sexta-feira, outubro 31, 2014

PORNOGRAFIA



Estamos na inter-net.
Inter-ligados de uma maneira tão global e massificada como nunca.

Encontramos todo um conjunto de informação absolutamente impressionante - tudo é "googlavel" atualmente - mas também de pessoas e contactos para todo o tipo de efeitos.

A pornografia tornou-se algo de incrivelmente banal e acessível. Pode não ser fácil pensar sobre ela – a pornografia consome-se, não se reflecte sobre! No entanto, gostaria de expor um pouco este tabu, mencionando as problemáticas associadas a quem a produz, bem como, as razões e os efeitos de quem a consome (desde um consumo esporádico a compulsivo).

"Pornografia provém dos vocábulos gregos "pornos" (prostituta) e "graphô" (escrever, gravar). O primeiro destes vocábulos é da mesma família de outros, como "porneuô" (ser prostituta, viver da prostituição) e "pernêmi" (vender, exportar). Este último deve-se ao facto de, inicialmente, as prostitutas serem escravas."

Interessante a origem da palavra. Sobretudo se pensarmos na pornografia de uma forma mais contextual e incisiva, como "prostituição cinematográfica". Os atores ou modelos vendem literalmente a sua imagem e intimidade e, com isso, a sua dignidade e auto-estima (já para não falar nos problemas de saúde e na violência física e psicológica associados…).

A internet pode servir para LIGAR, mas nestes casos, serve para DESLIGAR: o consumo de pornografia estimula laços de uso e abuso sexual do outro sem qualquer ligação “humana” ou “emocional”. Aliás, a principal mensagem que gostaria de transmitir é que a pornografia é uma forma de SUBSTITUIR e COMPENSAR um défice ou insatisfação de LAÇOS emocionais – de LIGAÇÃO HUMANA. Comporta, pois, uma dose grande de frustração, impotência e solidão (muitas vezes inconscientes), procurando buscar um alívio rápido e desesperado na gratificação/descarga do prazer sexual. Nas fantasias sexuais associadas, há sempre uma dose mais ou menos considerável de, dominação, posse, triunfo, vingança e controlo – sadismo – ou o inverso – masoquismo. São, deste modo, fantasias que não só alimentam a violência e a intolerância à frustração, mas também substituem e dificultam ainda mais o investimento real de RELAÇÕES HUMANAS satisfatórias (íntimas) – sobretudo quando compulsivas.
São uma ponte ilusória para o outro, uma busca “de intimidade sexual forçada”, em vez de um encontro recíproco de “olhar e ser olhado” no que respeita aos sentimentos, necessidades e interesses (de onde a relação sexual pode advir como desejo mútuo de maior intimidade).

O que fazer nos tantos casos de pessoas que, pelas suas histórias pessoais de negligência ou abuso (emocional, físico ou sexual), se deixam apanhar por esta rede (“net”), quer de produção, quer de consumo de pornográfico? Como interromper o ciclo de repetição e manutenção de relações de abuso? A dependência de actividades sexuais ou de pornografia pode funcionar como uma terrível droga de uso, abuso, isolamento e degradação humanas.

O importante a sublinhar: criadas por relações patogénicas (disfuncionais), estas problemáticas podem também ser ultrapassadas através de relações sanígenas (saudáveis) igualmente continuadas, profundas e íntimas, onde a compreensão, o respeito e a aceitação imperam.


Haverá fé e coragem para arriscar investir mais neste último tipo de relações?

quinta-feira, outubro 30, 2014

Amizades que Duram e Amizades que Torturam


O que são boas amizades? O que as distingue de outro tipo de amizades? Como perceber quais as amizades que poderão amadurecer e aquelas que não?

Bons amigos são aqueles com quem há partilha de interesses e vivências, com quem podemos contar, que nos dão (ou tentam dar) bons conselhos e que estão lá para nós muitas vezes quando ninguém mais nos atura!

Para além disso podemos acrescentar, por exemplo, amigos que não se deixam abusar e conseguem transmitir limites e fronteiras de forma assertiva, amigos que nos dão uma visão ponderada - empática e analítica em simultâneo - sem assumir imediatamente o nosso lado de forma incondicional, e amigos que nos fazem sentir gratos pela presença deles nas nossas vidas. Às vezes um amigo é alguem que nos dá o que precisamos, e não tanto o que queremos ou achamos que queremos. Há alguns amigos e amizades que não deixam de ter um efeito clarificador e restruturante do nosso pensamento, das nossas atitudes e comportamentos. São atos psicoterapeuticos que acontecem nas relações, e todos nós precisamos e beneficiamos disso. 

Estas amizades conquistam-se, perdem-se e reencontram-se ao longo da vida.

Mas existem outras amizades. Amizades mais voláteis e mais instáveis, umas que duram muito pouco, outras que se mantêm instáveis durante muito tempo, sendo estáveis na instabilidade periódica. 

As amizades (e outros tipos de relações) que envolvem pessoas com estruturas de personalidade mais vulneráveis podem ser difíceis de gerir e pouco gratificantes. Podemos pensar aqui em alguém - que todos nós com certeza já conhecemos num ou noutro momento das nossas vidas - com tendencia a ficar  ofendido, ou a "levar a peito" comentários ou situações que para a maioria das outras pessoas são relativamente banais. São por vezes pessoas em que num primeiro momento nada denuncía que possam reagir de determinadas maneiras, podendo mesmo aparentarem ser pessoas particularmente fortes. Lado a lado com esta característica podem ser pessoas com dificuldade em perdoar e mesmo com hábito (ou capazes) do abandono súbito de amizades de longos anos, e a propósito de ocorrências relativamente pouco graves.

Podem sentir-se facilmente injustiçadas e quando em conflitos podem por vezes adotar atitudes inflexiveis, que são sentidas pelos demais - ou mesmo afirmadas pela própria pessoa - enquanto posições rígidas e inflexíveis de "ou estás comigo ou estás contra mim!".

Falamos muito em torno de um funcionamento psíquico (organização, estrutura e funcionamento de personalidade) particularmente vulneravel ao stress (despoletanto muitas vezes zanga intensa). Nesses momentos, e de forma mais temporária ou mais permanente, a pessoa perde o contacto emocional (se bem que nem sempre racional) com:

1) A totalidade da  história entre ela própria e a outra pessoa, e de todos os bons momentos vividos na companhia dessa pessoa;

2) Tudo de bom que se recebeu daquela pessoa ao longo do tempo da relação;

3) A afabilidade, bem-querer, boas intenções, e até o amor genuíno por parte da outra pessoa.

Não são apenas as relações de amizade que sofrem neste caso, mas também as relações amorosas e as relações familiares, caracterizadas muitas vezes por conflitos intensos e instabilidade frequente. Ou mesmo por dinâmicas sado-masoquistas em que um ataca e o outro se mostra passivo (podendo eventualmente dar-se uma inversão de papeis, mais pontual ou mais sistemática).

O nível de organização e a estrutura particular de personalidade de cada um de nós condiciona a experiência da ansiedade nas mais variadas circunstâncias, bem como a forma que temos de lidar com essas ansiedades. É de considerar, claro, que existem experiências que provocam abalos psíquicos mesmo em personalidades bem estruturadas. A experiência das relações é uma das principais realidades afetadas pela organização, estrutura e funcionamento psiquico específicos de cada pessoa (falamos de organizações neuróticas, borderlines, psicóticas; estrutura fóbica, obsessiva, compulsiva, histérica, depressiva, masoquista, maníaca, bipolar, narcisica, paranóide, esquizóide, psicopata, sádica, sado-masoquista, dependente, etc., ou mesmo uma combinação entre diferentes estruturas e/ou traços de estrutura).

Será efetivamente muito importante o trabalho de reestruturação de personalidade em psicoterapia, pois possibilita a alteração em profundidade da experiência subjetiva da ansiedade e das formas de lidar com a mesma. Consequentemente abre também portas para uma maior estabilidade nas relações a todos os níveis e para o bem estar e plenitude que dai advêm.

quarta-feira, outubro 29, 2014

Novas descobertas sobre a memória

Video engraçado sobre as novas descobertas de como se formam as memórias, se transformam, e até poderão ser apagadas. Mas queremos mesmo apagá-las, mesmo que sejam tristes? Essa é a pergunta final do video.

sábado, outubro 25, 2014

Mães, pais e úteros artificiais


Artigo muito interessante para quem se interessa sobre os papéis materno e paterno, as carreiras profissionais das mulheres, questões de fertilidade, etc.
Mas eu até iria mais longe no futuro: não só as as mulheres poderão ter filhos quando quiserem, com pais identificados ou anónimos, como os homens poderão fazer exactamente o mesmo. 
Mas serão "mães" e "pais" ou uma outra coisa? (Não tem de ser necessariamente nem melhor nem pior) 
Leiam em:

quinta-feira, outubro 16, 2014

"Porque te amo demais!": Amor e Dependência (III)


A natureza socioemocional do ser humano leva algumas pessoas a uma procura contínua de relações amorosas com o objetivo de ser alcançada uma tão almejada estabilidade e felicidade. Por vezes é apenas após muitas relações amorosas, muitas vezes todas elas mal sucedidas, que conseguimos começar a refletir, a colocar-nos em causa, a questionar ideias construídas sobre nós mesmos, sobre os demais, sobre as relações, sobre a realidade. Passamos a considerar que, talvez, a solução do problema não passe necessariamente por uma nova relação. Este questionamento sobre a origem das dificuldades nas nossas relações amorosas e sobre a nossa infelicidade poder levar-nos a entender que o problema pode estar dentro de nós, alojado em alguma parte menos conhecida da nossa mente e da nossa personalidade, não se tratando somente de um problema no exterior ou dos outros. É muitas vezes nesta altura que surge um pedido de ajuda psicológica.

A dependência relacional pode ser  um dos focos principais do trabalho da psicoterapia psicanalítica.

A psicoterapia psicanalítica e a psicanálise, contrariamente àquilo que algumas pessoas ainda receiam, não provoca ou promove dependência. Posto de uma forma simples: ou uma pessoa é dependente ou não o é. Se o é, então com certeza, tal como dito anteriormente, a dependência tenderá a surgir na relação terapêutica, gradualmente ou mais rapidamente, consoante o caso. Alguém com uma “dependência infantil” relativamente bem resolvida não tenderá a ficar ou a sentir-se particularmente dependente dos demais, pelo que a preocupação com a dependência não será uma preocupação para essa pessoa. Nesta situação a dependência que poderá surgir entre paciente e terapeuta tenderá a ser uma dependência madura, aquilo que no senso comum se chama de “independência”. De acordo com alguns autores da psicanálise, a vivência plena da chamada "fase da dependência infantil" não conduz à "independência", mas sim à transformação da dependência intensa e obrigatória (ou infantil, no sentido de que pertence a um período precoce do desenvolvimento infantil) numa dependência mais madura, menos intensa, imperativa e "automática".
Este tipo de psicoterapia debruça-se fortemente nas dinâmicas das relações - primeiras relações, relações subsequentes, relações amorosas, relação paciente-terapeuta e a interligação dinâmica entre todas estas relações.

A dependência madura é algo saudável e parte integrante das relações sociais a todos os níveis, quer sejam relações amorosas, de amizade, laborais ou outras.

Um dos pressupostos fundamentais da psicanálise (e, obviamente da psicoterapia psicanalítica) é a promoção da autonomia individual, estimulando o pensamento livre e independente – a expansão da capacidade de pensar. A autonomia desenvolve-se, por exemplo, através do espaço da psicoterapia, que encoraja à expressão livre em sessão – tudo pode ser falado, contrariamente ao que acontece fora da sessão, onde quase tudo pode ser falado. A possibilidade de exposição livre (sem censura) das nossas preocupações e o poder dar voz a tudo o que surgir em mente durante a sessão é uma experiência verdadeiramente libertadora e sanígena. A consulta de psicoterapia psicanalítica é um espaço de reflexão que encoraja o pensamento livre e espontâneo. Ao mesmo tempo quem procura a psicoterapia irá inaugurar uma relação nova na sua vida, uma relação que conta com a recetividade emocional do terapeuta, bem como com o seu interesse, preocupação, não julgamento e apoio emocional. A inauguração e o desenrolar desta nova relação – a relação terapêutica – em conjunto com outros aspetos, tem efeitos transformadores que promovem ao longo do tempo a passagem progressiva da dependência patológica (ou infantil) para uma capacidade de amar mais livre e adaptativa.

É importante fazer notar que uma atitude pessoal de alguma forma marcada por uma polarização da força e da total independência do caráter pode muitas vezes esconder uma aversão à dependência - dificuldade na entrega ao outro, ou em reconhecer e aceitar que os demais possam ter algo de que se precisa. Nestes casos poderíamos falar uma dependência infantil não resolvida, cronicamente abafada e não tolerada (dissociada da consciência, vivida através de outros meios ou deslocada para esses meios – relações amorosas, jogo, toxicodependências, dependência do trabalho, etc.). Surgem em clínica muitos casos em que a dependência é vivida via indução e manutenção da mesma nos demais – a personalidade contradependente. Por exemplo, a mãe médica com uma elevadíssima capacidade de funcionamento profissional e social, que leva a filha adolescente ao psicólogo dado que a mesma mal consegue funcionar socialmente e revela sintomas de depressão grave. À medida que a adolescente consegue libertar-se gradualmente dos seus sintomas via da psicoterapia e vai conquistando uma maior autonomia, a sua mãe começa a demonstrar uma redução da sua capacidade de cumprir as suas funções e responsabilidades profissionais, até ao ponto em que deixar de conseguir trabalhar.

No trabalho psicoterapêutico o psicólogo tem como função disponibilizar-se para tolerar as várias formas através das quais a pessoa se proteger da proximidade e da dependência que a relação terapêutica suscita. As defesas contra a dependência podem ser várias, como atitudes de desvalorização do terapeuta, procura de triunfo, dificuldade em receber comentários de ajuda ou outro tipo de ajuda. Podem surgir atitudes de superiorização ou crítica em relação ao terapeuta. As pessoas que vivem estes problemas nem sempre se apercebem deles enquanto aspetos denunciadores de problemas psicológicos mais profundos. Muitas vezes não há suficiente referência emocional interna para compreender como se pode de facto viver a vida de forma diferente. Por vezes são necessários vários anos de psicoterapia ou psicanálise para que alguém consiga finalmente entrar em contacto com as suas dificuldades pessoais e emocionais.

As carências e traumas precoces que existem quase sempre por detrás da dependência emocional tendem também a instalar muitas vezes um vazio interior, difícil de suportar. Esse vazio pode resultar no desinteresse pelas mais diversas áreas da vida, fazendo-se acompanhar bastante por sentimentos frequentes de aborrecimento ou tédio. As estratégias vicariantes para "curto-circuitar" o tédio ou a insuportabilidade do vazio são múltiplas e incluem, por exemplo, a procura constante de relações amorosas, encontros sexuais frequentes sem aprofundamento de vínculos, consumo de álcool, drogas, jogo, etc.. Ou seja, tudo que promova a gratificação contínua e antidepressora, o que leva a um estilo de vida de busca contínua de gratificações imediatas que resulta apenas numa "anestesia" temporária e no alimentar de um ciclo vicioso de "angústia-procura de prazer-alívio-angústia".

quinta-feira, outubro 09, 2014

Imagens e palavras

Do New York Times: Hand outlines found on a cave wall in Indonesia are at least 39,900 years old.








segunda-feira, outubro 06, 2014

"Porque te amo demais!": Amor e Dependência (II)



Podemos pensar o amor maduro como implicando duas direções em equilíbrio dinâmico. Primeiro, é um amor autodirigido e, depois, dirigido ao outro. A auto-consideração, a capacidade de cuidarmos de nós próprios e de nos valorizarmos são expressão natural do amor-próprio, autoestima ou autoconsideração. Esse amor existe dentro de nós no presente porque foi continuamente e/ou suficientemente transmitido para nós no passado, durante os anos formativos da personalidade. O amor dos cuidadores transforma-se em amor próprio no presente.

O amor-próprio, como por exemplo uma boa autoestima, coexiste habitualmente com a capacidade saudável de amar. A pré-condição é a de que na base da autoestima esteja um desenvolvimento psicoafetivo saudável e que as necessidades de dependência tenham ficado adequadamente vividas e plenamente satisfeitas na história do desenvolvimento da personalidade de cada um de nós. Isto é, importante que uma criança, no seio da sua relação com os seus cuidadores, sinta que são adequadamente satisfeitas as suas necessidade afetivas, de atenção, de se sentir importante, de receber apoio, de sentir o envolvimento e a preocupação dos cuidadores.

O amor maduro é um amor generoso, que dá sem pedir em troca
-  claro que é necessário recebermos amor de volta, ainda que não necessariamente "em troca". Numa relação amorosa genuína, madura e saudável não deve existir medição de afetos ou de cuidados, registos do que se dá e do que se recebe, ou cobranças. Esta relação deve existir e decorrer enquanto um fluxo contínuo e livre de dar e receber. É um amor que surge mais pleno quando a robustez psicológica permite a autorregulação do amor-próprio (ou autoestima), sem obstáculos ou dificuldades internas acentuadas, e na maioria das situações da vida. O contrário é a dependência de algo ou outros exteriores para fins de regulação da autoestima.

O amor maduro é um amor que permite liberdade na relação. É maduro porque nasce dentro de nós, pode ser dado continuamente e repõem-se autonomamente. Não depende de terceiros. É um amor que amadureceu a esse ponto, porque quem o têm precisou primeiro de recebe-lo adequadamente durantes os anos formativos da personalidade. Este amor maduro protege-nos das relações insatisfatórias pela capacidade que nos confere de cuidarmos de nós mesmos e pela auto-preservação que daí resulta. Do outro lado temos o "aguentar" da insatisfação contínua e crescente nas relações, que conduz à deterioração emocional gradual e contínua, que muitas vezes tem por base um amar de dependência.

O "amor" dependente é diferente. Ele obscurece e ilude a insatisfação numa relação, procurando assim preserva-la a todo o custo. Aprisiona a pessoa à relação e à necessidade que essa relação seja e se torne naquilo que se precisa ou se idealizou - naquilo que outrora se precisou, noutras circunstâncias, noutros tempos e com outras figuras importantes, nomeadamente os cuidadores da infância precoce. Assume muitas vezes o rosto de um amor exigente, alicerçado na necessidade premente de se receber amor, atenção, valorização, cuidados e/ou recursos e outros "alimentos emocionais" que possam preencher a falta (muitas vezes crónica) de afeto, validação ou mesmo de vida interior.

O amar dependente é expressão de algo que outrora não se pôde viver e receber nas primeiras relações que a vida ofereceu, ou de algo que se recebeu insuficientemente, algo que se perdeu precocemente. Fica o sentimento de algo que está em falta, e se procura no contexto da intimidade com alguém. É uma falta emocional ligada à qualidade do desenvolvimento psicológico precoce e exerce constante pressão na psicologia da pessoa no sentido de ser colmatada. As relações amorosas são muitas vezes a preocupação central na vida da pessoa aquando de quadros de dependência. As relações amorosas são ansiosamente procuradas ou preservadas, mesmo quando se tornam insatisfatórias a curto ou a médio prazo. Transformam-se muitas vezes num reencenar contínuo de padrões relacionais conflituais, pois os mesmos problemas tendem a repetir-se sistematicamente, frequentemente enquanto expressão irónica da relação primária que originalmente gerou o(s) problema(s). Falta interna e padrões relacionais internalizados patológicos interligam-se entre si. Condensam-se e revivem-se no vínculo e no palco da vida amorosa.

Por via da dependência as relações amorosas passam a estar ao serviço de necessidades psicológicas e emocionais próprias de um período de vida anterior onde os vínculos eram de natureza essencialmente diferente daqueles que formam o amor adulto, próprio da vida adulta. Os vínculos de dependência, próprios do período da infância, implicam a necessidade de depender e de receber. Isto é, num primeiro período da formação da capacidade de amar madura, o dar (afeto, por exemplo) faz-se acompanhar necessariamente de um interesse em receber - atenção, disponibilidade, afeto, apoio, cuidados emocionais básicos. Tal forma de amar (de dar) é esperado no decurso dos primeiros anos de vida.

A dependência conduz muitas vezes ao "aguentar" de uma má relação, frequentemente em nome do "amor", em prol de um amanhã mais feliz - que nunca chega, ou quando chega sabe a pouco e não satisfaz realmente -, ou em prol de uma certa relação que só a própria pessoa consegue (pre)ver, contra tudo e contra todos (os aspetos da realidade). "Mais vale mal acompanhado(a) do que só" - realidade que em clinica é constatada vez após vez. É a expressão de algo que algo está mal. Expressão de que algo necessita ser reparado ou ultrapassado, e expressão do medo de tal não acontecer e do medo de se ficar sozinho(a), por exemplo. É também expressão de outras dinâmicas internas (paralelas) que funcionam como amarras a relações que não têm o potencial para reparar feridas, preencher vazios ou ajudar na emancipação dos obstáculos interiores, paredes e correntes que nos arrastam para longe da possibilidade de conseguirmos encontrar e manter relações íntimas, estáveis e verdadeiramente satisfatórias.


No próximo artigo discutiremos um pouco sobre como a psicoterapia psicanalítica lida e se dirige com eficácia à resolução da dependência afetiva e padrões de dependência nas várias relações.