sexta-feira, outubro 12, 2007
O sonho depois de acordar
Acorda. O braço responde. Ninguém chora do outro lado da porta. O dia é noite escura de uma lua cansada de muitos milhões de luares. Antes de os olhos se habituarem à escuridão que envolve, o cheiro a alfazema. A almofada segura a cabeça, a solidão ainda dorme numa cama demasiadamente grande para um só corpo, mas dá esperança, e medo, e ódio, e zanga, e sopro, e fúria, e sangue e medo, e nada, não há movimento. Olha a janela, cimento. Olha a porta, cimento. Olha para dentro dela, morte que é desejo de não mais viver. A mesa de cabeceira. Não há luz. O braço que mexe quer pegar nalguma coisa. Muito baixinho, sem acordar a solidão que a abraçaria, pega numa imagem de um anjo. Cabe-lhe na palma da mão, mas enche-a por dentro. Pede, pensa, reza, imagina. Um sonho sem paredes, um sonho onde as coisas simples voltam. Não consegue. Mexe-se de mais, a solidão acordou. Tudo fica mais em silêncio. Ouve sente, alguém que chora do outro lado do cimento. Uma mão agarra a almofada. Alfazema. Fecha os olhos. Larga o anjo. Alfazema. Silêncio. As paredes sangram cimento. Morre. Alfazema. O anjo no chão. O choro de alguém que chora encostado à porta. Chora uma lágrima que lhe borra o rouge. Cimento, rouge, alfazema. Alfazema.
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3 comentários:
Olá Ana Paula!
Não pude ficar indiferente ao seu post que me remeteu para um filme de Paul Auster que vi recentemente "A vida interior de Martin Frost". Viu o filme?
Bjs,
Astride Almeida
Muito bonito.
Parabéns pelo post!
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