sábado, abril 30, 2011

Madoff

Há umas semanas saiu no jornal Expresso um suplemento com uma entrevista a Madoff, autor da maior fraude financeira de sempre. Um dos pontos altos do texto foi a alegada pergunta de Madoff à sua terapeuta, na prisão: “sou um sociopata?”. A resposta foi claramente negativa, acrescentando, em jeito de justificação, que ele tem uma moral e remorsos.

Ao ler a narrativa de Madoff sobre tudo o que aconteceu, nomeadamente depois de ter confessado a fraude e depois de todas as consequências destrutivas que isso teve em termos familiares (suicídio de um dos seus 2 filhos, por ex.), descobrimos que, afinal, talvez não seja o monstro que se poderia pensar. Dando também crédito à opinião da sua psicóloga, poder-se-á entender o sucedido não apenas evocando o seu “defeito de carácter”, mas também como a conjugação entre uma oportunidade aliciante vinda do exterior em determinada altura e uma personalidade frágil, provavelmente com carências narcísicas importantes e um traço psicopático (mais ou menos) latente. Em certa medida, é caso para perguntar até que ponto a “ocasião faz o ladrão”. Porque se é verdade que neste caso o ladrão também forjou a ocasião, Madoff poderia tê-la forjado em muitas outras ocasiões, coisa que, (é-nos dado a crer) não fez.

Não era pois um grande sociopata à espera da primeira oportunidade para enriquecer à custa de quem fosse. Não. Como se costuma dizer, “o poder corrompe”. E talvez seja esta mistura de factores (constitucionais – de personalidade – e ambientais) que, na maioria das vezes, originarão a corrupção dos poderosos de que tanto se fala.

Talvez um dos factores mais preocupantes do modus operandi da nossa sociedade democrática seja o aperfeiçoamento cada vez mais perverso do controlo das massas: actualmente já não se pode conquistar à força um povo mas sim seduzi-lo, aliciá-lo, manipulá-lo. E é esta relação pública cada vez mais “marketinguizada” que parece levar a uma banalização da mentira e do engano. Já não sofremos com a tirania agressiva e opressora de um ditador, mas com a manipulação passivo-agressiva de cada vez mais agentes sociais: políticos, indústrias, patrões, etc. É o tempo da tirania dos lobbies e das massas que são manipuladas sem saberem que o são. E esta tendência é perigosa porque, de certa maneira, estimula o traço psicopático que existe em maior ou menor quantidade em cada um de nós, banalizando-o, legitimando-o e até inevitabilizando-o no novo homo economicus.

6 comentários:

Clara Pracana disse...

"Manipulação passivo-agressiva dos agentes sociais". Boa, João! Excelente post. Estamos cada vez mais manipuláveis e até gostamos de o ser. Ou teremos sido sempre? Agora que penso nisso e me lembro do Maquiavel...

João Ferreira disse...

Historicamente sempre houve manipulação mas talvez não estivesse tão apurada e disseminada como hoje, devido ao regime político democrático e sufragista da actualidade...

GUST99 disse...

Manipulação só por si implica um manipulador e um sujeito da manipulação . Penso que não se trata de agredir ninguém mas tão só de utilizar o único modo possível que o sistema dito democrático torna necessário .A democracia, grosso modo,consiste na atribuição de competências a pessoas naturalmente incompetentes .Também naturalmente só se torna possível levar as pessoas(manipular) a votar num determinado partido agindo na esfera da irracionalidade e dos afectos primários .

Clara Pracana disse...

Eu costumo pensar q sou céptica, mas afinal há quem o seja mais ainda. Será q nao é mesmo possível apelar à razao em materia de votação? As pessoas serão assim tão irracionais q nao consigam destrinçar entre a manipulação dos afectos e os argumentos q têm a ver com a realidade? Sao mesmo incapazes de distinguir a realidade da ilusão? Estamos assim à mercê de manipuladores e mentirosos?
Naturalmente estamos... A mente humana é um abismo. Já o Freud falava da neurose colectiva.

Clara Pracana disse...

Eu costumo pensar q sou céptica, mas afinal há quem o seja mais ainda. Será q nao é mesmo possível apelar à razao em materia de votação? As pessoas serão assim tão irracionais q nao consigam destrinçar entre a manipulação dos afectos e os argumentos q têm a ver com a realidade? Sao mesmo incapazes de distinguir a realidade da ilusão? Estamos assim à mercê de manipuladores e mentirosos?
Naturalmente estamos... A mente humana é um abismo. Já o Freud falava da neurose colectiva.

GUST99 disse...

Clara, se tivesse de falar para 10 milhões de pessoas que efectivamente não têm capacidade nem competência para saber qual a melhor maneira de governar um país, como faria ?
1º- Simplificava o discurso ao máximo de modo a ser perceptível e afectivamente amigável para o maior número de pessoas . Têm de ser generalidades criteriosamente escolhidas para estar em consonância com os preconceitos e condicionamentos de quem ouve e ao mesmo tempo ser contrastáveis com o discurso da concorrência . É uma tarefa que deixou de ser para amadores .
2º- A criação de um “herói” que personificará aquele que vai conduzir a luta pela obtenção dos objectivos por que adeptos esperam, e contra os inimigos cujo competência e idoneidade será em permanência posta em causa com argumentos igualmente simplistas e redutores .
3º- A criação ou exploração de “casos” que sirva para exaltar a afiliação a uma causa ou à admiração do “herói” ou para o afundamento e descrédito do inimigo .
E porque não há outra forma de lidar com a necessidade real de obter votos e, ainda ninguém inventou uma outra alternativa a este sistema dito democrático, é assim que as coisas naturalmente funcionam e têm de funcionar .
Entretanto, se cada vez mais pessoas perceberem isto que acabei de expor, o processo deixará de funcionar e os comportamentos de um e outro lado (os manipuladores e os manipulados) tenderão a configurar uma racionalidade desejada .