A educação de um filho é preocupação fundamental para um pai. Naturalmente ajudar uma criança a tornar-se num adulto bem-sucedido e feliz é, lato sensu, a tarefa mais importante de qualquer pai. Mas é curioso e particularmente interessante como a palavra "educar", tal como por exemplo a palavra "amor", pode de facto albergar tantos significados diferentes...
Para alguns pais o “educar” assume uma dimensão exagerada, de tal modo que algumas vezes se sobrepõe a tudo o resto que é igualmente fundamental. A diligência em estabelecer regras, enunciar saberes e atribuir deveres pode por vezes imperar de tal modo que se converte na principal resposta ou recurso que um pai tem disponível para lidar com as várias necessidades, experiências, preocupações, angústias e confusões naturais de uma criança pequena. Uma necessidade quase vital de orgulho no saber educar e no desempenho da função parentais, a irritação frequente ou os problemas de saúde mental são por exemplo motivadores destas atitudes quando elas se mostram mais exclusivas.
De facto a forma como alguns pais percebem e lidam com o conceito e com a realidade da educação parece ligar-se por vezes a uma necessidade/vulnerabilidade narcísica de fundo. Como se a educação se tratasse de um veículo de expressão de um imperativo para a imposição da própria vontade sobre a vontade da criança (e eventualmente sobre a vontade das outras pessoas). Como se a não obediência ou resistência da criança a essas imposições, saberes ou conselhos gerasse com demasiada frequência irritação, crítica depreciativa, rejeição ou desinteresse nos pais.
Assim, muitas vezes a "educação" divorcia-se do desejo de estar e conviver com a criança. Do brincar com a criança, fonte da aprendizagem, que se faz logo a partir da mais tenra idade a partir do "brincar ao fazer e fazer a brincar". E de uma relação que se ergue a partir da cumplicidade e a partir da disponibilidade de um pai paciente que ajuda a criança a compreender-se a si mesma, o seu mundo e as suas relações. Só com isto se amadurece verdadeiramente e só consegue a possibilidade de se crescer com um sentido de autonomia e confiança nas próprias capacidades, bem como nas relações com os demais.
A parentalidade é de facto algo muito diferente do que a encenação de um papel de autoridade impositora do dever e do saber, que reage com irritação, rejeição e/ou depreciação quando a sua autoridade não se faz cumprir ou o seu saber moral ou intelectual não se faz seguir. Aqui, a figura amada converte-se e mistura-se confusionalmente com a figura persecutória.
É o objeto (figura de investimento afetivo e de relação) insecurizante, indutor e cristalizador dos sentimentos de insegurança e de pouca competência, pois não ajuda verdadeiramente no aprender e no crescer, mas pune, retirando-se enquanto objeto disponível, paciente e compreensivo, o verdadeiro objeto na relação com o qual se forja internamente o sentimento de capacidade e de competência. E quando se retira em atitude, leva com ele o nutrimento-relação vital para que a criança possa crescer e se autonomizar.
É a psicologia da dificuldade no reconhecimento da autonomia dos demais e do desejo autónomo (separado; diferente do desejo do próprio sujeito) dos demais. A criança é a extensão que desempenha uma função, muitas vezes ligada à manutenção da autoestima dos pais ou representante de outros recursos internos que por algum motivo a estes lhes faltam ou lhes faltaram ao longo do percurso do desenvolvimento. São algumas vezes crianças (inconscientemente) colocadas a servir como que de psicoterapia para os pais, por exemplo para iludir sentimentos de vazio, atenuar angústias de separação ou servir enquanto recetáculos para as necessidades projetivas dos pais (de se livrarem de sentimentos ou outros aspetos repudiados deles mesmos, colocando-os na criança e assim conseguindo algum alivo, frequentemente à custa da saúde mental da criança).
Uma educação que mais se assemelha a uma espécie de domesticação será marcada por exemplo pela contínua imposição, pelo obliterar do espaço para o pensamento e para a expressão, induzindo na criança algo semelhante ao que um adulto sente quando é encarcerado, vendo-se sem liberdade de escolha das suas circunstâncias. No seu extremo estas imposições podem fazer-se acompanhar de ameaças à integridade física, castigos cruéis, abandono, e mesmo de agressões físicas efetivas, o que é mais ou menos análogo ao atirar uma criança para um calabouço e trancar a porta à chave. Aqui se constituem as bases para adultos temerários, com dificuldades de autonomia e autoestima de maior ou menor grau.
Uma das chaves para uma educação (relação) sã é a possibilidade de se
poder pensar em conjunto com a criança, sempre com tolerância a não se
saber como ela vai usar as novas ideias que vão surgindo, mas oferecendo
a disponibilidade para ajudar a orientar no que quer que surja
efetivamente. Daqui brotam adultos mais seguros e autónomos.
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