Este artigo que abaixo partilho remete, de forma clara e simples, para o complexo processo da maternidade e turbilhão de emoções. Em consultório tenho lidado de perto com estas emoções, que ora evocam o que de mais doce e terno existe numa mulher, ora remetem para o seu lado mais "malvado" e "maléfico", desabafou uma mãe.
Mas efetivamente existe uma barreira muito téneu entre o bem e o mal e rapidamente se resvala (quase sem saber porquê...) para o outro lado, e se por vezes algumas mães aprendem a lidar com as suas emoções, outras escondem e reprimem um pequeno fantasma que se torna um monstro imenso.
"Há mamãs loucas. Literalmente tan-tans da cabeça. Calha a quase todas
este estado temporário de insanidade e que se lê nos olhos dos maridos,
amigos e família. Quando? Logo ali, nos meses após terem dado à luz.
Quando dar vida à vida é uma loucura.
Há quem tenha recebido a visita dos Reis Magos para celebrar o
nascimento do seu filho. Mas a maioria das mamãs é visitada pelos
parentes mais antigos e estimados: os seus fantasmas. De branquinho como
manda a tradição, os fantasmas aparecem todos juntos para conhecer o
novo bebé. E alucinar a mamã. Começam por apoderar-se do seu corpo que
fica aterrador no pós-parto. Depois espicaçam-lhe as hormonas,
deixando-a bolsar sentimentos ridículos. Como quando uma pobre mosca
entra em casa, feliz da vida, à procura de alimento para as suas
mosquinhas; e a mãe, louca e tísica, pum! Mosca esborrachada. Depois,
chora como se tivesse assassinado um elefante voador. “Mas quem é que
deixou o Dumbo entrar?!”
É um estado de nervoso miudinho intervalado com risadas histéricas. O
divertido é que a recém-mamã tanto pode estar a amamentar o bebé com
todo o seu amor a transbordar, na mais terna das felicidades; como horas
mais tarde, no trabalho, pode estar prestes a pegar na caçadeira para
disparar uns tirinhos aos colegas. Ou estar a preparar uma papinha na
mais santa das paciências até não sobrar um grumo para o bebé não se
engasgar e, de seguida, ir a correr riscar o carro do vizinho,
estacionado em cima do passeio, porque “Não me deixou passar com o
carrinho do bebé! Seu labrego!”
E só de olhar para estas tresloucadas mães mudamos de passeio,
fingimos não ter ouvido a campainha, damos passagem imediata na fila do
supermercado. Receamos aquela figura de carrapito descaído e roupas
largas, maquilhada com olheiras até ao queixo, e que tanto pode
apertar-nos as bochechas e espetar-nos um beijo como aterrar um estalo
que nos faz lembrar a louca da nossa mãe, claro.
A loucura não é mais do que uma violenta emoção. E a vida, quando
explode, é a maior das emoções. Por isso, é tão fácil entender a loucura
maternal: porque a mamã continua a parir todos os dias após o parto. A
parir a sua identidade, a parir leite, a parir uma frase a seguir à
outra, a parir um sorrisinho, a parir medos e coragens, a parir uma
imagem a projectar. Vira alienada. Vira desmemoriada. E uma mamã em
construção, enquanto não está pronta, não é bonito de ser ver e o
contacto pode até ser perigoso.
Muitas recém-mamãs saem à rua de calças de pijama, verificam a cada
cinco minutos se a criança respira, guardam as chaves do carro no
congelador e garantem que com um mês a criança já diz "Mamã". E não, não
são vozes na sua cabeça. O mundo, e em especial os maridos, é que não
as entendem. Apesar de a loucura ser uma palavra feminina.
Mas eis que tudo o que é bom dura pouco. A loucura maternal é,
infelizmente, temporária. Acaba por passar pois os fantasmas têm mais
visitas a fazer e talvez, lá para o Natal, possam vir de novo dizer
"olá". Ou "buuu"!
Eu podia ter-me ido abaixo, cantado o baby blues, dormido
uma noite no Júlio de Matos. Mas isso não aconteceu comigo, apenas me
visitaram um par de fantasmas tenrinhos. Mas sei que há muitas
recém-mamãs assombradas que choram ao verem-se neste imenso palco de
loucos sozinhas com os seus bebés. Calma, mamãs. Não se assustem, pois a
loucura é um privilégio e uma felicidade imensa. E só quem tem
fantasmas é que foi gente."
http://lifestyle.publico.pt/maeshamuitas/332649_de-mae-e-de-louca-todas-temos-um-pouco
Tânia Paias
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Departamento da Infância (Faro)
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