sexta-feira, dezembro 28, 2012

ANO NOVO: ACREDITE E SONHE!


Durante uma breve pausa no trabalho, não pude deixar de refletir sobre algumas das últimas publicações que temos feito no blog e outras notícias que partilhámos na página do Facebook. Solidão, crime violento, hediondo e inexplicável, crise, depressão (afetiva, social económica). A incidência nestes temas reflete bem o estado da sociedade e, consequentemente, da sua saúde mental. O desespero, a falta de esperança, a descrença no futuro parecem ser, neste momento, um problema de saúde pública. Por isso, a propósito do novo ano que se aproxima, tento relançar a esperança e a motivação.

Por esta altura do ano, muitos de nós elaboram uma lista de resoluções para o novo ano: deixar de fumar, ir para o ginásio, arranjar um hobbie, fazer uma viagem… é certo que muitas destas resoluções estão condenadas ao fracasso, pois a mudança não se dá com o novo ano, mas sim pela transformação interna. É dentro de nós, e não no calendário, que devemos encontrar os objetivos, os planos e as motivações que nos movem. Mas penso que as resoluções não devem ser postas de lado, assim como os desejos que acompanham as passas à meia-noite.

Precisamos de acreditar, de desejar, de sonhar… caso contrário estaremos condenados à estagnação, agarrados à crise e aos problemas, e corremos o risco de cair no desespero. Talvez o aconselhável seja criar resoluções realistas e refletir sobre os passos necessários para as concretizar, analisar o que depende de nós, dos outros e das circunstâncias. E em vez de uma lista de objetivos diários para cada mês, será recomendável que a sua extensão seja igualmente realista! E porque não acrescentar um sonho mais ambicioso? Essencial é que a eventual não realização dos objetivos e dos sonhos não seja uma arma de auto-flagelação, mas sim um instrumento para repensar as prioridades e o que está ao seu alcance. O mais importante é manter o sonho, a capacidade de acreditar, pois sem esta adoecemos emocional e fisicamente. Alimente os seus desejos e as suas relações, que são das poucas coisas que não custam dinheiro e nos mantêm aconchegados e fortalecidos.

Aproveito para relembrar um artigo da Revista Máxima, com a participação da Dra Ana Almeida, psicóloga e Diretora Clínica da Psicronos. Apesar de ser uma publicação de Janeiro de 2012, mantém-se perfeitamente atual.


Bom Ano e Bons Sonhos!

sábado, dezembro 22, 2012

Economia parte II: as grandes teorias

Por estranho que possa parecer, as teorias económicas pouco evoluíram, nas suas grandes linhas, desde Keynes até hoje.

Agora, tal como no século anterior, os economistas dividem-se entre os herdeiros de Adam Smith e do mercado livre, que é suposto auto-corrigir-se (a famosa "mão invisível"), e os defensores da intervenção do Estado na economia. Shumpeter, que foi contemporâneo de Keynes e que deixou herdeiros (a "escola austríaca"), afirmava que as crises e as depressões económicas e financeiras eram naturais e até faziam bem ao sistema, como se o sofrimento fosse uma espécie de regeneração (as semelhanças com um certo discurso psicanalítico são notórias).

Dois prémios Nobel contemporâneos, Joseph Stiglitz e Paul Krugman, rejeitam esa teoria do sofrimento necessário e defendem uma intervenção dos Estados, não como Marx pretendia, mas mais na linha keynesiana (estímulo do investimento e do consumo para favorecer o crescimento).

O FMI parece favorecer a linha shumpeteriana de modo algo cego, apesar do comentário de Christine Lagarde de que alguma coisa parecia estar a correr mal na Eurolândia, logo silenciado pelas altas instâncias. Abebe Selassie, o homem do FMI que acompanha Portugal, e que é de origem etíope, parece ser um shumpeteriano ferrenho (o que demonstra que a rigidez nem sempre vem do eixo Berlim-Viena).

No meio disto tudo, os povos sofrem e agitam-se. Até quando?

 

 

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Solidão e o Aborrecimento

Depois da entrevista muito interessante da Dra. Ana Almeida, aproveito para referir uma investigação que foi feita (e que continua) sobre um conceito próximo da solidão, que é o aborrecimento. Aliás, fazendo também a ponte com o, também muito interessante e pertinente, artigo da Alexandra Barros, sobre a preguiça, pode-se dizer que o aborrecimento tem também algo de desmotivaçao ou desânimo, muitas vezes confundidas com preguiça. 

Os 3 conceitos têm algum grau de sobreposição e são também frequentemente usados no senso comum. Tentar compreender e aprofundar o que significam e o que está por trás destas noções é o objetivo de uma abordagem mais clinico-científica como as que aqui se têm esboçado. 

Recentrando o assunto mais especificamente no conceito de aborrecimento, foi publicado recentemente na revista Psychological Science um estudo que procurou definir mais rigorosa e objetivamente este construto. Definiram-no como "um estado aversivo no qual a pessoa quer, mas não pode envolver-se numa atividade satisfatória". Deste modo, chegaram à conclusão que uma pessoa se aborrece quando:

  • tem dificuldades em prestar atenção às informações internas (pensamentos, sentimentos...) ou às informações externas (os estímulos ambientais) necessárias para a participação numa atividade satisfatória.
  • está consciente da sua dificuldade em prestar atenção
  • acredita que o meio ambiente é responsável do seu estado aversivo (por ex.: "esta tarefa é aborrecida", "não há nada para fazer").
O aborrecimento, assim como, a solidão não é per se patológico. No entanto, na sua expressão mais intensa e recorrente traduz-se muitas vezes numa angústia de tipo existencial em que a atualidade da vida de uma pessoa deixa de fazer sentido (ou faz pouco sentido). A este nível pode pensar-se como a sociedade atual contribui patologicamente para este tipo de sentimentos como o aborrecimento, o vazio ou a insatisfação crónica. A partir do momento onde toda a organização e dinâmica social está preponderantemente estruturada à volta do princípio do "ter" e menos do "ser", onde o consumo, a posse e o gozo são tidos como objetivos de vida e por isso, como respostas existenciais ao sentido da vida, toda a sociedade se passou a organizar em torno da "distração". Distração do âmago da vida, da liberdade, da autonomia, responsabilidade, com todo sentir real e frustrante que uma educação menos conseguida nos legou. 

Quando as distrações do entretenimento, do gozo, da alienação escasseiam... surge muitas vezes o "aborrecimento".  Numa sociedade de ideais de poder,  "o que é" é quase sempre chato e aborrecido, sem graça nem encanto. "O que poderia ser", o que alguém (outro!) é ou tem, é que satisfaz plenamente. Ou seja, é tão fácil sentirmo-nos mal e confundirmos esse mal-estar, essa "falta", como tendo proveniência no exterior, nas nossas condições de vida. 

quarta-feira, dezembro 19, 2012

Solidão a epidemia secreta da era da hiperconectividade

Esta semana uma jornalista da revista Saber Viver http://www.saberviver.pt/, Sofia Cardoso, pediu-me uma entrevista porque estava a escrever um artigo sobre solidão. Ela achou o tema interessante após a leitura do livro de Emily White, traduzido para português como o titulo "Solidão a epidemia secreta da era da hiperconectividade" e publicado pela Pergaminho http://www.pergaminho.pt/

Eu própria li o livro e também o achei interessante. É um relato auto-biográfico, a descrição da sua vida, a sua experiência de solidão crónica.

Partilho convosco as perguntas da Sofia Cardoso e as minhas respostas.
A solidão é, de fato, um tema bem interessante e sobre o qual a psicologia e a psicanálise nem sempre se debruçam o suficiente.



Tema: A solidão no feminino

Ângulo:
Em que situações pode ser saudável e a partir de que momento se pode transformar num problema psíquico

Questões:

1. Com o número de divórcios a subir, ano após ano, e as mulheres a investirem cada vez mais na sua carreira profissional, colocando para segundo plano os laços afetivos, surge uma nova realidade social: mulheres entre os 25 e 35 anos que se encontram a viver sozinhas. Quais são os riscos desta «nova solidão»?

Efetivamente o número de pessoas (mulheres e homens) entre os 25 e os 35 anos a viverem sozinhas tem vindo a aumentar. Esta “nova solidão” comporta riscos importantes em termos da qualidade da saúde emocional e mental e, naturalmente, sociais. O maior risco está na possibilidade da pessoa desenvolver um quadro depressivo paralelo, levando-a ao desinvestimento da sua atividade profissional e em situações de maior gravidade ao risco de suicídio. Em personalidades predisponentes, a solidão excessiva pode levar a descompensações psicóticas e ao desenvolvimento de quadros psicopatológicos de gravidade superior ao da depressão. Para além de ser o terreno fértil para o desenvolvimento de um quadro depressivo e/ou ansioso, a solidão a partir de uma certa altura pode promover o isolamento e o isolamento diminui a possibilidade da constituição de família (núcleo das estruturas sociais) e de integração social alargada. Neste sentido as consequências serão também sociais dado que a faixa etária referida é aquela em que habitualmente as pessoas se tornam mães e pais. Estando a viver sozinhas não estabelecem relações de casal duradouras e a procriação fica, num certo sentido, comprometida.  

2. Para algumas mulheres, esta solidão é encarada como uma sensação de liberdade e independência. Nestes casos, podemos falar de uma solidão saudável? Como se caracteriza a solidão saudável?

A capacidade de estar sozinho é bastante saudável. Mas a capacidade de estar sozinho não é a mesma coisa que a solidão. A capacidade de estar sozinho dá conta da existência de uma vida mental rica e profunda e de uma boa relação consigo próprio. Quando a pessoa se encontra em circunstâncias nas quais tem que estar sozinho (leia-se: sem ter a companhia frequente de pessoas que lhe são próximas e intimas), por exemplo, quando tem de ir trabalhar para fora durante um certo período de tempo, ter a capacidade de continuar a sentir-se bem, capacidade para aproveitar o tempo livre e os recursos disponíveis é revelador de saúde mental e emocional, revelando robustez psicológica. Estarmos bem quando estamos sozinhos não é, contudo, a mesma coisa do que vivermos em solidão. Viver em solidão implica longos períodos sem relações de proximidade emocional e ou intimidade, implica a auto-percepção de “não ter ninguém”, o sentimento de isolamento crónico, ter vontade de falar com alguém e não ter ninguém disponível, etc.

O psiquismo tem uma enorme plasticidade e capacidade de adaptação às circunstâncias externas. Quando a pessoa é forçada a longos períodos de solidão e isolamento, o psiquismo tende a adaptar-se, da mesma forma que se adapta quando a pessoa é forçada à pobreza crónica ou a longos períodos de cativeiro, como acontece com os reclusos. O psiquismo tenta adaptar-se e a transformar a perda em ganho. Neste sentido, quando a pessoa fica durante muitos anos a viver sozinha acaba por desenvolver um estilo de vida bastante auto-centrado e fechada sobre si própria. Esta realidade tem implicações nas dinâmicas sociais, a pessoa perde o hábito de fazer cedências (tem, no seu dia-a-dia, apenas que ter em conta a sua própria opinião, prazer, vontade, etc e desabitua-se de ter em consideração outras opiniões, outros gostos, etc.), tende a criar rituais de comportamento (por exemplo: manter a casa arrumada de uma certa maneira, fazer refeições a uma hora fixa, etc). Esta liberdade de ação e a sensação de que não se tem que prestar contas a ninguém é um ganho substancial e num certo sentido, viciante. A comunicação e partilha de afetos profundos exige um certo treino, quando a pessoa passou muito tempo em solidão as competências de partilha e comunicação ficam “enferrujadas” e a pessoa pode sentir dificuldade em iniciar uma conversa mais profunda ou falar de si e face a essa dificuldade opta pelo caminho mais fácil que é ficar calada e dessa forma potencia o sentimento de isolamento e solidão.

A solidão saudável é a capacidade de estar só.

Em longos períodos de solidão a pessoa pode manter-se saudável mantendo uma boa capacidade de estar só e simultaneamente mantendo relações de partilha significativa e profundas com outras pessoas (com amigos, por exemplo). 
   
3. A partir de que momento, deixamos de estar perante uma solidão saudável? Quais são os sinais de alarme que indicam que a solidão passou a ser uma “obsessão” ou um problema psíquico, resultante da dificuldade de integração social?

Sinais de Alarme:
- Sentimentos de tristeza constantes associados ao fato de estar sozinho
- Sentimentos constantes e persistentes de vazio emocional
- Consciência dolorosa de isolamento social e emocional
- Evitar persistentemente ir para casa para não se confrontar com a casa vazia
- Dormir pouco (porque nunca se consegue estar em casa ou não se consegue descansar em casa) ou dormir muito (refugiar-se da consciência da solidão no sono)
- Evitar pessoas por ter a sensação de que já não sabe o que dizer nem como estar
- Passar frequentemente mais de 48horas (habitualmente fins-de-semana para as pessoas que trabalham fora de casa) sem falar com ninguém seu conhecido
- Perda de apetite recorrente quando está sozinho ou inversamente incapacidade de controlar a ingestão de alimentos muito calóricos
- Ficar num estado de grande ansiedade quando está sozinho por períodos prolongados
- Sentir-se mal quando está com pessoas
- Abandonar relações amorosas por se sentir incapaz de fazer cedências ou modificar o seu estilo de vida autocentrado.

4. Tendo em conta a sua prática clínica, quais são as principais causas que estão na origem da solidão nesta faixa etária?

As causas podem ser muito variadas (irei apenas referir algumas porque a lista é demasiado grande e não sei se conseguiria identificar todas):
- Mudança de residência. A pessoa cresceu numa determinada cidade e quando inicia os estudos superiores muda de residência e nunca conseguiu verdadeiramente re-integrar-se no novo ambiente;
- Divorcio e/ou separação acompanhada de um estado depressivo latente que leva a pessoa a retrair-se no contacto e convívio com outras pessoas
- Isolamento e solidão instalada na infância e perpetuada na idade adulta
- Insegurança e baixa auto-estima (que inibem a pessoa de interagir socialmente com liberdade e convicção de vir a ser bem aceite, levando-a a ser excessivamente tímida, retraída, calada, etc.)
- Fobia social (dificuldade em sociabilizar, crises de ansiedade quando está em grupo)
- Autocentração, egoísmo e dificuldade de abdicar dos seus pontos de vista e estilo de vida
- Artificialidade no contacto com as outras pessoas por falta de habito de estar com outras pessoas, por insegurança ou por ter desenvolvido a ideia de que se mostrar como é os outros vão “fugir” dela e então mostra um falso-eu, projeta uma imagem de si que não corresponde à sua personalidade mais autentica;
- Circunstancias externas desfavoráveis à socialização (não domínio da língua -acontece, por exemplo, com emigrantes – dificuldades motoras ou de saúde física que impedem a pessoa de sair e participar em eventos culturais e/ou sociais, desenraizamento em grupo de referencia (as pessoas que conhece não partilham dos mesmos valores, ideias, ~ideais, etc), dificuldades financeiras (pobreza) que não permitem o uso de instrumentos de socialização que implicam gastar dinheiro (viagens, idas frequentes a eventos públicos, festas, etc.)


5. Que consequências pode ter uma solidão a longo prazo?
A consequência mais grave será o suicídio (ou a tentativa de suicídio). O desenvolvimento de quadros depressivos (com maior ou menor gravidade) é frequente. Desenvolvimento de doenças do foro psicossomático (problemas de pele, alterações auto-imunes, etc.). Desinvestimento motivacional na carreira e de uma maneira geral, na vida. Perda de criatividade. Desenvolvimento de sentimentos de raiva, inveja e ressentimento que predispõe a pessoa a quezílias, querelas e litigâncias de uma maneira geral. Perda da oportunidade de criar uma família e ter descendentes.   

6. Podemos falar numa «solidão crónica»? Em que casos?

Sim, penso que sim. Quando a solidão se prolonga por muitos anos e o psiquismo se adaptou a um estilo de vida isolado e solitário, a solidão passou a ser crónica e a pessoa pode, até mesmo, ter deixado de lutar contra ela ou de a identificar como um problema. A solidão e o seu estilo de vida são assimilados pela personalidade e passa a fazer parte da própria pessoa.

7. Sentirmo-nos sozinhas com frequência pode ser o começo de um estado profundo de solidão?

A pessoa pode sentir-se sozinha mesmo estando acompanhada. Quando a pessoa se sente sozinha com frequência significa que a solidão é um problema. Pode ser (ou não) um começa de um estado profundo de solidão, depende da presença de outros fatores. Quando é concomitante com períodos longos de isolamento (meses ou anos), quando não coincide com mudanças de fundo na vida da pessoa (separação, mudança de residência, emprego, etc), quando é acompanhado de resistência ao contacto com os outros e à sensação de “não saber o que dizer ou fazer na presença de outros”, etc.
Sentimo-nos sozinhas com frequência é, em primeiro lugar, um sinal de alarme.

8. Quem são as pessoas mais propensas à solidão?

Mais uma vez irei apenas enumerar algumas situações, mas a lista é demasiado extensa e não tenho, sequer a certeza, de que a conseguisse identificar de forma exaustiva. Pessoas com famílias muito pequenas e que não residem na mesma cidade. Solteiros, divorciadas sem filhos e que desenvolveram estados depressivos latentes após o divórcio; pessoas que não se identificam com os colegas de profissão (ou com a própria profissão), pessoas com poucos recursos e competências sócias, pessoas com baixa auto-estima, inseguras e instáveis emocionalmente. Pessoas com perturbações de personalidade previas, nomeadamente, com tendência natural ao isolamento, com dificuldades de comunicação e interação com os outros, muito desconfiadas, e com dificuldades em estabelecer relações com vínculos profundos. Pessoas com fobia social. Pessoas com orientação sexual homossexual inconsciente (pessoas com tendências homossexuais, mas incapazes de aceitarem essa realidade e que persistem em estabelecer relações heterossexuais que acabam por não ser bem sucedidas)

9. Quais são os principais erros que as mulheres cometem que potenciam esta solidão?

- Dedicarem-se excessivamente à carreira e à profissão
- Não tratarem os estados depressivos latentes pós-divorcio de forma preventiva
- Não trabalharem a sua auto-estima no sentido de a fortalecer
- Não trabalharem as competências de socialização e de comunicação no sentido de as ampliarem e desenvolverem
- Não identificarem tendências para o desenvolvimento de fobia social e não promoverem o tratamento dela atempadamente


10. O facto de comunicarmos cada vez mais pelas novas tecnologias aumenta a probabilidade de nos tornarmos pessoas mais solitárias? De que forma?

As novas tecnologias, na minha opinião, tanto podem aumentar a probabilidade de nos tornarmos pessoas com uma vida social mais ativa como pode, paradoxalmente, ter o efeito inverso. Muitas pessoas encontram através de ferramentas de socialização como o facebook e sites de encontros, novos amigos e recuperam conhecimentos antigos e que se tinham perdido. Tenho tido conhecimento, de vários inícios de namoro e de reencontro de velhos amigos iniciados na internet e que se mantiveram muito para além da internet. As novas tecnologias podem funcionar como uma porta de entrada para estabelecer contactos e potenciar aproximação a grupos de pessoas com interesses e afinidades próximas das nossas e dessa forma permitir uma maior integração social e aumentar as oportunidades de socialização fora do espaço virtual, com encontros e partilhas presenciais. Contudo a possibilidade de se poder socializar sem sair de casa também pode facilitar a solidão e o isolamento. Através da internet a pessoa pode esconder-se, criar uma personalidade diferente da sua (uma espécie de avatar) e distanciar-se cada vez mais de si próprio, pode desenvolver uma socialização de superfície sem verdadeiramente se partilhar ou se dar a conhecer e pode ter a sensação subjetiva de satisfação das suas necessidades emocionais de socialização sem verdadeiramente as satisfazer ou suprimir. É como comer um bolo, pode gerar a sensação de se ter “matado a fome”, mas no fundo o bolo não tem grande capacidade de alimentar o organismo. As novas tecnologias podem, portanto, permitir a sensação de se manter uma socialização mínima, preservando o isolamento.

11. Há pessoas que se sentem “sozinhas” o tempo todo. Porquê? E como podem superar essa sensação?
A sensação de estarem sozinhas mesmo quando acompanhadas habitualmente está relacionada com outras dificuldades psicológicas, dificuldades na entrega e partilha, dificuldades no estabelecimento de vínculos profundos, dificuldades de identificação com os pares, não se sentirem compreendidas e aceites, etc.
A forma de superação depende da dificuldade subjacente. Se a dificuldade é de não identificação com os valores do grupo de pares ou com o não convívio com pessoas que partilhem os mesmos ideias e afinidades, a pessoa poderá tentar superar esse sentimento sendo ativa na procura de pessoas que tenham ideias e afinidades próximas (nestas situações a internet pode ser uma excelente ferramenta para identificação de pessoas com interesses semelhantes). Se a sensação de estar sozinha o tempo todo corresponde a um isolamento social marcado e crónico, a pessoa vai precisar do máximo de apoio para reconstruir (ou construir pela primeira vez) uma rede social. Esse apoio poderá vir da família, ou de estruturas sócias, assistentes sociais, psicólogos, médicos, etc. Quando a pessoa se sente sozinha o tempo todo, o acompanhamento psicológico pode ser extremamente importante quer para evitar o desenvolvimento de um quadro depressivo quer para ajudar a pessoa a modificar a sua personalidade tornando-a mais flexível e sociável, quer estimulando e incentivando os movimentos de procura de outras pessoas e de socialização.

12. Em termos de diagnóstico, a solidão pode ser confundida com a depressão. O que as distingue?
A solidão pode ser um fator precipitante ou de agravamento da depressão. A solidão ser também uma consequência da depressão. Até agora e tanto quanto é do meu conhecimento a solidão não é considerada uma perturbação psíquica. O isolamento social ou a solidão é, como a pobreza, por exemplo, uma característica “ambiental”. A solidão (enquanto sentimento subjetivo) faz parte de vários quadros psicopatológicos e simultaneamente é também um sentimento comum e experienciado por qualquer pessoa psiquicamente saudável. O sentimento de solidão é, num certo sentido, como a tristeza, uma emoção normal e adequada em muitas circunstâncias da nossa vida. Ser o sentimento dominante, ser o pano de fundo sobre o qual a vida acontece é que torna a solidão um problema cuja gravidade poderá variar bastante. Acho que dificilmente a solidão (ou o isolamento social) poderá ser visto como um problema independente e autónomo. Acho que a solidão, mesmo que central na vida da pessoa, deve ser enquadrada numa compreensão mais alargada e profunda do seu funcionamento psíquico.

13. Quais são as terapias que existem para tratar a solidão?

Como a solidão não é identificada como um problema independente não existem terapias específicas para ela. É, com maior facilidade, visto como um problema social e existem vários instrumentos sociais que tentam minimizar os riscos de solidão, principalmente junto de pessoas de idade avançada, e promover o convívio entre pessoas. Os centros de dia para pessoas de idade avançada são um exemplo desses instrumentos sociais.
Na faixa etária sobre a qual o artigo incide, não existem tanto quanto eu saiba instrumentos sociais organizados para fazer face a esse problema. A solidão é habitualmente tratada e trabalhada em qualquer processo psicoterapêutico. O apoio psicológico especializado é fundamental para prevenir que a solidão se torne crónica e para evitar o desenvolvimento de quadros psicopatológicos de maior gravidade, como seja, a depressão ou a fobia social.

14. Que conselhos/dicas práticas podemos deixar às nossas leitoras para evitar o sentimento de solidão?

- Estimule as amizades, cuide delas promovendo convívios frequentes entre si e as pessoas que a rodeiam
- Mostrar-se como é. Nao tente cativar as pessoas mostrando-se diferente daquilo que é, porque esses contactos dificilmente poderão evoluir para amizades mais profundas e autênticas.
- Aprenda a falar de si e dos seus sentimentos com segurança e autenticidade. Não seja demasiado autocentrado, nem gabarolas; mas também não seja lamechas nem massacrante estando sempre a falar dos seus problemas.
- Aprenda a ouvir os outros e a ser empático com eles.
- Abra espaço dentro de si para as pessoas que são diferentes de si.
- Aprenda a respeitar e a valorizar as diferentes formas dos outros serem, os seus estilos de vida, rituais, etc.
- Desenvolva amizades com diferentes graus de profundidade. Poderá abrir-se e expor-se aqueles que lhe são mais próximos e íntimos e poderá manter uma socialização com maior superficialidade com aqueles que estão mais distantes do seu núcleo de amizades. Aprenda a relacionar-se com amigos íntimos, amigos circunstancias e conhecidos.
- Procure pessoas e grupos de pessoas com atividades, gostos e ideias semelhantes ao seus
- Mesmo quando envolvido numa relação amorosa intensa não deixe de estimular e alimentar as amizades
- Evite habituar-se ao isolamento. Mesmo que sinta algum desconforto force-se a aceitar convites, a ir a convívios e quando estiver lá tente retirar o máximo de prazer e satisfação.
- Pense em si de uma forma segura e confiante. Compreenda que nem todas as pessoas poderão gostar de si, mas que encontrará sempre pessoas que gostam de si e que têm afinidades consigo

terça-feira, dezembro 18, 2012

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM = PREGUIÇA?


Nesta altura do ano, os pais recebem as primeiras avaliações escolares dos seus filhos. Alguns ficam bastante orgulhosos, outros debatem-se com a preocupação, a desilusão e a frustração perante a informação de que o seu filho não aprende bem ou se porta mal.

Quando recebo crianças para avaliação das causas de dificuldades de aprendizagem, costumo solicitar que os pais tragam as avaliações trimestrais. Observo frequentemente (e às vezes ao longo de vários períodos e anos letivos) descrições como  “não se esforça”, “tem de se empenhar mais”, “continua a não dominar x, y, z”, “desinteressado”, “desmotivado”, “preguiçoso”. Esta última característica é também frequentemente referida pelos pais.

Costumo dizer aos professores e às famílias com quem trabalho que nenhuma criança tem insucesso porque quer. Se uma criança não aprende é porque ainda não desenvolveu as competências necessárias para tal, porque enfrenta uma problemática emocional que a impede de estar disponível para a aprendizagem, porque o método de ensino utilizado não se adequa à forma como aprende, porque lhe falta acompanhamento familiar ou porque apresenta alterações ou défices que a impedem efetivamente de progredir. Jamais será uma questão de não querer aprender. Correndo o risco de criar alguma animosidade com os professores, com a intenção genuína de gerar alguma reflexão, saliento que o seu papel é encontrar a melhor forma de ensinar a criança. Ninguém saberá fazê-lo tão bem como o professor. É certo que os professores têm atualmente um desafio gigante nas suas mãos, e cada vez menos valorizado, face à exigência de lecionarem para turmas numerosas e bastante diversificadas do ponto de vista etário, social e intelectual. Mas esta configuração atual não é escolha ou responsabilidade da criança.

Não cabe à criança melhorar por si, aprender melhor por si, motivar-se por si. Cabe ao professor encontrar o melhor caminho a percorrer com cada aluno, por muitos obstáculos e atalhos que tenha de ultrapassar. E cabe à família apoiar a criança e o professor neste caminho.

Uma criança que não se empenha é uma criança que não descobriu ainda a utilidade dos conhecimentos que tem de aprender, é uma criança que “prefere” não se esforçar para não correr o risco de falhar ou ser repreendida, é uma criança que não faz melhor porque não consegue e não porque não quer. E muitas vezes a criança acaba por desistir porque sente que desistem dela e que nunca vai atingir o que esperam de si, o que conduz frequentemente aos problemas de comportamento na sala de aula, à resistência ativa às tarefas escolares, ao repúdio de tudo que tem a ver com a aprendizagem. E às vezes basta dizer-lhes “tem calma, eu sei que isto é difícil para ti, mas eu acredito que és capaz e vamos encontrar uma forma de ser mais fácil para ti”, para ver renascer o olhar de esperança (muitas vezes misturado com uma certa surpresa) e um maior investimento nas tarefas. E mesmo quando falha, é importante dizer “Boa! Esforçaste-te muito (mesmo que nos pareça pouco), vamos continuar até conseguires”.

Pensemos na desmotivação atual da maior parte dos professores: investiram na sua formação académica, passam anos a mudar de escola e muitas vezes são obrigados a ficar longe da família, têm perdido a sua autoridade, estão inundados em burocracias, são sujeitos a avaliações nem sempre justas, viram alterados os parâmetros de progressão na carreira, são pouco valorizados… Que motivação têm para fazer o seu trabalho? É difícil trabalhar com uma “criança difícil” com mais de uma vintena de alunos, mas penso que, com todas as dificuldades que passam, a principal motivação irá surgir do sentimento de sucesso no ensino de uma criança “difícil”.

Devo acrescentar que algo de muito positivo tem acontecido: os professores estão mais alerta e mais sensíveis para as dificuldades que as crianças apresentam, encaminhando-as com mais frequência e mais precocemente para avaliação médica e psicológica, permitindo assim um despiste mais atempado de situações de depressão infantil e outras problemáticas emocionais, alterações neuropsicológicas (como o défice de atenção e a dislexia), défices intelectuais, entre outros. Falta ainda um maior empenho dos adultos (professores, médicos, psicólogos, pais) no trabalho em equipa para ajudar o elemento mais frágil e com menos recursos no processo de aprendizagem: a criança.


sábado, dezembro 15, 2012

Economia parte I: o que é que correu mal?

Em 1930 o famoso economista John Maynard Keynes escrevia que, com o avanço tecnológico e os ganhos de produtividade alcançados, dentro de um século, se não houvesse um crescimento exagerado da população, o "problema económico da humanidade" estaria resolvido. Ou seja, a nossa principal preocupação seria, não assegurar o nosso sustento, mas o que fazer com os tempos livres.
Estamos quase lá e já vemos como Keynes se enganou estrondosamente! A população mundial tem crescido exponencialmente e começamos a preocuparmo-nos seriamente não só com a recessão quase generalizada no mundo desenvolvido, como com a escassez de recursos básicos dentro de pouco tempo (a falta de água é dos problemas mais assustadores e que provavelmente obrigará à migração de milhões de pessoas, com as decorrentes convulsões sociais).
Quanto ao trabalho, não é que não precisemos de trabalhar. O problema é não o haver! A automatização, em vez de nos libertar das tarefas penosas, tem-nos empurrado para o desemprego e para o empobrecimento.
É possível voltar atrás? Não, claro que não, a não ser que haja um cataclismo ou uma guerra mundial que nos faça recuar séculos em termos de progresso.
Paul Krugman, o prémio Nobel da Economia, tem estudado este assunto, complexo, e tem algumas explicações e algumas sugestões (http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/12/09/technology-or-monopoly-power/)
Vivemos um tempo muito difícil. Temos a obrigação de tentar perceber o que se passa. Só assim poderemos, como cidadãos, tomar decisões informadas. Não há profissões imunes às decisões políticas e económicas. Psicólogos, terapeutas, bancários, professores, estudantes, engenheiros, reformados, desempregados, estamos todos no mesmo barco. Pensar que vai continuar tudo na mesma, é meter a cabeça na areia. Em psicanálise, chamamos a isso negação.


A EXPERIÊNCIA DE VIDA E A VIDA EM EXPERIÊNCIA



Como insiste o nosso grande pensador Coimbra de Matos, a experiência é a via real da aprendizagem. A análise e reflexão sobre a vida visa uma apreensão mais clara do quotidiano por forma a perceber porque não experimentamos, agimos certos desejos e porque nos precipitamos noutros. Mas no limite, é a experiência da vida - mas também da relação analítica, psicoterapêutica, por ex. - que, verdadeiramente e em primeira mão, nos proporciona a maior aprendizagem. É um processo de aprendizagem mas deve também ser um fim em si mesmo: o que Coimbra de Matos chama de "prazer de funcionar"... 

domingo, dezembro 09, 2012

A jovem 'geração Prozac' em busca de identidade

Vale a pena ler no Expresso (e depois um artigo mais extenso na edição de Dezembro do Courrier Internacional) o artigo:

A jovem 'geração Prozac' em busca de identidade

"Queria um expresso duplo descafeinado glaceado com Prozac". "Para mim, um café latte com Prozac". "Eu queria um cappuccino duplo de Prozac com canela". "Para mim, um triplo descafeinado de Prozac moka".
ILUSTRAÇÃO DE CAGLERTOONS, EUA

sábado, dezembro 08, 2012

O nosso Self: como aceder a ele

Somos o que somos, e não aquilo que os outros pensam de nós, seja bom ou mau. A possibilidade de conexão com o nosso Self (aquele que observa) é o tema deste interessante artigo de Peter Bregan, na Harvard Business Review.

http://blogs.hbr.org/bregman/2012/12/try-meditation-to-strengthen-y.html?referral=00563&cm_mmc=email-_-newsletter-_-daily_alert-_-alert_date&utm_source=newsletter_daily_alert&utm_medium=email&utm_campaign=alert_date


 

sexta-feira, dezembro 07, 2012

EXTROVERSÃO E LONGEVIDADE



Uma equipa internacional de investigadores estudou o papel da personalidade em 298 gorilas de zoológicos e áreas protegidas da América do Norte durante 18 anos. 


Identificaram quatro traços de personalidade: dominância (posição social de relevo em relação a outros indivíduos), neuroticismo (expressão negativa), agradabilidade (sociabilidade e lealdade) e extroversão, associada a comportamentos como sociabilidade, actividade,jogo e curiosidade.




Uma das conclusões do estudo foi que os que possuíam um traço de extroversão mais acentuado mostraram ter uma vida mais longa.

A descoberta é consistente com estudos efetuados em humanos.



http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=56401&op=all