Pelo menos até há bem pouco tempo
(na verdade, penso que ainda é assim), uma gravidez depois dos 35 anos era
automaticamente considerada de risco. Não descurando a maior incidência de
alterações e complicações a partir desta idade, esta classificação sem a
verificação de fatores pré-existentes pode trazer um risco acrescido: o da
ansiedade.
A gravidez requer adaptação a vários
níveis e traz consigo ansiedade e angústias normais. À partida, mesmo nos
casais que optaram (em contraposição à decisão forçada) por adiar a
parentalidade, existe uma ansiedade face à possibilidade ou não de conceberem e
face aos receios inerentes ao decorrer da gravidez e do desenvolvimento do bebé.
Ao verem a sua gravidez conotada como “de risco”, a ansiedade e os receios
podem aumentar exponencialmente e influenciar de forma negativa o processo.
Por um lado, passa a haver uma
perceção e uma crença de que o bebé será mais vulnerável e correrá mais riscos,
mesmo não tendo havido qualquer problema ou complicação. Por outro lado, esta
crença pode levar a uma culpabilidade e a um sentimento de responsabilidade
direta sobre a saúde do filho. Este aspeto pode não só afetar a gravidez, como
o estilo parental após o nascimento, que poderá ser excessivamente protetor
devido a angústias de doença ou mesmo de morte. No extremo, a mãe (e obviamente
o pai) pode mobilizar mecanismos de defesa que a impedem de se ligar ao bebé
durante a gravidez, e depois, devido ao receio de que não sobreviva. Estes
movimentos podem ter consequências devastadoras na saúde mental dos pais e da
criança.
Este aspeto implica, portanto, a
necessidade dos profissionais de saúde serem sensíveis aos fatores psicológicos
e acompanharem o casal não só do ponto de vista médico, mas também no que toca às
expetativas e aos receios.
A gravidez tardia (talvez também
esta expressão deva ser repensada) é o resultado de mudanças sociais e dos
progressos médicos, obrigando por isso a uma mudança nos paradigmas de
intervenção.
1 comentário:
Embora completamente de acordo com o texto, gostaria de assinalar um aspecto igualmente relevante:
- é sabido que a fertilidade nas mulheres começa a diminuir a partir dos 35 anos, o que pode, portanto dificultar a concepção;
- ora, essa maior dificuldade e a consciência que a mulher tem do tic-tac inadiável do seu relógio biológico constituem, em si mesmas, factores de ansiedade;
- sabendo-se que a ansiedade pode influenciar negativamente a capacidade ovulatória, é fácil perceber-se o ciclo vicioso que rapidamente pode surgir aqui.
Note-se que este ciclo vicioso pode surgir mesmo em mulheres (casais) jovens, mas que, por qualquer motivo, pretendem engravidar rapidamente.
Curiosamente (e conheço alguns casos desses), alguns desses casais conseguem finalmente uma gravidez quando se convencem de que tal será impossível e começam a encarar alternativas (adopção, fertilização in vitro, etc).
Muito provavelmente porque, nesse momento, desaparece a ansiedade relativamente à concepção...
JM
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