quinta-feira, outubro 30, 2014

Amizades que Duram e Amizades que Torturam


O que são boas amizades? O que as distingue de outro tipo de amizades? Como perceber quais as amizades que poderão amadurecer e aquelas que não?

Bons amigos são aqueles com quem há partilha de interesses e vivências, com quem podemos contar, que nos dão (ou tentam dar) bons conselhos e que estão lá para nós muitas vezes quando ninguém mais nos atura!

Para além disso podemos acrescentar, por exemplo, amigos que não se deixam abusar e conseguem transmitir limites e fronteiras de forma assertiva, amigos que nos dão uma visão ponderada - empática e analítica em simultâneo - sem assumir imediatamente o nosso lado de forma incondicional, e amigos que nos fazem sentir gratos pela presença deles nas nossas vidas. Às vezes um amigo é alguem que nos dá o que precisamos, e não tanto o que queremos ou achamos que queremos. Há alguns amigos e amizades que não deixam de ter um efeito clarificador e restruturante do nosso pensamento, das nossas atitudes e comportamentos. São atos psicoterapeuticos que acontecem nas relações, e todos nós precisamos e beneficiamos disso. 

Estas amizades conquistam-se, perdem-se e reencontram-se ao longo da vida.

Mas existem outras amizades. Amizades mais voláteis e mais instáveis, umas que duram muito pouco, outras que se mantêm instáveis durante muito tempo, sendo estáveis na instabilidade periódica. 

As amizades (e outros tipos de relações) que envolvem pessoas com estruturas de personalidade mais vulneráveis podem ser difíceis de gerir e pouco gratificantes. Podemos pensar aqui em alguém - que todos nós com certeza já conhecemos num ou noutro momento das nossas vidas - com tendencia a ficar  ofendido, ou a "levar a peito" comentários ou situações que para a maioria das outras pessoas são relativamente banais. São por vezes pessoas em que num primeiro momento nada denuncía que possam reagir de determinadas maneiras, podendo mesmo aparentarem ser pessoas particularmente fortes. Lado a lado com esta característica podem ser pessoas com dificuldade em perdoar e mesmo com hábito (ou capazes) do abandono súbito de amizades de longos anos, e a propósito de ocorrências relativamente pouco graves.

Podem sentir-se facilmente injustiçadas e quando em conflitos podem por vezes adotar atitudes inflexiveis, que são sentidas pelos demais - ou mesmo afirmadas pela própria pessoa - enquanto posições rígidas e inflexíveis de "ou estás comigo ou estás contra mim!".

Falamos muito em torno de um funcionamento psíquico (organização, estrutura e funcionamento de personalidade) particularmente vulneravel ao stress (despoletanto muitas vezes zanga intensa). Nesses momentos, e de forma mais temporária ou mais permanente, a pessoa perde o contacto emocional (se bem que nem sempre racional) com:

1) A totalidade da  história entre ela própria e a outra pessoa, e de todos os bons momentos vividos na companhia dessa pessoa;

2) Tudo de bom que se recebeu daquela pessoa ao longo do tempo da relação;

3) A afabilidade, bem-querer, boas intenções, e até o amor genuíno por parte da outra pessoa.

Não são apenas as relações de amizade que sofrem neste caso, mas também as relações amorosas e as relações familiares, caracterizadas muitas vezes por conflitos intensos e instabilidade frequente. Ou mesmo por dinâmicas sado-masoquistas em que um ataca e o outro se mostra passivo (podendo eventualmente dar-se uma inversão de papeis, mais pontual ou mais sistemática).

O nível de organização e a estrutura particular de personalidade de cada um de nós condiciona a experiência da ansiedade nas mais variadas circunstâncias, bem como a forma que temos de lidar com essas ansiedades. É de considerar, claro, que existem experiências que provocam abalos psíquicos mesmo em personalidades bem estruturadas. A experiência das relações é uma das principais realidades afetadas pela organização, estrutura e funcionamento psiquico específicos de cada pessoa (falamos de organizações neuróticas, borderlines, psicóticas; estrutura fóbica, obsessiva, compulsiva, histérica, depressiva, masoquista, maníaca, bipolar, narcisica, paranóide, esquizóide, psicopata, sádica, sado-masoquista, dependente, etc., ou mesmo uma combinação entre diferentes estruturas e/ou traços de estrutura).

Será efetivamente muito importante o trabalho de reestruturação de personalidade em psicoterapia, pois possibilita a alteração em profundidade da experiência subjetiva da ansiedade e das formas de lidar com a mesma. Consequentemente abre também portas para uma maior estabilidade nas relações a todos os níveis e para o bem estar e plenitude que dai advêm.

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