Li há dias num jornal diário uma notícia a propósito de uma jovem de 18 anos, do norte do país, que tinha tido média de 20 valores no secundário e de 19,4 no acesso ao ensino superior. Chamou-me a atenção o facto de o artigo referir que a Ana Catarina (assim se chama esta brilhante aluna) era “insatisfeita por natureza”e “perfeccionista”. E mais adiante a Ana Catarina diz: “gosto de aprender e pouco de marrar”. E tanto deve gostar que, além de estudante de medicina, é membro da tuna da universidade, frequenta um curso livre de piano, estuda canto, pratica natação, não passa um dia sem ir à internet ainda tem tempo para ir ao cinema e sair com os amigos. Não vê televisão. “É um tempo que não gasto”, explica.
Fiquei a pensar nisto. Porque é que há pessoas que parecem ter tempo para tudo, até para aprender coisas novas, e outras que se queixam (como frequentemente ouço) de que não conseguem fazer nada? Será de facto uma questão de tempo? Não estou a pensar obviamente numa mãe assoberbada com filhos pequenos e que gasta horas na camionete par ir e vir do trabalho. Estava a pensar nas raparigas e nos rapazes com mais ou menos a idade da Ana Catarina que, como eles próprios confessam, passam horas a olhar apaticamente para a televisão ou a fazer zapping. E depois sentem que não conseguiram fazer nada todo o dia, sentem-se culpabilizados com isso e deprimidos com o que consideram ser uma incapacidade. Julgo que a principal razão para este tipo de queixa pode ter a ver com a desmotivação. Mas o que é a desmotivação?
A desmotivação tem a ver com a falta de interesse pelo mundo (tanto interior como exterior), com uma falta de curiosidade e de vontade de querer saber mais, que muitas vezes surge ligada a uma condição depressiva ou mesmo a uma depressão. Nestas situações, a criatividade fica também empobrecida, não apetece fazer nada, não há gosto por nada.
Trata-se de uma condição bastante frequente no final da adolescência e no início da idade adulta, embora possa aparecer em qualquer altura. As causas podem ser variadas, sendo necessário por vezes algum tempo até o terapeuta e a própria pessoa perceberem a que poderá estar ligada. É bom que haja a coragem, em qualquer idade, para reconhecer e enfrentar esta situação e tentar recorrer a uma ajuda profissional. É que às vezes o estado depressivo é tão avassalador que nem permite à pessoa interrogar-se e tentar descobrir o que poderá fazer por si própria.
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6 comentários:
Mas nem é só a desmotivação e necessidade de coragem e volição para agir. Creio que uma das vertentes na qual a nossa sociedade fracassa é na responsabilidade.
Sendo responsável, aprendemos a manejar várias coisas, entre as quais o espaço-tempo. Tive essa conversa com uma amigo enquanto fazia a minha tese de mestrado: o meu tempo urgia e eu fazia a tese, mais uma série de outras coisa, enquanto que ele o tempo não lhe chegava para estudar para os exames da licenciatura... porque não o sabia gerir. Passava demasiadas horas a fazer coisas secundárias e pouquíssimos minutos no principal.
Às vezes nos esquecemos de como discernir entre o primário e o secundário, simplesmente porque não aprendemos a responsabilidade de decidir...
(só os meus pensamentos!)
Olá Clara,
Gostei muito do seu post. Deixe-me apenas acrescentar uma nuance mais “normativa” a esse tedium vitae de que fala. Estou a pensar naquilo que, ao nível da escola psicanalítica francesa, se pode resumir de uma forma simplista no seguinte aforismo: “o adolescente precisa muitas vezes de tempo só para ver passar o tempo”. Torna-se nesse sentido importante levar em linha de conta estas necessidades de ordem mais elaborativa para dar sentido a algumas destas manifestações a que se refere.
João,
é verdade o que dizes. Eu também não pretendi fazer uma análise da jovem nem faço ideia de aquilo que poderá também determinar tanta actividade. Pretendi apenas usar um exemplo um exemplo um pouco extremos para falar da ausência de investimento. Mas concordo que às vezes a vita contemplativa, como dizia o Agostinho, é importante. Tive pena que pouca pessoas pegassem no teu post sobre filosofia e psicologia. Esta, por exemplo, poderia ser uma pista.
A psicologia experimental poderá também dar uma resposta a este tipo de "desmotivação para o trabalho": a escolhan impulsiva prevalece sobre o auto-controlo.
Imaginemos a seguinte situação: um aluno que tem um teste no final da semana e uma festa no dia anterior. No inicio da semana, o sujeito consegue optar pela escolha que lhe proporciona maior utilidade (maior quatidade de um determinado reforço, por exemplo). Contudo, com o aproximar do momento da festa, o estudante fica como que "cego" e tende a escolher impulsivamente o comportamento que lhe permite uma maior utilidade naquele momento (a festa), deixando o teste (claramente o acto que lhe atribuia maior utilidade a longo prazo) para 2º plano... Claro que para a explicação de tal teoria, uma exposição gráfica viria a calhar... mas espero que tenha sido o sufientemente claro nesta breve exposição...
Com votos de Boas Festas e... boas escolhas =)
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