Nesta altura do ano, os pais recebem as primeiras avaliações
escolares dos seus filhos. Alguns ficam bastante orgulhosos, outros debatem-se
com a preocupação, a desilusão e a frustração perante a informação de que o seu
filho não aprende bem ou se porta mal.
Quando recebo crianças para avaliação das causas de
dificuldades de aprendizagem, costumo solicitar que os pais tragam as
avaliações trimestrais. Observo frequentemente (e às vezes ao longo de vários
períodos e anos letivos) descrições como “não se esforça”, “tem de se empenhar mais”,
“continua a não dominar x, y, z”, “desinteressado”, “desmotivado”,
“preguiçoso”. Esta última característica é também frequentemente referida pelos
pais.
Costumo dizer aos professores e às famílias com quem
trabalho que nenhuma criança tem insucesso porque quer. Se uma criança não
aprende é porque ainda não desenvolveu as competências necessárias para tal,
porque enfrenta uma problemática emocional que a impede de estar disponível
para a aprendizagem, porque o método de ensino utilizado não se adequa à forma
como aprende, porque lhe falta acompanhamento familiar ou porque apresenta
alterações ou défices que a impedem efetivamente de progredir. Jamais será uma
questão de não querer aprender. Correndo o risco de criar alguma animosidade
com os professores, com a intenção genuína de gerar alguma reflexão, saliento
que o seu papel é encontrar a melhor forma de ensinar a criança. Ninguém saberá
fazê-lo tão bem como o professor. É certo que os professores têm atualmente um
desafio gigante nas suas mãos, e cada vez menos valorizado, face à exigência de
lecionarem para turmas numerosas e bastante diversificadas do ponto de vista
etário, social e intelectual. Mas esta configuração atual não é escolha ou
responsabilidade da criança.
Não cabe à criança melhorar por si, aprender melhor por si,
motivar-se por si. Cabe ao professor encontrar o melhor caminho a percorrer com
cada aluno, por muitos obstáculos e atalhos que tenha de ultrapassar. E cabe à
família apoiar a criança e o professor neste caminho.
Uma criança que não se empenha é uma criança que não
descobriu ainda a utilidade dos conhecimentos que tem de aprender, é uma
criança que “prefere” não se esforçar para não correr o risco de falhar ou ser
repreendida, é uma criança que não faz melhor porque não consegue e não porque
não quer. E muitas vezes a criança acaba por desistir porque sente que desistem
dela e que nunca vai atingir o que esperam de si, o que conduz frequentemente
aos problemas de comportamento na sala de aula, à resistência ativa às tarefas
escolares, ao repúdio de tudo que tem a ver com a aprendizagem. E às vezes
basta dizer-lhes “tem calma, eu sei que isto é difícil para ti, mas eu acredito
que és capaz e vamos encontrar uma forma de ser mais fácil para ti”, para ver
renascer o olhar de esperança (muitas vezes misturado com uma certa surpresa) e
um maior investimento nas tarefas. E mesmo quando falha, é importante dizer
“Boa! Esforçaste-te muito (mesmo que nos pareça pouco), vamos continuar até
conseguires”.
Pensemos na desmotivação atual da maior parte dos
professores: investiram na sua formação académica, passam anos a mudar de
escola e muitas vezes são obrigados a ficar longe da família, têm perdido a sua
autoridade, estão inundados em burocracias, são sujeitos a avaliações nem
sempre justas, viram alterados os parâmetros de progressão na carreira, são
pouco valorizados… Que motivação têm para fazer o seu trabalho? É difícil
trabalhar com uma “criança difícil” com mais de uma vintena de alunos, mas penso
que, com todas as dificuldades que passam, a principal motivação irá surgir do
sentimento de sucesso no ensino de uma criança “difícil”.
Devo acrescentar que algo de muito positivo tem acontecido:
os professores estão mais alerta e mais sensíveis para as dificuldades que as
crianças apresentam, encaminhando-as com mais frequência e mais precocemente
para avaliação médica e psicológica, permitindo assim um despiste mais atempado
de situações de depressão infantil e outras problemáticas emocionais,
alterações neuropsicológicas (como o défice de atenção e a dislexia), défices
intelectuais, entre outros. Falta ainda um maior empenho dos adultos
(professores, médicos, psicólogos, pais) no trabalho em equipa para ajudar o
elemento mais frágil e com menos recursos no processo de aprendizagem: a
criança.
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