assegurar que este comportamento não se deve a sentimentos de desamparo. A partir dos 6 anos, as estratégias são relativamente semelhantes, mas já é possível envolver a criança mais ativamente no processo terapêutico. A partir da adolescência, apesar de continuar a ser necessário o trabalho com os pais, a intervenção já será mais individualizada. Em algumas situações requer apenas vigilância e concentração, noutras é necessário um processo mais aprofundado.

Dizer “não arranques” ou castigar são atitudes que não contribuem para a eliminação do comportamento, sendo necessária aceitação, compreensão e ajuda no processo de auto-monitorização e controlo.

Apesar de não se conhecerem as causas e de não existir uma associação direta a fatores de ansiedade, eventos traumáticos ou quadros psicopatológicos, importa sempre a averiguar as vivências da criança, do adolescente ou do adulto e identificar as situações em que ocorre mais frequentemente e se existem fatores desencadeadores.

Em muitos casos a Tricotilomania implica uma intervenção psicoterapêutica com os pais e com o indivíduo, noutros o comportamento desaparece da mesma forma que surgiu, sem causa aparente.