Como vimos nas publicações
anteriores, a masturbação tem início em idade bastante precoce e faz parte da
exploração e descoberta normais da infância, tendo uma componente
essencialmente sensorial associada à descarga de tensões. Não tem um caráter
erótico, apesar da leitura que os adultos fazem do comportamento masturbatório
estar muitas vezes centrada na erotização, que conduz à repreensão e à proibição.
Esta atitude tende a acentuar a curiosidade, por um lado, e a tensão, por
outro, reforçando a masturbação.
Mas há sinais que efetivamente
podem revelar preocupações, sobretudo quando parece haver uma hiperexcitação.
Como em quase todas as questões do desenvolvimento infantil, a intensidade, a
frequência e a persistência indicam se existe ou não um problema.
Quando a masturbação não é
sobrevalorizada pelos adultos e é abordada de forma tranquila e direcionada
para um ambiente mais privado, mas a criança mantêm uma elevada frequência de
comportamentos masturbatórios, parecendo absorta e alheada de tudo o resto,
pode ser sinal de uma elevada carga ansiogénica que não está a ser capaz de
aliviar de outra forma. Este funcionamento pode ser frequente em contextos
familiares desorganizados, com elevados níveis de tensão, que levam a criança a
refugiar-se no comportamento masturbatório, como se tentasse embalar-se para se
tranquilizar. Crianças com dificuldades de expressão podem igualmente recorrer
a esta forma de gratificação (em vez de, por exemplo, fazerem uma birra ou
chorar quando não se sentem bem). Quando os adultos percebem que a masturbação
é um refúgio, devem aproximar-se calmamente da criança, pegar-lhe, abraçá-la e
até embalá-la e dizer “está tudo bem, estou aqui, estás segura/o”. Estas são
crianças que habitualmente necessitam de uma contenção física por parte do
adulto, às vezes bastando tocar-lhe com a mão para as tranquilizar.
Outras vezes existem explicações
físicas para a manipulação excessiva dos genitais, especialmente nas meninas:
infeções, alergias, dermatites, hipersensibilidade cutânea. Nestes casos, mais
do que masturbação para obtenção daquele misterioso prazer, a criança toca,
coça, esfrega para tentar aliviar o desconforto. Estas situações requerem observação médica.
Quando a masturbação assume um
caráter sexual (erotizado) mais evidente (insistindo na penetração com objetos, simulando
posições sexuais, contacto físico excessivo, repetição e insistência na
masturbação após a adequada intervenção do adulto, envolvimento com crianças
mais novas ou mais velhas), pode ser sinal de que a criança está a ser
molestada ou, pelo menos, exposta a demasiada estimulação sexual.
Na minha anterior publicação, a
propósito dos traumas da infância, referi que muitas vezes os pais acham que certas
vivências não têm impacto na criança porque esta “ainda não tem idade para
perceber”. Quanto menor a capacidade da criança compreender o que se passa à
sua volta, maior a probabilidade de existir um impacto negativo.
Demasiada estimulação sexual não
significa, necessariamente, abuso sexual (apesar de algumas vezes ter um
impacto psicológico semelhante). Pode ser uma cena na TV ou em revistas ou
partilhar o quarto com um irmão mais velho que poderá masturbar-se na presença
da criança, achando que esta está a dormir. Dormir no quarto dos pais é,
também, frequentemente uma fonte desta sobre-estimulação, e não é preciso que a
criança seja muito crescida. Quando questiono sobre a sexualidade dos pais com
o/a filho/a no quarto, a grande maioria responde “só fazemos quando está a
dormir e não fazemos barulho” e não consideram qualquer hipótese da criança se
aperceber. Pois a teoria e a prática comprovam que as crianças frequentemente
assistem, pelo menos, a parte das relações sexuais dos pais: sons, nudez,
movimentos e posições que podem ser vividas como uma experiência altamente
violenta, que a criança não tem capacidade para compreender nem integrar. Esta
experiência pode não só contribuir para uma grande inquietação e angústia, como
ativar a masturbação e a sexualidade de uma forma pouco saudável.
É sempre difícil definir o que é
um comportamento demasiado intenso, repetitivo e persistente. Na dúvida,
procure o pediatra e solicite observação psicológica.
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Diretora do Departamento da Infância