Como pode uma mãe ou um pai matar o próprio filho? É a que
estão que nos surge sempre que é noticiado este crime. Como já foi referido no
post anterior sobre o tema, existe sempre um elevado grau de psicopatologia
associado e, como tal, encontram-se alguns fatores de risco.
O 1º ano de vida da criança parece ser o mais vulnerável à
ocorrência do filicídio. Por um lado, a gravidez e o parto provocam alterações
hormonais significativas, que estão na base de perturbações do humor nas
primeiras semanas. Em algumas mulheres, esta perturbação prolonga-se,
instalando-se um quadro de depressão pós-parto, com ideação suicida e
pensamentos recorrentes de morte, tristeza intensa, ansiedade e desespero, que
colocam mãe e filho em risco. A progesterona parece desempenhar um papel central
nestas alterações. Para além das questões biológicas, o cansaço, o receio de
falhar e todas as dificuldades habituais inerentes ao nascimento de um filho,
podem tornar-se avassaladores, sobretudo em mulheres com fragilidades
emocionais ou perturbação da personalidade já anteriores ao parto, aumentando o
risco. Neste primeiro ano, não é só na mãe que aumenta a vulnerabilidade destes
fatores. Também o pai, que muitas vezes se sente excluído ou preterido, pode
encarar o bebé como um obstáculo ou um rival, aumentando também o risco se
houver perturbação da saúde mental.
O filicídio parece ser mais frequente na mulher. Na maior parte dos
casos, existe história de depressão grave, sendo os anti-depressivos outro
fator de risco associado. Os anti-depressivos atuam numa primeira fase ao nível
da ação e do comportamento, e só depois têm efeito ao nível do humor. Este
aspeto parece aumentar, em larga escala, a possibilidade de passagem ao ato
quando existe ideação suicida ou homicida, o que exige avaliação e vigilância
rigorosas. Outro quadro frequente, na maior parte das vezes só diagnosticado
mais tarde, é a perturbação de personalidade border-line, em que existe uma
marcada dificuldade no controlo dos impulsos, bem como uma forte instabilidade
nas relações, caracterizada pela passagem brusca da admiração à raiva (não só nas
relações familiares, amorosas, sociais e profissionais, mas também com os filhos)
Este crime acontece com mais frequência em famílias
com maiores dificuldades sócio-económicas, maior destruturação familiar e menor
acesso a tratamentos. A violência doméstica está também frequentemente
associada a estes casos. O suporte social e familiar, bem como um adequado
seguimento médico e psicológico são, portanto, fatores protetores.
A personalidade e a capacidade de resiliência são
desenvolvidas ao longo da vida, com base nas relações e vivências que a pessoa
vai experienciando desde que nasce. Quanto mais frágeis forem os recursos emocionais,
maior a probabilidade de consequências mais graves na relação consigo próprio e
com os outros.
Apesar do juízo social, o filicídio tem na sua base um
sofrimento insuportável, em que existe uma incapacidade do progenitor se
distanciar da sua angústia para se focar na criança. A psicóloga forense Paula
Bruce refere que para estas mães (ou pais) “livrar-se dos filhos é apenas
livrar-se da sua própria dor, sem pensar na criança como alguém separado de
si.”
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