Uma das linhas de reflexão que emergiu da troca de comentários anteriores foi a ideia de que é importante sermos sinceros connosco próprios em primeiro lugar para sermos capazes de ser sinceros com os outros.
Tendo em vista a ideia inicial de “criar” uma ética da relação amorosa, poderíamos afirmar que um dos pontos desse “regulamento” ético seria:
1. Para que a relação amorosa funcione bem é necessário que cada um dos intervenientes seja em primeiro lugar sincero consigo próprio.
Agir em conformidade com esta afirmação é extraordinariamente difícil. Sermos sinceros connosco próprios é uma tarefa para a vida e impossível de cumprir em rigor. As dinâmicas internas estão cheias de “armadilhas” e auto-enganos, alguns deles até bastante úteis e ao serviço do crescimento emocional. Proponho que se reestruture o primeiro ponto:
1. Para que a relação amorosa funcione bem é necessário que cada um dos intervenientes faça um esforço activo no sentido de não ocultar as suas emoções e pensamentos face a si próprio.
O que vos parece?
6 comentários:
Estou perfeitamente de acordo com o facto de que a sinceridade para com o outro implica, necessariamente, sinceridade para com o próprio. Mas aqui põe-se o meu busílis: o que é ou como definir essa «sinceridade para consigo próprio»? Ou uma questão precedente a essa: o que é, afinal de contas, a «sinceridade»? Ser «verdadeiro»? Mas isso implica a distinção e o reconhecimento entre o que é «verdade» e o que é «mentira». E como se opera essa distinção?
Para mim, é aqui que reside uma questão fundamental. Estou convicto de que o discernimento da verdade e da mentira assenta, primordialmente, na sua crença e na sua convicção. A minha verdade é, de forma última, aquilo em que eu acredito. Por exemplo, estou a ser verdadeiro quando digo à minha namorada que ontem estive com a pessoa X porque estou convicto de que estive com ela e não com a pessoa Y ou Z. Da mesma forma, e alargando o exemplo, só posso aceitar Deus e a religião como verdadeiros a partir do momento em que creio neles. Inversamente, não estarei a ser verdadeiro comigo a partir do momento em que digo ou faço algo no qual não creio. A «verdade» e a «mentira» assumem, assim, um carácter extremamente subjectivo e idiossincrático. Elas não existem por si mesmas. É a nossa convicção, ou a falta dela, que as torna numa ou noutra, respectivamente.
«Verdade» e «mentira» são, antes de mais nada, inteiramente produtos cognitivos, e penso que devem ser analisados como tal. Pela mesma razão, penso que a importância da sinceridade nas relações amorosas deve ter em conta este aspecto, sob pena de se tornar numa discussão puramente ética, polarizando verdade e mentira como opostos perfeitos e dogmas imutáveis, assim esterilizando o debate.
Bem sei que fugi completamente ao tema da questão, e por isso apresento as minhas desculpas, mas na minha óptica ela deve passar por esta definição, precedente e nuclear de todo o resto. Como numa tese, na qual se torna necessário conceptualizar todos os seus termos fundamentais, esta foi a minha tentativa de conceptualização de «sinceridade»… E mesmo assim penso que ficou muito aquém.
olá dra ana
é com grande interesse e prazer que tenho lido as suas propostas de pesamento, assim como todos os outros comentários.
gostaria de pensar a questão da sinceridade convosco.
quando falamos de sinceridade para com o próprio e para com os outros, a primeira ideia que me assalta é o facto de a sinceridade se constituir, ela mesma, como uma problema. muitas vezes, a questão não é se somos sinceros connosco mas sim se conseguimos perceber e nomear o que sentimos e o que pensamos acerca de algo. ou seja, muitas vezes não temos acesso ao que sentimos e pensamos porque não temos uma estrutura suficientemente "forte" (a relação com o outro constitui-se como ameaçadora, nas suas mais diversas facetas . sejam elas o prazer, a dor, a angústia, o medo...). o sujeito acede à sua "verdade" interna de uma forma confusa, pois a sua "verdade" surge cheia de ruído.
questão: como podemos falar de sinceridade quando o sujeito não acede à sua "verdade" (ao seu querer, ao seu pensar, filtrado de ruídos, criados pelo próprio).
outra questão que se me coloca é a da validade da sinceridade, no sentido de que diferentes momentos contêm diferentes sentimentos e pensamentos acerca de uma mesma coisa/situação/pessoa, creio que determinadas por medos, crenças, fé e mais inúmeros "coisas" que nos assaltam diariamente e, quando não tranquilizadas, influenciam o estar e ser na relação.
a propósito das relações amorosas (e não sei se será relacionável com o pensar numa ética das r.a.)
gostava de colocar duas questões:
O que é que me faz procurar um/o outro?
O que é que me faz parar de procurar um/o outro?
quando coloco estas questões, surgem-me muitas das teorias que conheço, as quais sinto como insuficientes quando penso o problema de uma forma singular.
um abraço, até breve
OOlá, Ricardo. As suas questões são muito pertinentes, na minha opinião, mas criam outras dificuldades. Se a verdade e a mentira se distingue pela força da crença e da convicção de que é efectivamente verdade, então o que dizer sobre as convicções delirantes, os delírios e as alucinações. Será um delírio verdade só porque o "autor" tem uma fortíssima convicção de que é verdade?
Concordo que a percepção da verdade é sempre um produto cognitivo e não uma verdade "em-si"; mas mesmo não querendo polarizar as coisas em "bom" e "mau" há que criar zonas de proximidade e áreas delimitadas sobre a importância da verdade e da mentira e o mais importante é perceber como este par (verdade e mentira) se articula numa relação amorosa de “sucesso”.
Olá, Anatito.
A sua questão “como podemos falar de sinceridade quando o sujeito não acede à sua "verdade" (ao seu querer, ao seu pensar, filtrado de ruídos, criados pelo próprio) ” é, na minha opinião, muito importante. Eu dizia num outro post que ter acesso à verdade, à nossa verdade é uma tarefa para toda a vida; acho que apenas podemos, como dizia Bion, ter um “método” que nos permita ficarmos um pouco mais próximos dela. Também tenho a convicção que a “verdade” é multidimensional e multifacetada e, nessa medida, não há uma verdade pura, mas a verdade contextuada, isto é, num certo contexto determinada coisa pode ser verdade.
Quando às propostas que faz, vou tentar elaborar um post sobre essa questão que também a mim me intriga. O que me faz procurar ou parar de procurar o outro?
Olá, Sofia.
Concordo inteiramente consigo e não me parece-se que seja uma perspectiva complementar, mas nuclear. Se calhar só podemos ter acesso à “nossa verdade” quando existe um outro que é capaz de se interessar genuinamente pela nossa verdade, percebendo-a e comunicando-no-la com amor.
A nosa verdade posta a nu interessa a todos.
Depois de desnudada torna-se uma fraqueza.
É pena que o ser sincero, autêntico, transparente, seja um risco.
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