quarta-feira, maio 31, 2006

A Psicanálise de Winnicott

Tenho estado a ler um dos livros de Winnicott, “O Ambiente e os Processos de Maturação – Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional”, editado pela ArtMed

Este livro foi originalmente publicado em 1979, portanto oito anos após a morte do seu autor. É uma colectânea de artigos que foi escrevendo ao longo da sua vida, alguns dos quais tinham já sido publicados anteriormente.

O livro é, de uma maneira geral, bastante interessante. A escrita de Winnicott é agradável e de relativo fácil entendimento, contrariamente a alguns outros psicanalistas que têm uma escrita, por vezes, de muito difícil leitura.

Num pequeno artigo de 1962, Winnicott fala dos objectivos do tratamento psicanalítico de uma forma muito engraçada.

Diz ele:

“Ao praticar a psicanálise, tenho o propósito de:

me manter vivo;

me manter bem;

me manter desperto.

Tenho o objectivo de ser eu mesmo e me portar bem

Uma vez iniciada uma análise espero continuar com ela, sobreviver a ela e terminá-la”

Quem pratica a psicanálise ou a psicoterapia psicanalítica sabe bem como estas palavras são sábias. Quando somos psicoterapeutas, cada início de uma análise ou psicoterapia é um desafio. Se conseguirmos passar por esse desafio, sobreviver-lhe, mantendo-nos vivos, bem e despertos, sem perdermos a capacidade de sermos nós próprios e de nos mantermos fieis às boas práticas psicanalíticas, então foi com certeza um sucesso, para ambos: paciente e terapeuta.

terça-feira, maio 30, 2006

Psicoterapia Psicanalítica

Tenho estado a ler um livro sobre psicoterapia psicanalítica que me tem agradado particularmente. Foi escrito por uma psicanalista americana, Nancy Mcwilliams e está publicado em português na Climepsi.

A exposição de Nancy sobre a Psicoterapia Psicanalítica é muito clara e o livro está recheado de conselhos práticos que são de grande ajuda para os psicoterapeutas principiantes e permite aos psicoterapeutas mais batidos ficarem “mais descansados” por nem sempre cumprirem as regras clássicas das boas práticas psicoterapeuticas.

A ilustração clínica com a apresentação, mais ou menos minuciosa, de dois casos; um de uma paciente com uma estrutura de personalidade mais neurótica e um outro de uma paciente com estrutura borderline é agradável e refrescante. Nancy mostra-nos com uma abertura incomum, os seus pontos fracos e os seus “erros” clínicos, reconhecendo sempre que cada caso é um caso e que cada psicoterapeuta é único na relação clínica com os seus pacientes.

Uma nota curiosa é que Nancy se refere muita vez aos pacientes como clientes. Em Portugal a Psicoterapia e a Psicologia Clínica, talvez por ter uma estreita associação com a medicina, sempre denominou os seus ‘utentes’ por pacientes; se por um lado a palavra paciente, remete para ‘pathos’ que significa dor e por aí mesmo revela um sentido fundamental para descrever a “perturbação psíquica”, por outro a palavra cliente descreve muito mais uma relação entre duas pessoas, uma delas que presta um serviço (o psicoterapeuta) e uma outra que solicita e recebe esse serviço (o cliente). A palavra cliente é, na minha opinião, melhor, porque “despsicopatologiza”, isto é, coloca a psicoterapia muito mais ao nível da atribuição e descoberta de sentido do que ao nível da cura.

A Psicoterapia Psicanalítica que Nancy Mcwilliams nos dá a conhecer é profundamente respeitadora da individualidade dos clientes que a procuram e simultaneamente respeitadora das dificuldades e limitações dos psicoterapeutas, que ao fim e ao cabo, são pessoas como as outras.

Os outros livros da Nancy Mcwilliams igualmente editados em português pela Climepsi são também trabalhos a não perder, principalmente o Diagnóstico Psicanalítico. Um destes dias, falarei sobre ele; oferece uma forma bastante original de olhar a psicopatologia, cruzando as estruturas de personalidade com a constelação sintomatológica.

segunda-feira, maio 29, 2006

Estigma

Penso que será uma opinião de consenso dizer que não há qualquer dúvida de que actualmente em Portugal ainda existe um forte estigma associado às consultas de psicologia e, ainda mais intenso, associado às consultas de psiquiatria e de psicoterapia.

Nas grandes cidades este estigma é menos limitador da procura de um psicólogo porque cada indivíduo está centrado sobre si próprio e pouco ou nada olha para o vizinho; mas nas cidades mais pequenas e, principalmente, nas vilas, assumir a necessidade de pedir ajuda a um psicólogo ainda é visto como sinónimo de que não se está bem da cabeça e o rótulo “doente mental” fica colado à pele.

O peso do estigma é tanto maior quando a idade aumenta. A procura de psicólogos para ajudarem as crianças nas mais diversas problemáticas é relativamente frequente e quase não pesa, nem para as crianças nem para os pais. Mais ainda, levar um filho ao psicólogo e criar as condições para que ele faça uma psicoterapia é indicador de sermos pais atentos e preocupados com o bem-estar físico e psicológico dos nossos filhos.

Quando o filho é adolescente ou pré-adolescente, as coisas já se complicam um pouco mais. O próprio adolescente sente que ir ao psicólogo é estigmatizante perante os seus amigos e colegas e os pais começam a ficar aflitos, não vá o miúdo ir para lá dizer umas coisas que nós até preferíamos que ninguém soubesse.

Quando entramos na idade adulta, abre-se a possibilidade de irmos ao psicólogo sem ninguém saber e isso é bom; mas poucas pessoas fazem uso dessa oportunidade. Em primeiro lugar, parece-me, porque é pouco prático; a regularidade das consultas, sempre no mesmo dia da semana e à mesma hora, gera suspeitas nos amigos e familiares e, então, a pessoa lá se sente “obrigada” a ter que dizer e depois lá vem o estigma.

Os mais velhos, homens e mulheres maduros, acham “quase” humilhante irem para um psicólogo falar da vida deles. Sentem que já têm idade para “terem juízo” e não andarem com “choraminguices”. Quando se tem mais de 50 anos, ir ao psicólogo pode ser um verdadeiro desafio; é assumir que se tem problemas e que de alguma forma somos incapazes de os resolver sozinhos. Assumir perante quem? Perante nós mesmos e perante o psicólogo e isso não é nada fácil.

Chegará o tempo em que qualquer pessoa, independentemente da sua idade ou dificuldade, poderá ver num psicólogo, um parceiro na investigação da sua própria personalidade e apenas isso. Não um professor ou um sábio. Não um disciplinador ou um confidente. Um parceiro nesta tarefa complicada que é apreender a viver e descobrirmo-nos a nós próprios.

sexta-feira, maio 26, 2006

Uma entrevista com Freud – A febre chamada viver

Há uns dias estive a ler uma entrevista que Freud deu, em 1926, ao jornalista americano George Sylvester Viereck. Freud tinha na altura cerca de setenta anos.

A entrevista foi-me dada a conhecer por uma colega e é, na minha opinião, extremamente interessante. Mostra um Freud com serena humildade, mas simultaneamente em sofrimento pela doença que o consumia. O tom e o conteúdo da entrevista fazem-me pensar num Freud “pacificado” a aguardar serenamente a sua morte. Fala-nos da velhice - da sua velhice - e diz-nos que teve bons momentos, durante os quais apreciou as coisas agradáveis da vida e saboreou a companhia da sua mulher, dos seus filhos e a beleza do pôr-do-sol. Conta ainda que teve o privilégio de ter em certas ocasiões uma mão amiga para apertar, e uma ou outra vez alguém que quase o compreendeu.

Ler esta entrevista é uma lufada de ar fresco em relação à imagem tão intensamente divulgada de um Freud narcísico e autocentrado. Mostra um homem sensível às coisas simples e mundanas. Cansado de viver. Saturado das “eternas lutas entre o ego e a realidade” e esgotado pelo sofrimento e o incómodo que a doença lhe provocava.

Quando questionado sobre a morte, diz:

“É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo da própria destruição. Do mesmo modo como um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objectivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.”.

Aconselho vivamente a leitura desta entrevista.

quarta-feira, maio 24, 2006

A Revista Psicologia Actual

Foi lançada à relativamente pouco tempo, uma revista de Psicologia para o grande público, ou seja, para um público não especializado. É inédito no nosso país, se bem que seja já vulgar em muitos outros países. É uma psicologia “light”, mas que não perde o rigor científico. Os temas tratados em cada número são vastos e a própria revista está organizada por secções temáticas. Infelizmente o site da revista continua em construção. É de notar que está nesta situação desde o lançamento da revista, e que não são apresentadas previsões quanto a quando ficará pronto. De qualquer forma aqui fica o endereço: www.psicologiaactual.com.


No último número contribuí com um pequeno artigo sobre o envelhecimento. Pretendia chamar a atenção para a necessidade que todos nós, independentemente da nossa idade, temos de “preparar” o nosso envelhecimento. Envelhecer é sempre algo que nos apanha desprevenidos mas, se estivermos atentos, podemos detectar os primeiros sinais e fazer um esforço para nos adaptarmos ao envelhecimento. Notem que digo, adaptarmo-nos ao envelhecimento e não deixarmo-nos esmagar por ele.


Envelhecer é sempre muito complicado por mais que queiramos “colorir o quadro”. Envelhecer está inevitavelmente associado à ideia de perda e perder algo ou alguém (mesmo que seja perdermos a nós próprios, ou uma certa imagem que temos de nós) é um verdadeiro murro no estômago que nos deixa atordoados. Não há forma, por mais fantástico que isso nos pudesse parecer, não há forma de impedir o envelhecimento, o melhor que conseguimos e para isso gastamos milhões, é retardar o envelhecimento.

Eu e os meus colaboradores pensamos que existe imenso trabalho a fazer relativamente ao envelhecimento; mais do que “cuidar dos velhinhos” temos que perceber que é preciso ajudar as pessoas a pensarem sobre si próprias, a reflectirem sobre o sentido perdido e reencontrado das suas vidas, a elaborarem o sofrimento que o envelhecimento inevitavelmente acarreta e a fazerem os “ajustes” à imagem que têm de si próprios e adequar as expectativas, para que a frustração não se sobreponha sobre tudo o resto e esmague a criatividade e o prazer de viver. Esta ajuda não pode ser fornecida, pelo menos de forma eficaz, pelos amigos ou familiares. Faço minhas as palavras de Bruno Bettelheim: Só amor não basta!

terça-feira, maio 23, 2006

O Plano Suicidário de um Paciente

Ontem uma colega questionou-me sobre um problema que apesar de bastante antigo é um dos mais delicados na prática da clínica psicológica.

O que fazer quando um paciente manifesta intenção suicidária séria? O que fazer quando há um plano minucioso para por termo há própria vida? Temos nós, psicólogos, o direito de interferir nas decisões dos nossos pacientes?

Responder a estas questões não é nada fácil. Na minha opinião, depende. Depende de muita coisa. Por norma, devemo-nos abster de intervir na vida pessoal dos nossos pacientes. O que nos interessa, o nosso campo de intervenção é o tempo e o espaço da sessão psicoterapêutica. Mas quando um paciente nos invade ao ponto de ficarmos hiper-preocupados com ele, ao ponto de ficarmos com medo de que ele se suicide, ao ponto de termos o sentimento de precisamos de lhe “salvar” a vida, vida essa que está ameaçada pela destrutividade que o habita. Temos nós o direito de o tentar impedir? Podemos nós “salvar” o paciente dos seus desejos homicidas virados contra ele próprio? Serão as nossas interpretações suficientes? Devemos agir? E, que tipo de acção?

Na minha opinião, em primeiro lugar há que tentar perceber a estrutura de personalidade que está presente e a “qualidade” da motivação suicida. É diferente se o paciente tem uma estrutura neurótica, borderline ou psicótica. O risco de que o paciente efectivamente se suicide, aumenta à medida que percorremos a gama das estruturas, mas o maior perigo talvez esteja nos pacientes que apresentam uma estrutura borderline psicótica e uma configuração psicopatológica do tipo maníaca. A dinâmica maníaca imprime força egoica e auto-determinação que pode levar a um agido fácil e calculista. A dinâmica borderline imprime o cunho do acting como solução “defensiva” para a dor narcísica. Nestas situações, acho que o psicoterapeuta não pode ficar comodamente sentado no seu sofá à espera que a interpretação traga “luz” a um mundo tão desesperado. Nestas situações, acho que temos que lançar mão de todos os recursos que possamos ter à nossa disposição; falar com a família se necessário, falar com o paciente e explicar-lhe o quanto ele é uma ameaça para si próprio, forçar – na medida do possível – um acompanhamento psiquiátrico de urgência.

Dê uma vista de olhos a um site muito bem feito e particularmente interessante – útil – sobre suicídio: Sociedade Portuguesa de Suicidologia


segunda-feira, maio 22, 2006

Esconde-se de dia e espreguiça-se à noite

Este fim-de-semana estive a ver um filme que contava a história de uma adolescente com 17 anos que engravidou sem desejar o bebé. O filme relata de uma forma subtil o crescimento da barriga e a lenta modificação que a futura mãe vai sentindo à medida que o bebé cresce dentro de si.

É um filme triste, mas de uma tristeza doce. O ritmo lento adquire a tranquilidade da actividade que une as duas mulheres (uma jovem e futura mãe que não deseja o filho e uma mulher madura que sofre em silencio o desgosto de ter perdido o filho). São bordadeiras.

A certa altura, a rapariga diz, referindo-se ao bebé que tem 7 meses de gestação: “De dia mete-se para dentro, esconde-se, mal se dá pela barriga. Mas quando estou sozinha põe-se à larga, espreguiça-se, fico com uma barriga enorme. Incrível, não é?”

Sim, verdadeiramente incrivel. É espantoso o comportamento dos fetos. Parece que fazem do desejo da mãe o seu próprio desejo. Ela nao queria que ninguém soubesse da gravidez e ele esconde-se; mas quando sozinhos ele estica-se e mostra-lhe que existe e ela não resiste ao encanto que se gera.

O filme BORDADEIRAS foi realizado por Eléonore Faucher em 2004 e recebeu vários prémios. Saiba mais sobre este filme: Bordadeiras


Mostrar para Esconder

Na grande maioria das vezes não temos consciência de que pautamos a nossa vida pelo lema “Mostrar para Esconder”. No convívio habitualmente partimos do princípio de que aquilo que nós e os outros comunicamos é verdadeiramente aquilo que queremos comunicar, mas na verdade, muitas vezes dizemos coisas e fazemos coisas precisamente para não dar a conhecer determinada outra coisa.

As conversas ou as acções que têm por objectivo esconder os nossos defeitos, vulnerabilidades, falhas, insuficiências, etc., condenam-nos a um caminho de solidão e vazio.

Ao construirmos um discurso e uma imagem, veiculada pelas nossas conversas e atitudes, que pretende esconder aquilo que somos, afastamo-nos de nós próprios e perdemos autenticidade. Os outros deixam de se relacionar connosco para se relacionarem apenas com uma parte de nós, com uma aparência ilusória e cuidadosamente construída de nós mesmos.

Não queremos mentir ou enganar. Queremos apenas esconder aquilo que nos envergonha e embaraça; esconder a dor que sentimos por não sermos aquilo que gostaríamos de ser.

domingo, maio 21, 2006

O Início

Com este post inauguramos o nosso blogue SALPICOS.

Vamos dar-vos ideias às pinguinhas sobre psicologia clínica, psicanálise, psicoterapias diversas e outros assuntos que achemos giros.

Somos um grupo de Psicólogos Clínicos com formações relativamente distintas, mas que em regra praticam a Psicoterapia Psicanalítica. Há entre nós um psicólogo com formação em Psicoterapia Comportamental-Cognitiva que será com toda a certeza uma voz dissonante e complementar.

Somos muitos e trabalhamos todos juntos num projecto de intervenção psicoterapêutica relativamente inovador, a Psicronos.

Com este espaço pretendemos abrir uma via de acesso a todos aqueles que se interessam pela psicologia clínica (que é a nossa paixão comum) e pelas diferentes abordagens psicoterapêuticas, especialmente pela psicanálise e pela psicologia psicodinâmica, já que a esmagadora maioria de nós, nutre um fascínio particular por esta abordagem.

Não queremos ser muito sérios, mas esta disciplina é séria e não há maneira de fugir a isso. Não queremos ser pesados e carrancudos como são muitos psis. Queremos ser estimulantes e controversos

Se verá o que vamos conseguir fazer e ser.