segunda-feira, junho 22, 2015

Crise Financeira e (In)Capacidade de Adaptação (I)


Grande parte de nós viveu durante muito tempo, vive ainda ou de outro modo foi vítima da brutalidade imposta por um regime governamental de um país que aos seus cidadãos entregou de bandeja o casamento mórbido e devastador entre a austeridade e a recessão económica. É abundante a sistemática constatação e divulgação dos efeitos destrutivos e por vezes fatais desta crise para a vida das pessoas. São as nossas próprias vidas colocadas em espera e somos impedidos de aplicar e poder continuar a desenvolver as nossas competências profissionais tão arduamente conseguidas ao longo de tantos anos de formação académica e profissional. O nosso próprio ganha-pão, pelo qual muitas vezes tanto sacrificámos, fica inutilizável. Somos amputados dos nossos sonhos e projetos de vida, fonte fundamental da alegria de viver.

A constante divulgação das más noticias ligadas à crise e afins por parte dos órgãos de comunicação social, bem como a constituição de algumas unidades de saúde mental de apoio às "vítimas da austeridade" atestam como estamos perante uma hecatombe. É inegável que há algo de fundamentalmente errado com os alicerces da nossa sociedade, isto é, se partirmos do princípio que essa sociedade se funda na igualdade de direitos entre todos os cidadãos e de que existe um pressuposto consensual de respeito e consideração entre as pessoas, mais que não seja um "não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti".

Num mundo "psi" a ótica e contribuição que, de uma forma geral, podemos oferecer de modo a combater a imposição e os efeitos persistentes desta crise na vida de cada um de nós, é fundamentalmente através do foco sobre os recursos internos individuais que nos permitem a adaptação a essa(s) crise(s). Isto é, ajudar a gerir a crise de modo a minimizar os danos pessoais, sair delas rapidamente e conseguir criar alternativas realistas que procurem manter ou melhorar a nossa qualidade de vida. E isto consegue-se. Não só se consegue como os recursos que se ganham ao longo de uma psicoterapia mais prolongada são permanentes e em certos casos inclusive crescentes, mesmo após o fim da psicoterapia (ou psicanalise). Estes ganhos próprios das psicoterapias mais prolongadas no tempo tomam raiz na personalidade e passam a funcionar então como que ferramentas utilizáveis ao longo de toda a vida.

 Mas no meio de tudo isto há um outro cenário.

Até que ponto se consegue trabalhar e potenciar a capacidade de adaptação de forma geral e, de forma mais particular, a capacidade de adaptação de determinada personalidade?

Aqui se jogam outras questões... As questões da limitação e da aceitação desses limites.

Por vezes ouço discursos peculiares que fazem apologia à filosofia do "ir para a frente!" e do "perseverar!", numa atitude que, ainda que bem-intencionada, me parece por vezes um pouco omnipotente. Como se a "força bruta" da perseverança tudo vencesse. Basta olhar para a situação do país para termos uma ideia de como a perseverança nada pode contra a limitação persistente do obstáculo imóvel e imobilizador que lá está. Outras vezes o obstáculo é interno! E lamentavelmente outras vezes ele está em ambos os espaços, dentro e fora de nós.

Noto que cada vez que ouço este discurso progressista face a realidades que se mostram mesmo muito difíceis fico sempre à espera da resposta à pergunta fundamental:  "E porque é que é difícil perseverar?". A verdade é que não há resposta. Ao sabor do entusiasmo contagiante do momento (pelo menos será essa a intenção do interlocutor), ou até do furor maníaco, ficam muitas vezes no ar palavras bem intencionadas mas demitidas de um sentido realista de consideração e sensibilidade para com a totalidade e complexidade da experiência humana. A crise financeira é um obstáculo intransponível para muitas pessoas, mas é também um obstáculo que realça e coloca em exposição os obstáculos internos de cada um de nós, a nossa capacidade individual de dar resposta a situações mais difíceis. As duas dimensões do problema necessitam ser equacionadas em conjunto, sempre!

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