domingo, dezembro 03, 2006

Relação Conjugal e Intimidade

“É das nossas experiências relacionais que aprendemos sobre nós próprios e sobre o mundo, e é à luz destas experiências que podemos rever o nosso mundo interior.
Cada elemento tem um padrão de intimidade e de vinculação desenvolvido ao longo da sua vida que vai actualizar, consolidar e, simultaneamente co-construir. Por sua vez, esta co-construção depende da forma como cada um consegue ser e estar na relação, e como a dinâmica entre o ser e o estar acontecem na relação” (Costa, 2005).

A intimidade tem o seu início na infância. A criança, no seio da sua família e, mais tarde, noutros elementos de referência, vai construindo uma imagem de casal, tal como uma imagem de si própria e de si na relação com os outros, que vai reformulando ao longo do seu desenvolvimento.
São várias as investigações nesta área cujos resultados sugerem que a imagem que a criança tem das relações dos pais quer como casal, quer como pais, parece ter uma função preditiva das relações futuras com os outros e consigo própria. Parece ainda existir uma associação significativa e positiva entre a percepção de satisfação conjugal dos pais e a qualidade do laço emocional, e negativa com a inibição da exploração (Oliveira & Costa, 2002).

Sabemos que amar e ser amado parece ser condição indispensável para a construção do self ao longo do ciclo de vida e para a capacidade de estabelecer relações de intimidade.
Quando diferentes circunstâncias impedem este processo, o indivíduo responde com mecanismos de auto-protecção que representam em cada momento as respostas possíveis, que, contudo, podem interferir no processo de construção do self e na capacidade de ver os outros como fontes de apoio, segurança e auto-regulação. Se estiver carregado de experiências negativas, serão estas que tenderão a ocorrer, consciente ou inconscientemente, na forma como o indivíduo se situa perante a intimidade. Neste sentido, as relações de intimidade ocorrem em sistemas existentes, que realçam, contrapõem ou chocam com outros pré-existentes.

Os problemas relacionais ocorrem, frequentemente, quando em momentos de crise, o casal tende a utilizar padrões de funcionamento interiorizados de que não está consciente e que colidem com os do outro. Isto é, o sistema de vinculação é activado e a resposta da figura de vinculação não satisfaz as necessidades (Costa, 2005).

Parafraseando Virgílio Ferreira, o importante não é o que acontece, mas o que acontece em nós desse acontecer. Trabalhar a relação de casal envolve procurar entender o que acontece em cada elemento do casal, de todo o acontecer de uma vivência de relações significativas ao longo do processo de desenvolvimento, permitindo-nos aceder aos meta-significados. Facilitando, assim, o auto-conhecimento individual e relacional criando condições para que cada elemento do casal possa desempenhar um papel mais activo na construção de mudanças para o desenvolvimento da intimidade, e na reconstrução dos modelos do self e do outro, e do self com o outro.

5 comentários:

Cleopatra disse...

"Sabemos que amar e ser amado parece ser condição indispensável para a construção do self ao longo do ciclo de vida e para a capacidade de estabelecer relações de intimidade."

Era mais ao menos disto que eu falava qdo falava dos efeitos dos maus tratos na criança quando adulto.

"A intimidade tem o seu início na infância. A criança, no seio da sua família e, mais tarde, noutros elementos de referência, vai construindo uma imagem de casal, tal como uma imagem de si própria e de si na relação com os outros, que vai reformulando ao longo do seu desenvolvimento."


É por isto que entendo que há adultos que não conseguem relações de intimidade estáveis e equilibradas.
É por isto que eu entendo tão importante e estruturante, no bom ou mau sentido para o indivíduo, a relação de colo, que se tem em pequeno

Ana Almeida disse...

Concordo inteiramente com a ideia de que há determinantes e condicionamentos que se organizam na 1ª e 2ª infância, mas, na minha opinião, é preciso não esquecer que a mente humana, o self (como se referia a Marta Pietra) tem competências e capacidades “regenerativas”. Mesmo quando uma pessoa não foi muito amada na sua infância ou não teve a possibilidade de vivenciar experiencias relacionais que reflectissem uma relação de casal saudável, mesmo assim, a pessoa (criança ou adulto) pode ter recursos internos que a podem ajudar a superar essa “lacuna”.

A teoria psicanalítica de Wilfred Bion permite-nos perceber que a importância dos acontecimentos e o seu efeito nefasto está relacionado com a nossa capacidade (ou possibilidade interna) de podermos aprender com esse mesmo acontecimento. O ponto crucial passa para aquilo que a pessoa faz com o que vive, isto é, se a criança, o adolescente ou o adulto é capaz de conviver com o acontecimento (agressão, violência, maltrato) sem o negar, sem fugir dele, então aumenta a possibilidade de poder crescer emocionalmente com ele. Tudo se complica quando a pessoa nega para si próprio e para os outros o que aconteceu ou o que acontece, porque essa negação leva ao afastamento da realidade, não só daquela realidade, mas de toda a realidade. Não estou a dizer que ser vítima de maus-tratos ajuda a crescer. Estou a dizer que há muitas pessoas que apesar de terem sido vítimas de maus-tratos conseguiram lidar com essas experiencias de uma forma tal que amadureceram com elas. Estou a dizer que é preciso ter em atenção que ser vítima de maus-tratos não é uma condenação à patologia psíquica, nem gera uma reduzida capacidade para amar.

A pessoa pode desenvolver perturbações psíquicas ou ficar com a sua capacidade para amar embotada, mas é uma possibilidade, não é uma consequência inevitável.

Infelizmente em muitas situações as pessoas ficam efectivamente perturbadas, mas não sempre.

Marta Schiappa Pietra disse...

Olá Cleopatra e Ana, agradeço os vossos comentários. Em relação ao comentário de que "há adultos que não conseguem relações de intimidade estáveis e equilibradas" não penso que seja bem assim, caso contrário, não seria possível trabalhar com o casal... talvez não o sejam pelo nosso "olhar", mas assistimos muitas vezes a um equilíbrio do casal que para nós seria "desiquilíbrio". O objectivo é que ambos sintam essa estabilidade mesmo que não vá ao encontro dos nossos valores, da importância da não negação do que acontece ou que aconteceu (como escreveu a Ana), de forma a tornar a relação mais satisfatória. No fundo poderíamos dizer que quando se trabalha com o casal não se "mexe" no que funciona (mesmo que para nós seja pouco compreensível), mas sim no que ambos sentem que interfere. O que muitas vezes acontece é que cada elemento do casal não está muito consciente do padrão interiorizado, e quando se abordam as famílias de origem de cada um,(em que o outro é ouvinte), facilita-se o auto-conhecimento individual e relacional, assistindo-se, na maioria das vezes, a uma mudança do próprio, e do próprio em relação ao outro, modificando-se desta forma a dinâmica conjugal. O terapeuta é um criador de alternativas, um catalisador de afectos, em que facilita a interacção mas jamais adoptará posição do que devem fazer, o casal é que tem que tomar iniciativa de mudança. Assim, e parafraseando Whitaker, a terapia é uma viagem...nós somos os guias!

Cleopatra disse...

"A teoria psicanalítica de Wilfred Bion permite-nos perceber que a importância dos acontecimentos e o seu efeito nefasto está relacionado com a nossa capacidade (ou possibilidade interna) de podermos aprender com esse mesmo acontecimento. "

Tenho isto em conta nas decisões que profiro todos os dias.
E como a Ana , penso que a Vida é o fazemos com ela.
Mas vejo que, nos casos que me passam pelas mãos, poucos foram ou são capazes de fazer o caminho sózinhos.
É que em alguns meios há muitas solicitações... muitas vidas iguais.

E depois, há aqueles que conseguiram fazer o pecurso, nem perfil de delinquente têm e, chegados a Homens, confrontados com a andropausa,( por exemplo) desatam a pensar e a dizer que são e sempre foram uns desgraçados vitimas dos outros,...Disparam em todas as direcções menos na direcção certa.
Eles não têm problemas , o problema são os outros.

O ser humano é complicado.
Lido de perto, quer profissional quer socialmente com perfis diferentes do habitual.

Alguns espantam-me.
Com os que me caiem nas mão ( entre aspas!) profissonalmente consigo trabalhar e distanciar-me, procurar a medida efectiva da pena, ponderando tudo o que aqui disse, nas variadas vertentes da influência endógena e exógena.

Com os mais próximos, amigos e amigas que telefonam, ou familiares ( principamente terceira idade )é mais dificil.

Aí acho que eu é que preciso de terapia!! LOL!

Cleopatra disse...

A psicoterapia é uma viagem a um mundo desconhecido.
Não há mapas.
Cada caminho ´+e um novo mapa.
Não há fórmulas.
Há perfis.
Alguns são fáceis de descobrir e de se encontrar...Outros nunca se encontram, negaram sempre a sua relidade,... nunca se vão encontrar.
O terapeuta é um guia..o caminho nãop é ele que o escolhe.
É isso que muita gente não entende.