E volta a questão: mas até que ponto trabalhar limitações internas pode ajudar a transpor a limitação externa?
Bem, por vezes pode. Por vezes creio que não. E neste último caso creio que a solução passa por aceitar isto mesmo, ainda que num momento posterior a situação se possa alterar.
A revolução industrial foi um marco histórico que mudou completamente a qualidade de vida das pessoas à escala global. Com a industrialização e a abertura de fábricas passámos de uma sociedade agrícola para uma sociedade industrial, de produções em massa. O emprego aumentou preponderantemente e isto serviu também enquanto ganho importante para as mulheres, no sentido de se autonomizarem financeiramente num período em que tradicionalmente quem trabalhava eram os maridos. Com isto e pela primeira vez na nossa sociedade ocidental as mulheres passam a estar mais tempo longe dos filhos, logo desde uma idade muito tenra. Não descurando a importância deste movimento revolucionário e o seu significado fundamental que aqui deixo claro, é também neste período que começam por surgir em larga escala aquilo que hoje em dia é designado como perturbações da vinculação.
De um ponto de vista evolutivo assistimos aqui a uma alteração social em massa que vem quebrar com uma tradição e hábitos construídos e enraizados ao longo de milhares de anos dentro da espécie humana. Filogeneticamente percebemos facilmente o porquê da nossa espécie descender daquele bebé que mais acesso tinha à sua mãe e aos seus cuidados durante os primeiros anos de vida, o período de maior dependência ao longo de toda a vida de um ser humano. Enquanto nota paralela, somos também a espécie que apresenta a mais prolongada dependência durante os primeiros anos de vida. Podemos imaginar que o nosso "antepassado bebé" terá conseguido assegurar a sua sobrevivência em detrimento de outros bebés em condições diferentes, mais adversas. Gradualmente esta relação entre dependência na infância e cuidados maternos foi ficando gravada no nosso código genético enquanto algo fundamental e que melhor assegura a sobrevivência individual e da espécie.
Ainda que a condição de vida da população global tenha vindo a beneficiar dramaticamente com o advento da industrialização, este foi também um momento em que o ser humano, por desconhecimento da psicologia humana, introduziu uma alteração arrojada aos seus hábitos milenares, neste caso a um hábito de raiz genética. Por outras palavras, uma alteração que transcendeu a capacidade do próprio ser humano, neste caso do bebé, de a acompanhar ou de se adaptar a ela. A consequência não foi a morte e o fim da espécie humana, mas a perturbação da vinculação (ou psicopatologia, ou doença mental) e as consequências sociais que daqui advêm, não só para o sujeito mas para a sociedade no geral. As perturbações de vinculação (e outras) são por exemplo características psicológicas unificadoras de muitos gangs criminosos.
É de facto fundamental termos em conta aquilo com que conseguimos lidar e aquilo com que não conseguimos lidar em determinado momento ou contexto das nossas vidas, sob pena de sofrermos danos profundos à nossa saúde. A nossa qualidade de vida depende disso, isto é, desde que isso seja importante para nós, já que para além de todos estarmos neste mundo para sobrevivermos, então pelo menos que o façamos com qualidade de vida. E isso é um direito que nos assiste a cada um de nós, mas é também uma escolha pessoal.
Tudo isto serve para dar ênfase a que os tempos mudam, mas está mais que provado que nós não temos uma capacidade infinita de nos adaptarmos às mudanças, ou pelo menos imediatamente. É preciso tempo, e isso pode significar seis meses ou seis milhões de anos.
Tudo isto serve para dar ênfase a que os tempos mudam, mas está mais que provado que nós não temos uma capacidade infinita de nos adaptarmos às mudanças, ou pelo menos imediatamente. É preciso tempo, e isso pode significar seis meses ou seis milhões de anos.
Para fazer face a uma dada crise há alguns recursos internos que são fundamentais. Entre estes, dastacam-se a tolerância à frustração, a capacidade de resiliência individual e a capacidade de lidarmos com situações de forma criativa, utilizando plenamente todos os recursos à nossa disposição. Estes são também três aspetos fundamentais da "saúde mental" ou da "personalidade saudável", e é facto que em condições ideais todos nós deveríamos conseguir um bom enraizamento e maturação interna destes recursos ao longo do nosso desenvolvimento. A verdade é que em condições reais isto nem sempre acontece. Por causa disso, na crise, e na vida também, perseverar torna-se mais difícil e discursos de "ir para a frente!" têm aqui todo o potencial para alimentar a frustração e fazerem-se sentir enquanto penosos ataques à autoestima individual, ao sentimento de competência e de eficácia na vida.
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