terça-feira, dezembro 09, 2014

“E como é que isto se resolve?” / “O que é que eu faço?”


São estas duas das perguntas que por vezes os nossos pacientes nos colocam logo nas primeiras sessões. Neste artigo procuro focar uma dimensão particular que por vezes está por detrás da persistência da pergunta, mesmo após ser respondida de várias formas diferentes pelo psicoterapeuta. 

Algumas vezes a insistência na pergunta remete para uma dificuldade circunscrita na capacidade da própria pessoa em lidar com as suas emoções mais difíceis, bem como para o não ter encontrado ao longo da vida alguém que ajudasse nesta tarefa, através de uma relação priviligiada (como aquela que a psicoterapia oferece e procura construir). Outras vezes pode surgir também como uma defesa contra o entrar em relação (psicoterapêutica, de cura ou transformação) com o psicólogo, como uma fantasia de se conseguir a formula para a cura, mas um medo/resistência a ser-se curado pela outra pessoa e pela relação com ela (onde a cura reside efetivamente!);

Ao longo da vida é importante podermos ir entrando em contacto com as nossas emoções mais difíceis que existem dentro de nós, mas também com as formas como nos tendemos a defender delas e com as situações que lhes foram dando origem.

A essência das pessoas são as suas emoções. Desde a infância os pais (ou outras figuras íntimas) ajudam as crianças a gerir as suas emoções, a identifica-las e a pensar sobre elas. Assim se desenvolve progressivamente e ao longo da vida a capacidade individual da pessoa lidar com as suas emoções, compreende-las e expressa-las.

Por vezes essas primeiras relações não são capazes de dar uma resposta adequada ou suficiente às emoções e ao mundo interior da criança. Ou porque os próprios pais têm relativamente pouco contacto com as suas próprias emoções, ou pouca capacidade de identifica-las e expressa-las, ou porque se defendem delas, ou porque a expressão emocional é desvalorizada num determinado contexto familiar, ou porque vão sendo feitas atribuições erradas às emoções da criança, ou por outros motivos.

Determinadas situações carregam também consigo uma carga emocional que por vezes ultrapassa a própria capacidade do aparelho psiquico de lhes conseguir fazer face, o que resulta em traumas. Muitas vezes, e em simultâneo, a pessoa não consegue encontrar ao longo da vida relações que a ajudem com as suas emoções de uma forma que aquelas primeiras relações não foram capazes de oferecer.

A própria pessoa, incapaz então de lidar com certas emoções e/ou conflitos internos demasiado penosos e incapaz de se organizar psicologicamente em torno destes conteúdos, acaba, numa tentativa desesperada de se livrar da angustia ou da aflição ligada a essas emoções,  por mobilizar defesas internas que as distorcem e abafam. São estas defesas, aliadas à incapacidade de se elaborarem devidamente as emoções originais, que resultam em grande medida naquilo que se entende clinicamente por sintomas e psicopatologia. Por vezes cria-se um movimento de apelo e rejeição da ajuda, em simultâneo, como se o ideal fosse conseguir a fórmula para a auto-cura, para fugir ao medo de uma nova abertura à experiência de sermos cuidados pelo outro (pela sua disponibilidade, pela sua antenção, pelo seu interesse e preocupação, pela sua empatia e pela sua sintonia). E por vezes para se fugir ao medo da abertura traumática da relação de ajuda de um passado longínquo.

Quando existem emoções “não digeridas” dentro de nós, a carga de tensão dessas emoções tende a fazer-se sentir continuamente de uma ou de outra forma, por mais que as origens dessas emoções não consigam ser relembradas, sejam distorcidas ou nunca tenham conseguido ser pensadas ( ligadas a memórias, imagens ou representações, e posteriormente articuladas por palavras). Nestas circunstâncias, o acréscimo de ansiedade na vida (por exemplo através de stress ligado a situações com o trabalho, o fim de uma relação amorosa, um divórcio) pode facilmente levar a uma colapso do equilibrio defensivo interno, criando uma crise emocional intensa na vida de uma pessoa, momento em que a própria procura muitas vezes a  psicoterapia. Outras vezes as defesas intensificam-se de tal forma que acabam por criar todo o tipo de interferências com a vida, tornando-a inviável ou quase inviável. A somatização das emoções é um exemplo da expressão de emoções muito difíceis e não elaboradas ao nível do corpo (dores, sintomas e doenças físicas que aparecem e desaparecem sem causa médica).