Quero escrever o
presente post, e sinto-me com
dificuldade de arranque.
Como
é que o EMDR poderá estar ao serviço da instalação de recursos para o
desenvolvimento da criatividade? Impasse...
Resolvo
‘beber do próprio veneno’, isto é, aplicar o próprio método à produção deste
texto e seguir a via da experiência. Socorro-me
de um colega especializado também em EMDR, para realizar comigo o processamento
bilateral, e desbloquear o meu impasse
de escrita. O que descrevo seguidamente é tão simplesmente o que se passou
comigo, ao nível consciente dos pensamentos, imagens, sensações e emoções, durante os breves 15 minutos de processamento que fizémos
e que ilustra o processo em si, e os efeitos que poderá provocar em matéria da
percepção e das associações.
I. Sendo questionada
sobre que imagem me ocorre que possa representar a criatividade, à medida que
decorre o primeiro set de estimulação bilateral, surge-me a imagem de uma torneira cromada
absolutamente vulgar.
II.“Regista isso e
continua a partir daí” ouço o meu colega dizer-me; da minha parte, sinto-me tranquila e mantenho presente a
imagem dessa torneira. A única coisa que me ocorre nessa etapa do processamento
é que a criatividade, tal como a
torneira pode estar fechada ou aberta, mais fechada ou mais aberta. E se
estiver fechada a criatividade também é estancada.
III.Prossigo, de
olhos fechados –com novo set de estimulação-, e surge-me que o caudal da água,
e da criatividade, serem mais abundantes de acordo com a potência do abastecimento
(a quantidade do recurso na rede) e com a ação, deliberada ou não, exercida sobre a torneira...condições externas
e internas. Reparo, ou penso, que tal como o corpo para funcionar eficazmente precisa
da necessária hidratação também a mente, e a pessoa no seu todo, precisam dessa
outra hidratação gerada pelo fluxo de criatividade ou energia criativa, para as
fazer sentir plenas e vivas; e que qualquer corte ou bloqueio da criatividade
ameaça esse funcionamento podendo provocar impasses, quase sempre acompanhados
dalgum sofrimento psíquico, e chegar a comprometer satisfação, prazer,
auto-estima, e resultados.
IV. Continua a
estimulação, e ocorre-me que o fechar da torneira, e neste caso o bloquear da
criatividade, são intencionalmente, ou não, accionados (ou agidos) pela pessoa...Pergunto-me
sobre o que levará alguém a querer travar a sua criatividade e impedir-se de
sentir o gozo do seu fluxo e o resultado da sua ação? Visualizo uma imagem completamente
branca (a criatividade) que começa a partir do canto superior direito a ser vigorosamente
inundada de espessa tinta preta que toma conta, esconde, devora ou asfixia o
espaço branco - como se no espaço tridimensional de um tanque de água, ou do
mar, a transparência da água desaparecesse
com o ataque de tinta preta libertada por um polvo...
Na imagem bidimensional
original o branco desaparece muito rapidamente , aniquilado pelo poder invasor
da tinta preta e fica uma pequena ilha branca a resistir no canto inferior
esquerdo da página dominada pela fúria do negro. Sinto-me transtornada
fisicamente à medida que esta imagem aparece: inquieta e com uma sensação
desagrável no abdomen, uma sensação de murro no estômago. Como num cartoon, imagino
essa pequena mancha branca espartilhada, e encostada às margens, a ganhar vida
e a começar a mexer-se, começando a
escavar por entre a tinta preta,a riscá-la de branco, e vejo-a a aumentar a sua
margem e a reconquistar o seu espaço...
Terminámos por
aqui, o que não sucederia numa sessão de EMDR, em geral com uma duração
bastante mais longa (60-90 minutos). O que fica registado é a descrição objetiva
desta experiência pessoal e do que subjetivamente sucedeu durante a
micro-sessão.
O EMDR pode ser
utilizado por terapeutas especializados não somente para alteração de padrões
repetitivos entrelaçados com memórias traumáticas e ultrapassar situações perturbadoras,
mas para produzir material associativo e para desenvolvimento e instalação de
recursos como, neste caso, da criatividade.
Esta intervenção é particularmente
útil quando pensamos em pessoas que dependem
fundamentalmente deste recurso para o desempenho da sua performance artística ou criativa, e para quem estes impasses e 'nós' podem acarretar custos pessoais e profissionais elevados.
Isabel Botelho
Psicóloga - Psicoterapeuta - Executive Coach