domingo, julho 28, 2013

FÉRIAS SÃO FÉRIAS!

Andamos a meio gás aqui no Salpicos! Já cheira a férias e enquanto aguardo as minhas, gostava de partilhar algo sobre as férias dos pequenotes.

Imagine que depois de nove meses de intenso trabalho e avaliação regular de desempenho, o seu chefe lhe exigia que, durante as suas férias, dispensasse uma hora por dia para ligar a clientes, fazer programação, avaliar créditos, fazer limpezas, analisar processos, servir almoços, corrigir testes… Ficaria furioso? Aborrecido? Desmotivado? Muitos adultos selecionam as chamadas que atendem e deixam no e-mail uma resposta automática que avisa os mais distraídos que estão de férias. Então por que razão se insiste em obrigar as crianças a fazer trabalhos da escola?

Férias são férias! Servem para descansar, brincar, partilhar, socializar. Os trabalhos nesta altura pouco acrescentam às competências e aquisições da criança, contribuindo apenas para o cansaço, a desmotivação e o aborrecimento. Estes tendem a estender-se ao novo ano letivo, comprometendo o entusiasmo e a expetativa uma vez que as baterias não são devidamente carregadas.

Inscreva-a em atividades como as Férias Desportivas ou a Ciência Viva. Muitas Juntas de Freguesia dispõem de programas de férias diversificados e relativamente acessíveis. Algumas instituições de apoio à deficiência apresentam também alternativas de forte valor social, promovendo o contacto e a aceitação da diferença. Existem ainda as Quintas Pedagógicas e muitas outras opções. Mas não tem obrigatoriamente de recorrer a atividades externas ou que impliquem investimento financeiro. Há muitas outras formas de estimular a curiosidade e as competências intelectuais e emocionais da criança: passeie, converse, brinque e explore com a criança. Responda às suas questões com outra pergunta. Brinquem ao teatro, à cabra-cega, às estátuas.

Se pretende atividades mais estruturadas, sugiro alguns jogos da velha-guarda, cada vez menos utilizados, mas que muito estimulam a mente:

  • Diferenças: Atenção Visual
  • Labirintos: Planeamento e Organização Espacial
  • Puzzles: Planeamento, estruturação espacial, coordenação óculo-motora
  • Tangram: Planeamento, estruturação espacial, coordenação óculo-motora
  • Palavras-Cruzadas: Vocabulário, Raciocínio Abstrato
  • Jogo “Nomes, Países, Frutos, Objetos, etc”: Vocabulário, Categorização, Raciocínio Abstrato, Velocidade do Raciocínio
  • Pares de Memória: Atenção Visual e Memória Visual
  • Bom Dia, Senhorita: Atenção Sustentada, Atenção Seletiva, Memória, Controlo dos Impulsos
  • Soletrar Palavras: Consciência Fonológica, Atenção, Planeamento, Memória de Trabalho
  • Adivinhas: Raciocínio Lógico-Abstrato
  • Quem é Quem?: Atenção, Planeamento, Categorização
  • Jogo da Glória: Cálculo, Tolerância à Frustração

Há muitas outras opções, mas aqui terá já várias ideias e poderá dar largas à sua imaginação. O mais importante é que a criança se divirta com a família e os amigos.

Apesar de férias serem férias, nem tudo pode ser boa vida! Atenção às rotinas, pois as crianças precisam de coerência e consistência. Os padrões de sono, alimentação, higiene, regras podem ser aliviados, mas apenas ligeiramente pois uma semana de rédea solta pode implicar três de reorganização, com muitas birras e frustração à mistura.


Boas férias e aproveite para partilhar aqui algumas sugestões de atividades com crianças!

sexta-feira, julho 19, 2013

Frase leve do dia



The way to get a person to put down a heavy load is to give them just a little more to carry. Sometimes therapeutic interventions are like that. (Brazier, D.)

(A maneira de levar uma pessoa a descarregar uma carga pesada é dar-lhe um pouco mais para ela carregar. Às vezes as intervenções terapêuticas são semelhantes.) 



No contexto de crise atual, parece-me uma ideia particularmente pertinente. São muitas vezes os períodos de crise que nos levam a dar um passo à frente por forçarem os limites da situação e pedirem uma mudança. Obrigam a fazer escolhas, a deixar algo para trás e a um novo ajuste.  

A terapia surge como opção na vida das pessoas tipicamente em períodos de crise (mais ou menos interna, mais ou menos externa). E nas crises, é a falência da estabilidade ou do status quo prevalente que suscita a mudança. Existem, pois, muitas vezes duas forças opostas que conflituam de maneira mais ou menos disruptiva: a da estabilidade, segurança do conhecido; e a da mudança, novidade e insegurança do desconhecido. Como a frase em causa expressa, às vezes, para largar um peso ou o conhecido que já não funciona, é preciso, não só imaginar um desconhecido melhor, mas também sentir profundamente o peso e a falência do conhecido. Neste caso, poderíamos, por exemplo, falar do "peso extra da consciência do peso" como fator desencadeante da decisão de descarregar o peso. 

De uma maneira mais extensiva, largar o peso pode também querer dizer, saber fazer transições, nomeadamente, a transição constante entre o passado e o presente (em direção ao futuro). Se eu carrego um passado condicionante e pesado do qual não me consigo desapegar para abraçar o que o presente me pode dar e receber, vivo em menor harmonia com a realidade. Ou se, vivo constantemente no futuro - acumulando, acumulando (coisas, feitos, currículo, saber, etc.) - como reação a um passado de escassez que não consigo aceitar nem fazer o luto, não consigo aproveitar total e apaziguadamente o presente.

terça-feira, julho 09, 2013

VAMOS BRINCAR?

No “meu tempo” já havia jogos de computador. Tínhamos na altura o Spectrum, que exigia um leitor de cassetes e alguns cabos ligados à televisão. Às vezes o jogo “não entrava” e lá era preciso tentar outra vez, esperar e, por vezes, deixar de lado o jogo pretendido e escolher outro. Jogava-se ao Pacman, que tinha de comer umas peças de fruta enquanto fugia dos fantasmas. Jogava-se um outro, cujo nome já não me recordo, que tinha de saltar patamar a patamar, na altura certa, para não bater com a cabeça e voltar ao início! Depois a informática evoluiu e surgiu uma maior diversidade de jogos, alguns um pouco mais violentos, mas que, ainda assim, tinham como objetivo salvar os bons dos maus, em cenários que claramente pertenciam ao mundo do imaginário. Também sou do tempo em que se jogava ao elástico, aos pais e às mães, às escolas…. Os peluches serviam de alunos, as mãos faziam de binóculos para ver as estrelas, pediam-se desejos com o “quantos-queres”, as vassouras serviam de mota…

Pode parecer, mas não estou a ter uma crise de nostalgia da infância. Estou antes cada vez mais preocupada com o excesso de jogos eletrónicos e o seu impacto no desenvolvimento sócio-afetivo da criança.

Antes de eu jogar Spectrum, Winnicott já dizia “É no brincar, e apenas no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar a sua personalidade integral; e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu Eu”.

É através do brincar que a criança experimenta, sente, imita, cria e transforma. É também a sua forma natural de comunicar. É na brincadeira que a criança cresce, aprende e cura, sendo o instrumento mais poderoso para lidar com os sentimentos; à medida que os organiza na história que inventa, está a preparar-se para avançar e adaptar-se. Mas esta capacidade parece cada vez menos frequente e cada vez menos natural. Reflexo da sociedade? As crianças já não têm de esperar que a cassete do spectrum arranque, pois têm acesso aos jogos com um ligeiro toque do indicador, em qualquer lugar, a qualquer hora. Já não precisam de imitar o bebé a chorar, pois o bebé vem com pilhas e chora sozinho. Já não têm de dar vida a qualquer boneco pois qualquer objeto a que se chame “boneco” faz tudo sozinho. Já não têm tempo para brincar, nem os pais têm tempo para brincar com elas.

Apesar de ainda não existirem estudos cientificamente válidos suficientes, o impacto negativo do baby-sitting eletrónico no desenvolvimento sócio-afetivo parece ser cada vez mais evidente.

Grande parte dos jogos preferidos pelas crianças, desde a mais tenra idade, tem uma forte componente agressiva e um grau de realismo perigosos. Um estudo de 2006 demonstrou que a exposição a jogos violentos leva à dessensibilização para a violência na vida real. Os jogadores parecem “habituar-se” à violência, manifestando uma menor resposta fisiológica à mesma, bem como uma menor empatia e ajuda perante vítimas de violência. Por outro lado, parece existir maior impulsividade e uma menor consciência dos limites da agressividade e dos danos que a mesma pode causar. Lembrar-se-ão de um trágico acidente em que uma criança pequena matou outra, achando que ressuscitaria como acontecia nos jogos. Este é um dos maiores riscos dos jogos de hoje (também associado à falta de acompanhamento parental): a não distinção entre fantasia e realidade. E a acessibilidade à violência parece contribuir ainda mais para esta indiferenciação.

Outro estudo (longitudinal, que terá durado quase duas décadas) aponta para um risco crescente de desenvolvimento de perturbações da personalidade, não diretamente associado aos jogos eletrónicos, mas à ausência do brincar e da disponibilidade dos pais na infância. O envolvimento forte e ativo com os adultos potencia as ligações interpessoais e as competências sociais, contribuindo para o desenvolvimento psicológico. Este envolvimento estará na base da vinculação, da empatia e da afiliação, da ligação ao “mundo das pessoas”, da sua disponibilidade e capacidade para comunicar com os outros. A ausência deste envolvimento precoce, para além da escassa socialização com os pares, promovida pela individualidade dos jogos, parece estar a aumentar o risco de perturbações esquizóides na idade adulta. E talvez não seja por acaso que nos aparecem cada vez mais crianças com sinais já bastante instalados desta patologia.

Deste modo, a criança tem de brincar e de ter companhia para brincar. Do que é que está à espera? Sente-se no chão, volte a ser criança e dê largas à sua imaginação! Imponha limites aos jogos e ao seu conteúdo. “Perca” tempo com o seu filho, faça-o ganhar saúde mental! É preciso desenvolver o seu mundo interior, para que a criança possa lidar com o mundo exterior.