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quinta-feira, dezembro 04, 2014

O conceito de impermanência no Budismo e na psicanálise

Encontrei um texto muito interessante que cruza o budismo e a psicanálise escrito por Alexandre Esclapes (Brasileiro) aqui: http://www.monjacoen.com.br/textos/textos-diversos/309-o-conceito-de-impermanencia-no-budismo-e-na-psicanalise

Transcrevo o texto na sua totalidade.



O conceito de impermanência no Budismo e na psicanálise


Bion seguindo Freud tanto a partir de 1895 no “Projeto” quanto em 1911 com “As duas formas do acontecer psíquico” vai se preocupar com a apreensão da realidade. Influenciado pelos conceitos kleinianos, em textos como “O aprender com a realidade” e “Transformações” vai trabalhar com conceitos como “invariante”, “O”, entre outros, numa clara aproximação tanto de Kant quando do Zen Budismo. O presente artigo não pretende trabalhar os conceitos básicos de Bion mas fazer uma articulação entre alguns deles e o Budismo.
Um dos conceitos mais fundamentais da prática psicanalítica em Bion, a saber, o de invariância – termo emprestado da química, que para Bion indica um pensar que “não varia”, que de alguma forma está congelado. Pode-se entender que um pensamento que não varia se apresentaria “doente”, o que seria causa de sofrimento psíquico.
Bion também vai colocar que o pensamento, está assentado em formas mais primitivas de funcionamento psíquico, dependente de estruturas e formas de funcionar, como as funções alpha e Beta, e que o pensamento lógico está assentado nessas outras estruturas. Fundamentalmente segue Freud quando diz que o Eu não é o dono na sua própria casa, ampliando as estruturas consideradas inconscientes.
Pode-se agora partir para um possível entendimento dos conceitos budistas de impermanência e omnisciência. O primeiro conceito é estritamente ligado ao da variância do mundo – nada é permanente ao longo do tempo, e em algumas leituras desse conceito, nada é permanente mesmo quando se retira o conceito de tempo. Causas e condições variam constantemente e o seu resultado, portanto, também varia. A aquisição desse conhecimento dentro da tradição budista estaria ligada a correta percepção da realidade – aqui entra o conceito de omnisciência. Não se pode confundir omnisciência com aquele que tudo sabe, um dos atributos de uma deidade judaico-cristã, mas de uma capacidade de perceber o aqui e agora em sua plenitude.
Algumas tradições budistas dão grande ênfase a esse caráter da omnisciência, aproximando esse conceito ao de “plena atenção”.  A plena atenção possibilitaria ao seu praticante perceber a impermanência do mundo e assim se libertar de apegos àquilo que em sua essência é variante, e, portanto, causa de sofrimento.
Apesar das duas visões serem muito parecidas, o fato de se introduzir o elemento inconsciente no processo causa grandes modificações na possibilidade de se atingir a percepção da variância do mundo.
A primeira delas é que a apreensão da realidade se dá para Bion, como na tradição psicanalítica,  de dentro para fora. Sem um aparelho para pensar, não existe pensamento. Paradoxalmente, um pensamento está à procura de um pensador. Em outras palavras, o mundo se torna invariante porque a realidade psíquica se torna invariante. Nas pegadas de Winnicott o real é um objeto transicional, nunca chegando a ser puramente real.
Um desafio nessa visão psicanalítica se dá a partir da angustia que a variância causa. O ser, o Eu, por definição é uma estrutura invariante – se modifica ao longo do tempo longo, mas no curto e médio espaço de tempo, se mantém mediamente constante. A completa variância das estruturas psíquicas, portanto causam profunda ansiedade, uma vez que ameaçam o acontecer do Eu no tempo. Se essa angústia for por demais insuportável, um congelamento das estruturas psíquicas acontece, o aprender com a experiência é prejudicado, quando não impedido, e ataques a percepção de uma realidade impermanente são postas em andamento.
Pode-se pensar que a impermanência seja um dos conceito chave tanto para o budismo como para a psicanálise a partir de Bion, com talvez uma diferença de enfoque – na tradição budista a “plena atenção” traria uma visão correta da impermanência, enquanto para Bion, a “plena atenção” seria uma aquisição emocional da modulação das ansiedades envolvidas nesse processo, e somente a partir dessa modulação, seria possível o processo de “atenção plena”. A diferença chave aqui é que em casos onde o aparelho psíquico, ou aparelho para pensar não esteja disponível para receber o pensamento, não basta “desejar” a “plena atenção”, ou “treinar” a “plena atenção”, pois não existe tal aparelho para isso.
Talvez aqui resida o fato de que nos casos onde o processo meditativo não surta os efeitos desejados dentro da tradição budista, a inveja primária, o abandono antropológico, o ódio e principalmente as ansiedades de despersonalização supra citadas evocadas pela prática meditativa como efeito colateral, podem trazer em alguns indivíduos, de um lado transformar a prática em um impasse, levando o seu praticante a desistir da mesma. Ou de outro modo, criar um falso self (Winnicott), um mais adequado à pratica budista e à inserção na comunidade, mas que no fundo esconde estruturas de caráter psicótica, cujo equilíbrio psíquico pode ser facilmente balançado, ou com o passar do tempo, demonstrar que o que se via não eram mudanças verdadeiras, mas falsas.
Pode-se concluir que em indivíduos onde o sentimento de inveja primária seja muito pronunciado, bem como ansiedades de despersonalização, a prática meditativa sem acompanhamento psicanalítico é desaconselhável, pois pode se criar nesses casos no mínimo um impasse na estrutura psíquica do praticante, o que na maioria dos casos pode levar a desistência da prática, mas em alguns casos mais graves ser uma regressão a este estágio psicótico com todas as consequências para o aparelho de tal regressão.
A mesma lógica pode ser seguida para pacientes que estão em tratamento psicanalítico onde os objectivos sejam parecidos. Dependendo do manejo que o terapeuta faça, como o trabalho sobre a  impermanência (ou melhor variância) no aparelho psíquico do paciente, as consequências podem ser idênticas. A apresentação da realidade (plena atenção) é um para os casos neuróticos, mas precisa de adaptações para os casos psicóticos, ainda que o objetivo seja os mesmo. Confundir isso pode provocar sérios retraimentos ou mesmo impasses no tratamento, com eventuais abandonos ou internações desnecessárias.

segunda-feira, outubro 14, 2013

Impermanência - uma realidade inquestionável



A impermanência é algo difícil de apreender pela mente humana, mas cuja a aceitação é fundamental para o equilíbrio psíquico.

Krishnamurti, um pensador filósofo indiano refletiu bastante sobre esta questão - que de resto é uma questão central nas filosofias/religiões orientais. Abaixo transcrevo uma pequena citação de um dos seus livros sobre a impermanência. Acho excessiva a afirmação de que só existe um fato e que esse fato é a impermanência. Penso que há mais do que um fato, muitos até, mas parece-me, sem duvida, que este é um fato importante.


Só existe um fato: impermanência   

"Estamos tentando descobrir se existe, ou não, um estado permanente, não o que gostaríamos, mas o fato real, a verdade do assunto. Tudo em relação a nós, dentro bem como fora – nossas relações, nossos pensamentos, nossos sentimentos – é impermanente, num estado de fluxo constante. Estando consciente disto, a mente anseia por permanência, por um perpétuo estado de paz, de amor, de bondade, uma segurança que nem o tempo nem os acontecimentos podem destruir; então ela cria a alma, o “Atma”, e as visões de um paraíso permanente. Mas esta permanência nasce da impermanência, e assim, tem dentro dela a semente do impermanente. Só existe um fato: impermanência."

Krishnamurti, J. Krishnamurti, The Book of Life